RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA FRENTE ÀS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10492728


Aléxya de Aguiar Vieira1
Orientador: Prof. Dr. Tarsis Barreto Oliveira


RESUMO

A lista de institutos de responsabilidade goza de amplo apoio no direito do consumidor. Contudo, nesta área apenas a responsabilidade civil é normatizada e aplicada. Quaisquer ações ou medidas prejudiciais aos consumidores dão origem à responsabilidade civil. No entanto, em alguns casos, permanece em dúvida a possibilidade de inclusão da responsabilidade penal das pessoas coletivas nas relações com os consumidores. Esta possibilidade tem sido objeto de inúmeros debates e divergências doutrinárias. Desse modo, este estudo teve o objetivo de analisar a possibilidade de aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica frente às relações consumeristas. O estudo se conduziu através da consulta de materiais bibliográficos disponíveis no Brasil desde 2017, empregando a abordagem da análise qualitativa do texto, apresentando os resultados por meio da transcrição dos principais segmentos identificados. Nos resultados, este estudo apontou que até o presente momento não há possibilidade de aplicação da responsabilidade penal à pessoa jurídica tendo como base as relações de consumo.

Palavras-chave: Jurisprudência; relação de consumo; responsabilidade penal.

ABSTRACT

The list of liability institutes enjoys broad support in consumer law. However, in this area only civil liability is standardized and applied. Any actions or measures harmful to consumers give rise to civil liability. However, in some cases, the possibility of including the criminal liability of legal entities in relations with consumers remains in doubt. This possibility has been the subject of numerous debates and doctrinal disagreements. Therefore, this study aimed to analyze the possibility of applying the criminal liability of legal entities in relation to consumer relations. The study was conducted by consulting bibliographic materials available in Brazil since 2017, using the qualitative text analysis approach, presenting the results through the transcription of the main segments identified. In the results, this study pointed out that to date there is no possibility of applying criminal liability to legal entities based on consumer relations

Keywords: Jurisprudence; consumer relations; criminal liability.

1 INTRODUÇÃO

O Direito do Consumidor constitui uma disciplina interligada ao direito privado e também ao direito público. Nesse sentido, o texto busca tutelar o consumidor, que é o detentor de direitos, em todas as transações comerciais e consumeristas diante do fornecedor.

Com isso, o protagonista da relação de consumo é o consumidor. E para a sua proteção onde existe um código específico que regula as suas relações na área consumerista. Isso decorre do entendimento de que é essa a parte mais vulnerável na relação de consumo, devendo, assim, ter total proteção jurídica.

Neste contexto, o Direito do Consumidor busca equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, onde por muitas vezes é desigual. Portanto, o próprio direito do consumidor é um campo do direito privado com uma ampla cobertura social.

Em decorrência dessas afirmações, diversas situações nas relações de consumo nas últimas décadas impactaram negativamente os consumidores. Tanto as empresas privadas como as públicas cometem violações dos direitos do consumidor. Neste contexto, a indenização é garantida por lei e verificada pelas autoridades de responsabilidade civil.

A responsabilidade civil ela refere-se à indenização por danos causados ​​por um indivíduo a um terceiro devido ao descumprimento das condições pactuadas no contrato ou à prática de um ato que viole a lei existente (ou seja, um ato ilegal).

Os fatos comprovam que a comunidade jurídica tem discutido a aplicação da responsabilidade penal das pessoas coletivas. Este é um tema diferente e parte da doutrina afirma que não é possível aplicar o sistema às pessoas jurídicas, uma vez que o dano penal não é imputado a estas pessoas. Em qualquer caso, as regulamentações nacionais já proporcionam margem para esta agência ser aplicada no seu sistema jurídico.

Além disso, esse fato também é discutido em relação às relações de consumo. Ou seja, impactar também as empresas que de alguma forma cometem infrações penais contra consumidores. E é neste contexto em que se entra em jogo a discussão central deste estudo.

Este estudo visa, portanto, responder à seguinte questão: É possível imputar responsabilidade criminal às pessoas jurídicas envolvidas em relações de consumo? Diante disso, o objetivo deste estudo é analisar as possibilidades jurídicas de apuração da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no âmbito do Direito do Consumidor.

2 METODOLOGIA

Este estudo tem como objetivo estudar a relação entre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e as relações de consumo, e é desenvolvido com base em pesquisas em fontes bibliográficas. As informações citadas em pesquisas científicas são derivadas da legislação federal, da doutrina relevante do direito penal e da jurisprudência que cobre o assunto.

São utilizados métodos de análise qualitativa, incluindo confronto de perspectivas teóricas, avaliação de apresentações e conteúdos relevantes ao tema. Os resultados são apresentados passo a passo ao longo do estudo, incluindo citações relevantes de livros e acórdãos proferidos pela bancada colegiada.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS RELAÇÕES DE CONSUMO

No Brasil, as relações de consumo elas são regulamentadas pela Lei de Defesa do Consumidor de 11 de setembro de 1990. Esse é um conjunto de leis em que define as normas que norteiam as relações de consumo no país, estabelecendo os direitos e obrigações dos fornecedores e consumidores perante a legislação e a sociedade.

Independentemente disso, este conjunto de leis representa um documento fundamental em que contém a proteção do consumidor. Falando diretamente, o objetivo principal do CDC é proteger os compradores de qualquer inconveniente ou qualquer prejuízo na aquisição ou contratação de serviços. Isso porque, nesse contexto transacional, o consumidor é visto como a parte mais suscetível, pois para ele adquirir os bens ou serviços precisa seguir os padrões definidos pelo fornecedor, onde abrange vários aspectos como o preço, a entrega e até mesmo a  qualidade do produto dentre outros detalhes.

Segundo Efing (2018, p. 26) “consumidor é aquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço na qualidade de destinatário final”. O mesmo conceito é derivado do art. 2º da Lei nº. 8.078/1990, in verbis:

Art. 2°. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. 

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (Brasil, 1990)

Como explicam Gonçalves e Gonçalves (2017, p. 19), a Lei de Defesa do Consumidor ela surgiu como uma medida de proteção jurídica em que visa estabelecer uma relação transparente e harmoniosa entre consumidores e fornecedores. Além da legislação focada em penalidades, o CDC promove uma cultura de respeito aos direitos de quem adquire produtos e serviços.

A Lei de Defesa do Consumidor, em seus artigos originais, enfatizou claramente a proteção estatal, priorizando padrões de “proteção e defesa do consumidor”. Neste contexto de vulnerabilidade, o Estado procura restabelecer a equidade nas relações econômicas, implementar uma inversão do ónus da prova a favor dos consumidores e estabelecer a responsabilidade objetiva dos fornecedores em matéria civil.

Sobre a natureza jurídica das normas de consumo, a maioria dos doutrinadores concorda que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são classificadas dentro do direito público, por garantirem preceitos fundamentais da Constituição Federal. Enquanto Almeida enfatiza o caráter público dessas normas, refletido na proteção de um direito fundamental, Bittar defende sua pertinência ao direito privado, alegando que nem todas as normas do CDC são imperativas, permitindo concessões recíprocas entre consumidor e fornecedor.  

As relações de consumo, embasadas nos princípios do CDC e sua inserção no ordenamento jurídico, parecem estar mais alinhadas com a ordem pública do que com a privada, considerando a proteção e interesse da sociedade.  Nesse contexto, as relações de consumo se tornam cruciais em uma economia onde compra e venda são fundamentais, sendo uma atividade essencial para a sobrevivência. Bagatini define o consumo como relações estabelecidas entre um ofertante de produtos ou serviços e alguém sujeito a essas ofertas ou a possíveis incidentes decorrentes. 

 Essa relação engloba dois atores essenciais: o consumidor e o fornecedor. A definição de consumidor, conforme o CDC, inclui toda pessoa que adquire ou utiliza um produto ou serviço como destinatário final. No entanto, a compreensão do consumidor varia entre os contextos econômico e jurídico, onde, segundo Benjamin, Marques e Bessa, no âmbito econômico, muitas decisões são tomadas pela família como um todo.  Legalmente, a definição de consumidor delimita a proteção e os limites de aplicação do Direito do Consumidor, determinando o alcance das relações jurídicas de consumo protegidas por essa legislação.  

Considerado mais vulnerável nesse cenário de consumo, o consumidor tem sido objeto de proteção estatal, devido à sua suscetibilidade a atos ilícitos e prejuízos financeiros e morais na relação com os fornecedores.  É importante destacar a importância do princípio da Igualdade, especialmente em contextos digitais de relações de consumo. 

Esse princípio busca equilibrar as disparidades entre partes desiguais, visando criar uma igualdade efetiva e temporária entre um sujeito com direitos desiguais e um sujeito mais fraco e vulnerável.  Apesar dessa vulnerabilidade, o Direito, enquanto ciência social, não faz distinção entre o profissional e o consumidor pessoa física; porém, o mesmo deverá provar a sua vulnerabilidade. Portanto, é importante na situação em análise estar evidenciada a vulnerabilidade. Para haver o consumo, basta haver a necessidade para sua satisfação sem destinação de lucro. 

 A respeito do fornecedor, este pode ser entendido como toda pessoa (física ou jurídica ou ainda privada ou pública, nacional e estrangeira) que, de alguma forma, prática algum exercício econômico previsto no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. Neste documento legal, essas ações podem incluir tarefas como montagem, construção, produção, criação, modificação, importação, exportação, distribuição ou venda de produtos, bem como a oferta de serviços. 

Dessa forma, terá ele a responsabilidade por ter colocado serviços e produtos à disposição dos consumidores.  A pessoa que eventualmente vende um bem móvel ou imóvel, mas que tenha profissão bem diversa que a de vender bens, está excluída do conceito de fornecedor. 

Assim, é fundamental que essas atividades sejam realizadas com dedicação e regularidade. É preciso, também, que se caracterize a prática continuada daquela atividade.  Ainda no âmbito do artigo mencionado acima, serviço é a atividade colocada à disposição do consumidor mediante remuneração. 

Nesse contexto, é suficiente que a prestação de serviço seja realizada de forma frequente e repetida, e que haja compensação financeira.  

Em relação à remuneração, a sua efetivação pode ser feita por meio de qualquer lucro que determinada atividade possa extrair, não necessitando ser paga em dinheiro um exemplo disso é a disponibilização gratuita de transportes públicos a idosos, que é considerada uma relação de consumo, na medida em que o transportador lucra com isso, mesmo quando esse valor não é pago diretamente pelo idoso.

3.2 DA RESPONSABILIDADE PENAL: ASPECTOS GERAIS

No campo das infrações corporativas, o tema  da responsabilidade é sempre  amplamente discutido. Como veremos mais adiante, a responsabilidade civil do Estado e dos indivíduos é geralmente mais comum. Como resultado, a responsabilidade criminal ainda não encontrou acordo sobre a composição deste caso. Alguma literatura jurídica rejeita imediatamente a possibilidade de criminalizar seres morais. Por outro lado, no campo do crime, há estudiosos que defendem a veracidade das ligações corporativas. 

De qualquer forma, é importante ressaltar que no campo da jurisprudência já existem disposições que indicam a possibilidade de persecução criminal de pessoas jurídicas.  Levando isso em consideração, a Lei Federal nº. 9.605/98, no seu artigo 3º trata especificamente da responsabilidade penal relativa à substância moral. O artigo 225, §3º da Constituição estabelece que as empresas estão sujeitas à punição criminal por danos ambientais.  

No entanto, as discussões sobre esta questão ainda não chegaram a um acordo. Autores como Busato, Shecaira, Galvão e outros consideram necessário estabelecer métodos de responsabilização criminal para pessoas jurídicas. Por outro lado, estudiosos como Greco e Prado e Dotti criticaram fortemente esta possibilidade. Greco argumenta que, a seu ver, as pessoas jurídicas não podem tomar decisões ou ações que impeçam a responsabilidade criminal porque não possuem forma física. 

Os autores acrescentam ainda que a punição obtida por um crime não deve ser baseada na atribuição às ações de terceiros. Isto ocorre porque a culpa pessoal pelas ações dos outros mina o princípio da culpa porque não invalida a culpa do indivíduo, Prado e Dotti concordam com essa visão. Para eles, o conceito de responsabilidade penal empresarial nada mais é do que uma ilusão resultante de uma má interpretação das disposições da Constituição. 

O autor defende que uma pessoa jurídica é criminalmente incompetente se se basear na teoria criminal e em seus princípios, especialmente na definição do ato, na natureza do crime e da pena e nos elementos básicos da responsabilidade penal (Andrade, 2022).  

Andrade (2022) baseia sua objeção em quatro pontos: 

a) Enfatiza a necessidade da culpa em detrimento da responsabilidade.

b) Considera-se uma violação do princípio da individualização da pena. 

c) demonstrar que é impossível impor penas, inclusive privativas de liberdade; 

d) Enfatiza que as pessoas jurídicas não podem  ser arrependidas, ameaçadas ou reeducadas.  

Por outro lado, como já mencionado, também há cientistas que entendem a possibilidade de utilização deste instituto como pessoa jurídica pelos motivos acima mencionados. Por exemplo, Busato (2018) argumenta que a culpabilidade não impede o sistema penal de agir sobre os indivíduos. 

Por exemplo, os autores citaram atividades consideradas perigosas para pessoas com doenças mentais e crianças menores de 18 anos. Neste caso, a empresa pode estar sujeita a medidas de segurança, uma vez que os cidadãos podem infringir os importantes interesses jurídicos  necessários à sociedade civil. 

Da mesma forma, Shecaira, ao discutir esse tema, substitui a categoria de crimes relacionados a pessoas físicas por uma definição de responsabilidade social que se aplica apenas a pessoas jurídicas. 

Com base no caso específico, o autor afirma que há dois momentos de análise.

1) Atribuição de atividades, onde são feitos julgamentos para distinguir entre as atividades de pessoas físicas e jurídicas. 

2) Acusação de atos alheios quando confirmada a efetiva escolha da  atuação da pessoa jurídica na prática do crime. 

 No segundo elemento, Shecaira explica que, não havendo delegação de culpa, não há culpa contrária ao princípio da natureza do julgamento. Ou seja, caso o ato criminoso esteja diretamente relacionado às atividades de  pessoa jurídica, a pena será aplicada diretamente porque essa atividade pertence a essa pessoa jurídica. Em seu argumento pela impossibilidade da pena privativa de liberdade, Busato aponta que a proibição da  prisão não leva por si só a uma reorganização do direito penal. 

Desta forma, sanções restritivas de direitos ou medidas de segurança podem ser impostas a entidades criminosas. Isto esclarece o tratamento criminal adequado com base nas características objetivas do caso específico. No argumento final, sobre a impossibilidade de a pessoa moral se arrepender, ser ameaçada ou reformada, Galvão se opõe a esse entendimento ao afirmar que o público e todos sabem que as  sanções criminais  são ineficazes na prevenção e na reinserção social, individual. ; 

Portanto, seria um erro enfatizar esse propósito para pessoas jurídicas. Por outras palavras, se a finalidade da sanção não for eficaz contra as pessoas singulares, não há razão para defender este argumento para evitar a responsabilidade criminal das pessoas coletivas. 

Com base nessas visões, parece claro que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas ainda não está amparada de forma inequívoca em solo brasileiro. Ainda assim, é necessário compreender se esta possibilidade existe no âmbito do direito do consumidor, o que será analisado a seguir.

3.3 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Com base na base constitucional de proteção dos direitos do consumidor, a Lei nº 8.078/90, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabeleceu diretrizes de proteção e assistência, incluindo regulamentação sobre responsabilidade civil nas relações com os consumidores. 

É importante mencionar que os consumidores representam a parte mais vulnerável neste contexto, o que torna necessário que o CDC administre e garanta os seus direitos. Os tópicos do Código de Responsabilidade Civil e do Consumidor abrangem muitos aspectos. Em qualquer caso, no domínio das relações de consumo, a responsabilidade civil está integralmente coberta. 

 Conceitualmente, para Schreiber responsabilidade civil na imposição de deveres a quem causa dano a outrem através de atos ilícitos ou mesmo  lícitos. Segundo Colombini, quem causa dano a outrem tem a obrigação de indenizar por descumprir os termos do contrato, inclusive a obrigação de resultados, ou por agir de forma contrária à legislação aplicável se cometer atos ilegais. 

No âmbito da responsabilidade civil, seus elementos incluem a indenização, tanto material, quanto moral e estética, pelo próprio dano moral. Segundo Gagliano e Filho, decorre de agressão a interesses pessoais manifestos, obrigando assim o infrator a efetuar uma indenização pecuniária à vítima, caso esta não consiga se recuperar, essencialmente retornar à situação anterior. 

O que se discute neste texto, porém, é a possibilidade jurídica de responsabilidade criminal no âmbito das relações de consumo. Conforme enfatizado no tópico anterior, a responsabilidade criminal ainda é amplamente debatida quando se trata de pessoas jurídicas.

Este posicionamento não é unânime, razão pela qual se tem entendido não ser cabível no campo do Direito do Consumidor. É o que assenta a seguinte jurisprudência:

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. ART. 7º, INCISO IX, C/C ART. 11, AMBOS DA LEI Nº. 8.137/1990, NA FORMA DO ART. 18, §6º, E DO ART. 75, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DE ILEGIMITIDADE DA PESSOA JURÍDICA PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA PERSECUÇÃO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTE ANÁLOGO DO STJ. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Impetrante (pessoa jurídica) foi denunciada pela prática do crime descrito no art. 7º, inciso IX, c/c art. 11, ambos da Lei nº. 8.137/1990, na forma do art. 18, §6º, e do art. 75, do Código de Defesa do Consumidor. 2. O tipo previsto no art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/1990 é contra as relações de consumo, sendo norma penal em branco, cujo elemento normativo “impróprio para consumo” deve ser complementado pelo disposto no artigo 16, § 8º, do Código de Defesa do Consumidor. 3. A Constituição Federal de 1988 admite, em seus artigos 173, §5º e 225, §3º, a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeira, a economia popular e o meio ambiente, estabelecendo que as punições devem ser compatíveis com a sua natureza.  4. A Constituição Federal não prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica pela prática de crimes contra as relações de consumo. Essa matéria já foi discutida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu que a responsabilidade penal em crimes desta natureza, “somente pode ser atribuída ao homem, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, a presentifique na ação qualificada como criminosa ou concorra para a sua prática”. 5. Segurança concedida, para trancar a ação penal somente em relação à Impetrante, ante a ausência de justa causa (ilegitimidade da pessoa jurídica para figurar como sujeito ativo de crimes contra relações de consumo). (TJTO, Mandado de Segurança Criminal, 0011401-22.2020.8.27.2700, Rel. JOCY GOMES DE ALMEIDA, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgado em 10/12/2020, DJe 17/12/2020). (grifo meu)

No caso acima, conforme consta do escrito, o peticionário foi acusado de cometer o crime descrito no art. Artigo 7º, inciso IX, inciso c/c. 11, ambas da Lei nº. 8.137/1990 (define crimes contra a ordem financeira e econômica, bem como contra as relações de consumo e dá outras providências), na forma do art. 18, § 6º, e art. 75 do Código de Defesa do Consumidor. O tipo é especificado no art. Artigo 7º, IX, lei nº. A Lei 8.137/1990, que trata das relações de consumo, é uma norma penal vazia, à qual deve ser acrescentado o elemento normativo “impróprio para consumo”, conforme dispõe o artigo 16, § 8º da Lei de Defesa do Consumidor do Ministério. 

A empresa processante foi claramente acusada de violar as relações de consumo. Pela infração denunciada, o peticionário não pode figurar na vertente passiva da ação penal, pois a Constituição Federal de 1988 reconhece, nos artigos 173, § 5º e 225, § 3º, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes contra a ordem. a economia e as finanças, a economia popular e o  ambiente, estabelecendo que as sanções devem ser adequadas à sua natureza.A saber:

Art. 173. (…)

§5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 225. (…)

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

(Brasil, 1988)

Portanto, Tartuce e Neves  explicaram que a Constituição Federal não prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas que cometem crimes contra as relações de consumo. Esta questão já foi discutida no Supremo Tribunal Federal, que decidiu que a responsabilidade penal por este tipo de crime só pode ser aplicada ao ser humano, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, participaram de atividades qualificadas como crime. Competir pela sua prática.

Confira-se a ementa do julgado:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Desprovida de vontade real, nos casos de crimes em que figure como sujeito ativo da conduta típica, a responsabilidade penal somente pode ser atribuída ao homem, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, a presentifique na ação qualificada como criminosa ou concorra para a sua prática. 2. Ordem concedida. (STJ – HC 38.511/GO, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 06/02/2006, p. 341).

Contudo, não está prevista a possibilidade de uma pessoa jurídica ser responsabilizada criminalmente em relação ao uso, mas pode ser encontrada também em outros assuntos, como o meio ambiente. Tornou-se habitual nos atos jurídicos e nas doutrinas jurídicas impor responsabilidade criminal às pessoas jurídicas que, de uma forma ou de outra, tenham causado danos ao meio ambiente.

Mas, é preciso que o delito seja devidamente comprovado, conforme acentua o seguinte julgado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS CRIMINAL. INCÊNDIO EM MATA OU FLORESTA (ARTIGO 41 DA LEI N. 9.605/1998). INCÊNDIO COM RESULTADO MORTE (ART. 250 C/C ART. 258, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CRIME SOCIETÁRIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OFENSA AO ART. 41 DO CPP CONFIGURADA. DESCRIÇÃO INSUFICIENTE DA CONDUTA TÍPICA. AMPLA DEFESA. EXERCÍCIO COMPROMETIDO. NECESSIDADE DE SE INDIVIDUALIZAR MINIMAMENTE A CONDUTA PRATICADA PELO ACUSADO. ORDEM CONCEDIDA. PRESERVADA A OPORTUNIDADE DE OFERECIMENTO DE NOVA DENÚNCIA. 1. […]. 2. Especificamente quanto aos chamados “crimes societários” (ou de gabinete), assim entendidos aqueles praticados por sócios, mandatários, administradores ou responsáveis por uma pessoa jurídica, a jurisprudência recente preceitua que é necessário que a exordial acusatória descreve, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão do acusado, não podendo admitir-se as denúncias genéricas, por ofensa aos requisitos do art. 41 do CPP, além dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. 3. O simples fato de o paciente figurar como Diretor-Presidente da pessoa jurídica responsável, em tese, pelo fato criminoso não autoriza a instauração de processo criminal por crime contra o meio ambiente, ou por qualquer outro crime, se não restar minimamente comprovado o vínculo com a conduta criminosa, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva. Mesmo na hipótese de conduta omissiva (art. 2.º da Lei 9.605/98) deve-se comprovar que o indivíduo tinha conhecimento da conduta criminosa e, podendo impedi-la, não o fez. 4. […]. (TJTO, Habeas Corpus Criminal, 0008223-94.2022.8.27.2700, Rel. PEDRO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgado em 04/10/2022, DJe 07/10/2022 11:46:32). (grifo meu)

É importante ressaltar que para que uma empresa seja alvo de punição criminal com base no referido acórdão, todas as dúvidas sobre a autenticidade e a prática do crime devem ser afastadas. Isto também se aplica se a empresa cometer crimes relacionados ao consumidor.  

De qualquer forma, este estudo mostra que ainda não é possível a responsabilização criminal de pessoas jurídicas com base nas relações de uso. Este entendimento pode mudar à medida que os avanços tecnológicos alteram a dinâmica das relações de consumo na sociedade atual. À medida que surgem novas formas de comprar, vender ou utilizar serviços, as leis devem adaptar-se às mudanças.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal de 1988 colocou um desafio ao dogma da equiparação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Esse tema, embora ainda rejeitado pelos campos doutrinários tradicionais, tem assumido caráter positivo no ordenamento jurídico brasileiro, sinalizando o início do fim da abordagem delinquente da sociedade.

 Portanto, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas tornou-se uma realidade incontornável do direito penal brasileiro, mas não sem levantar uma série de novos questionamentos. 

Este estudo mostra que a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas ainda não foi resolvida de forma pacífica, a doutrina jurídica brasileira tem sido debatida de diversas maneiras sobre sua aplicabilidade. Apesar dos argumentos expostos no texto deste estudo, uma empresa ou organização não pode ser excluída de ser sancionada pela prática de uma infração penal. 

Por exemplo, empresas que cometem crimes ambientais foram e ainda são acusadas criminalmente. A inexistência de responsabilidade criminal da empresa não significa a inexistência de responsabilidade criminal dos sócios da empresa. 

Nesta fase, o combate à ilegalidade empresarial deve incluir esforços para individualizar o comportamento, de acordo com os requisitos da responsabilidade criminal. Este esforço pode ser facilitado através da aplicação de programas de controle interno e investigação próprios da empresa,  que, por sua vez, podem beneficiar a entidade em caso de responsabilidade. 

No caso das relações de consumo, foco do estudo, a jurisprudência e a doutrina permanecem conservadoras no que diz respeito à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, com lacunas claras que ainda precisam ser abordadas. 

Contudo, embora seja evidente a necessidade de harmonização temática no domínio da doutrina e da jurisprudência, é necessário compreender que é relevante a responsabilidade jurídica das empresas no âmbito das relações  de consumo, caso estas cometam uma infração penal em que o consumidor seja a vítima. 

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1 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). E-mail: alexya_aguiar@hotmail.com
2 Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Adjunto de Direito Penal da UNITINS. Professor Associado de Direito Penal da UFT. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal. E-mail: tarsis.bo@unitins.br