RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES AMBIENTAIS NO ÂMBITO BRASILEIRO 

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12624171


Juliana Vieira Bernardo


RESUMO. Este trabalho retrata o tema da responsabilidade penal da pessoal jurídica em crimes ambientais no âmbito brasileiro, relatando o início da ideia da penalização dos entes morais, bem como seu desenvolvimento no mundo até os dias atuais no ordenamento jurídico brasileiro. Busca entender as dificuldades e as soluções de uma penalização mais assertiva e as novas linhas de pensamento sobre o assunto. Por fim busca dialogar entre estes pontos controvertidos de maneira a tentar se alcançar uma conclusão acerca do tema. 

Palavras-chave: Responsabilidade penal da pessoa jurídica; crimes ambientais; ordenamento jurídico brasileiro. 

INTRODUÇÃO 

“Nós fazemos parte da doutrina que confessa não compreender exatamente o que poderia significar a expressão ‘responsabilidade penal da pessoa jurídica’. Contudo, acreditamos que a incoerência atual dessa responsabilidade poderia ter suas vantagens, caso se substituísse o utilitarismo das soluções pela utilidade da reflexão”.1 

A verdade é que mesmo com tantas discussões sobre o tema ao longo dos anos ainda não chegamos a um denominador comum em torno da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Roma, França, Brasil e muitos outros não foram capazes de elucidar totalmente a questão. Mas, afinal, qual o motivo para tanta problematização? 

A resposta para essa pergunta será desenvolvida ao longo deste trabalho, junto com outras questões pertinentes ao tema. O presente trabalho aborda o tema ao longo de sete tópicos que buscam entender as correntes doutrinárias sobre o tema, bem como a base legal que cada uma repousa. 

Os crimes praticados pelos entes morais permeiam as mais diversas áreas do Direito, contudo, o objeto principal da responsabilidade penal da pessoa jurídica se dá através dos crimes ambientais. No âmbito legislativo, o trabalho apresenta o texto constitucional e os novos entendimentos jurisprudenciais. Traz ainda o exemplo francês sobre o tema, que norteou a legislação brasileira por décadas e que só agora vem perdendo força. 

Por fim, cumpre esclarecer que o presente trabalho foi amplamente estudado e trabalhado para se chegar as mais recentes atualizações sobre o tema. A conclusão encerra o presente estudo respondendo as questões norteadoras e espera poder auxiliar nos futuros trabalhos acerca do tema. 

1. BREVE HISTÓRICO 

A Responsabilidade penal da pessoa jurídica não é um assunto inédito na história mundial. No Direito romano, já encontramos um começo de responsabilidade penal dos entes morais. Apesar da natureza fictícia da personalidade jurídica em Roma, isso não conseguiu impedir a condenação das corporações. Em tal ordenamento jurídico, reinava o princípio de que quaisquer atos realizados por qualquer dos membros das corporações devem ser considerados como um ato da própria pessoa jurídica. 

O caráter universal desse princípio confirma a hipótese na qual a pessoa jurídica, em virtude de uma ficção, era vista como o autor do ato ilícito. Na Idade Média, por exemplo, o assunto foi discutido pelo Clero no Concílio de Lion em 1245, da possibilidade de excomunhão da universitas2

Na Alemanha, até o início do século XVIII, existia processos que tratavam de punições para cidades e municípios. Somente a partir do século XIX, que a maioria dos doutrinadores começam a ter uma opinião contra a penalização dos entes morais. 

De acordo com Hirsch3, essa mudança de pensamento se deu por causa dos ideais iluministas e por questões de controle político. O tema só voltou a ser debatido no Pós Segunda Guerra Mundial. 

O Tribunal Internacional de Nuremberg, órgão jurisdicional baseado no Acordo ou Estatuto de Londres de 19454 que possibilitava a responsabilização de pessoas jurídicas condenou e baniu organizações como a Gestapo e a SS (Schutzstaffel)5

Esse tema também foi debatido no I Congresso da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) realizado em Bruxelas em 1926, que debatia que os entes morais  deveriam ser responsabilizados por violações de leis internacionais. Já no II Congresso do AIDP, realizado em Bucareste em 1929, já se tem uma abertura maior sobre o tema. Se discute a responsabilização de sociedades e empresas em decorrência de infrações penais cometidas pelos seus responsáveis e no interesse da pessoa jurídica. Destacava que a punição do ente coletivo não deveria excluir a penalização de pessoas físicas envolvidas no delito. 

Em meados do século XX a França já tinha um posicionamento a favor da responsabilização dos entes morais enquanto na Alemanha e na Itália as opiniões eram divididas. 

No tocante a América Latina, referência importante é o Código Penal Tipo Ibero – americano de 19986

Muito se foi discutido ao longo dos séculos sobre o referido assunto. Ao longo desse trabalho veremos as novas nuances no âmbito brasileiro. 

2. O EXEMPLO FRANCÊS 

No antigo Direito francês, a responsabilidade penal da pessoa jurídica também estava presente e com bastante intensidade. Inúmeros são os episódios de condenação dos entes morais. A cidade de Toulouse, por exemplo, em 1331, foi declarada culpada pela morte de um estudante e teve seu patrimônio confiscado pelo rei. A doutrina francesa desse período defendia fortemente tal forma de responsabilidade. Os juristas da época, afirmavam que os atos realizados pelos membros de uma assembleia deveriam ser vistos como realizados pelo próprio ente coletivo, e era ela, a assembleia, que deveria ser punida em razão da prática do ilícito. 

A ordenação de 1670, por sua vez, dispunha no seu artigo 1. ° que “o procedimento penal será realizado contra a cidade, a vila ou o burgo que tenha cometido rebelião, violência ou outro crime”. Além disso, tal diploma legal possuía um capítulo inteiro dedicado à “maneira pela qual se deve processar as comunidades, as vilas e os burgos”. 

Contudo, a Revolução Francesa acabou alterando tal panorama. Se durante o antigo regime a condenação das pessoas jurídicas era algo normal para o Direito Penal, no período que se sucedeu à tomada da Bastilha ela deixou de existir. O individualismo da época e a pressa imposta ao legislador revolucionário fizeram com que este voltasse suas atenções para os cidadãos, esquecendo completamente os entes coletivos. 

Pouco se discutia sobre os entes morais, e nada se falava sobre o problema da responsabilidade penal da pessoa jurídica. O homem era o centro da organização jurídica e somente contra ele recairia as penalidades civis, administrativas ou penais. O ente coletivo, por sua vez, por ser uma entidade fictícia, não seria capaz de fazer mal algum. 

O Código Penal francês de 1810, ignorava completamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica. O contexto histórico pode ser sintetizado da seguinte maneira: de um lado, a teoria da ficção foi responsável pela elaboração de uma pessoa moral fantasiosa, sem capacidade de ação, sem vontade e sem consciência; de outro lado, a teoria tradicional do delito se desenvolveu exigindo do infrator justamente as qualidades que foram retiradas da pessoa moral. 

E nesse enlace, começaram os questionamentos: Como poderia a corporação preencher os elementos objetivos e subjetivos do tipo, se ela não possuía capacidade de ação, vontade e consciência? Sem reconhecer a capacidade criminosa dos entes coletivos, o Direito Penal moderno se desenvolveu para e em torno de uma única pessoa: o ser humano. 

Foi só muitos anos mais tarde, em 1994, que a França permitiu a entrada em seu Código Penal da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ela entendia a necessidade de inserção dos entes morais no sistema criminal. 

A inovação trazida pelo Código Penal francês é decorrência de uma mudança de pensamento no Pós Segunda Guerra Mundial. Para Luiz Regis Prado (2011, p. 145) no “ordenamento jurídico francês o princípio da culpabilidade não tem valor constitucional, e que o legislador francês se preocupou com o binômio utilidade-justiça, no ensejo de aumentar a eficácia da repressão penal.” 

É importante destacar que, no contexto da capacidade de ação das pessoas jurídicas na França, existe a noção de responsabilidade penal por ricochete, uma teoria desenvolvida por Jean Pradel. Isso significa que a responsabilidade penal da entidade corporativa está condicionada à prática de um ato punível que pode ser atribuído a uma pessoa física. Portanto, a responsabilidade da  organização coletiva  pressupõe a  participação  obrigatória  da responsabilidade de uma pessoa física. 

E foi exatamente essa modalidade de responsabilidade (heterorresponsabilidade ou responsabilidade por empréstimo ou por ricochete) que influenciou o Brasil e que resultou na elaboração da Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais. Além disso influenciou também na questão da dupla imputação em crimes ambientais. Tais assuntos serão debatidos ao longo do trabalho. 

3. OS MODELOS DE RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 

Como demonstrado anteriormente a França influenciou o Brasil, não só na ideia de penalização dos entes morais, mas de como seria essa penalização. De modo geral existem 2 tipos de modelos que fundamentam a penalização das pessoas jurídicas: a heterorresponsabilidade e a autorresponsabilidade. 

3.1 Modelo de Responsabilidade por empréstimo (Heterorresponsabilidade) 

Como no exemplo francês, esse modelo destina-se a responsabilizar a empresa por ricochete. Nesse modelo, os elementos de dolo e culpa serão inseridos na pessoa física. A pessoa física deve ser alguém que atue em nome da pessoa jurídica. Um subalterno em tese, não gerará uma responsabilização do ente moral. 

Além de atuar em nome da empresa, a pessoa física deve ter praticado a conduta delituosa no exercício e nos limites de suas funções em favor do ente. E por fim, a pessoa física deve ter a intenção em obter alguma vantagem ou benefício para a pessoa jurídica. Com isso, não estão incluídos os casos de representantes que agem em benefício próprio, hipótese em que a empresa pode ser vista como vítima do delito. 

Nos dias atuais, esse modelo está sendo cada vez mais substituído pelo modelo da autorresponsabilidade. 

3.2 Modelo de responsabilidade penal direta (Autorresponsabilidade) 

Nesse modelo, a ideia é superar a responsabilização da pessoa jurídica apenas por ricochete, ou seja, a ideia é responsabilizar o ente moral de forma direta por seus atos, seja feito por um dirigente ou presidente da empresa ou ainda por um subalterno. 

Essa linha de pensamento consiste em encontrar os atos praticados pelas empresas que ensejariam a sua penalização. O foco aqui não é a conduta da pessoa física e sim a pessoa jurídica. 

O crime aqui cometido pela pessoa jurídica seria o mau gerenciamento, uma falha de organização. O fator decisivo será a demonstração da empresa acerca do cumprimento das obrigações de gerenciamento. Uma vez observada tais obrigações não haverá crime. Não observadas, a pessoa jurídica deverá ser punida. 

4. O PROBLEMA DA DUPLA IMPUTAÇÃO 

O precursor deste procedimento de penalização foi a França, como já visto anteriormente. A dupla imputação, ou seja, quando existe a necessidade de se imputar a pessoa física e a pessoa jurídica em um litisconsórcio passivo necessário. Essa dupla imputação advém do modelo de ricochete (heterorresponsabilidade) já explicado acima. 

O Direito penal brasileiro por muito tempo consagrou essa exigência, afinal, era o modelo que vigorava no ordenamento jurídico. O problema nesse procedimento é exatamente a obrigatoriedade de haver uma pessoa física no polo passivo, ou seja, quando não se sabe a autoria do crime e, portanto, não se podendo colocar uma pessoa física no polo passivo de um processo, nada acontecia com a pessoa jurídica. Essa linha de pensamento, acabava gerando muitas impunidades e por consequência, muitas críticas. O ponto de virada foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)7. Tratava-se de um recurso contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça que havia entendido pelo não prosseguimento de processo penal contra pessoa jurídica exclusiva no polo passivo. 

O Supremo Tribunal Federal reconheceu que existia a possibilidade de prosseguimento da ação penal exclusivamente para a pessoa jurídica, independente da existência de pessoa física no polo passivo. Foi a primeira vez que o modelo da heterorresponsabilidade cedeu lugar para o modelo da autorresponsabilidade. O referido processo se tratava de uma violação das leis ambientais.

Com esse julgado ficou evidente que em se tratando de questões ambientais não há a exigência da dupla imputação e um precedente se abriu para se processar e julgar entes coletivos por ilegalidades contra o meio ambiente. Superada a questão da responsabilidade dos entes morais nos crimes ambientais, agora a pergunta é: quais as penas que podem ser aplicadas aos entes morais? 

5. MODALIDADES DAS PENAS 

As penas aplicadas aos entes coletivos podem ser de: multa, restritivas de direito e perdimentos e demais efeitos. Abaixo a explicação de cada uma delas. 

5.1 Pena de multa 

A multa possui um papel de grande protagonismo quando o assunto é a responsabilização da pessoa jurídica. É a pena mais utilizada. ROCA DE AGAPITO afirma que: “a pena de multa vem a ser para as pessoas jurídicas aquilo que a pena privativa de liberdade é para as pessoas físicas”8

5.2 Penas restritivas de direito 

FEIJOO SÁNCHES explica que:

“as penas restritivas de direitos aparecem em três subgrupos: O primeiro diz respeito a sanções que estabelecem limites na relação jurídica entre Estado e o ente coletivo. O segundo contempla penas que importem na limitação do livre exercício empresarial. Por fim, o terceiro e último núcleo representa as modalidades de intervenção mais direta do Estado, por meio de comandos e fiscalizações, na própria atividade empresarial” 9

5.3 Perdimentos e demais efeitos 

A perda de bens e valores seria a devolução dos valores pecuniários recebidos de atividades delitivas ou da perda dos instrumentos utilizados na perpetração do ilícito. O Perdimento dos bens ainda reside nos casos em que a pessoa jurídica deve reparar o dano causado pelo crime. 

Essa questão de perdimento dos bens está no Código Penal Brasileiro. O atual art.91 do Código Penal estabelece essas mesmas situações, ou seja, a condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, inciso I, do Código Penal), além de determinar o perdimento, em regra em favor da União, dos instrumentos do crime que constituem fato ilícito e do produto ou proveito da prática delitiva (art. 91, inciso II, do Código Penal). 

O efeito mais gravoso de atividade ilícita seria a dissolução da pessoa jurídica. A chamada morte empresarial. Nos dizeres de LEONES VALVERDE: 

“a dissolução é equiparável à pena de morte das pessoas físicas. Conduz o ente à perda definitiva da personalidade jurídica, assim como da sua capacidade de atuar no universo jurídico ou de levar a cabo qualquer tipo de atividade, ainda que seja ilícita.”10 

No âmbito da legislação ambiental brasileira, a decretação da liquidação forçada da empresa ficará condicionada à constatação de ter sido a pessoa jurídica constituída ou utilizada, para a prática dos crimes daquela natureza. 

6. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO BRASIL EM CRIMES AMBIENTAIS 

A responsabilidade penal da pessoa jurídica aparece na legislação do Brasil por meio do texto constitucional de 1988. A primeira previsão está insculpida no art. 173, § 5°, alocado no Título VII (Da ordem econômica e financeira), Capítulo I (Dos princípios gerais da atividade econômica). A segunda previsão está no art. 225, §3°, sediada no Título VIII (Da ordem social), Capítulo VI (Do meio ambiente). E ainda temos, fora da Constituição Federal a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998). 

No caso do art. 173, § 5°, a Constituição diz que a pessoa jurídica estará sujeita as punições compatíveis com a sua natureza. Já no art. 225, §3°, diz que as lesões ao meio ambiente sujeitarão aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 

A Lei de Crimes Ambientais aborda a questão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, conforme já ressaltado no §3° do art. 225 da Constituição Federal. No seu artigo 3°, fica evidente que as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas nos âmbitos civil, penal e administrativo. Além disso, o parágrafo único deste artigo esclarece que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a responsabilidade das pessoas físicas que tenham participado do mesmo ato, sejam elas autoras, coautoras ou partícipes. 

Antes do advento da referida lei não se apurava a autoria e, quando possível, manifestava-se, não raro, a causa de exclusão de culpabilidade da “estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico”, prevista no art. 22 do CP. Daí, dificilmente se chegava a esse superior hierárquico. 

E mais: os crimes ambientais, em regra, beneficiam empreendimentos econômicos, muitas vezes representando interesses de grandes empresas e multinacionais, fugindo da esfera reduzida de interesse da pessoa física. 

A intenção do legislador, como se verá, não foi a de simplesmente punir o criminoso, seja pessoa física ou jurídica. Mais que isso, pretendeu, em primeiro lugar, evitar o dano (precaução) e, depois, para se evitar imposição de penas privativas de liberdade (para as pessoas 

físicas) e outras compatíveis com a natureza da pessoa jurídica, a prévia reparação do dano ocorrido. 

Aliás, a prevenção é o caráter mais acentuado da Constituição Federal em seu art. 225, especialmente no § 1o. Pretendeu, assim, evitar qualquer impacto negativo ao meio ambiente, partindo-se do princípio de que a reparação é difícil e, por vezes, o dano é irreversível. 

A Lei 9.605/98 ao trazer a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não menciona a possibilidade de se responsabilizar aquelas de direito público, limitando essa compreensão às pessoas jurídicas de direito privado. 

Para os entes de Direito Público não é possível se atribuir a responsabilidade penal diante de crimes contra o meio ambiente, o que tem sido bastante criticado por parte da doutrina, tendo em vista, primeiramente, o fato de que nem a própria Constituição Federal em seu art.22, §3° e nem a Lei 9.605/98, distingue a pessoa jurídica de direito público da de direito privado. 

Importante, nesse sentido, questionar se apenas as pessoas jurídicas de direito privado praticam delitos, da mesma forma que ao se estabelecer a responsabilidade dessas se tem a compreensão de que não são apenas as pessoas físicas capazes de cometer crime. 

Algo, também, a ser considerado era a plena consciência do legislador ao elaborar essas normas da existência tanto da pessoa jurídica de direito público como de direito privado, não sendo esse silêncio com o intuito de afastar essa primeira. 

Existem doutrinadores que chegam a argumentar que não responsabilizar a pessoa jurídica de direito público implicaria na violação do princípio da isonomia. Entretanto, cabe ressaltar que a pessoa jurídica de direito público muito difere da de direito privado em vários aspectos, sendo possível um tratamento diferenciado. 

Dentre os doutrinadores, que são contra essa possibilidade de responsabilizar o ente coletivo de direito público, um dos principais argumentos seria que estaria aqui se realizando uma dupla vitimização da sociedade, que sofreria tanto com o dano ao meio ambiente, como também seria atingido com as consequências dessa penalização. 

Ressalto também os crimes cometidos pelos funcionários públicos, diante os quais a sociedade continua pagando pelo salário desses, que é utilizado para o pagamento da multa, ou seja, além de sofrer o dano causado por esse indivíduo ainda é utilizado o dinheiro da sociedade para arcar com as consequências do crime. 

É possível compreender que quando os representantes da sociedade cometem delitos, esses refletem em todos, todavia, esse argumento não deve ser utilizado como um obstáculo para que haja a devida punição no âmbito penal dos entes coletivos de direito público que corroboram para essa prática. 

O autor Busato (2012, p.61), conclui nesse aspecto que, apesar de haver situações complexas sobre esse assunto, “o mais correto seria ter optado por um regime de delitos especiais ou próprios quando fosse o ente público a pessoa jurídica responsável pela prática delitiva”. 

Ademais, também deve ser avaliado que esse controle social seria revertido para toda a coletividade, pois a utilização de mecanismos de prevenção, por meio da tutela penal, colabora para a menor prática dessas atividades lesivas ao meio ambiente, o que contribui com sua preservação, sendo algo benéfico para toda a sociedade. 

Ainda dentro das complexidades do tema, Busato (2012, p.61) cita como exemplo os casos em que o agente é uma pessoa jurídica de direito privado que esteja realizando atividades de políticas públicas, sendo de extrema relevância, a solução proposta por Bernardo Sanchez e trazido por Busato, de responsabilizar com um apenamento que não afete essas atividades. 

Outro argumento comum de se encontrar nas teses que defendem a impossibilidade dessa responsabilização, seria a de que o Estado não pode se auto sancionar. Os autores, Velludo e Netto (2018, p.172) ainda explicam que a discussão acerca da responsabilidade do Estado gera muitas controvérsias, de modo que na França, o legislador decidiu permitir a responsabilização penal de forma parcial das coletividades territoriais e seus agrupamentos, excluindo, entretanto, o Estado. Nesse viés, os autores ainda relatam que para aqueles que defendem a responsabilidade, a imputabilidade penal do Estado seria questionável, pelo fato que esse pode ser responsabilizado em outras esferas do direito. 

Por meio dessa compreensão acerca do tema, é possível visualizar que, considerando que as pessoas jurídicas de direito público também cometem delitos prejudiciais ao meio ambiente, e se reconhecendo a possibilidade de responsabilizar aquela de direito privado, não se deve excluir as de direito público, contribuindo o para um maior controle dessas infrações e prevenção ao meio ambiente. 

Muito ainda se questiona quanto à aplicação da pena para as pessoas jurídicas de direito público, como essa se daria e, como já vimos, se geraria grande impacto à toda sociedade. 

Por fim, resta interessante trazer a indagação de Busato (2018, p.61) ao questionar o fato de ao se defender a responsabilidade penal da pessoa jurídica apenas para as pessoas de direito privado, em um conceito formal restrito ao Código Civil, não se observar as empresas estrangeiras com sede no Brasil, abrindo espaço para que essas não se encaixem como empresas privadas e que não seja possível aplicar a mesma restrição que é dada aos entes formalizados, levando à um tratamento diferenciado. 

Pode-se, portanto, concluir que o legislador tanto na Constituição quanto na referida Lei de Crimes ambientais tenta proteger o meio ambiente contra atos ilícitos, seja de pessoas físicas ou jurídicas. E a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público, apesar de bastante criticada por alguns doutrinadores, merece uma análise quanto à sua aplicação no direito brasileiro, tendo em vista, que esses entes também são capazes de delitos contra o meio ambiente, os quais podem afetar grandemente à toda a sociedade, e que essa penalização poderia ser revertida de forma positiva e benéfica para a coletividade. 

7. OS CRIMES AMBIENTAIS DE BRUMADINHO E MARIANA 

Em 05 novembro de 2015, ocorreu o pior acidente da mineração brasileira no município de Mariana, em Minas Gerais. A tragédia ocorreu após o rompimento de uma barragem (Fundão) da mineradora Samarco, que é controlada pela Vale e pela BHP Billiton. 

O rompimento da barragem provocou uma enxurrada de lama que devastou o distrito de Bento Rodrigues, deixando um rastro de destruição à medida que avança va pelo Rio Doce. 

Várias pessoas ficaram desabrigadas, com pouca água disponível, sem contar aquelas que perderam suas vidas na tragédia. Além disso, há os impactos ambientais, que são incalculáveis e, provavelmente, irreversíveis. 

Brumadinho, que está na região metropolitana de Belo Horizonte, enfrentou um grande desastre ambiental no dia 25 de janeiro de 2019. A Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, rompeu-se, desencadeando uma avalanche de lama, a qual destruiu a comunidade próxima e construções da própria Vale. O terrível mar de lama não causou apenas prejuízos financeiros, sendo responsável também pela morte de dezenas de pessoas. 

O que esses 2 desastres têm em comum, além da mineradora Vale? Os dois são casos recentes de desastres ambientais com envolvimento de pessoas jurídicas. O que foi feito com essas empresas em termos de responsabilidade penal? 

O processo de Brumadinho se arrasta até hoje. O processo iniciado na Justiça Estadual de Minas Gerais foi anulado pelo STJ em outubro de 2021. Os cinco integrantes da sexta turma do STJ entenderam, de forma unânime, que o caso não é da competência da Justiça estadual e sim da Justiça Federal. O Ministério Público de Minas Gerais recorreu da decisão, mas o STF ainda não deu o veredito. 

Com relação a Mariana, passados oito anos, ninguém foi condenado. A maioria dos 22 denunciados pelo Ministério Público Federal foram excluídos do processo por decisão judicial e apenas sete nomes ainda figuram como réus. Nenhum deles, no entanto, responde mais pelos crimes de homicídio e lesões corporais. O julgamento prossegue apenas para os crimes de inundação qualificada e desabamento tipificados no Código Penal e por mais 12 crimes previstos no Código Ambiental. 

Em resumo entendemos que a legislação existe, mas na prática a lei não se manifesta de forma tangível em nosso cotidiano. Processos muito longos, sem nenhum resultado ou quase nenhum resultado. É visível que na prática as empresas, em sua grande maioria não são responsabilizadas como deveriam por seus crimes ambientais, criando uma imagem de que os entes coletivos são inatingíveis. 

CONCLUSÃO 

O presente trabalho apresentado abordou o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Muito debatido no mundo por muitas décadas ainda gera muitas dúvidas sobre o tema. 

As principais questões gerariam em torno de qual ente moral deve ser responsabilizado, os de direito público, os de direito privado ou os 2? Quais penas cabíveis? A pessoa física também será penalizada em conjunto com a pessoa jurídica ou apenas a pessoa jurídica? Todas essas questões tiveram respostas diferentes ao longo do tempo. A França por exemplo, nos anos de 1300 considerava a penalização do ente moral algo natural, mais o tema foi esquecido pela Revolução Francesa. 

O Brasil seguiu o modelo francês pós-Revolução e acabou por penalizar o ente moral pelo método do ricochete, ou seja, quando há a necessidade de um litisconsórcio necessário com uma pessoa física. Esse tipo de modelo perdurou por muitos anos, até 2013, quando o STF inovou e entendeu que em crimes ambientais essa necessidade de litisconsórcio com pessoa física não é absoluta. 

A partir daí o tema ganhou novas nuances e voltou a ser tema de discussões. Afinal, qual o limite para a penalização dos entes morais? No Brasil, até o presente momento só se cabe a penalização dos entes morais em crimes ambientais e não há mais a obrigatoriedade do litisconsórcio necessário com uma pessoa física. 

A grande questão que se tem hoje no Brasil é a falta de aplicação das penalidades já existentes. Brumadinho e Mariana, os maiores exemplos de crimes ambientais, estão até hoje sem penalização para os criminosos, que são as pessoas jurídicas. 

Em suma, o entendimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica foi alterado e estudado ao longo do tempo e agora, cabe, dar efetividade à Lei dos Crimes Ambientais, a fim de que as pessoas jurídicas infratoras sejam realmente punidas pelos danos causados. 


1 CONTE, Philippe. La responsabilité des personnes morales au regard de la philosophie du droit pénal. In: ROBERT, Jacques – Henri; TZIT – ZIS, Stamatios (Dir). La persone juridique dans la philosophie du droit pénal. Paris: Panthéon – Assas, 2003.p.120. 
2 Conceito originariamente desenvolvido para a Igreja Católica com a finalidade de distingui-las de seus membros. 
3 Hans Joachim Hirsch – jurista alemão. 
4 “Com o final da Guerra e a derrocada do Nazismo, e após muita discussão sobre a necessidade, a extensão e a forma do julgamento, em 8 de agosto de 1945, durante a Conferência de Londres, as quatro potências vencedoras – os Estados Unidos, o Reino Unido, a União Soviética e a França -, celebraram acordo destinado a regras que deveriam orientar o processo e julgamento dos grandes criminosos de guerra das potências europeias do Eixo. 
Este acordo ficou conhecido como a Carta do Tribunal Internacional Militar, que acabou por ser conhecido como Tribunal de Nuremberg”. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal penal internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.p.48. 
5 Gestapo – Polícia secreta responsável pela segurança do estado alemão; SS – Criada originalmente para garantir a proteção pessoal do Hitler; mais tarde tornou-se a guarda de elite do Estado Nazista. 
6 ZUGALDIA ESPINAR, José Miguel. La responsabilidade criminal de las personas jurídicas, de los entes sin personalidade y de sus directivos: análisis de los arts.31 bis y 129 del Código Penal. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2013.p. 30-31. 
7 RExt548.181. PR, 1ª turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 06.08.2013. 
8 ROCA DE AGAPITO, Luis. Sanciones penales aplicables a las personas jurídicas. In: ONTIVEROS ALONSO, Miguel (Coord.). La responsabilidade penal de las personas jurídicas. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. P. 385. 
9 FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo José. Las consecuencias jurídicas del delito, In: BAJO FERNANDES, Miguel; FEIJOO SANCHEZ, Bernardo Jose; GÔMEZ-JARA- DÍEZ, Carlos. Tratado de responsabilidade penal de las personas jurídicas. Pamplona: Arazandi, 2012. P.254-255. 
10 LEONES VALVERDE, Rafael. Responsabilidad penal de las personas jurídicas declaradas en concurso. In: ZUGALDÍA ESPINAS, José Miguel; ESPINOSA CEBALLOS, Elena Blanca Marín de. Aspectos prácticos de la responsabilidade criminal de las personas jurídicas. Navarra: Thomson Reuters – Aranzadi, 2013. p. 188. 

REFERÊNCIAS 

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BRASIL. Decreto – Lei nº 2.828, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 20 de outubro de 2023. 

BRASIL. Lei Complementar nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.605%2C%20DE%2012%20DE%20FEVEREIRO%20DE%201998.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20san%C3%A7%C3%B5es%20penais,ambiente%2C%20e%20d%C3%A1%20ou  tras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 22 de outubro de 2023. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REXT 548.181/PR, 1ª Turma. Relator: Ministra Rosa Weber. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7087018. Acesso em: 02 de novembro de 2023. 

REINALDET, Tracy Joseph. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Tracy Joseph Reinaldet. – Curitiba: iEA Academia, 2014. 

SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Responsabilidade penal da pessoa jurídica – 2. ed.rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. 

SARDINHA DOS SANTOS, Vanessa. Desastre Ambiental em Brumadinho. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/desastre-ambiental-brumadinho.htm. Acesso em: 02 de novembro de 2023. 

SARDINHA DOS SANTOS, Vanessa. Acidente em Mariana (MG) e seus impactos ambientais. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/acidente-mariana-mg-seus- impactos-ambientais.htm. Acesso em: 02 de novembro de 2023. 


1Juliana Vieira Bernardo. Bacharelando em Direito pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: julianavb@tjrj.jus.br