REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8350285
Álber Gayoso Almendra Ibiapina Moreno1
RESUMO
O objetivo do estudo foi explorar e analisar a temática das limitações aos direitos fundamentais, expondo no que consiste e no que se pauta. Além disso, demonstrou-se que as próprias restrições impostas a estes direitos são limitadas, em virtude da existência de um núcleo essencial que deve sempre restar intacto. Para este fim, realizou-se uma revisão sistemática na literatura. Inicialmente, praticou-se uma breve contextualização histórica da introdução dos direitos e garantias fundamentais como elemento central no ordenamento jurídico brasileiro, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, como forma de rompimento com a autoritária estrutura ditatorial anteriormente vivida. Desempenhou-se, ademais, uma conceituação de direitos fundamentais, como forma de estabelecer bases concretas em que pudesse se sustentar o estudo. A partir da análise propriamente dita das restrições, apoiada na distinção entre princípios e regras formulada por Alexy, verificou-se que os direitos fundamentais, apesar de representarem as mais íntimas liberdades e garantias individuais, não são absolutos no ordenamento jurídico. Diferenciou-se também as teorias interna e externa acerca das restrições aos direitos fundamentais, ponto em que se discutiu o instituto da ponderação, admitido pela última. Passou-se, então, ao questionamento sobre a teoria do limite dos limites, com a diferenciação das teorias absoluta e relativa, e segundo a qual os direitos fundamentais não podem ser restringidos indistintamente, mas existe um núcleo duro que deverá ser respeitado.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais; Restrições de Direitos; Limitações; Constituição Federal.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição é instituída como norma suprema do ordenamento jurídico e sua percepção de que os valores mais estimados da existência humana merecem estar garantidos em documento jurídico com força máxima vinculativa, intacto em diversos pontos, resultam da evolução ao respeito devido ao homem.
A Constituição Federal de 1988 indiscutivelmente introduziu uma nova ordem baseada no valor da dignidade da pessoa humana, assegurando amplo rol de direitos fundamentais, o qual não impede o reconhecimento de outros não inseridos nesta classificação.
A magnitude da proclamação dos direitos fundamentais pode ser compreendida pela leitura do Preâmbulo do diploma constitucional vigente. Em seu texto, é proclamado que a Assembleia Constituinte teve como inspiração principal dos seus esforços o propósito de “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança”.
O Estado Democrático de Direito possui como traço marcante a sistemática dos direitos fundamentais, viabilizando a vida em sociedade. Ocorre que a convivência mansa e pacífica, por vezes, não se demonstra realizável, visto que, ao mesmo tempo, variados sujeitos são titulares e destinatários dos referidos direitos, e em razão dessa intersubjetividade da relação, tem-se a possibilidade de choque entre as prerrogativas de cada parte.
Assim, insurgem colisões que não podem ser resolvidas a partir da anulação dos direitos por sua totalidade em prejuízo de outros. Ou seja, não há hierarquia entre os direitos fundamentais e nenhum se reveste de caráter absoluto, pois um determinado direito só pode ser exercido até o limite derivado do seu exercício por outro titular.
Considerando, ainda, que o conjunto de direitos fundamentais nunca poderá ser tido como estático, vez que, ao longo do tempo, a vida em sociedade apresenta novas situações de contingência e relações cada vez mais complexas, é inviável a sua aplicação irrestrita. Ora, se cada sujeito pudesse exercer todos os seus direitos de forma absoluta, este exercício fatalmente representaria a violação de direito alheio.
Restringindo o olhar para os direitos sociais elencados no Art. 6º da Constituição Federal, por exemplo, tem-se que estes são expressão de limitações positivas impostas ao Poder Público, que deve agir por meio de prestações para garanti-los aos indivíduos. Ocorre que os recursos estatais são finitos e que, na realidade brasileira, são insuficientes para que haja a total efetivação dos direitos em questão.
Com o ensejo de ampliar o entendimento acerca da medida em que o núcleo essencial dos direitos fundamentais deve ser preservado, propõe-se o seguinte questionamento: no que consistem e até que ponto podem se dar as restrições aos direitos fundamentais?
No que concerne aos objetivos gerais, este trabalho se dispõe a demonstrar as diversas limitações que podem ser impostas aos direitos e garantias fundamentais, bem como analisar até que ponto estas podem ser feitas, com o delineamento de um limite consistente na existência de um núcleo essencial destes direitos que deve ser sempre preservado.
Quanto aos objetivos específicos visados neste ensaio, pretende-se: desenvolver uma breve contextualização histórica da promulgação da Constituição Federal de 1988, que conferiu protagonismo aos direitos e garantias fundamentais; analisar o conceito de direitos e garantias fundamentais; verificar a aplicabilidade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, apontando a possibilidade de sua restrição por meio da utilização da ponderação; delimitar os limites da possibilidade de restrição aos direitos fundamentais, com base na teoria do núcleo essencial.
O efetivo gozo dos direitos e garantias fundamentais representa uma das maiores conquistas da história brasileira. A Constituição de 1988 recaiu sobre o povo como um bálsamo, após séculos de dominação e subjugamento – seja pelos portugueses, pelos coronéis ou pelos militares.
Com efeito, a nova ordem jurídica instalada se funda precipuamente no respeito às mais íntimas necessidades e características dos indivíduos. É certo, entretanto, que diante da crescente complexidade das relações sociais a efetivação destes direitos e garantias não é alcançada de forma irrestrita, mas proporcionalmente, gerando uma otimização que alcance o máximo possível de direitos contemplados caso a caso.
É justamente diante da necessidade de ponderação que urge delimitar a parcela mínima que deve ser titularizada por cada indivíduo, independentemente de qualquer conflito de interesses. Se, por um lado, não é razoável que alguém usufrua indistintamente de suas prerrogativas e acabe por ofender as de outrem, por outro também não se pode admitir que um único cidadão seja privado de toda e qualquer direito ou garantia em prol da coletividade.
Neste sentido, a discussão acerca da limitação das restrições aos direitos fundamentais visa garantir uma proteção mínima a cada indivíduo, que não poderá ser afetada nem mesmo quando opostos a outros direitos. De fato, a justiça e a equidade apenas poderão ser alcançadas na hipótese em que a solução encontrada atenda aos anseios de todas as partes envolvidas.
A pesquisa teve caráter bibliográfico, utilizando a revisão de bibliografia, baseando-se em livros, revistas virtuais, artigos publicados e monografias, com o intuito de analisar as diferentes concepções adotadas sobre o tema. O método aplicado na pesquisa foi o hipotético dedutivo, trabalhando com hipóteses. A abordagem utilizada foi a qualitativa, por ter base teórica, sem levantamento de números ou análise de dados, com o objetivo de compreender a visão geral sobre o referido tema. Quanto aos objetivos, optou-se pela pesquisa exploratória, buscando uma ampla visão sobre o tema.
O presente estudo, pois, buscou analisar o gozo dos direitos fundamentais titularizados pelos indivíduos, com enfoque nas restrições impostas a estes, quem poderá restringi-los e até que ponto podem ser restringidos, tudo sob a luz de nossa Carta Constitucional.
Introdutoriamente será realizada breve contextualização histórica da promulgação da Constituição Federal de 1988, destacados os seus antecedentes, bem como sendo ressaltada a importância conferida aos direitos fundamentais. Por fim, buscar-se-á enfatizar os aspectos constitucionais destes direitos, bem como analisar-se-á em que medida são restringidos, com a delimitação de um núcleo essencial que sempre permanecerá preservado.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA PROMULGAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL FEDERAL DE 1988
A fundação do atual ordenamento jurídico brasileiro representou grande avanço que rompeu paradigmas após uma dura Ditadura Militar que se arrastou por 21 anos, em uma Era eivada pela falta de respeito por parte do Poder Público para com direitos individuais das pessoas, passando por cima de toda e qualquer garantia mínima dos indivíduos e da sociedade para atingir os seus objetivos, usando para tanto a justificativa do “bem comum”.
Após a ascensão dos militares “linha-dura” no âmbito do Governo Militar, a partir de 1967, instalou-se a repressão e autoritarismo no Brasil, na forma de um estado de exceção calcado na utilização de mecanismos que a legalizavam, tais quais a Constituição daquele ano, a Lei de Segurança Nacional, além dos famosos Atos Institucionais que, na forma de decretos executivos editados de maneira discricionária e arbitrária, costumeiramente suprimiam liberdades e garantias fundamentais dos indivíduos, sob a premissa de resguardar a segurança nacional. Acerca desta, que ficou conhecida como a Doutrina da Soberania Nacional:
O aumento dos poderes do Executivo era necessário, segundo o Ato, para “a reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil”. O objetivo era “a restauração da ordem interna e do prestígio internacional do nosso país”. Os novos poderes eram necessários porque os poderes constitucionais existentes não tinham sido suficientes para deter um governo que “estava deliberadamente tentando bolchevizar o país” SKIDMORE (1988, p.49).
Passado este primeiro momento, os governos dos dois últimos presidentes da Ditadura Militar, Gal. Geisel (1974-1979) e Gal. Figueiredo (1979-1985), representaram uma lenta, mas gradual abertura democrática, que culminaria na devolução do poder político aos civis e, posteriormente, na inauguração de uma nova ordem jurídica, tendo por base a Constituição Federal de 1988 (SKIDMORE, 1988; GASPARI, 2003 e 2004).
É salutar, contudo, ressaltar que este não foi um processo linear, pacífico e célere, mas constitui um coeficiente resultante de uma complexa gama de fatores, tais como a organização de movimentos sociais, uma tensa guerra nos bastidores do próprio Exército, participação de movimentos religiosos, pressão popular e conchavos políticos.
Com o desenrolar do processo, o MDB, então único partido de oposição permitido pelo bipartidarismo adotado pela Constituição de 1967, passou a ganhar força, agregando lideranças sindicais, organizações civis e políticas. Neste ínterim, o agravamento da crise econômica e o fracasso de medidas que tinham por objetivo desorganizar a oposição e dar fôlego ao Governo Militar – tais como a promulgação da Lei Orgânica do Partidos Políticos, que restaurou o pluripartidarismo – culminou na organização das grandes greves de 1979 e do movimento das “Diretas Já”, servindo como prenúncios do caráter emergente do processo da redemocratização. (FAUSTO, 2004). Tudo isso é resultado de um grande processo histórico que não adveio apenas com a chegada da ditadura e seu consequente desenrolar.
A gênese dos tipos de cidadania ocorre quando os três elementos começaram a se divorciar, sendo possível atribuir o período de formação da vida de cada um desses direitos a um século diferente, os direitos civis ao século XVIII, os direitos políticos ao XIX e os direitos sociais ao século XX. Estes períodos devem ser tratados com uma elasticidade razoável e há um entrelaçamento entre os dois últimos (MARSHALL, 1967, p.66).
O Regime Militar chegaria ao seu fim em 1985, com a realização das primeiras eleições presidenciais com candidatos civis, ainda na modalidade indireta, das quais Tancredo Neves, político com longo histórico de combate à ditadura, sairia vitorioso. Nem mesmo a sua morte antes de tomar posse, mudaria os rumos da política brasileira. No governo de José Sarney, seu vice, são aprovados o restabelecimento das eleições diretas para Presidente da República e a tão esperada Emenda Constitucional nº 26, que convoca a Assembleia Nacional Constituinte. (MOURA, 2014)
Como resultado da redemocratização, o Brasil rompeu com o modelo de regime que impôs uma ditadura do Executivo sobre os demais poderes da República e da Federação. Mas o simples restabelecimento da ordem jurídica anterior acabaria por tornar o país suscetível a novas experiências antidemocráticas. A percepção de que eram necessários alicerces jurídico-políticos mais sólidos, fez com que constituintes, juristas e doutrinadores tomassem os direitos e garantias fundamentais como a principal bandeira do Estado Democrático de Direito a ser instituído.
Neste contexto emergiu a Constituição Cidadã, na qual se destaca como a maior de todas as conquistas a disposição destes Direitos Fundamentais, que nada mais são do que um extenso rol – não exaustivo, diga-se de passagem – de garantias e prerrogativas extensíveis a todo e qualquer ser humano, como forma de exercitar um fundamento básico da República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana, disposta no Art. 1º, III, CF.
A Constituição Federal de 1988 foi elaborada por uma Assembleia Constituinte presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, sendo resultado do trabalho de 559 parlamentares. Pode-se perceber, portanto, que o aludido diploma até hoje vigente é resultante de um amplo debate e da busca de políticas institucionais que visassem a inserção do povo nos direitos intrínsecos a eles e a comunidade (SILVA, 2016).
A Carta Magna abriu espaço para inúmeras interpretações, que podem ser benéficas ou não. Isso porque ela foi bem clara em trazer direitos como a não violação do trabalho, a indenização por danos, entre outros aspectos em que apenas o causador destas situações se veria em uma situação desfavorável.
Quando se sustenta que a interpretação é a escolha de um significado entre os significados possíveis, afirma-se, de um lado, que os termos e os enunciados objeto de interpretação conotam potencialmente alguns significados, e não apenas um; de outro, que a atividade de interpretar consiste em inicialmente descobrir esses significados e posteriormente escolher um deles, sendo precisamente essa escolha a contribuição que dará o intérprete para definir o significado que enfim resultará de sua atividade (ÁVILA, 2019, p. 34).
Por esta razão, a interpretação do texto constituído pode ser subjetiva, o que abre espaço para inúmeras discussões, seja por parte de doutrinadores, de profissionais do direito ou até mesmo de quem não é da área.
A Constituição de 1988 consolidou, portanto, a transição de um regime autoritário para um regime democrático. Como resultado desse processo, restabeleceu a inviolabilidade dos direitos e liberdades fundamentais e estabeleceu preceitos progressivos como igualdade de gênero, criminalização do racismo, proibição da tortura, além de direitos sociais como educação, trabalho e saúde (DIAS, 2020, s/p).
Destaca-se que a falta da sua implementação constitucional ocasionaria um desconforto não só para as pessoas dessa área, mas em todas aquelas que teriam sido excluídas do rol da Carta Magna, uma vez que os textos infraconstitucionais não geram tanta firmeza quanto uma lista trazida por ela (SILVA, 2016).
Realizada uma breve explanação acerca do contexto histórico da Carta Magna de 1988, pode-se perceber que esta é um resultado de lutas, inclusão e, acima de tudo, de respeito para com a sociedade e para com as pessoas do Brasil. A embate travado na inclusão da sociedade nos direitos sociais e políticos foram de grande relevância para o progresso em que nos encontramos nos dias de hoje.
É imprescindível ressaltar que as lutas ainda são grandes e árduas e os seus resultados não são vistos logo de início, mas a efetivação dos direitos fundamentais, sociais e políticos das pessoas constituem, com toda a certeza, um avanço, ainda que mínimo, em consideração a países desenvolvidos, como, por exemplo, a constituição estadunidense.
A Constituição estadunidense possui apenas 7 artigos e 27 emendas, sendo classificada como sintética. A brasileira, por sua vez, tem 250 artigos permanentes, seguida de mais 114 nos Atos das Disposições Transitórias, e já obteve, desde a sua promulgação 114 Emendas Constitucionais e 6 Emendas Revisionais (QUEIROZ, 2018).
A Constituição é, pois, vista como um critério de estabilidade e amortece crises. É carta de alforria e certidão de maioridade; alforria do cidadão e maioridade das instituições.
A Constituição de 1988 nos libertou da cultura tecnicista, apregoada como brasão da ditadura de 64, e simbolizada na retórica do Brasil – potência. A obsessão tecnocrática era a imagem da autocracia, o espelho da sua política, o materialismo de seus valores, que despolitizaram a sociedade brasileira com a democracia sufocada, e o silêncio das duas casas do Congresso onde o poder representativo da nação se tornara nulo (CARNEIRO, 2019).
Com isso denota-se que, em âmbito comparativo, estas duas constituições possuem diferenças claras e visíveis. Primeiro pela sua extensão e segundo pelo número excessivo de emendas, levando-nos a crer que a Constituição do Brasil pode ser utilizada como palco para decisões parlamentares incabíveis e desnecessárias, visando apenas a execução de medidas que beiram a conveniência de muitos, e não oportunizando a ação de outros.
3. CONCEITUAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
É grande a celeuma doutrinária acerca da real conceituação de direitos fundamentais. Em face de seu vasto espectro, seu significado situa-se próximo ao de diretos do homem, direitos individuais ou de direitos subjetivos públicos, por exemplo. Com efeito, direitos fundamentais são todos aqueles que tutelam a vida, a igualdade, a liberdade, a segurança, a educação, entre outros.
A Constituição Federal dispõe os direitos fundamentais como gênero que abrange as espécies, direitos e deveres individuais e coletivos os quais encontram-se previstos no artigo 5º, os direitos sociais (art. 6º a 11), direitos de nacionalidade (art. 12 e 13) e direitos políticos com previsão do art. 14 ao artigo 17 da CRFB/88.
A grande distinção a ser feita, entretanto, separa direitos humanos de direitos fundamentais. Considerados por muitos como sinônimos, tem-se que, na verdade, os últimos estão contidos nos primeiros. Ao passo em que os direitos humanos possuem caráter universal e atemporal, os direitos fundamentais são os próprios direitos humanos positivados nas Constituições de cada Estado, representando as garantias tidas como intrínsecas aos seus cidadãos (COMPARATO, 2003).
Se, por um lado, os direitos humanos são identificados apenas no plano abstrato, por outro os direitos fundamentais são aqueles submetidos a um processo de positivação, passando a deter as mesmas exigências de cumprimento de todas as outras normas jurídicas impostas (CANOTILHO, 1995). Sobre esta questão, Nathalia Masson assinala:
‘Direitos fundamentais’ e ‘direitos humanos’ afastam-se, portanto, apenas no que tange ao plano de sua positivação, sendo os primeiros normas exigíveis no âmbito estatal interno, enquanto estes últimos são exigíveis no plano do Direito Internacional. (MASSON, 2015).
Noutro giro, faz-se mister destacar que não existe um catálogo pronto e definitivo de direitos que foram definidos como fundamentais. Para Alexandre de Moraes, estes:
[…] surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural” (MORAES, 1999, p.178)
Neste sentido, é certo que a complexidade das relações humanas bem como os diferentes momentos históricos moldaram a teoria dos direitos fundamentais como a conhecemos hoje, em um processo lento, incessante – e sempre inacabado – que envolve a contínua transformação e aperfeiçoamento dos ordenamentos e preceitos jurídicos.
O percurso desta construção é didaticamente organizado pela doutrina conforme as diferentes gerações (ou dimensões) dos direitos fundamentais, cada uma com suas especificidades que deixam transparecer as garantias mínimas julgadas imprescindíveis de serem tuteladas naquele contexto histórico. (BONAVIDES, 2004).
Outrossim, não há como se falar em direitos e garantias fundamentais sem falar no postulado da dignidade da pessoa humana. Embora não sejam conceitos coincidentes, estão ligados de forma umbilical de forma que mesmo quando a dignidade da pessoa humana não houver sido expressamente referida, é possível afirmar que se faz presente na condição de valor informador de toda a ordem jurídica em que estiverem tutelados os direitos fundamentais. (SARLET, 2011). A este respeito:
Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em que “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana (MENDES; BRANCO, 2012, p. 210).
Logo, pode-se conceituar os direitos fundamentais como a categoria jurídica instituída para proteger a dignidade humana em todas nuances, resguardando o homem tanto em sua liberdade – direitos individuais – como nas suas necessidades – direitos sociais, econômicos e culturais – e na sua preservação – direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade. (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2005).
Neste mesmo diapasão, se faz necessário elucidar que os direitos fundamentais, podem ser definidos como o agrupamento de direitos e garantias atinentes ao ser humano, cuja principal finalidade adstrita a ele é o respeito a sua dignidade, vinda por meio de proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de boa qualidade de vida, bem como desenvolvimento do ser humano (PEREIRA, SILVEIRA, 2019).
Em suma, esta gama de direitos visa garantir ao ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o amplo desenvolvimento de sua personalidade, assim como se encontram impostas em todo o rol da CF/88.
Nesse sentido, se faz necessário tratar acerca dos princípios que regem a Constituição, como forma de demonstrar os pilares que regem o Estado Democrático de Direito. De acordo com Martinelli (2021) os princípios fundamentais possuem uma estrutura ampla que rege todo o ordenamento jurídico, sendo essas funções:
- harmonizadora, a fim de conferir coerência e lógica ao sistema;
- interpretativa, segundo a qual os princípios devem nortear a interpretação da norma, sempre que essa for ambígua;
- e, por fim, uma função subsidiária, servindo os princípios como fonte jurídica para o preenchimento de lacunas.
As funções atribuídas aos princípios, como citado alhures, demonstram a necessidade e inserção no ordenamento, como forma de prover harmonia, auxiliando a interpretação, tendo também possui a função preenchedora. Esta última é de grande valia, visto que sempre há buracos na lei e os princípios possibilitam que as pessoas que a ele tiverem contato sanem suas dúvidas acerca de tais brechas na legislação.
Dispostos no artigo 1º da Constituição, são os princípios fundamentais e basilares, a saber:
I – A soberania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – O pluralismo político (BRASIL, 1988).
E nesse sentido, se passa a expor:
3.1 SOBERANIA
Este é um dos princípios fundamentais da Constituição e da formação do Estado Democrático de Direito. Acompanhado de requisitos básicos, um governo somente é soberano se existirem o povo e o território. A soberania popular é retirada do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, o qual traz à baila a ideia de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, a partir do uso da força sobre um determinado território e população, bem como do monopólio do direito, “estrutura-se uma forma de organização do poder centrada numa autoridade legal suprema, detentora do poder originário, livre de intervenção interna ou externa”. Essa autoridade suprema é escolhida pela sociedade pelo voto, para representá-la. (COLOMBO, 2008).
Nesse diapasão o princípio fundamental da soberania assegura a coesão de um corpo social. O mesmo autor aduz que a soberania é um poder perpétuo e absoluto de uma república. A teoria democrática sustenta que tal requisito se origina do povo e da sua representação enquanto estado democrático. Essa teoria, adotada no Brasil, apresenta três variações, a saber: 1ª) o titular da soberania é o povo, situado fora do Estado; 2ª) a partir da Revolução Francesa, é atribuída à nação a titularidade da soberania; 3ª) e, por último, a consolidação do Estado como titular do poder soberano.
Acerca do âmbito nacional, a soberania deve ser complementada com base em construtos do próprio princípio, tais como a economia, devendo tal aspecto proceder de uma análise sob a ótica do objetivo fundamental, que é a possibilidade de uma comunidade exercer os seus exercícios sociais e políticos, pois o povo é soberano (POMPEU; DE PONTES, 2017). É preciso destacar que tal princípio é o que atribui de fato, poder e legitimidade ao Estado.
3.2 CIDADANIA
Este princípio possui um amplo sentido, ou seja, no papel de cidadão o indivíduo tem direitos e deveres para cumprir. O postulado deve ser inteiramente respeitado em favor dos interesses do cidadão e possui um objetivo máster de concretizar um verdadeiro Estado Democrático.
Por ser de grande relevância, a cidadania foi incorporada dentre o rol dos direitos elencados na nossa Constituição de 1988. A importância dos temas relacionados ao cidadão e ao exercício da cidadania não se reflete apenas em legislação nacional, mas também para documentos da literatura que são importantes em âmbito internacional.
A evolução do conceito de cidadania revela muitas situações, que vistas como absurdas no passado, se incorporam ao conceito de cidadão com o passar do tempo, ilustram a assertiva: A situação da mulher, da criança, do negro, do portador de deficiência, o acesso ao voto, etc. Assim, a compreensão da cidadania requer uma contextualização, e deve se ligar, intrinsecamente, às lutas e reivindicações de cada povo e ao pleno exercício da democracia (CAVALCANTI, 1999).
Destaca-se, portanto, que a cidadania surgiu para que aqueles em situação de desamparo também tenham os seus direitos e deveres exercidos por si próprio e pelo Estado quando da execução de benefícios e política públicas, por exemplo.
3.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é, pois, um dos principais princípios no âmbito do direito constitucional, bem como dos demais ramos presentes em nosso ordenamento jurídico. Isto porque todas as pessoas devem receber o mínimo do Estado para uma vida digna e todos os cidadãos devem reivindicar esse direito. De acordo com o previsto no artigo 226 da CF/88 a família é a base da sociedade e, sendo o postulado da dignidade da pessoa humana o fundamento de todas as relações sociais, é, por consequência, também da família.
Esse princípio deve ser respeitado tal qual os outros. De acordo com o dicionário jurídico este detém qualidade inerente ao ser humano, protegendo-o de todos os tratamentos degradantes e de discriminação de ódio, garantindo as condições materiais mínimas de sobrevivência. Neste ínterim e de acordo com Piovesan (2004, p. 92):
É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o Interno.
Percebe-se, portanto, que esse princípio detém o status de fundamental, devendo ser respeitado e aplicado. Portanto, nossa Constituição amplia os direitos fundamentais reconhecendo que a dignidade humana é a base de um Estado Democrático de Direito, listado no artigo 1º, e de grande relevância jurídica, garantindo que esses direitos e garantias se tornem cláusulas arraigadas.
3.4 OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA
Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa foram inseridos na Carta Magna como um princípio fundamental. “A Constituição de 1988 reconhece a importância do valor social do trabalho e da livre iniciativa, que os tem como fundamento do Estado Democrático de Direito, bem como da Ordem Econômica (Artigos 1°, inciso IV, e 170)”. (FELTEN, 2018).
Os valores sociais do trabalho modificaram-se muito desde a sua implementação. No ano de 1988, o valor social do trabalho condizia com o pleno emprego e conquistas sociais; atualmente, os valores sociais dizem respeito a manutenção de emprego e flexibilização da legislação trabalhista no intuito de manter os empregos, vez que o momento atual é de grande crise. (ibidem, 2018).
Ademais, o desenvolvimento da livre iniciativa coaduna-se com a garantia do exercício de todas as maneiras lícitas de se exercer o trabalho, bem como também garante o exercício da atividade empresarial, como expressão efetiva do fundamento constitucional (MANUS, 2014).
3.5 PLURALISMO POLÍTICO
O pluralismo político é um conceito ligado à própria noção de democracia. Ele assinala o reconhecimento de que a sociedade é formada por vários grupos, sendo, portanto, composta pela mescla de vários centros de poder em diferentes setores (GOMES, 2008). As principais características desse princípio são externadas tanto pela liberdade de associação como pela possibilidade de participação nas diligências de poder e a existência de consensos sociais míngues e de distintivos axiológicos (PINTO JUNIOR, 2011).
Pode-se perceber, portanto, que todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana foram citados no artigo primeiro da carta constitucional. Cumpre ressaltar que outros artigos dentro da CF/88 também são de cunho elucidativo e visam demonstrar os direitos fundamentais que também são atribuídos ao indivíduo.
Todos os direitos expostos, desde a soberania até o pluralismo político, dizem respeito ao povo, a realização de seus direitos enquanto cidadãos, bem como ao exercício de seus deveres. A multiplicidade cultural é um fator determinante na elucidação de direitos com o cunho constitucional, atribuindo valores significativos e de interpretação subjetiva. Por esta razão os princípios são tão importantes, para não dar espaço para que haja uma interpretação disforme das normas postas.
4. RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Compreendido o significado do termo “direitos fundamentais”, bem como a amplitude de sua utilização, é de fundamental importância denotar que, embora consistam na proteção às mais importantes liberdades do indivíduo, estas normas jurídicas não possuem plena e absoluta aplicação dentro do ordenamento. A própria Constituição Federal, em seu Art. 5º, §1º, dispõe apenas que aquelas possuem aplicação imediata.
Após a promulgação da Constituição Cidadã, a doutrina e a jurisprudência pátria passaram a se debruçar no estudo das mais diversas teorias que versam sobre os direitos fundamentais para definir qual a melhor forma de operacionalizá-los no contexto que se iniciava. De certo, o seu próprio exercício pode gerar uma infinidade de conflitos com outros direitos constitucionalmente tutelados.
É evidente, por outro lado, que não se pode admitir que o fato de que todos os indivíduos sejam titulares e usufrutuários desta vasta gama de prerrogativas venha a inviabilizar a vida em sociedade por, digamos, “excesso de direitos”. A solução destes conflitos, por sua vez, exige uma profunda avaliação entre os bens jurídicos relacionados, de modo que seja definido qual deles – e de que forma – deve receber a proteção fundamental. (MENDES; BRANCO, 2012)
Inicialmente, entretanto, é importante estabelecer a distinção entre regras e princípios. Embora haja certa controvérsia doutrinária acerca do tema, atualmente a Teoria dos Direitos Fundamentais formulada por Robert Alexy encontra-se bastante difundida e bem aceita no meio acadêmico.
Segundo o jusfilósofo alemão, as regras são mandamentos aplicados na modalidade “tudo ou nada”, sendo objetivos e determinados, enquanto que os princípios trazem fundamentos de conteúdo axiológico que devem ser examinados conforme o caso concreto, podendo ser satisfeitos em graus variados. (ALEXY, 2008). Seguindo esta mesma linha, Virgílio Afonso da Silva estabelece que as regras garantem direitos definitivos, ao passo em que os princípios asseguram direitos prima facie. (SILVA, 2014).
Em relação aos direitos fundamentais, Alexy afirma não ser possível classificá-las a priori como princípios ou regras. Em sua visão, estas normas tanto podem garantir direitos definitivos – assumindo a feição de regra – quanto garantir apenas direitos prima facie – comportando-se como princípios. Entretanto, ao destacar a forte carga valorativa que caracteriza os direitos fundamentais, o jurista alemão reconhece que é mais frequente identifica-los como princípios. (ALEXY, 2008).
Admitindo-se, pois, que os direitos fundamentais podem ter a faceta de princípios, é decorrência lógica que estes não são absolutos, sendo continuamente limitados. Submetidos a estas condições, são normas que ordenam a realização de algo na maior medida possível, sendo consideradas as possibilidades de fato e direito apresentadas (ALEXY, 2008).
Logo, para sua real efetivação, fica clara a restrição dos direitos e garantias fundamentais. É tarefa do legislador, pois, editar as chamadas normas restritivas e as normas conformadoras, conforme o caso. As primeiras abrem a possibilidade de elaboração de novas normas que limitem o domínio de proteção dessas garantias, como é o caso do dispositivo que se segue: Art. 5º, LVIII, CF “O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (BRASIL, 1988).
Por outro lado, as normas conformadoras tem por finalidade precisar ou regular aqueles direitos fundamentais cujo dispositivo constitucional apresenta-se de forma vaga ou indeterminada, por exemplo: Art. 5º, XXVII, CF: “Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.
Nessa esteira, a percepção de como as referidas restrições estão ligadas aos direitos efetivamente restringidos pode se pautar por dois caminhos diferentes, através do exame da teoria interna e do estudo da teoria externa.
Os adeptos da primeira não enxergam restrições propriamente ditas aos direitos fundamentais, uma vez que estes limites lhe são imanentes e intrínsecos ao próprio direito, independente de fatores externos. Admitindo esta tese, tem-se que, sempre que o Estado operar qualquer restrição ao conteúdo de um direito fundamental, esta terá apenas efeito declaratório e não constitutivo. (SILVA, 2014).
Acerca da ponderação sob a ótica da teoria interna, denota Zanon Júnior:
A teoria também apenas aparentemente esvazia a necessidade de ponderação entre direitos constitucionais em oposição. Isto porque, em verdade, o que ocorre é simplesmente um deslocamento do sopesamento, outrora situado no debate sobre um direito e a sua restrição, para o âmbito interno da norma, no nível da definição dos exatos limites dos direitos fundamentais. E tal deslocamento é desaconselhável, porque implica anacronismo e conservadorismo alheios à plasticidade das relações sociais e econômicas, ao tornar imprescindível a fixação de um específico limite para o direito que, posteriormente, pode apresentar-se severamente restritivo de uma prerrogativa humana, bastando que o caso concreto tenha circunstâncias diferentes. (ZANON JÚNIOR, 2012. p.6-7).
Em sentido inverso, parte da doutrina entende que, a partir da exclusão de todo e qualquer fator de origem externa, conforme prega a teoria interna, resta impossível a coexistência entre os limites intrínseco e a possibilidade de ponderação, uma vez que esta poderia, inclusive, implicar em violação do próprio direito. (ALEXY, 2014; SARLET; 2012)
Mais difundida no meio jurídico, entretanto, é a Teoria Externa, segundo a qual as restrições não afetam o conteúdo do direito, mas o seu exercício, sendo que aquelas nascem da necessidade implacável de equilibrar a proteção à diferentes bens jurídicos. Segundo esta linha de pensamento, a relação entre o direito fundamental e a suas restrições tem caráter dúplice, considerando que existe o direito prima facie que, a partir das complexidades do caso concreto, poderá sofrer restrições extrínsecas a ele. (SILVA, 2014).
Em oposição ao que é verificado sob a luz da teoria interna, a teoria externa dá lugar ao choque entre duas normas de direitos fundamentais, sejam elas formalmente constitucionais ou não, evidenciando que as restrições podem ocorrer tanto em face de normas com natureza de regras quanto a normas com natureza de princípios. Na hipótese de conflito entre princípios, caberá ao Judiciário a efetivação da restrição, que se dará com base na ponderação, em que um dos princípios, em algum grau, se sobreporá ao outro.
Para encerrar a distinção, Alexy pontua que há mais do que uma controvérsia terminológica ou conceitual entre a teoria interna e a teoria externa. Para ele, caso se siga uma corrente que pregue uma concepção individualista da sociedade e do Estado, esta tenderá para a teoria externa. Na contramão desta hipótese, se for vislumbrada uma necessária integração do indivíduo na comunidade, o caminho escolhido será a adoção da teoria interna. (ALEXY, 2014).
Partindo dessa premissa, tem-se como pressuposto de que, no âmbito das restrições dos direitos fundamentais, são considerados inteiramente como sendo, segundo Dias (2007, p. 78-79)
Qualquer ação ou omissão dos poderes públicos, aí incluídos o legislador, a Administração e o Judiciário, que afete desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental, reduzindo, eliminando ou dificultando “a vias de acesso ao bem nele protegido e as possibilidades de sua fruição por parte dos titulares reais ou potenciais do direito fundamental”, bem como enfraquecendo “deveres e obrigações, em sentido lato, que da necessidade da sua garantia e promoção resultam para o Estado”.
Na Constituição Federal não há previsão de como devem ser procedidas estas restrições de direitos fundamentais. Em virtude disto, foram elaboradas a chamada teoria interna dos limites dos direitos fundamentais, que trata justamente da não restrição de benefícios, pois pressupõe-se que estes não podem ser restringidos por princípios, ainda que constituam uma mesma natureza, não se admitindo, portanto, que eles sofram limitações que tenham como origem seja externa os próprios princípios (ALVES, [s.d]).
Com isso, a afirmação da natureza institucional e comunitária da lei nos faz perceber que os legisladores desempenham um papel importante na realização e formação da liberdade, e que os direitos fundamentais não podem infringir bens legitimados, quais sejam os princípios, de valor igual ou superior. No caso do Brasil, a ausência de uma norma geral sobre restrições a direitos fundamentais, em vez de uma deficiência, pode ser considerada um dado positivo, pois evita o problema de interpretação errônea que esteja ao alcance de normas.
Nesse sentido, pode-se denotar que os princípios são tidos como normas dotadas de grande generalidade e abstração, vinculando-se de maneira mais nítida a valores e carecendo de concretização legislativa. Segundo Dias (2007), os princípios têm uma dimensão de peso e as regras têm uma dimensão de validade. Isso significa que os primeiros, se conflitantes, não serão excluídos do ordenamento jurídico, mas terão peso, portanto, no julgamento de um caso concreto, há a cedência de um antes do outro.
Portanto, pode-se destacar que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias das pessoas nas circunstâncias claramente estipuladas na Carta Constitucional, e essas restrições se limitam às necessárias para garantir a execução dos outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.
Há em nosso ordenamento jurídico três tipos de restrições, a saber: “restrições diretamente constitucionais, restrições indiretamente constitucionais (reserva de lei restritiva simples e qualificada) e restrições tácitas constitucionais.” (FARIAS, 2000, p. 02). O autor trata de todas elas de maneira sintética aduzindo, portanto, que
As restrições diretamente constitucionais são aquelas estabelecidas pelo próprio texto constitucional. Além do art. 5°, IV da Constituição Federal já aludido, são exemplos: – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (Grifado – CF, art. 5°, XI); (FARIAS, 2000, p. 02).
Como citado alhures, as restrições de cunho diretamente constitucional dizem respeito a aquelas previsões expressas diretamente na CRFB/88. Nesse ínterim, Farias (2000, p. 03) aduz que as restrições indiretamente constitucionais
são aquelas que não se encontram previstas no texto constitucional que confere o direito fundamental, uma vez que a Constituição se limita a autorizar o legislador a estabelecê-las através de leis infraconstitucionais. Exemplos: – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer
Ou seja, são aquelas que não possuem previsão na Carta Constitucional, mas que se encontram condicionadas a autorização constitucional para a sua restrição. Por fim, tem-se as restrições tácitas constitucionais.
Admite-se que a Constituição autoriza tacitamente tanto o legislativo como o judiciário a impor restrições aos direitos fundamentais com o escopo de resolver ou evitar, no plano da eficácia social, os casos de colisão entre os próprios direitos fundamentais ou o conflito destes com valores comunitários constitucionalmente protegidos (segurança pública, saúde pública, etc.) (Ibidem, 2000, p. 04).
A última diz respeito a autorização expressa de restrição, ou seja, os poderes da constituição podem impor as restrições aos direitos fundamentais. É basilar mencionar que nem todas as reservas legais, autorização de redação constitucional e as disposições das leis relacionadas com os direitos fundamentais implicam restrições. Em vez de limitar o âmbito da proteção dos direitos fundamentais com a aplicação de restrições o papel da lei fica fixado em determinar ou regular, mais precisamente, o âmbito da proteção deste direito básico. A lei diz, então, o conteúdo de direitos básicos e relevantes e utilizados como tratativa de regulamento.
Adicionalmente, no que diz respeito ao direito brasileiro, a questão posta é que os princípios da reserva legal, proporcionalidade e igualdade devem ser respeitados e tratados com mais seriedade, e apenas os direitos básicos que não interferem nas reservas devem ser restringidos. Nesse sentido, não é apropriado invocar o respeito pelo cerne dos direitos fundamentais que podem ser restringidos.
A regra da proporcionalidade, como um limite às leis que restringem direitos, basicamente significa coibir os excessos para autorizar a concessão aos legisladores ordinários a imposição de limites. As referidas restrições são abordadas também em sede de discussões acerca da viabilidade da imposição de limites, por meio de normas infraconstitucionais, aos direitos fundamentais previstos constitucionalmente (MOYSÉS, COUTO, 2017). Esse assunto será abordado com mais clareza na seção seguinte. Por meio desta, foi possível compreender inúmeras coisas e que, acima, de tudo, as restrições são implementadas como base em princípios básicos alicerçados na Carta Constitucional, ou não.
As suas disposições indiretamente constitucionais são condicionadas a Constituição e seu texto faz jus ao que nela está proposto, entretanto, não possuem redação legitimamente constitucional. No que tange a proteção de princípios constitucionais ou infraconstitucionais da restrição a análise dos conceitos contidos nas normas da lei de base fundamentais, levando em consideração a necessária integração entre as normas e a realidade, ajudará a determinar inicialmente o escopo de proteção envolvido em todo esse contexto.
Por fim, o que se pode ver expressamente na Constituição é a restrição temporária e excepcional. A título de exemplo, se pode utilizar em caráter normativo a inviolabilidade de correspondência.
com o exame da inviolabilidade de correspondência, prevista pelo inciso XII do artigo 5º da Constituição. Lembre-se que, apesar de prevista aparentemente sem possibilidade de restrição, referida inviolabilidade poderá ser condicionada nas hipóteses de Estado de Defesa e de Estado de sítio, nos termos, respectivamente, da alínea “b”, do inciso I, do parágrafo 1º do artigo 136 e do inciso III do artigo 139 da CF/88. (DIAS, 2007, p. 91).
Com isso, pode-se perceber uma situação excepcional de restrição do sigilo da correspondência. Excepcionalmente e temporariamente, salvo apenas em caso de ordem judicial. Contudo, não se deve atribuir a esta situação um caráter de regra, mas de exceção, haja vista ser estes direitos restringidos com o fito uno de salvaguardar outros direitos e/ou bens coletivos também garantidos pela Superlege.
5. OS LIMITES ÀS RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Uma das características da Democracia e do Estado Constitucional de Direito é o respeito íntegro ao princípio da dignidade da pessoa humana, o qual através da criação das leis pelo povo e para o povo, e pelo cumprimento, inclusive por parte do governo e das normas de Direito, pode ter seus direitos e deveres previstos constitucionalmente, cumpridos. Como sendo um dos princípios basilares do direito constitucional e de todo ordenamento jurídico, esse direito não pode ser limitado, via de regra.
Analisando-se os direitos individuais, conclui-se que os direitos, liberdades, poderes e garantias podem ser limitados ou restringidos. O direito à vida é o exemplo mais simples e elucidativo que pode se utilizar para definir a inexistência de direitos absolutos, sejam eles de maneira ampla e genérica (CALDEIRA, 2018).
Também conhecida como a teoria do limite dos limites, os limites às restrições aos direitos fundamentais, que apenas se aplicam se adotada a teoria externa, decorrem da própria Constituição e consistem na necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à determinação, clareza, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. (MENDES; BRANCO, 2012).
Moysés e Couto (2017) aduzem que antes de realizar uma tratativa mais aprofundada acerca do limites dos limites, é imprescindível destacar, a priori, que nem toda e qualquer doutrina aceita que sejam impostos limites externos a direitos fundamentais, inerentes a pessoa humana.
Acerca deste núcleo essencial dos direitos fundamentais, Gilmar Mendes contrapõe dois modelos: a teoria absoluta – que defende a existência de um espaço suscetível de regulação totalmente à parte do caso concreto – e a teoria relativa – que acredita na existência de um núcleo duro aferido de forma concreta, através da ponderação e da proporcionalidade. (MENDES; BRANCO, 2012).
Em seguida, o nobre jurista tece comentários e críticas acerca de ambas, senão vejamos:
É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a ideia de uma proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger. Não é preciso dizer também que a ideia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos. Por seu turno, a opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por descaracterizá-los como princípios centrais do sistema constitucional. (MENDES; BRANCO, 2012. p. 314-315).
Embora a Constituição Federal de 1988 não mencione de maneira expressa a proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, ela o faz implicitamente, como expressão do próprio modelo garantista utilizado pelo poder constituinte originário. Prova disso se encontra no Art. 60, §4º, IV de nossa Carta Magna, dispositivo segundo o qual são vedadas quaisquer propostas de emenda à Constituição tendentes a abolir os direitos e garantias individuais. (MENDES; BRANCO, 2012).
Assim, é possível apontar que a concepção de um núcleo essencial encontra sustentação no modelo garantista da Constituição da República de 1988 (MENDES, 2014). E o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmensuradas ou desproporcionais aos limites para a limitação das normas jurídicas fundamentais.
Noutro giro, Gilmar Mendes coloca o problema de ser uma questão jurídica aferida judicialmente, na análise do caso concreto, a da liberdade discricionária outorgada ao legislador, bem como a medida de seus limites. A este respeito, denotou:
O conceito de discricionariedade no âmbito da legislação traduz, a um só tempo, ideia de liberdade e de limitação. Reconhece-se ao legislador o poder de conformação dentro de limites estabelecidos pela Constituição. E, dentro desses limites, diferentes condutas podem ser consideradas legítimas. (MENDES; BRANCO, 2012. p. 320)
Neste ponto entra a fundamental importância do princípio da proporcionalidade, pois, no âmbito da teoria relativa do núcleo duro dos direitos fundamentais, o referido postulado serve como instrumento balizador ao qual toda restrição deva ser submetida. Caso passe no “teste da proporcionalidade”, estará resguardado o conteúdo essencial dos direitos ora estudados. Funciona, então, postulado constitucional autônomo com sede material na disposição constitucional sobre o devido processo legal (MENDES E BRANCO, 2012; SILVA, 2014).
Adicionalmente, no que tange a utilização de diversas designações de definição ao referir-se aos direitos fundamentais,
É prevalecente o entendimento de que a nota de fundamentalidade desse direito está intrinsecamente relacionada com o princípio da dignidade humana, assegurando, mormente, o respeito à vida, à liberdade, ao postulado da igualdade, à segurança, à integridade física e psíquica do ser humano (NUNES, NETTO, SILVEIRA, 2021, p. 277).
A dignidade da pessoa humana é, pois, uma das principais bases jurídicas fundamentais para se tratar dos direitos inerentes ao indivíduo e que deve ser levada em consideração, buscando não a violar quando da limitação a restrições. A restrição imposta no limite dos limites deve ter caráter abstrato. Em razão desse seguimento, a lei pode vir a limitar o direito fundamental e nesse sentido, não pode ser minuciosa, pois se assim for estará perpetrando vitupérios aos princípios da igualdade material e da segurança jurídica (PEREIRA, SILVEIRA, 2019).
Nesse diapasão o conceito de limites dos limites refere-se aos limites que vigem para o legislador, no momento em que ele, no curso de sua competência constitucional, restringe os direitos fundamentais, e não ao fato de que o direito é limitado, vez que o que se limita é a ação.
Portanto, busca corroborar com essa alegação afirmando que o limite dos limites
Tem como fundamento, portanto, impedir que o legislador aja livremente – desprovido de qualquer medida ou moderação – na restrição de direitos fundamentais, a fim de que um conteúdo, considerado como essencial, reste preservado, mesmo após a incidência dessas restrições. Portanto, à luz da teoria dos limites dos limites, o princípio da proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais deve sempre se associar ao princípio da proporcionalidade (DUQUE, NASCIMENTO, 2018, p 958).
Segundo ensinam Gilmar Mendes e Paulo Gonet, existem 02 teorias sobre o tema:
Os adeptos da chamada teoria absoluta (absoluteTheorie) entendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais (Wesensgehalt) como unidade substancial autônoma (substantieüerWesenskern) que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Essa concepção adota uma interpretação material segundo a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal. Em outras palavras, haveria um espaço que seria suscetível de limitação por parte do legislador; outro seria insuscetível de limitação. Neste caso, além da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um “limite do limite” para a própria ação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de regulação. Os sectários da chamada teoria relativa (relativeTheorie) entendem que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins (Zvueck-Mittel-Prüfung), com base no princípio da proporcionalidade.0 núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível de restrição ou redução com base nesse processo de ponderação. Segundo essa concepção, a proteção do núcleo essencial teria significado marcadamente declaratório. (BASTOS, 2014, online).
A partir do que se pode perceber que, ao tratar da relatividade dos direitos fundamentais, não devemos considerar um direito como sendo absoluto, pois ao aceitar essa condição, temos dois “efeitos colaterais”: 1º) desprezar do direito, haja vista quando houver colisão de normas, será aprioristicamente descartado. 2º) abuso do seu exercício, presumindo que ao antepor esse caráter absoluto, poder-se-ia também considerar a presunção de inocência como absoluta, gerando conflitos não só de princípios, mas bagunçando todo o ordenamento jurídico.
A sequência lógica é de que os direitos fundamentais, ainda que absolutos de maneira individual, devem ser comparados a outros direitos fundamentais do mesmo grau saindo, portanto, da ideia jusnatural absolutista, pertencente a qualquer princípio.
Ante o exposto, denota-se que todo esse processo deve ter um equilíbrio. Então, para isso, o STF tem se utilizado cada vez mais do critério da proporcionalidade e razoabilidade. De acordo com Martins (2020, s/p), para verificar se as restrições aos direitos básicos obedecem à Constituição, é adotado o princípio da proporcionalidade, devendo ser verificada a incidência dos três requisitos em circunstâncias específicas, a saber: a) adequação; b) necessidade e c) proporcionalidade em sentido estrito.
Iniciando pela adequação, é cabível ressaltar que por esta subdivisão, verifica-se uma relação de causa e efeito. Analisa-se se a norma restritiva do direito constitucional alcança os objetivos pelos quais ela foi estabelecida. No que tange a necessidade, o ato administrativo utilizado deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos individuais. (GOMES, 2009).
Por fim, proporcionalidade em sentido estrito
consiste na ponderação de interesses em conflito. Verifica-se o peso entre o direito violado pela norma restritiva e o direito por ela tutelado. A restrição legislativa será inconstitucional, caso o direito por ela restrito seja mais importante que o direito por ela tutelado (MARTINS, 2020, online).
Tais requisitos, como pode-se perceber, são de relevante importância para a definição da proporcionalidade, isso porque deve-se buscar adequar a norma ao caso concreto, seguido por seus fatores de necessidade de aplicação normativa. Por fim, analisa-se a proporção do interesse em conflito, o seu cabimento, bem como o peso de normas para a sua aplicação no caso concreto, sempre protegendo o núcleo essencial dos direitos.
Acerca do reconhecimento do núcleo essencial dos direitos fundamentais pelo STF, citam-se o RE nº 511.961/SP, em que foi afirmado que a reserva legal estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial, ou, ainda, o RE nº 387.945/AC, em que a imunidade do advogado – além de condicionada aos limites da lei – não alcança as relações do profissional com o seu próprio cliente, bem como o HC nº 82.959/SP, que decidiu que regime integralmente fechado de cumprimento de pena previsto na redação original da Lei nº 8.072/90 é inconstitucional, por violar o núcleo essencial do direito à individualização da pena (NUNES, NETTO, 2021, p. 295).
Nesse sentido, foi possível compreender que a imposição do limite dos limites trata não somente a limitação da norma, mas também diz respeito a limitação do legislador em utilizar de critérios legais para se chegar a um denominador.
No que tange à colisão de direitos de cunho fundamental, portanto, o Pretório Excelso tem solucionado os conflitos sob o prisma da ponderação, seja em situações em que a análise é realizada de forma abstrata, mediante aplicação do poder geral de conformação legislativa dos direitos, ou por meio das questões realizadas e analisadas em sede do Poder Judiciário (NUNES, NETTO, SILVEIRA, 2021).
Apresenta-se a hipótese de que esta não é uma característica ruim ou que limita o poder estatal, mas impede que este use de instrumentos para ações próprias. Essa seção se destinou a tratar da limitação dos direitos fundamentais e foi característico elucidar que direitos fundamentais sofrem com a atuação estatal de maneira descontrolada, alcançando os cidadãos de modo desvantajoso e se mostrando como uma contradição nociva ao caráter vinculante que as normas fundamentais tem o dever de demonstrar.
À vista disso, foi aqui tratado que a atividade limitadora, taxativa e restritiva do Estado deve ser, a grosso modo, uma atividade limitada, mas que proteja tais direitos e não ouse violá-los. Também deve ficar evidente que a premissa inicial foi a demonstração da violação aos direitos fundamentais, banalizando-os. Sendo assim, segundo Caldeira (2018) “não se coaduna com a verdadeira intenção do constituinte originário, utilizar-se de todo e qualquer caso prático com o escopo” de estar em constante vigilância e proteção dos princípios fundamentais.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo realizar uma tratativa acerca das limitações dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Para a sua efetivação, foram abordados metodologicamente o assunto, por meio de uma pesquisa de cunho bibliográfico e com caráter exploratório implícito, haja vista que a própria modalidade de pesquisa bibliográfica busca explorar o máximo de documentos a respeito desse processo.
Destarte, teve-se como objetivos do estudo explorar a temática das limitações aos direitos fundamentais, expondo no que consiste e no que se pauta, apontando as suas principais características e inserção no ordenamento jurídico. Foi possível entender que as limitações e restrições dos direitos fundamentais dizem respeito a direitos básicos e impõem-se por meio de três vieses, haja vista que a Carta Magna não traz previsão tipificada a esse respeito.
Os direitos fundamentais possuem um caráter histórico, ou seja, evoluíram segundo circunstâncias históricas. Nascidos nas ideias filosóficas, desenvolveram-se especialmente a partir da doutrina jusnaturalista e, com as Declarações do século XVIII, ganharam força normativa e vinculante definitiva.
Observando sob o prisma da história, fica evidente que a introdução da temática dos direitos fundamentais como elemento central da nova Constituição então emergente no contexto da redemocratização teve por intuito o estabelecimento de um Estado Democrático de Direito, que é de suma importância para a idealização de uma visão garantista.
Tais estabelecimentos são diretamente calcados no rompimento com as práticas até então adotadas e na garantia da proteção à dignidade da pessoa humana nesta nova ordem instaurada, tendo por método a catalogação de uma série de direitos, prerrogativas e liberdades universais, invioláveis e inalienáveis, cuja observância deveria nortear tanto a atuação estatal como as próprias relações interpessoais.
No entanto, do próprio estudo da teoria dos direitos fundamentais depreende-se que estes não são absolutos dentro do ordenamento jurídico. Para a sua real efetivação, é necessária, muitas vezes, a edição de normas conformadoras ou restritivas, que servem como balizadores do seu exercício.
Além disso, existem aqueles que entendem que o próprio direito possui limites que lhe são imanentes, intrínsecos. Para outra parcela da doutrina, a limitação aos direitos fundamentais decorre da necessidade de equilibrar a proteção a diferentes bens jurídicos. Nestes casos, mostra-se patente a utilidade do instituto da ponderação como forma equalizar os direitos ora conflitantes.
Nessa seara, já que os direitos fundamentais podem ser restringidos, como garantir que esta restrição não implique em reiteradas violações a ele? A resposta a esse questionamento está na teoria do limite dos limites, segundo a qual os direitos fundamentais podem ser restringidos, mas não desconsiderados.
Os direitos fundamentais dispõem de um conteúdo aberto e, por isso, por diversas vezes se encontram em situações de colisões. As condições de conflitos podem surgir decorrentes a concorrência entre dois ou mais direitos fundamentais e ainda, de conflitos entre um direito fundamental e um bem jurídico constitucional. No entanto, é possível haver conflito quando a execução de um direito fundamental por parte de um titular colide com a execução de direito fundamental de outro titular de direitos.
O objetivo do estudo foi fazer uma ampla análise dos direitos fundamentais no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, com o enfoque em sua aplicabilidade e possibilidade de limitação. Neste sentido, fora realizada uma revisão sistemática da vasta literatura existente sobre o assunto.
Verifica-se, assim, que os direitos fundamentais com estrutura de princípios podem ter aplicabilidade em maior ou menor grau, conforme as peculiaridades do caso concreto, podendo ser restringidos pelo conflito com outras normas de direito fundamental ou, ainda, por disposição de outras normas, mesmo infraconstitucionais, que têm sua matriz em direitos também fundamentais.
A função de uma constituição em um Estado Democrático de Direito consiste em ser instrumento formal de materialização de direitos, advindos de conquistas de diversos momentos culturais, de modo que a nossa Carta Magna não pode se restringir apenas a um documento programático, mas sim tem o dever de direcionar e buscar a aplicação e efetivação de direitos nela expostos. Com isso, a importância jurídica e política da ampla proteção aos Direitos Fundamentais ganha força.
Diante disso, os direitos fundamentais devem ser analisados e ponderados em confronto com o caso concreto, balizado sob o princípio implícito da proporcionalidade, seja em seu sentido de adequação (capacidade de atingir os objetivos pretendidos), de necessidade, ou proporcionalidade em sentido estrito (proibição do excesso), fazendo com que os direitos fundamentais e mesmo suas restrições sejam limitados, para que o verdadeiro sentido de utilização dos direitos fundamentais seja alcançado, não deixando a Constituição apenas como mero objeto formal de pouca utilidade prática, mas sim como um importante instrumento de concretização de princípios naturais e de garantias essenciais para a sobrevivência em sociedade.
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1Universidade Federal do Piauí, Teresina/PI
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