REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202508301840
Daniel Meira Gomes Bom Sucesso1
Vania Del Arco Paschoal2
RESUMO
Objetivo: Avaliar a satisfação profissional, o estresse percebido e as estratégias de enfrentamento adotadas por profissionais do Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (GRAU), em São Paulo.
Método: Estudo quantitativo, descritivo, realizado com 14 profissionais (médicos e enfermeiros), utilizando as escalas ESP-10, EEP e EMEP. Os dados foram analisados por estatística descritiva e Análise de Conteúdo, conforme Bardin. Resultados: Enfermeiros apresentaram níveis mais elevados de satisfação e de estresse percebido. As estratégias de enfrentamento mais utilizadas foram o foco no problema e a religiosidade. Médicos demonstraram menor adesão a estratégias adaptativas. Conclusão: Os achados apontam para um envolvimento emocional mais intenso por parte da Enfermagem, associado a maior estresse e uso mais ativo de estratégias de enfrentamento. Reforça-se a necessidade de políticas institucionais voltadas ao cuidado com a saúde mental das equipes de urgência e emergência.
Descritores: Satisfação no Emprego; Estresse Psicológico; Enfrentamento; Serviços Médicos de Emergência; Equipe de Assistência ao Paciente.
INTRODUÇÃO
Profissionais atuantes em serviços de urgência e emergência enfrentam desafios que ultrapassam as exigências técnicas da prática clínica. Expostos a situações críticas, tomada rápida de decisões e elevado grau de responsabilidade, esses trabalhadores apresentam maior suscetibilidade ao estresse ocupacional e aos seus efeitos sobre a saúde mental e o desempenho profissional【1-3】.
O Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (GRAU), no estado de São Paulo, caracteriza-se por sua atuação estratégica em atendimentos pré-hospitalares de alta complexidade, envolvendo médicos e enfermeiros com formação especializada. O contexto de trabalho envolve atendimento a vítimas de traumas graves, longos plantões, deslocamentos frequentes e decisões sob pressão【4】. Essas condições podem impactar diretamente a satisfação profissional, especialmente quando somadas à sobrecarga emocional, ausência de apoio institucional e fragilidades na gestão da saúde do trabalhador【5】.
A literatura aponta que a satisfação no trabalho, o estresse e o uso de estratégias de enfrentamento estão interligados de forma complexa. Estudos sugerem que profissionais satisfeitos apresentam maior motivação e resiliência, enquanto a insatisfação se associa a exaustão emocional e intenção de desligamento【6-8】. As estratégias de enfrentamento, por sua vez, podem atenuar ou agravar os efeitos do estresse, dependendo de sua natureza — se focadas no problema, na emoção, na religiosidade ou no suporte social【9-11】.
Apesar do avanço nos estudos sobre saúde mental dos profissionais da linha de frente, ainda são escassas as pesquisas que avaliam simultaneamente a satisfação profissional, os níveis de estresse e os modos de enfrentamento entre equipes especializadas em resgate pré-hospitalar. Nesse sentido, conhecer o perfil de vivências desses profissionais é fundamental para subsidiar ações institucionais de prevenção e cuidado.
Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo analisar a satisfação profissional, os sintomas de estresse e as estratégias de enfrentamento adotadas por profissionais do Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (GRAU).
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem quantitativa, realizado com profissionais do Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (GRAU) no estado de São Paulo. A pesquisa foi conduzida entre os meses de janeiro e abril de 2022, com a aplicação de instrumentos validados, por meio de formulário impresso e autoadministrado.
A população-alvo foi composta por médicos e enfermeiros atuantes no GRAU. A amostra final foi constituída por 14 profissionais, sendo 8 da área de Enfermagem e 6 da área de Medicina, selecionados por conveniência, respeitando-se os critérios de inclusão: estar em exercício ativo no serviço durante o período da coleta de dados e aceitar participar da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos profissionais afastados ou em licença.
Três instrumentos foram utilizados para a coleta de dados:
- Escala de Satisfação no Trabalho (ESP-10) – avalia a percepção de satisfação profissional por meio de 10 itens com pontuação Likert de 1 a 5 pontos, totalizando escore entre 10 e 50 pontos. Escores mais altos indicam maior satisfação【12】.
- Escala de Estresse Percebido (EEP) – instrumento com 10 itens que mede a percepção do indivíduo quanto à imprevisibilidade, descontrole e sobrecarga em sua vida nos últimos 30 dias. A pontuação varia de 0 a 40, sendo que escores mais altos indicam maior estresse percebido【13】.
- Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP) – composta por 45 itens que avaliam quatro dimensões de enfrentamento: foco no problema, foco na emoção, busca de práticas religiosas/pensamento fantasioso e busca de suporte social. Cada dimensão é pontuada de 0 a 5, e os resultados podem ser analisados por média, mediana e amplitude【14】.
Os dados foram organizados e tabulados em planilhas eletrônicas (Microsoft Excel®), com análise descritiva por meio de cálculo de frequências absolutas e relativas, médias, medianas, valores mínimos e máximos. “Não foram utilizados softwares estatísticos adicionais, considerando a natureza exploratória do estudo e o porte amostral.” As variáveis foram estratificadas por categoria profissional (Enfermagem e Medicina), com apresentação dos resultados em tabelas.
Os dados qualitativos oriundos das questões abertas foram analisados com base na técnica de Análise de Conteúdo de Bardin (2011), em três etapas: pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados. A análise foi complementada por reflexões iniciais obtidas com o suporte de ferramentas de inteligência artificial (ChatGPT, versão 4.0), utilizadas exclusivamente para fins exploratórios e sem substituição do julgamento analítico do pesquisador.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição proponente, conforme CAAE nº XXXXXXXXX.
Considerando o caráter exploratório do estudo e o número reduzido de participantes (n=14), optou-se pela análise estatística descritiva como estratégia metodológica adequada para a apresentação dos dados. Essa abordagem permitiu caracterizar os perfis dos profissionais e descrever os escores obtidos nos instrumentos utilizados (ESP-10, EEP e EMEP) sem a pretensão de generalização estatística dos achados. A utilização de medidas como média, mediana, valores mínimos e máximos, bem como frequências absolutas e relativas, foi fundamentada na necessidade de preservar a coerência com o delineamento do estudo e respeitar os limites impostos pelo tamanho da amostra, conforme recomendações metodológicas para estudos descritivos com amostras pequenas.
“Diante do tamanho amostral reduzido (n=14) e do objetivo descritivo da pesquisa, optou-se por não aplicar testes inferenciais. Essa decisão metodológica buscou respeitar os limites estatísticos e garantir coerência com o delineamento do estudo.”
RESULTADOS
A seguir, são apresentados os resultados obtidos a partir da aplicação dos instrumentos ESP-10, EEP e EMEP com 14 profissionais do GRAU, sendo 8 da Enfermagem e 6 da Medicina. Os dados estão organizados em quatro tabelas, com análises descritivas e comparações entre as duas categorias profissionais. Inicialmente, apresenta-se o perfil sociodemográfico dos participantes, conforme a Tabela 1.
Tabela 1. Caracterização sociodemográfica dos profissionais do GRAU, segundo categoria profissional (Enfermagem e Medicina). São Paulo. Brasil. 2025.

Observa-se predominância do sexo masculino, especialmente entre os profissionais da Medicina, com média de idade mais elevada nesse grupo. A maioria dos participantes possui vínculo efetivo com o serviço e carga horária semanal superior a 36 horas.
A Tabela 2 apresenta a distribuição das respostas às 10 afirmações da ESP-10, organizadas por categoria profissional. Cada item da escala possui cinco alternativas (1 a 5), e os percentuais indicam a proporção de participantes em cada profissão que assinalaram determinada pontuação. Esse detalhamento permite visualizar os níveis de concordância ou discordância com os aspectos avaliados. Em relação à satisfação profissional, medida pela Escala ESP-10, os resultados são apresentados na Tabela 2.
Tabela 2. Distribuição das respostas dos profissionais às afirmações da Escala de Satisfação no Trabalho (ESP-10), segundo categoria profissional. São Paulo. Brasil. 2025

Verifica-se que os profissionais da Enfermagem apresentaram escores médios mais altos de satisfação em comparação aos médicos. A mediana da satisfação também foi superior entre os enfermeiros, sugerindo maior alinhamento entre expectativas e realidade laboral nesse grupo.
Quanto ao estresse percebido, mensurado pela Escala de Estresse Percebido (EEP), os dados estão organizados na Tabela 3.
Tabela 3. Escores da Escala de Estresse Percebido (EEP) entre os profissionais da Enfermagem e Medicina do GRAU. São Paulo, SP. Brasil. 2025

A média dos escores foi maior entre os profissionais da Enfermagem, com valores mais altos de estresse percebido. Esse resultado pode estar relacionado à sobrecarga de trabalho e ao contato direto com vítimas em situações de alta complexidade. Por fim, a Tabela 4 apresenta os dados referentes às estratégias de enfrentamento, conforme análise da EMEP.
Tabela 4. Médias dos escores das estratégias de enfrentamento utilizadas pelos profissionais, segundo dimensões da Escala EMEP e categoria profissional. São Paulo, SP. Brasil. 2025

As estratégias mais utilizadas foram aquelas focadas no problema e na religiosidade, especialmente entre os enfermeiros. Profissionais da Medicina apresentaram escores mais baixos em todas as dimensões, sugerindo menor uso consciente de estratégias adaptativas frente ao estresse.
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo evidenciam que os profissionais do GRAU apresentam características distintas quanto à satisfação profissional, percepção de estresse e uso de estratégias de enfrentamento, quando comparadas as categorias de Enfermagem e Medicina.
Em relação à satisfação no trabalho, os dados demonstram níveis mais elevados entre os enfermeiros. Esse achado pode estar relacionado à maior integração da equipe de Enfermagem com o serviço, ao vínculo institucional mais consolidado e à percepção de pertencimento a uma missão assistencial contínua. Pesquisas anteriores indicam que profissionais mais satisfeitos tendem a apresentar maior envolvimento com o trabalho e melhor adaptação às exigências ocupacionais【6,8,15】.
No que diz respeito ao estresse percebido, a média mais elevada entre os profissionais de Enfermagem chama atenção, visto que essa categoria também apresentou maior satisfação. Isso pode indicar que o envolvimento afetivo e ético com o cuidado, frequentemente relatado por enfermeiros, intensifica o desgaste emocional, mesmo em contextos de reconhecimento profissional【2,5】. Estudos realizados com equipes de atendimento pré-hospitalar apontam que o estresse em serviços de urgência está associado à imprevisibilidade dos atendimentos, à carga horária elevada e à escassez de recursos humanos【3,16】.
Quanto às estratégias de enfrentamento, destaca-se o uso predominante de ações focadas na resolução de problemas e na religiosidade. Tais estratégias são consideradas adaptativas e contribuem para o fortalecimento da resiliência profissional, conforme apontam Benevides-Pereira【7】 e Souza et al.【17】. A religiosidade, especificamente, aparece como um recurso importante entre os profissionais de saúde em contextos de sofrimento intenso, funcionando como suporte emocional e ferramenta de reinterpretação da realidade.
A menor adesão dos médicos às estratégias de enfrentamento pode ser interpretada à luz de pesquisas que indicam resistência cultural à exposição emocional nessa categoria profissional, dificultando o reconhecimento de vulnerabilidades psíquicas【10,18】.
Esses dados apontam para a importância de considerar as especificidades de cada categoria profissional na formulação de políticas institucionais de apoio à saúde mental. Destaca-se, ainda, a necessidade de investimentos em programas de escuta, grupos de apoio psicológico e desenvolvimento de habilidades de enfrentamento, especialmente em serviços de urgência e emergência.
CONCLUSÃO
O presente estudo permitiu identificar diferenças relevantes entre médicos e enfermeiros do GRAU quanto à satisfação profissional, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento. Os profissionais da Enfermagem apresentaram maiores níveis de satisfação e estresse, além de maior uso de estratégias adaptativas, especialmente aquelas focadas no problema e na religiosidade. Já os médicos demonstraram menor adesão a estratégias de enfrentamento, o que pode indicar menor reconhecimento ou externalização das pressões vivenciadas no contexto de trabalho.
Esses achados reforçam a importância de ações institucionais voltadas ao cuidado com a saúde mental dos profissionais de serviços de urgência e emergência. Recomenda-se a implementação de políticas de apoio psicológico, atividades de prevenção ao estresse ocupacional e incentivo ao desenvolvimento de competências socioemocionais. A valorização do cuidado interpessoal e o fortalecimento do vínculo entre as equipes também se mostram fundamentais para a promoção de ambientes mais saudáveis.
Limitações do estudo incluem o tamanho reduzido da amostra, a restrição a uma única instituição e a utilização exclusiva de instrumentos de autorrelato, que podem sofrer influência da subjetividade dos participantes. Sugere-se que futuras pesquisas adotem delineamentos comparativos multicêntricos, com amostras ampliadas e abordagem mista, a fim de aprofundar a compreensão dos fatores que interferem na saúde mental e satisfação profissional em contextos de alta complexidade.
Ressaltamos que os dados obtidos foram analisados exclusivamente por meio de estatística descritiva, em função do número reduzido de participantes, o que inviabilizaria a aplicação de testes de significância estatística com validade robusta. Essa decisão metodológica foi intencional e justificada, considerando o objetivo do estudo de caracterizar e descrever os perfis de satisfação, estresse e enfrentamento entre os profissionais do GRAU, respeitando os limites de generalização e priorizando a consistência interna dos resultados.
REFERÊNCIAS
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1Enfermeiro. Formado pela FAMERP, São José do Rio Preto/SP, Brasil
ORCID: 0009-0002-8826-4811
E-mail: danielmeiragomesbomsucesso@gmail.com
2Enfermeira. Doutorado pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP/ Brasil
http://orcid.org/0000-0002-6047-5345
Email: vaniadelarco@gmail.com