REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411291459
Emmanuela Niemaier de Moura¹*; Flavya Ferreira dos Santos²*; Renascha Gabrielly Soares Lima³*; Orientador(a): Hytalo Mangela de Sousa Faria⁴**.
Resumo: Sabe-se que o processo de envelhecimento é um processo natural da vida, sendo esta, a última fase do desenvolvimento humano. Advindo disso, ocorrem diversas mudanças na vida do indivíduo ao envelhecer, consistindo algumas delas em físicas, cognitivas, comportamentais, entre outras, provenientes do avançar da idade. Essas mudanças também irão englobar o núcleo familiar e social dessa pessoa, onde, em sua grande maioria, desenvolve-se uma necessidade de haver modificações na estrutura familiar do idoso e consequentemente será necessário uma troca de papéis neste contexto, mudando completamente as funções que cada familiar possuía dentro da família para conseguirem se organizar e cuidar do geronte. Em consequência dessa reestruturação familiar juntamente com os desafios do último ciclo da vida, o idoso perde grande parte de sua autonomia e esse fator impacta diretamente em sua saúde mental, podendo até mesmo desenvolver algum transtorno psicológico nessa fase final da vida, como por exemplo a depressão e a ansiedade.
Palavras-chave: saúde mental; idoso; família; reestruturação; troca de papéis.
Abstract: It is known that the aging process is a natural process of life, being the last phase of human development. As a result, several changes occur in an individual’s life as they age, some of which are physical, cognitive, behavioral, among others, resulting from advancing age. These changes will also encompass the family and social nucleus of that person, where, for the most part, there is a need for changes in the family structure of the elderly person and consequently it will be necessary to change roles in this context, completely changing the functions that each family had within the family to be able to organize themselves and take care of the manager. As a result of this family restructuring, together with the challenges of the last cycle of life, the elderly lose a large part of their autonomy and this factor directly impacts their mental health, and may even develop some psychological disorder in this final phase of life, such as depression and anxiety.
Key-words: mental health; elderly; family; restructuring; role reversal.
1 INTRODUÇÃO
O fenômeno do envelhecimento, que antes era considerado possível apenas em países desenvolvidos, vem tornando-se uma realidade nos países em desenvolvimento como o Brasil, por exemplo. As mudanças nos contextos familiares e no convívio com a pessoa idosa nessa etapa da vida ganha novas configurações, quando o indivíduo passa da produtividade/provedor para a dependência e essa é a dinâmica vivenciada por muitas famílias e idosos.
Para considerarmos o início da velhice, vários fatores devem ser considerados, como a cultura, a região demográfica, a política, a economia, os fatores ambientais e sociais que o indivíduo está inserido.
Segundo Shephard (1994, p.291-298.), o processo de classificação do indivíduo em idoso pode ser diferente de um país para o outro. Na América do Norte pessoas a partir de 65 anos são consideradas idosas, já em alguns países do leste europeu do antigo bloco socialista, com 55 anos já fazem parte da terceira idade. Quando pensamos no envelhecimento, considerando a Organização Mundial de Saúde (OMS), os indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos, que residem em países desenvolvidos, são considerados idosos e com 60 anos ou mais para países em desenvolvimento é nesse contexto que o Brasil se insere. (Mazo, Lopes e Beneditti, 2001).
No Brasil é comum que as pessoas idosas sejam cuidadas por familiares, porém, os conflitos podem ocorrer, pela convivência com as gerações com pensamentos diferentes, pela falta de capacidade dos membros da família em lidar com as alterações no comportamento dos idosos e em alguns casos por não conseguirem prestar os serviços que o idoso necessita. (Néri et al., 2012).
Conforme discutido por Davim et al. (2004) no processo de envelhecimento várias mudanças ocorrem que abrangem tanto o idoso quanto a sua família e principalmente no que diz respeito às relações afetivas, nas distribuições de tarefas, nos papéis dentro do contexto familiar, na dependência financeira e na perda de autonomia desse idoso para gerir sua própria vida.
Segundo Cerveny e Berthoud (1997, p.118) os impactos nessa fase da vida podem ser observados e também nos conflitos geracionais quando pensamos na convivência do idoso com os filhos, os netos e os bisnetos, principalmente quando essa estrutura relacional sofre mudanças e a pessoa idosa passa a desempenhar outros papéis dentro da família.
Conforme Freire e Tavares (2005), com a chegada da idade, o idoso sofre com a desqualificação e a falta de empoderamento, seja ela pela perda de ganhos financeiros ou pela dependência de maiores cuidados que a terceira idade exige, é uma situação nova para idoso e sendo de grande relevância um olhar para a saúde mental do geronte nesse contexto de mudanças e perdas.
O que justifica esse projeto é a busca pela compreensão da relação do idoso no contexto familiar, as possíveis modificações que podem ocorrer nos arranjos da estrutura da família, como troca de papéis, a dependência e a perda da autonomia do idoso, e a partir disso, compreender os impactos na saúde mental da população idosa.
De acordo com Cerveny (1997, p. 226) o ciclo familiar passa por várias etapas que vão desde a constituição da família até a morte dos indivíduos. A partir desse estudo pretendemos identificar como as mudanças que ocorrem na estrutura familiar em decorrer da idade, podem afetar o idoso, tendo como objetivo geral a verificação dos impactos na saúde mental dos idosos, com a perda da autonomia provenientes das transições e das trocas de papéis que ocorrem no contexto familiar. Como objetivos específicos, pesquisar sobre os impactos que as mudanças na rotina podem causar na saúde mental do idoso, investigar a reestruturação e as trocas de papéis que ocorrem na família com a chegada da terceira idade.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Conceito de Família
Quando falamos de família, estamos contextualizando a nossa base e todo processo dentro dela. Seus laços e desenvolvimentos são primordiais para o que tornará seu ser, Vygotsky (1995) fala da construção do sujeito por meio da relação, independente da sua forma familiar, que será abordado mais adiante de acordo com evolução e mudanças que aconteceram durante diversos séculos.
Ao longo do tempo o conceito de família vempassando por inúmeras mudanças, sendo elas no âmbito religioso, constitucional e social. Nas décadas de 50 e 60, marcou-se o movimento de nuclearização, com muitos filhos, hierarquia rígida e divisão de tarefas com base no gênero (Vaitsman, 1994; Vieira, 1998).
O homem continua detentor da autoridade e “rei” do espaço público; enquanto a mulher assume uma nova posição: “rainha do lar”, “rainha do espaço privado da casa”. Desde cedo, a menina é educada para desempenhar seu papel de mãe e esposa, zelar pela educação dos filhos e pelos cuidados com o lar (ALMEIDA, 1987. p.22).
Segundo Almeida (1987), esse modo de vida foi influenciado pela explosão do capitalismo industrial, que conduziu para uma nova tendência de família moderna, contendo menos filhos e mais individualismo. Passaram-se várias alterações de papéis, divórcios com novos casamentos e a igualdade passou a ser o novo propósito do matrimônio.
No momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua democratização em que as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem a excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas (Dias, 2009, p. 53).
A evolução trouxe assim, diversos tipos de grupos familiares, todos com o mesmo fim de aproximação e estruturação, contendo seu espaço de crescimento, desenvolvimento e principalmente seus laços afetivos que podem ser agregados a mais pessoas e tornar assim um novo tipo de família, Dias (2015) descreve esses diversos grupos como:
família recomposta, família mosaico, família pluriparental, família transformada, família rearmada, família agregada, família agrupada, família combinada, família mista, família extensa, família sequencial ou família em rede. A ausência de homogeneidade na conceituação destas entidades familiares evidencia a resistência que ainda existe em aceitar tais estruturas de convivência (RIBEIRO e PEREIRA, 2017, online apud DIAS, 2015).
Em meio a todas essas preocupações citadas, o conjunto familiar ainda continua sendo a maior rede apoio de bem-estar físico e psicológico. Continua em constantes transformações, a fim de buscar melhorias e a forma que são supridas suas necessidades afetivas e ambientais, e como são internalizadas, pode influenciar no desenvolvimento e na capacidade de vincular-se um ao outro (Silva & Neto, 2012).
2.2 Apontamentos no processo do envelhecimento
O envelhecer é uma etapa posterior a infância, adolescência e a puberdade, na qual também demanda uma grande responsabilidade, pois são marcadas por mudanças corporais, e de tratamento quando outros ‘’limites’’ precisam ser impostos (Costa, 1998; Minayo & Coimbra Jr., 2002).
A teoria da genética (Jean Piaget, 1971) apresenta que o envelhecimento é parte do desenvolvimento resultado por modificações bioquímicas programadas pelo próprio genoma, não deixando assim de ser um processo pessoal, natural e inevitável na evolução da vida humana (BRASIL, 2008). Passar pelo o envelhecimento apresenta situações diferenciadas para cada ser humano, pois todo ser é único, tem formas diferentes de lidar com os resultados do seu desgaste de energia vital e processos degenerativos. (Caldas, 2002)
Segundo Neri (2001), ao longo dos anos o ser humano vai se transformando qualitativamente, vencendo sucessivos conflitos evolutivos e ganhando mais aptidão. Porém, muitos não percebem as transições da velhice e as limitações que os acompanha, fazendo se necessário aprender a programar novamente sua vida e a maneira como agir diante das suas ocupações e qualidade de vida.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2022), o Brasil já conta com uma faixa de 32 milhões de Brasileiros acima dos 60 anos, que condiz com 15,6% da população e comparando com a relação de 2010 obteve um aumento de 56,0%, pois possuía apenas 21 milhões (10,8%). Pesquisas essas oriundas de censos demográficos, visitas domiciliares por amostragem, registros desde o nascimento até os óbitos. Esses estudos vêm ganhando cada vez mais visibilidade, devido aos impactos e seus aceleramentos.
Sugere-se que apesar de serem menos numerosas em sua composição estrutural, funcionalmente as redes sociais de idosos são mais efetivas e eficazes na promoção de seu bem-estar. Com isso, estabeleceu pontos como: troca de apoio emocional, manutenção e afirmação de identidade social, estabelecimento de novas relações, reforço de crenças, possibilidade de criação de novas estratégias positivas que estimulem a autoestima, principalmente quando é necessário que o idoso se adapte a perdas físicas e sociais (Neri, 2005).
2.3 A dependência do idoso e a reestruturação familiar
Com o avançar da idade, o ser humano acaba perdendo parte de sua autonomia em razão das alterações que ocorrem nas condições físicas e cognitivas. O grau dessas alterações, irão variar de acordo com vários aspectos, sendo alguns deles fatores socioeconômicos e fatores genéticos. Em consequência disso, o ser humano se dispõe de algumas limitações, principalmente decorrentes de algumas doenças crônicas e degenerativas comuns nesse ciclo de vida, como por exemplo a hipertensão, sendo este um grande fator que se correlaciona diretamente com a autonomia do idoso.
A percepção de autonomia dos idosos pode então ser afetada pelo pobre estado geral de saúde devido à presença de doenças crônico-degenerativas, o qual aumenta o quadro dependência, e resulta em comportamento de autocuidado prejudicado (GOMES et al, 2021).
O idoso que mantêm autonomia, independência e envolvimento ativo com a vida pessoal, com a família, com os amigos, com o lazer e com a vida social revela-se estar vivendo uma velhice bem-sucedida. Porém o número de pessoas capazes de atingir completamente esta fase é muito pequeno, porque o alcance de tal resultado pode ser afetado pela genética, estilo de vida ou até mesmo pelas condições socioeconômicas e culturais (NERI, YASSUDA, 2004).
Dessa forma, na velhice, sendo este o ciclo de vida do presente estudo, é de extrema importância contar com uma rede de apoio para facilitar as condições de vida. Essa rede de apoio pode ser composta de várias maneiras, podendo ser amigos, casas de apoio, contratação de cuidadores de idosos, mas de maneira geral é comum ser composta pela família, principalmente os filhos, que são os membros familiares mais próximos, é com a família que, geralmente, o idoso se sente mais confortável. Como abordado por Mazza e Lefévre (2004), a família torna-se provedora de cuidados, sendo um espaço no qual o idoso encontra-se protegido e respeitados em seus direitos, favorecendo a resguarda de sua dignidade enquanto ser humano.
Conforme o estudo de Blenker (1965 apud CARTER e MCGLODRICK, 1995), é fundamental que haja aceitação por parte do idoso frente a circunstância de dependência em que ele se encontra, sendo necessário grande colaboração de sua parte e aceitação da sua situação de vulnerabilidade. Somente assim, ele poderá se permitir ser dependente quando necessário, assumindo para si e de forma concreta, mesmo que seja temporário, o papel de filho.
A partir deste ponto, decorrente desta dependência, inicia-se o movimento necessário da reestruturação familiar, onde quem antes se encontrava no papel de responsável pela família, agora irá assumir uma posição diferente, como se fosse “filho” de seus filhos, tendo-se assim, uma inversão de papéis no contexto familiar.
A reestruturação familiar acontece muitas vezes em decorrência do processo de dependência. À medida que o indivíduo vai desenvolvendo algum tipo de doença ou limitação, torna-se vulnerável e de certa forma incapaz, é aí que as mudanças de papéis na família vão se destacando. (Caldas, 2003).
Nesta reestruturação familiar, acabam ocorrendo diversos conflitos, pois, muitas vezes, a família, por falta de tempo e/ou paciência, descuida-se ou negligencia aquele que necessita de sua ajuda e cuidados. De acordo com Jardim e Medeiros (2008), no imaginário social, o envelhecer está associado com o fim de uma etapa; é sinônimo de sofrimento, solidão, doença e morte. Dificilmente neste imaginário se vê algum prazer de viver essa fase da vida. O negativismo em torno do processo de envelhecimento foi construído historicamente na sociedade. Portanto, tendo isso em vista, o idoso já se encontra vulnerável ao depender de alguém nos seus momentos finais de vida e ainda se encontra cercado de situações que ocorrem nesta fase da vida, como o luto, perda de sua autonomia, dependência financeira (já que muitas vezes, apenas as suas aposentadorias não se fazem suficientes para suprir seu estilo de vida e/ou necessidades), pouco convívio social, entre outras diversas possíveis situações que afetam a sua saúde mental.
2.4 Os impactos da saúde mental na terceira idade
Com fundamento no que já foi apresentado, identifica-se que a saúde mental do geronte tem impacto direto em sua qualidade de vida. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no Relatório Mundial da Saúde de 2001, a Saúde Mental pode ser considerada um estado de bem-estar vivido pelo indivíduo, que possibilita o desenvolvimento de suas habilidades pessoais para responder aos desafios da vida e contribuir com a comunidade. Ou seja, vivenciamos e experienciamos diversas emoções ao longo do cotidiano e da vida, a maneira como reagimos a essas emoções e situações que as envolvem, é que caracteriza como se encontra a saúde mental de um indivíduo.
Tendo em vista que o idoso se encontra mais vulnerável durante esse ciclo da vida, este acaba ficando mais suscetível a desenvolver alguns problemas psicológicos, como a depressão e ansiedade. Deve atentar-se aos sinais que as pessoas que se incluem nesse ciclo da vida podem apresentar, como por exemplo: isolamento social, insônia, inquietude, entre outros possíveis aspectos que podem impactar tanto na sua saúde mental, quanto em sua saúde física. Em ideia com Loo, H. E., et al. (2017), “os pensamentos suicidas entre idosos podem ser precipitados por uma combinação de sintomas, incluindo solidão, insônia e inquietude.” Para que a identificação desses sinais ocorra com maior rapidez, faz-se necessário que esse idoso esteja frequentemente sendo observado com atenção por alguém, de preferência um familiar que possui maior afinidade com o mesmo e irá conseguir identificar qualquer alteração em seu comportamento habitual com maior facilidade, pois a saúde do idoso é compreendida como multifatorial e envolve elementos físicos e psicológicos.
A saúde do idoso compreende uma combinação de elementos físicos e psicológicos, responsáveis pela preservação de sua capacidade funcional global. Fatores como autonomia e independência são essenciais para a manutenção de uma vida saudável, de modo que a ausência deles pode acarretar prejuízos, principalmente, à saúde mental dos idosos. É preciso lembrar, portanto, que os mais velhos são indivíduos com desejos próprios, anseios, valores e escolhas, os quais, quando comparados com a saúde física, têm o mesmo peso para uma vida saudável. (BEARZI et al., 2021).
Nesse contexto, é reconhecido que a saúde do idoso é multifatorial, ou seja, uma junção de fatores determinantes. Sendo assim, o respeito por sua autonomia, desejos e escolhas, e a presença frequente de sua estrutura familiar durante o processo do envelhecimento, não deixando esse idoso em isolamento e fazendo com que ele se sinta cuidado, influenciam diretamente em como se define o status de sua saúde como um todo, sendo este o grande desafio e causa deste estudo, pois de acordo com Bearzi et al. (2021), a saúde mental do idoso torna-se tão importante quanto sua saúde física.
O bem-estar na terceira idade não depende apenas da saúde física e de programas sociais de prevenção e tratamento de doenças, mas também de um equilíbrio em todas as áreas da vida do idoso. Assim, não se pode negar que o apoio emocional, a atenção e o cuidado da família têm grande relação com um envelhecimento saudável. (BEARZI et al., 2021).
Destarte, fica nítido que a saúde mental gera muitos impactos na vida da pessoa incluída na terceira idade, podendo gerar transtornos mentais e até mesmo ocasionar a evolução para doenças físicas. Logo, para que ocorra um envelhecimento saudável e se mantenha uma boa qualidade de vida, faz-se necessário e de suma importância que o geronte seja respeitado em sua autonomia, pois, em grande parte, seus desejos e escolhas são invalidados por seus cuidadores, já que estes pensam saber o que seria melhor para o idoso e anulam as vontades dos mesmos. Ressaltando assim, ainda mais, a citação de Bearzi et al. (2021), na qual diz que a autonomia e a independência são essenciais para uma vida saudável, de modo que a ausência deles acarretará prejuízos à saúde mental dos idosos.
Nesse viés, o idoso necessita se sentir cuidado, amparado, respeitado e sobretudo não se sentir invalidado ou excluído pela família, já que este é o ciclo social mais importante e próximo de um indivíduo na sociedade desde então. A família é crucial para o idoso, já que é por meio desta que o longevo vivencia a maior parte de sua experiência de vida, na qual se tem os atravessamentos de sua história e a ligação com o passado. (Meneses et. al. 2013 apud Araújo et. al. 2018).
2.5 A infantilização do idoso
O envelhecer é uma etapa da vida, a qual todos iremos passar, caso não tenhamos a vida interrompida em umas das etapas anteriores que precedem a velhice. Segundo Barreto e Cunha (2009), a sociedade tem uma visão carregada de discriminação quando o assunto é envelhecer, partindo desse ponto falar do termo idadismo se faz necessário. O termo idadismo está relacionado a linguagem infantilizada e até mesmo paternalista que é baseada na idade, sendo a descriminalização pela idade. Nesse contexto qualquer pessoa pode ser alvo de discriminação pela idade que tem, porém, as crianças e as pessoas idosas são consideradas os grupos mais vulneráveis (Nussbaum, Pitts, Huber, Krieger & Ohs, 2005).
Conforme Lagacé (2012) o ato de comunicar pode ser considerado um transmissor de estereótipos baseados na idade. O uso da linguagem infantilizada ao se direcionar ao idoso é uma forma sutil e inconsciente de maus tratos e falta de respeito, e na maioria das vezes não tem como finalidade maltratar o idoso, mas sutilmente recolocá-lo em uma nova posição social de dependência e incapacidade, negando muitas vezes o direito de escolha e autonomia sobre a própria vida, promovendo na pessoa idosa o sentimento desvalorização e falta de sentido para continuar a viver.
De acordo com Nelson (2005), é considerado uma linguagem condescendente, a ajuda excessiva que limita atuação do idoso nas suas atividades diárias, tanto fisicamente como intelectualmente, usando um vocabulário que tira o idoso do lugar de adulto, responsável pela sua vida, para recolocá-lo como uma criança que tem alguém que responde por ela.
Segundo Nelson (2006), pressupor que o idoso deve ser tratado como criança é acreditar que o idoso tem capacidade intelectual reduzida e em muitas situações a falta de habilidade do cuidador em considerar a falta de audição ou até mesmo a mobilidade reduzida como um aspecto natural com a chegada da idade, cria um ambiente facilitador para comportamentos que levam a infantilizar e reduzir as tomadas de decisões do idoso.
A linguagem infantilizada pode ser considerada como um risco à saúde mental do idoso, por impactar diretamente nas habilidades linguísticas, na identidade, na autoestima e na percepção de como as pessoas idosas são vistas e consideradas no meio que estão inseridas (Nussbaum et al 2005).
3 MATERIAL(IS) E MÉTODOS
A metodologia utilizada como caminho para este projeto será através da revisão de literatura. Trata-se de uma revisão bibliográfica, segundo Ferenhof e Fernandes (2016), eles classificam a revisão de literatura como exploratória ou tradicional, desse modo, o autor pode incluir diferentes materiais os quais já foram publicados em diferentes fontes, não havendo a preocupação em esgotar todas as fontes de dados e informações referentes ao assunto disponíveis.
Conforme Rodrigues (2007), o método é uma etapa necessária na pesquisa bibliográfica. Face ao tipo de pesquisa escolhido, optou-se pelo método indutivo para a construção do estudo, o método indutivo é composto por três etapas distintas que se interligam, sendo elas a observação dos fenômenos, a descoberta da relação entre os mesmos e a generalização da relação. Visto que nesse tipo de método os pressupostos surgem da observação dos fatos, e de situações às quais o autor deseja adquirir conhecimento sobre as causas e em seguida compreender a finalidade dos resultados.
O método indutivo é o resultado da observação e também da experiência ao estudar um determinado assunto buscando a compreensão e possíveis causas do fenômeno. Esse tipo de pesquisa indutiva nasceu do Positivismo Clássico, nas investigações voltadas à natureza e posteriormente as pesquisas no campo social, a análise parte de um ponto individual do fenômeno e como essas experiências podem afetar a coletividade.
A abordagem da pesquisa qualitativa refere-se a uma pesquisa que pode ser documental buscando investigação bibliográfica e análise de documentos. Segundo Mayring (2002), existem alguns delineamentos desse tipo de pesquisa que são: análise documental, experimentos qualitativos, pesquisas de campo e avaliação qualitativa.
Alguns pontos importantes são encontrados nesse tipo de pesquisa como por exemplo, a análise da mensuração numérica não é algo primordial nesse tipo de pesquisa, já o ponto de vista para compreensão do problema, a busca dos significados e a análise interpretativa pelo pesquisador tem grande relevância. A pesquisa proposta de natureza qualitativa permite aos pesquisadores a formulação de hipóteses a partir das variáveis informações levantadas nas bibliografias diferentes, objetivando os resultados.
Com base nos saberes dessa metodologia de pesquisa, desenvolvemos nossos estudos buscando uma maior compreensão da relação do idoso no contexto familiar. As pesquisas realizadas para construção deste projeto acadêmico possuem como alicerce os artigos científicos referentes aos anos que contemplam de 2002 a 2024 para observação e identificação das possíveis modificações e arranjos da estrutura da família ao longo dos anos e os impactos na saúde mental do idoso.
4 RESULTADOS
A terceira idade é a fase que se inicia aos 60 anos, de acordo com a Lei n°10.423 do ano de 2022, que dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e outras providências. Segundo Bueno (2014) é a partir do início desse período que pode ocorrer o conflito psicossocial básico da velhice, a integridade do ego e a angústia. Afinal, o processo de envelhecimento é doloroso para grande parte da sociedade. O desafio é conseguir enfrentar este período como uma nova fase da vida, onde lidará com a troca de papéis que para o idoso será algo muito repentino e nas maiorias dos casos assustador, pois delimita muito sua autonomia.
Nesse processo do envelhecimento as capacidades e funções passam por desgastes, as pessoas normalmente perdem a capacidade de detectar informação espacial que poderia auxiliar no equilíbrio. Sendo assim, elas precisam de muito mais cuidado e acompanhamento no seu dia a dia, pois podem sofrer muitas mudanças como em estímulos em baixas frequências, a sua percepção de profundidade é mais fraca, além de perdem progressivamente sua visão periférica (Dascal, 2009).
Esse resultado como mostrado por Lasllet (1989), também reflete em diversas partes do cenário atual, pois envolve uma pirâmide de participações e mudanças, citados pelo autor como ‘’mapas de vida’’ que acompanha suas transformações, dependências e a infantilização. Precisa-se observar também as funções e até mesmo valores a serem desenvolvidos por cada um, em sua nova fase de adaptações e medidas de saúde.
O envelhecimento ao mesmo tempo que é um desejo de muitos chegar nessa fase, também é acompanhado de múltiplas preocupações que giram em torno da promoção de qualidade de vida, tendo como suporte principal o relacionamento social e familiar para assegurar seus direitos e deveres pelos próximos anos.
A partir da análise de dados feita ao decorrer deste projeto, nota-se a necessidade da ampliação de meios participativos na vida das pessoas de terceira idade, sendo eles: acompanhamento, motivações, exercícios físicos facilitados de acordo com a demanda. A falta de informação e até mesmo auxílio básico para as famílias lidarem com essa transformação é de grande peso e consequência, pois muitas vezes ficam esgotados e fragilizados sem saber quais recursos usar ou a quem recorrer. Enfatizar também como (BEARZI et al., 2021), toda a importância do cuidado e disposição para lidar com essa fase da vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, diante do exposto, o envelhecimento é um processo natural e inerente do ser humano, essa é a última fase do desenvolvimento humano, ela possui suas características e acarreta diversas modificações no sujeito, principalmente de ordem física, com o possível desenvolvimento de doenças decorrentes da idade, e psicológica, em detrimento do fim da vida estar se aproximando, perda de autonomia, entre outros aspectos, reforçando o que Neri e Freire (2000) apud Schneider e Irigaray (2008) dizem: “Na base da rejeição ou da exaltação acrítica da velhice, existe uma forte associação entre esse evento do ciclo vital com a morte, a doença, o afastamento e a dependência”. Sendo assim, em virtude dessas mudanças, faz-se necessário que a família desse sujeito atenda suas necessidades, pois ele sozinho já não consegue, e para isso é necessária uma reestruturação familiar, onde o papel de cada membro da família é alterado e redefinido em prol do idoso.
Dessa maneira, é assim que os pais começam a se tornar “filhos de seus filhos” e os filhos se tornam “pais de seus pais”, pois há uma inversão de papéis, já que segundo Medeiros (2012) apud Araújo et. al. (2018), observa-se uma inversão nas relações de cuidado, visto que aqueles que foram cuidados passam a cuidar destes idosos. Essa reestruturação altera diversos aspectos que impactam diretamente na saúde mental do idoso; o envelhecer é associado ao fim de uma etapa, sendo sinônimo de morte, doenças e solidão, o sentimento de negativismo é muito presente. Há perda da autonomia até mesmo financeira, onde o responsável cuida do dinheiro desse idoso, tirando dele esse poder. Fatores como esse, que infantilizam o idoso, juntamente com o pensamento de que a vida está chegando ao fim, impactam na saúde mental do sujeito, podendo trazer diversos sentimentos, como o negativismo, tendo o potencial de evoluir para um transtorno psicológico.
Nesse sentido, a família se faz muito importante na vida do geronte, sendo ela primordial para que o bem-estar psicológico e social deste seja estabelecido da melhor maneira possível. Sendo assim, a família precisa ter compreensão, paciência e compaixão acerca deste membro familiar que se encontra mais vulnerável devido a idade avançada, sendo o diálogo uma ferramenta poderosa de conexão com o mesmo, pois a partir disso, o idoso pode se sentir em um ambiente mais acolhedor e respeitoso, fazendo com que ele se sinta mais livre e respeitado por esses familiares, tornando possível que o idoso tenha a capacidade para tomar suas próprias decisões
Por meio das pesquisas realizadas para o presente artigo, pode-se perceber que a valorização do idoso, juntamente com um ambiente acolhedor, capaz de contribuir e reforçar a sua autonomia, são fatores importantes para o idoso vivenciar essa etapa de vida com qualidade. A possibilidade de exercer um envelhecimento que permita novas experiências e a desconstrução da ideia que essa fase da vida deve ser vista como um problema, contribui para o bem estar físico e mental. Refletir sobre essa realidade possibilita superar o preconceito que coloca a pessoa idosa em um lugar demérito e dependência, falar sobre essa realidade oportuniza também construir uma realidade diferente, que garanta mais qualidade de vida e uma transição respeitosa, tanto no seio familiar como na sociedade.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, L. F. de, Castro, J. L. D. C., & Santos, J. V. D. O. (2018). A família e sua relação com o idoso: Um estudo de representações sociais. Revista Psicologia em Pesquisa, 12(2), 14–23. https://doi.org/10.24879/2018001200200130.
BARRETO, E. & Cunha, M. F. G. (2009). Criatividade não tem idade, arteterapia reinventando o envelhecimento. Revista IGT na Rede, 6 (10), 21-28.
BEARZI , Clara Felix et al. Saúde mental durante o processo de envelhecimento: uma revisão integrativa da literatura / mental health during the aging process.Brazilian Journal Of Health Review, Curitiba, v. 4, n. 5, p. 23176-23186, 27 out. 2021. South Florida Publishing LLC. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.34119/bjhrv4n5-392>. Acesso em: 10 de abr. 2024.
CERVENY, C. e BERTHOUD, B. Família e Ciclo Vital. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
CERVENY, C. M. O. (Org.). Família em movimento. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p. 226.
FERENHOF. H. A.; FERNANDES, R. F.Desmistificando a revisão de literatura como base para redação científica:método SF. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, SC, v.21, n 3, p. 550-563, ago/nov. 2016.
FREIRE, R. C., JÚNIOR, & TAVARES, M. F. L. (2005). A saúde sob o olhar do idoso institucionalizado: Conhecendo e valorizando sua opinião. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 9(16), 147-158.
GOMES, G. C. et al.. Fatores associados à autonomia pessoal em idosos: revisão sistemática da literatura. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 3, p. 1035–1046, mar. 2021.
JARDIM, V. C. F. DA S.; MEDEIROS, B. F. DE .; BRITO, A. M. DE .. UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DO ENVELHECIMENTO: a percepção de idosos sobre a velhice. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 9, n. 2, p. 25-34, maio 2006.
LAGACÉ, M., Tanguay, A., Lavallée, M. L., Laplante, J. & Robichaud, S. (2012) The silent impact of ageist communication in long term care facilities: Elders’ perspectives on quality of life and coping strategies. Journal of Aging Studies, 26, (335-342).
LOO, H. E.; HSU, W. Y.; LIAO, C. C. Suicidal ideation among the elderly: a review. Aging & Mental Health, v.21, n.6, p.601-607, 2017. DOI: 10.1080/13607863.2016.1164820. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbgg/a/ZZYWPCCWjH7kgxQxXcCXbvg/>. Acesso em: 04 de nov. 2024.
MAYRING, Ph. Einführung in die qualitative Sozialforschung. [Introdução à pesquisa social qualitativa]. (5ª ed.). Weinheim: Beltz, 2002.
NUSSBAUM, J. F., Pitts, M. J., Huber, F. N., Krieger, J. R. L., & Ohs, J. E. (2005) Ageism and ageist language across the life span: Intimate relationships and nonintimate interactions. Journal of Social Issues, 61, (287-305).
NELSON, T. D. (2005) Ageism: Prejudice against our feared future self. Journal of Social Issues, 61, 207-221.
NELSON, T. D. (2006). The psychology of prejudice. Estados Unidos da América: Pearson Education.
NÉRI, A. L., Yassuda, M. S., Fortes-Burgos, A. C., Mantovani, E. P., Arbex, F. S., Torres, S. V. S., …Guariento, M. E. (2012). Relationships between gender, age, family conditions, physical and mental health, and social isolation of elderly caregi-vers. International Psychogeriatrics, 24(3), 472-483.
PEREIRA, R. R. (n.d.). TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA COM O IDOSO E SUA FAMÍLIA: ESTRUTURAÇÃO FAMILIAR FRENTE À DEPENDÊNCIA.Psicologia.Pt. Retrieved, March, 30, 2024. Disponível em: <https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0801.pdf>. Acesso em: 10 de abr. 2024.
RODRIGUES, W. C. Metodologia Científica (PPT). FAETEC/IST Paracambi, 2007. Disponível em: <http://unisc.br/portal/upload/com_arquivo/metodologia_cientifica.pdf> Acesso em 02 jun. 2024.
SAÚDE MENTAL. (n.d.-b). Ministério da Saúde. Retrieved. May 21, 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-mental>. Acesso em: 16 de mai. 2024.
SCHNEIDER, R. H.; IRIGARAY, T. Q.. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 25, n. 4, p. 585–593, out. 2008.
SHEPHARD, R. J. Alterações fisiológicas através dos anos. In: American College of Sports Medicine. Prova de esforço e prescrição de exercício. Rio de Janeiro: Revinter, 1994. p.291-298.
¹*Acadêmica do 10º período de Psicologia na Faculdade Uninassau. E-mail: manuniemaier@gmail.com.
²*Acadêmica do 10º período de Psicologia na Faculdade Uninassau. E-mail: flfesa13@gmail.com.
³*Acadêmica do 10º período de Psicologia na Faculdade Uninassau. E-mail: renaschagabrielly@hotmail.com.
⁴**Professor(a) orientador(a), Psicólogo, Especialista em Saúde Mental. E-mail: hytalo09@gmail.com.