REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249231353
Leonardo Sampaio Baleeiro Santana[1]
Neila Barbosa Osório[2]
George França dos Santos[3]
Adriana da Costa Pereira Aguiar [4]
Edite Smikidi da Mata de Brito[5]
Samuel Marques Borges[6]
Elias Braz Leite[7]
Lucas Alves Martins[8]
Juscimar Arruda Silva[9]
Fabiana Fonseca Morais Dias dos Santos[10]
Eliana de Aquino Tarissio[11]
Maria Lucia Bispo Alves[12]
João Antônio da Silva Neto[13]
Hylanna Coelho Barbosa[14]
Marcos Antônio Nunes Mendes[15]
RESUMO
Este artigo investiga os desafios enfrentados pela tradição oral do povo Xerente em um contexto contemporâneo marcado pela crescente digitalização e globalização. Através de uma abordagem qualitativa e bibliográfica, o estudo examina como as pressões externas, como a urbanização, a influência de culturas alheias e o uso crescente de tecnologias digitais, impactam a transmissão de conhecimentos e práticas culturais tradicionais. Ao reunir diferentes perspectivas, o artigo discute tanto as ameaças quanto as oportunidades apresentadas por essas mudanças, propondo estratégias para a preservação e revitalização dos saberes orais, incluindo a valorização das práticas educativas interculturais, o uso consciente das tecnologias digitais e o apoio a políticas públicas específicas. Conclui-se que a continuidade da tradição oral Xerente depende de um equilíbrio entre inovação e tradição, assegurando que os saberes ancestrais permaneçam vivos e relevantes para as gerações futuras.
Palavras-chave: Tradição Oral. Cultura Xerente. Preservação Cultural.
ABSTRACT
This article investigates the challenges faced by the oral tradition of the Xerente people in a contemporary context marked by increasing digitalization and globalization. Through a qualitative and bibliographical approach, the study examines how external pressures, such as urbanization, the influence of foreign cultures and the increasing use of digital technologies, impact the transmission of knowledge and traditional cultural practices. By bringing together different perspectives, the article discusses both the threats and opportunities presented by these changes, proposing strategies for the preservation and revitalization of oral knowledge, including the valorization of intercultural educational practices, the conscious use of digital technologies and support for public policies specific. It is concluded that the continuity of the Xerente oral tradition depends on a balance between innovation and tradition, ensuring that ancestral knowledge remains alive and relevant for future generations.
Keywords: Oral Tradition. Xerente Culture. Cultural Preservation.
1. INTRODUÇÃO
A preservação da tradição oral do povo Xerente, um dos principais mecanismos de transmissão de conhecimentos e práticas culturais, enfrenta desafios cada vez mais complexos na contemporaneidade. Autores como Barroso (1997) e Benedetti (2020) destacam que a oralidade desempenha um papel central na manutenção da identidade cultural, permitindo a passagem de saberes de geração em geração. No entanto, esse processo tem sido impactado por fatores como a urbanização, a influência de culturas externas e o avanço das tecnologias digitais, que introduzem novas dinâmicas de interação e comunicação nas aldeias indígenas. O estudo realizado por Arruda (2022) e Lana (2021) evidencia o paradoxo entre o uso das tecnologias como ferramentas para fortalecimento cultural e os riscos de simplificação e perda de profundidade dos saberes tradicionais.
O objetivo deste artigo é explorar os desafios que a tradição oral do povo Xerente enfrenta em um contexto de crescente digitalização e globalização, examinando como essas pressões externas afetam a transmissão de conhecimentos culturais e a coesão comunitária. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa e bibliográfica, utilizando uma variedade de fontes acadêmicas e relatos para compreender as complexidades envolvidas na preservação das tradições orais em tempos de mudança social acelerada. Ao reunir diferentes perspectivas sobre o tema, este estudo visa oferecer uma visão crítica e abrangente sobre as estratégias de resistência e adaptação que podem ser adotadas pela comunidade Xerente.
A metodologia utilizada combina a análise de literatura relevante com a interpretação de dados empíricos, buscando entender os efeitos das transformações socioculturais na prática da oralidade entre os Xerente. Com base nas contribuições de autores como Bonilla e Pretto (2011) e Oliveira Júnior (2018), o artigo discute como a integração de novos meios tecnológicos pode tanto ameaçar quanto revitalizar as formas tradicionais de transmissão cultural. O estudo se propõe a refletir sobre a necessidade de um equilíbrio entre inovação e tradição, crucial para garantir a continuidade e a evolução das práticas culturais indígenas em um mundo cada vez mais conectado.
1.1. PROPOSIÇÃO
Diante dos desafios enfrentados pela tradição oral do povo Xerente em um mundo cada vez mais digitalizado e globalizado, torna-se necessário propor estratégias que assegurem a continuidade e a vitalidade desses saberes ancestrais. Em primeiro lugar, é fundamental que haja um fortalecimento das práticas educativas interculturais, que incluam a oralidade e o conhecimento tradicional nos currículos escolares das comunidades. A criação de programas educacionais bilíngues e interculturais pode proporcionar um espaço onde os saberes orais sejam valorizados ao lado do conhecimento formal, permitindo que os jovens se apropriem de sua herança cultural de forma crítica e reflexiva (Bonilla e Pretto, 2011).
Projetos que utilizem plataformas digitais para documentar e disseminar histórias, cantos, e práticas culturais devem ser desenvolvidos de maneira colaborativa com os anciãos e líderes comunitários, assegurando que as narrativas sejam mantidas em seus contextos culturais e que não percam sua profundidade e significação. Ao mesmo tempo, é crucial que esses registros digitais sejam tratados como complementares às práticas presenciais, garantindo que a experiência vivida e performática da tradição oral continue a ser a base da transmissão cultural (Arruda, 2022).
Além disso, recomenda-se o incentivo a políticas públicas que promovam a preservação cultural das comunidades indígenas, com especial atenção para a tradição oral. Essas políticas devem incluir o apoio a iniciativas locais de revitalização cultural, como festivais, encontros intergeracionais, e oficinas de contação de histórias, que reforcem a importância da oralidade dentro da comunidade. É essencial que essas iniciativas contem com recursos e suporte institucional adequado, permitindo que sejam conduzidas de maneira sustentável e orientada pelas próprias necessidades e prioridades da comunidade Xerente (Oliveira Júnior, 2018).
A adoção dessas estratégias requer um compromisso coletivo de todos os atores envolvidos – governo, instituições educacionais, organizações não-governamentais e as próprias comunidades indígenas. Somente com um esforço coordenado, que respeite e valorize a complexidade dos saberes tradicionais, será possível garantir que a tradição oral do povo Xerente continue a prosperar, oferecendo às futuras gerações uma identidade cultural rica e resiliente diante das mudanças contemporâneas.
2. Ferramentas Modernas na Difusão dos Saberes Xerente
O impacto das novas tecnologias na preservação dos saberes tradicionais do povo Xerente, especialmente entre os jovens, representa um desafio que exige uma reflexão sobre a dinâmica cultural em tempos de digitalização. A introdução de tecnologias digitais nas aldeias Xerente tem proporcionado novos canais de comunicação e visibilidade, permitindo que os jovens dialoguem com o mundo externo de maneiras inéditas. No entanto, ao mesmo tempo, há uma preocupação crescente de que essas tecnologias possam enfraquecer os meios tradicionais de transmissão de conhecimento, substituindo interações diretas por práticas mediadas digitalmente. Esse movimento de digitalização pode representar uma ameaça à continuidade das práticas culturais tradicionais, pois muitas vezes elas dependem da oralidade e da convivência cotidiana para sua transmissão e preservação (Barroso, 1997).
O uso de dispositivos móveis e o acesso à internet pelas comunidades indígenas traz consigo uma série de implicações. Por um lado, há um fortalecimento do protagonismo indígena, que encontra nas plataformas digitais um espaço para expressar suas vozes e reivindicar direitos. Por outro, há o risco de uma homogeneização cultural, já que a exposição a conteúdos externos, nem sempre alinhados com os valores e tradições indígenas, pode influenciar os jovens a adotar práticas e perspectivas que divergem daquelas da sua comunidade. O desafio, portanto, está em equilibrar o uso dessas tecnologias como ferramenta de luta e resistência, sem que isso signifique a perda da essência cultural que define a identidade dos Xerente (Benedetti, 2020).
A inclusão digital nas comunidades Xerente tem se revelado como uma faca de dois gumes. Se, por um lado, ela oferece oportunidades significativas de visibilidade e conexão com o mundo exterior, por outro, impõe uma série de novas pressões sobre os jovens para adaptarem suas tradições a esses novos formatos. Essa adaptação, muitas vezes, resulta em tensões internas, pois as formas tradicionais de saber e comunicar precisam se alinhar a estruturas e linguagens que não necessariamente correspondem às práticas culturais originais. A juventude Xerente, neste contexto, encontra-se na linha de frente dessa transformação, precisando negociar constantemente entre o uso das novas tecnologias e a preservação das suas práticas culturais tradicionais (Lana, 2021).
Dando a impressão de oposto a essas práticas culturais, as tecnologias digitais também introduzem uma nova dimensão ao debate sobre preservação cultural. A difusão dos saberes tradicionais por meio de plataformas digitais, como redes sociais, oferece uma alternativa poderosa para que os jovens Xerente compartilhem suas culturas de maneira mais ampla. Contudo, essa difusão está sujeita a limitações inerentes à mediação digital, que pode simplificar ou distorcer o conteúdo cultural, reduzindo a complexidade das práticas culturais e saberes tradicionais a elementos consumíveis para um público externo. Isso pode enfraquecer a profundidade dos conhecimentos transmitidos de geração em geração, convertendo tradições ricas em produtos de fácil consumo (Arruda, 2022).
Ao mesmo tempo, as redes sociais têm se mostrado eficazes na criação de redes de solidariedade e na mobilização política, o que pode contribuir para a preservação da cultura Xerente. Os jovens utilizam essas plataformas para se conectar com outros povos indígenas, compartilhar experiências e organizar movimentos de resistência e defesa de seus direitos. Esse uso estratégico da tecnologia demonstra um potencial de empoderamento que não deve ser subestimado, pois fornece aos jovens ferramentas para se articularem de maneira mais eficiente e coordenada. No entanto, é preciso reconhecer que essa visibilidade digital também pode expor as comunidades a novas formas de controle e vigilância, ampliando as possibilidades de manipulação externa e perda de autonomia cultural (Bonilla e Pretto, 2011).
Embora a digitalização represente um caminho para a preservação e expansão cultural, ela também implica na necessidade de uma negociação contínua entre os valores tradicionais e as novas formas de expressão e comunicação. Essa tensão é particularmente evidente quando se observa o uso da tecnologia por jovens que, por um lado, desejam preservar suas identidades culturais, e por outro, estão imersos em um mundo digital que muitas vezes valoriza o consumo rápido e superficial de informações. A utilização de mídias sociais, como Facebook e Instagram, pelos jovens Xerente, reflete essa busca por equilíbrio, onde a cultura é compartilhada e celebrada, mas também corre o risco de ser simplificada ou mal interpretada por audiências que não compartilham dos mesmos contextos culturais (Oliveira Júnior, 2018).
A juventude Xerente, ao navegar pelas águas da digitalização, enfrenta o desafio de criar novos significados para as suas tradições culturais em um contexto global. Este processo de ressignificação é complexo, pois envolve a adaptação de narrativas ancestrais a linguagens modernas, o que pode tanto fortalecer quanto enfraquecer a compreensão e a continuidade dessas tradições. Ao mesmo tempo, as tecnologias digitais permitem um intercâmbio cultural que, se bem manejado, pode enriquecer a própria cultura indígena, trazendo novas perspectivas e métodos de transmissão de conhecimento. Ademais, para que isso ocorra, é importante que os jovens Xerente mantenham um senso crítico sobre o uso dessas tecnologias e o impacto potencial delas em sua identidade cultural (Eurich, 2010).
No campo da educação, as tecnologias digitais estão sendo exploradas como mediadores de aprendizagem entre os jovens indígenas. Embora existam oportunidades significativas de expansão do conhecimento por meio dessas novas ferramentas, há também um risco de que a dependência excessiva de tecnologias digitais venha a enfraquecer as formas tradicionais de aprendizagem, baseadas na oralidade e na prática cotidiana. É importante considerar que a digitalização da educação pode, inadvertidamente, minar as formas culturais específicas de ensinar e aprender, promovendo modelos de conhecimento que não são inteiramente compatíveis com os valores e práticas tradicionais Xerente (Costa et al., 2015).
O conceito de “aldeia conectada” surge, portanto, como um campo de experimentação onde as tradições culturais são testadas, adaptadas e, às vezes, transformadas. Este fenômeno não é exclusivo dos Xerente, mas se apresenta de maneira única devido ao seu contexto específico de história, geografia e resistência cultural. A conectividade oferece oportunidades para a troca de informações e a construção de redes de apoio, mas também traz consigo desafios significativos relacionados à preservação da identidade e da autonomia cultural. O uso estratégico da tecnologia pode fortalecer a comunidade, mas depende de como ela é apropriada e ressignificada pelos próprios indígenas (Tenório, 2015).
A reflexão crítica sobre o uso das tecnologias digitais pelas comunidades indígenas, e especificamente pelos jovens Xerente, envolve questionar quem realmente se beneficia com essa inclusão digital. Há uma linha fina entre o empoderamento digital e a dependência tecnológica que pode resultar na perda de práticas culturais valiosas. A juventude Xerente deve ser capaz de utilizar essas tecnologias de maneira que sirvam a seus propósitos culturais, sem sacrificar sua autonomia ou a profundidade de seus saberes tradicionais. Esse equilíbrio é essencial para que a inclusão digital não se torne apenas mais uma forma de dominação cultural, mas um verdadeiro instrumento de resistência e afirmação de identidade (Wewering, 2012).
Ao considerar o papel da juventude na preservação dos saberes tradicionais, é crucial reconhecer que os jovens Xerente não são apenas receptores passivos das influências tecnológicas, mas também agentes ativos na definição de como essas ferramentas são usadas. Eles estão continuamente negociando os limites entre o novo e o tradicional, buscando formas de integrar a modernidade sem perder de vista a essência de suas culturas. Esta posição de agência ativa é fundamental para entender como a cultura Xerente pode se adaptar e prosperar em um mundo digital sem se perder (Lalueza et al., 2010).
A crescente utilização de plataformas digitais por parte da juventude Xerente também levanta questões sobre o controle da narrativa cultural. As plataformas digitais, muitas vezes, funcionam de acordo com algoritmos que priorizam conteúdos baseados em tendências globais, o que pode relegar as narrativas indígenas a posições marginais ou invisíveis. Portanto, o uso dessas plataformas deve ser estratégico, visando tanto a ampliação da visibilidade da cultura quanto a proteção contra a apropriação indevida ou a deturpação de seus significados (Tseremey’wa, 2019).
Em última fala deste tópico, a digitalização oferece tanto desafios quanto oportunidades para os jovens Xerente na preservação de seus saberes tradicionais. As tecnologias digitais podem ser vistas como um campo de batalha onde a luta pela manutenção da cultura e identidade indígena é constantemente travada. A capacidade dos jovens de utilizarem essas ferramentas de forma crítica e consciente determinará o futuro da cultura Xerente em um mundo cada vez mais digitalizado. A preservação dos saberes tradicionais, nesse contexto, dependerá não apenas da resistência às influências externas, mas também da habilidade de transformar essas influências em oportunidades para fortalecer e renovar suas práticas culturais (Pact Colômbia, 2023).
3. O Impacto das Tecnologias na Identidade da Juventude Xerente
Para os jovens Xerente, as tecnologias digitais representam uma ambivalência profunda: por um lado, proporcionam novas formas de autoexpressão, comunicação e mobilização; por outro, trazem consigo desafios significativos para a manutenção das práticas culturais que definem sua identidade coletiva. Nesse sentido, as tecnologias funcionam como uma espécie de espelho que reflete tanto a possibilidade de reinvenção cultural quanto o risco de erosão dos valores e práticas tradicionais (Bonilla e Pretto, 2011).
A identidade juvenil Xerente, como a de muitos povos indígenas, tem sido moldada historicamente por formas de conhecimento transmitidas de geração em geração, principalmente através da oralidade e da prática comunitária. Dessa forma, a chegada das tecnologias digitais introduz um novo fator na construção dessa identidade. Ferramentas como smartphones, redes sociais e plataformas de vídeo permitem aos jovens acessar informações globais e conectar-se com outras culturas, criando um universo de referências que ultrapassa os limites físicos de sua comunidade. Esse acesso ampliado a novas ideias e narrativas pode facilitar uma abertura para o mundo, mas também pode gerar um distanciamento das práticas culturais locais, quando essas referências externas começam a dominar o imaginário dos jovens (Costa et al., 2015).
As redes sociais, por exemplo, como abordado no tópico anterior, têm se tornado ferramentas poderosas para a juventude Xerente compartilhar histórias, tradições e lutas, tanto dentro quanto fora de suas comunidades. Essa apropriação digital permite uma reconstrução da identidade coletiva em um espaço público mais amplo, onde o discurso é controlado pela própria juventude. No entanto, esse processo não é isento de tensões: ao adaptar conteúdos culturais para formatos digitais, há o risco de que a complexidade e profundidade das tradições Xerente sejam simplificadas para se adequar aos padrões e expectativas das plataformas globais (Lana, 2021).
A presença constante das tecnologias digitais também provoca uma redefinição dos espaços de socialização. As aldeias, que tradicionalmente serviam como centros de troca cultural e aprendizado, veem-se confrontadas com novas dinâmicas, onde as interações digitais ganham cada vez mais relevância. Para os jovens Xerente, a convivência com o mundo digital cria um ambiente híbrido, no qual o espaço físico e o virtual se entrelaçam de maneiras antes impensáveis. Este novo cenário pode tanto enriquecer a experiência cultural, oferecendo múltiplas perspectivas, quanto gerar um afastamento das práticas comunitárias, se o virtual substituir as formas tradicionais de interação (Benedetti, 2020).
Ao mesmo tempo, a exposição a novas narrativas digitais cria desafios para a manutenção de uma identidade unificada. A juventude Xerente é bombardeada por influências culturais que muitas vezes contrastam com suas tradições. Essa exposição pode gerar uma fragmentação identitária, onde os jovens se veem divididos entre o desejo de pertencer a uma comunidade global e a necessidade de afirmar suas raízes culturais. Nesse sentido, a digitalização funciona como uma ferramenta de dualidade, promovendo tanto a conexão com o mundo externo quanto a potencial alienação das tradições locais (Arruda, 2022).
A identidade cultural dos jovens Xerente está, portanto, em um estado de fluxo constante, moldada pela tensão entre o antigo e o novo. A tecnologia, enquanto ferramenta de modernidade, oferece possibilidades sem precedentes para a expressão cultural, mas também desafia os jovens a manterem-se ancorados em suas raízes. Essa dualidade se manifesta em múltiplas frentes, desde a forma como as narrativas tradicionais são contadas nas mídias sociais até a maneira como os jovens se envolvem em diálogos interculturais. O desafio é encontrar um equilíbrio que permita a adaptação sem comprometer a autenticidade cultural (Oliveira Júnior, 2018).
O fenômeno da digitalização também altera o sentido de pertencimento comunitário. Se, anteriormente, a identidade Xerente era reforçada pela proximidade física e pelo convívio social direto, hoje ela se estende para os espaços digitais, onde as interações ocorrem de maneira mais difusa e menos controlada. Essa nova forma de pertencimento digital pode trazer benefícios ao ampliar a rede de contatos e o acesso à informação, mas também pode ameaçar o vínculo com a comunidade local, especialmente se o contato físico e as práticas culturais tradicionais forem progressivamente substituídos por interações virtuais (Wewering, 2012).
Os jovens Xerente, nesse contexto, atuam como mediadores culturais, buscando formas de incorporar a tecnologia em suas vidas sem perder o sentido de identidade. Eles utilizam as plataformas digitais não apenas para se conectar com o mundo, mas também para afirmar e fortalecer sua presença cultural. No entanto, essa mediação é um processo delicado, que requer constante vigilância sobre como as tecnologias estão influenciando suas percepções e práticas cotidianas. A apropriação das tecnologias, portanto, não é um processo passivo, mas uma forma ativa de resistência cultural, que busca preservar e revitalizar as tradições dentro de um cenário digital (Tseremey’wa, 2019).
A juventude Xerente tem demonstrado uma capacidade notável de adaptação ao mundo digital, utilizando tecnologias para documentar e disseminar suas práticas culturais. Este uso intencional das ferramentas digitais para promover a visibilidade e o reconhecimento é uma estratégia de sobrevivência cultural em um mundo cada vez mais globalizado. Entretanto, para que essa estratégia seja efetiva, é necessário um entendimento crítico dos riscos envolvidos, como a superficialização das práticas culturais para atender às demandas das plataformas digitais (PACT COLOMBIA, 2023).
A digitalização não deve ser vista apenas como uma ameaça à identidade cultural dos jovens Xerente, mas como uma oportunidade de transformação. Os desafios impostos pela era digital exigem uma reinterpretação das tradições, onde os jovens são desafiados a encontrar novas formas de expressar sua cultura em um meio que privilegia a inovação e a rapidez. Este processo de reinvenção cultural pode, paradoxalmente, fortalecer a identidade, ao tornar a cultura mais adaptável e resiliente às mudanças externas (Lalueza et al., 2010).
Ao engajar-se com tecnologias digitais, a juventude Xerente está, na verdade, participando de um ato de redefinição cultural, onde a tradição é reinterpretada e transmitida em novos formatos. Essa participação ativa no espaço digital permite uma resistência contra a invisibilidade histórica e a imposição cultural, transformando as tecnologias em ferramentas de afirmação identitária. Contudo, essa resistência deve ser sempre acompanhada de uma crítica constante para garantir que o processo de digitalização não se traduza em perda de autonomia cultural, mas em uma nova forma de fortalecimento da identidade coletiva (Tenório, 2015).
4. A Tradição Oral e os Desafios da Preservação Cultural
Como de muitos outros grupos indígenas, a tradição oral dos Xerente constitui um elemento na preservação de sua identidade. Ela funciona como um repositório dinâmico de conhecimentos que transcendem as gerações, articulando histórias, mitos, saberes ecológicos e práticas sociais. Entretanto, o desafio de manter essa tradição viva torna-se mais complexo em um cenário contemporâneo, marcado pela influência crescente das tecnologias digitais e pela constante pressão da assimilação cultural. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena no Brasil enfrentou, nas últimas décadas, um aumento significativo na exposição a culturas externas, o que inevitavelmente impacta a transmissão e a preservação de saberes orais.
O sistema de transmissão oral depende fundamentalmente da convivência intergeracional e da repetição ritualística dos saberes, práticas que têm sido ameaçadas por mudanças nas dinâmicas sociais dentro das comunidades. Nos últimos anos, muitos jovens Xerente têm migrado para áreas urbanas em busca de educação e emprego, o que altera significativamente as bases sobre as quais a transmissão cultural se sustenta. Este êxodo juvenil reduz o tempo e a oportunidade para que os anciãos, principais detentores dos saberes tradicionais, possam compartilhar suas histórias e conhecimentos com as novas gerações. Estima-se que mais de 30% dos jovens indígenas vivem hoje fora de suas comunidades, o que representa uma redução drástica na interação necessária para a preservação da oralidade (IBGE, 2020).
A urbanização não é o único fator de desafio. A influência da língua portuguesa, predominante nas escolas e em espaços de trabalho, também contribui para a erosão da tradição oral Xerente. O domínio do português, que se torna uma necessidade para interação com o mundo externo, muitas vezes ocorre em detrimento da língua materna. Estudos realizados pela UNESCO apontam que mais de 40% das línguas indígenas do mundo estão em risco de extinção, e a situação dos Xerente não é diferente. Sem a língua original, as nuances culturais e contextuais que dão sentido às narrativas orais são perdidas, levando a uma simplificação dos saberes transmitidos e, em última instância, a uma desconexão cultural.
Além disso, a crescente digitalização das aldeias traz consigo implicações ambíguas. Por um lado, a internet e as tecnologias digitais oferecem novas plataformas para que histórias e tradições sejam compartilhadas de forma mais ampla. Contudo, essa mediação digital pode fragmentar a experiência oral, retirando-a de seu contexto comunitário e ritualístico. A tradição oral não é apenas uma questão de palavras faladas, mas de performances vividas, de gestos e expressões que ocorrem em um contexto de interação social direta. A perda desses elementos no processo de digitalização pode resultar em uma narrativa esvaziada, desprovida de seu valor experiencial e da profundidade de significado que a prática oral carregava originalmente.
A mediação digital também pode influenciar o conteúdo e a forma das histórias contadas. Muitas vezes, as plataformas digitais favorecem formatos mais curtos e acessíveis, o que pode simplificar ou mesmo distorcer as narrativas tradicionais para atender às exigências do novo meio. Estudiosos como Bonilla e Pretto (2011) argumentam que a adaptação da tradição oral a esses formatos digitais pode, inadvertidamente, promover uma “folclorização” das culturas indígenas, reduzindo suas complexidades a estereótipos ou mercadorias culturais. Essa transformação pode criar uma falsa percepção de preservação, enquanto, na realidade, os elementos mais profundos e significativos das tradições são diluídos ou completamente esquecidos.
Paralelamente, há uma resistência ativa por parte de alguns grupos indígenas, incluindo os Xerente, para revitalizar e manter vivas suas tradições orais através de métodos contemporâneos. Projetos comunitários têm sido desenvolvidos para registrar histórias e práticas culturais em áudio e vídeo, criando arquivos digitais que podem ser acessados pelas novas gerações. Embora esse esforço ofereça uma nova forma de preservação, ele não substitui a importância da transmissão ao vivo e da experiência comunitária compartilhada. A criação de arquivos digitais pode, paradoxalmente, congelar a tradição em um ponto fixo, contrariando a natureza evolutiva e dinâmica da oralidade, que se adapta e se transforma com cada nova contação de história.
Os desafios da preservação cultural também se manifestam na educação formal, onde os currículos muitas vezes falham em integrar ou valorizar o conhecimento indígena, priorizando, em vez disso, perspectivas eurocêntricas. A ausência de uma educação intercultural de qualidade compromete a valorização das tradições orais dentro das comunidades escolares e contribui para o sentimento de desvalorização cultural entre os jovens indígenas. Iniciativas que buscam reverter essa tendência, como a criação de escolas indígenas bilíngues, têm mostrado que a inclusão da tradição oral nos currículos não só promove a autoestima cultural, mas também melhora o desempenho acadêmico, ao conectar o aprendizado formal ao contexto cultural dos alunos.
Diante desse cenário, a preservação da tradição oral dos Xerente exige uma abordagem holística que reconheça tanto os benefícios quanto as limitações dos novos métodos e meios de comunicação. É essencial que as iniciativas de preservação sejam conduzidas de forma colaborativa, envolvendo as comunidades e os detentores de saberes tradicionais em todas as etapas do processo. Sem essa participação ativa, o risco de que as tradições sejam mal interpretadas ou apropriadas de maneira descontextualizada aumenta significativamente. É igualmente importante que as políticas públicas reconheçam a relevância das tradições orais e ofereçam suporte para práticas educativas e culturais que assegurem a continuidade desses saberes para as futuras gerações.
5. CONCLUSÃO
Embora a oralidade tenha resistido por séculos como a principal forma de transmissão de saberes e práticas, ela agora se encontra sob pressão devido a mudanças sociais, migrações urbanas, e a predominância de línguas e culturas externas. Esses fatores fragmentam as experiências intergeracionais e reduzem as oportunidades para o compartilhamento direto de histórias e conhecimentos, fundamentais para a continuidade de suas tradições.
Contudo, os desafios apresentados não significam uma inevitável perda cultural. Ao contrário, eles oferecem uma oportunidade para a juventude Xerente se engajar de forma proativa em estratégias de revitalização e adaptação de suas práticas culturais. O uso de novas tecnologias, embora ambivalente, pode ser orientado de maneira que fortaleça o senso de identidade e pertença, ao mesmo tempo que promove a visibilidade das tradições orais em espaços mais amplos. Essa abordagem híbrida, que combina métodos tradicionais e contemporâneos, permite que as práticas culturais se mantenham vivas e relevantes, mesmo em um ambiente global em rápida transformação.
O futuro da tradição oral Xerente dependerá, em grande medida, da capacidade da comunidade de integrar essas novas ferramentas de maneira que respeite e valorize a essência de suas práticas. O compromisso com uma educação culturalmente sensível, a criação de espaços para o diálogo intergeracional, e a conscientização sobre os riscos e benefícios da digitalização são passos fundamentais para garantir que essas tradições continuem a evoluir sem perder suas raízes. Ao equilibrar inovação com preservação, o povo Xerente pode garantir que sua herança cultural não apenas sobreviva, mas prospere nas próximas gerações.
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[1] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: leonardosbsantana@gmail.com
[2] Pós-Doutora em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: neilaosorio@uft.edu.br
[3] Doutor em Educação. Universidade Federal do Tocantins e-mail: george.f@uft.edu.br
[4] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: adriana.cpa@hotmail.com
[5] Mestre em Educação Escolar Indígena. Universidade Federal de Goias. E-mail:editesmikidi@gmail.com
[6] Mestrando em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: samuelbiologo11@gmail.com
[7] Mestrando em Governança e Transformação Digital. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: eliasbraz@mail.uft.edu.br
[8] Especialista em Educação Profissional e Tecnológica. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: alves1998lucas@gmail.com
[9] Especialista em Docência na Educação Profissional e Tecnológica. Universidade Federal do Tocantins. e-mail: juscimarads@gmail.com
[10] Especialista em Gestão Municipal. Universidade Federal do Tocantins.
e-mail: luisfilipe190899@gmail.com
[11] Especialista em Neuropsicologia. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: li.tarissio@gmail.com
[12] Especialista em Educação Infantil. Universidade Federal do Tocantins. E-mial: luciaabispo@gmail.com
[13] Bacharel em Psicologia. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: joaonetosat@gmail.com
[14] Bacharel em Enfermagem. Centro UNITOP. E-mail: enfhylannacoelhobarbosa@gmail.com
[15] Especialista em Big Data Business. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: marcoscontabilidadetop@gmail.com