RESPONSABILIDADE FEMININA NA CONTRACEPÇÃO: AS BARREIRAS CULTURAIS E SOCIOECONÔMICAS 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7226057


Autoria de:

Ana Cláudia Miranda de Barros1
Ana Maria Azeredo de Souza Moreira1
Fabricio Alves de Oliveira Campos2
Marinna Barbosa Guimarães3


RESUMO

Para prescrição de contraceptivos hormonais devem ser analisados os riscos e benefícios de cada opção e avaliar a condição de saúde de cada paciente. Em 1960 foi lançado o contraceptivo oral Enovid-10 nos Estados Unidos, primeira pílula contraceptiva aprovada para comercialização1. Apesar dos avanços, os métodos são quase exclusivos ao público feminino e, mesmo com sua popularização, o número de mulheres que têm uma gravidez não planejada é considerável, o que tende a aumentar a morbimortalidade materna e abortos inseguros. Embora haja disseminação dos métodos, a autonomia da mulher de ser ou não mãe é questionável.

ABSTRACT

For prescription of hormonal contraceptives, the risks and benefits of each option must be analyzed and the health condition of each patient evaluated. In 1960, the oral contraceptive Enovid-10 was launched in the United States, the first contraceptive pill approved for sale¹. Despite advances, the methods are almost exclusive to the female audience and, even with their popularization, the number of women who have an unplanned pregnancy is considerable, which tends to increase maternal morbidity and unsafe abortions. Although contraceptive methods are widespread, the woman’s autonomy to be or not a mother is questionable.

PALAVRAS-CHAVE: contraceptivos, prevenção, saúde da mulher

KEY-WORDS: contraceptives, prevention, women’s health

1. INTRODUÇÃO

A literatura acerca da discussão sobre contracepção se caracteriza por um enfoque quase exclusivo sobre as mulheres, trazendo a ideia de que a gravidez e contracepção não se aplicasse também aos homens². Em parte, isso é efeito da não problematização das condições históricas específicas nas quais ocorre o intenso espraiamento dos anticonceptivos orais: se antes da pílula os métodos eram, sobretudo, masculinos (preservativo) ou relacionados ao ato sexual (coito interrompido, por exemplo)3,4 , a partir do final da década de 1960 essa situação muda de forma drástica: a maioria dos métodos passa a ser dirigida às mulheres².

Na década de 1950, nos Estados Unidos, uma convenção com cientistas, ginecologistas, feministas, filantropos e a indústria farmacêutica dedicou-se para desenvolver um contraceptivo hormonal oral, e em 1960, o órgão americano Food and Drug Administration (FDA), autorizou a comercialização da primeira marca de pílula anticoncepcional, o Enovid. Esse foi considerado o primeiro método de controle da natalidade desenvolvido tendo como base a fisiologia da reprodução, assegurando eficácia superior a 90%. Desde então, a pílula se difundiu pelo mundo, tornando-se um dos principais recursos utilizados pelas mulheres para evitar gravidez1. Nota-se que o estudo para novas formas de se evitar a gravidez não planejada, são direcionadas para o público feminino, reforçam que desde 1960, existem tentativas para produzir contraceptivo masculino reversível com eficácia equivalente à da pílula anticoncepcional. Até hoje, esse produto não foi lançado, e as justificativas para tal baseiam-se em entraves de ordem política, econômica, cultural e biológica. Nesse contexto, reforçamos a tese de que a contracepção é tida praticamente como obrigação feminina5.

A Conferência sobre População e Desenvolvimento (ICPD) realizada no Egito em 1994 foi um marco na definição do planejamento familiar como direito. No Brasil, a Política Nacional de Direitos Sexuais e Reprodutivos e as políticas nacionais relacionadas à saúde da mulher asseguram os direitos constitucionais que se dizem respeito ao planejamento familiar e estipulam as obrigações do Estado. Nesse sentido, tais medidas têm surtido efeitos no que tange os direitos reprodutivos, mostrando melhoria de indicadores socioeconômicos6.

Os anticoncepcionais hormonais, sendo o oral um dos mais procurados, são eficientes métodos reversíveis, excluindo a China, onde o método mais utilizado é o dispositivo intrauterino (DIU), nos países desenvolvidos, aproximadamente 18% das mulheres que são casadas ou já tiveram algum relacionamento, usam anticoncepcional oral combinado (ACO). Já nos países em desenvolvimento, está proporção chega a 75%, representando milhões de mulheres em uso em todo o mundo, incluindo o Brasil”6.

Os adolescentes fazem maior uso de preservativo masculino e contraceptivo oral. Depois dos 20 anos, nota-se uma preferência pelos métodos reversíveis de média e longa duração (injetáveis, implantes e dispositivo intrauterino). Enquanto, a partir dos 30 anos, aumenta tanto a esterilização feminina quanto a masculina7.

“O uso de contraceptivos no Brasil foi investigado na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) em 1996 e em 200614. Na PNDS-2006, 65,2% das mulheres de 15 a 49 anos referiram uso atual de método contraceptivo considerado moderno. Ao incluir os métodos tradicionais (tabela, abstinência periódica, entre outros), a prevalência foi 67,8%. Predominaram contraceptivo oral (22,1%), esterilização feminina (21,8%), preservativo masculino (12,9%), injeção contraceptiva (3,5%) e esterilização masculina (3,3%)”7.

2. METODOLOGIA

A revisão integrativa foi adotada como método de síntese do conhecimento a respeito do tema proposto. As etapas seguidas, a fim de elaborar a presente revisão, foram as seguintes: 1 – identificação do problema a ser abordado, 2 – seleção dos descritores, 3 – seleção de estudos, 4 – avaliação   dos   estudos, 5 – extração dos dados dos estudos elegidos e 6 – apresentação da revisão.

Para a elaboração deste artigo de revisão literária foram usadas como base as publicações na área da saúde, referentes aos métodos contraceptivos disponíveis. As bases de dados utilizadas para a busca de estudos foram SciELO. O período de publicações de artigos selecionados para o trabalho foi entre 2016 e 2021, no entanto, um artigo do ano de 2011 foi incluído pelo número de citações e a relevância acadêmica de seu escritor. O idioma de publicação não sofreu restrição ao português, uma vez que o intuito foi analisar o que há descrito na literatura em geral acerca do tema.

3. RESULTADOS

As buscas de artigos foram realizadas nas bases de dados SciELO tendo sido encontrado um total de 60 artigos científicos. Foram encontrados 7 artigos quando os termos selecionados foram contraceptivos e prevenção, porém, dois artigos estavam duplicados e foram removidos da contagem, totalizando 5 artigos com estes descritores. 14 artigos quando os termos selecionados foram contraceptivos e saúde da mulher, no entanto, cinco artigos estavam duplicados e foram removidos da contagem totalizando 9 artigos com estes descritores. Quando os termos selecionados foram prevenção e saúde da mulher foram encontrados 62 artigos, contudo 16 artigos estavam duplicados e foram eliminados na contagem final totalizando 46 artigos com estes descritores.

Foram selecionados 11 artigos como amostra final para esse trabalho, sendo que todos os artigos selecionados foram elaborados no Brasil e publicados em português. Os critérios para seleção foram números de citações e relevância para a temática. 

4. DISCUSSÃO

A contracepção vem sendo concebida e naturalizada como atividade e responsabilidade feminina8. As tecnologias anticoncepcionais exercem um papel central nesta divisão sexual do trabalho reprodutivo, uma vez que a grande maioria dos métodos disponíveis é para uso da população feminina9.

O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza diversos tipos de métodos contraceptivos, incluindo aqueles reversíveis de longa duração, sendo um desses métodos o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre. O DIU é um método com alta segurança e eficácia, com taxas de falhas baixas, semelhantes às observadas na esterilização cirúrgica feminina (0,5%)10. O DIU atualmente é o método reversível mais usado em todo o planeta, porém, permanece subutilizado em algumas regiões do mundo, como por exemplo na América do Norte, Sul da Ásia, Oceania, África subsaariana e América Latina10.

No Brasil, o uso de DIU é pouco frequente, tendo sido referido por apenas 1,5% das mulheres entrevistadas na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2006, provavelmente devido às questões de acesso aos serviços de saúde e utilização destes10.

“O acesso aos serviços de saúde pode estar centrado nas características dos indivíduos (aquele que procura cuidados e aquele que o conduz dentro do sistema de saúde); nas características da oferta; em ambas as características; ou na relação entre eles (indivíduos e oferta). Dessa forma, nosso pressuposto é que o acesso à utilização dos serviços de saúde pode apresentar graus diferentes de facilidades ou dificuldades, dependendo da organização dos serviços de saúde, dos recursos disponíveis (como os métodos contraceptivos) e das características da oferta, determinando a resposta às necessidades de saúde de uma população, ou seja, há diversas barreiras organizacionais e individuais que permeiam o acesso das mulheres ao DIU no país”10.

São listadas como barreiras organizacionais para o acesso ao DIU os critérios desnecessários para sua inserção, como o condicionamento à participação em grupos educativos; a oferta insuficiente e descontinuada do método; o conhecimento inadequado de profissionais de saúde sobre seus mecanismos de ação; a falta de profissionais habilitados – somada à exclusividade do profissional médico para sua inserção; e, finalmente, ausência de protocolos simplificados10.

Dentre as barreiras individuais acerca do uso do DIU, temos o nível de conhecimento reduzido das mulheres e casais sobre o método, além de muitos mitos e tabus, como por exemplo, a ideia equivocada de que o DIU provoca câncer, ser abortivo e pouco eficaz. Além do receio no que diz respeito a efeitos colaterais, tanto em relação ao aumento do fluxo menstrual, quanto em número de dias como em volume; e crença de não ser apropriado para as mulheres nulíparas, jovens ou solteiras10.

CONCLUSÃO

A responsabilidade da contracepção é tida atualmente como obrigação da mulher, tanto que o desenvolvimento de métodos contraceptivos masculinos não tem sido de interesse da indústria farmacêutica. Dessa forma, mesmo com avanços e com a revolução sexual, a responsabilidade acerca da contracepção e da gravidez é tida como responsabilidade feminina.

Além disso, tendo em vista todas barreiras socioeconômicas presentes em território Brasileiro, o acesso aos métodos contraceptivos não raramente é restrito, fazendo com que muitas mulheres usem métodos sem orientação ou meios que não atendem a peculiaridade de cada mulher. Nota-se pouca adesão ao DIU, um método eficaz, disponível no SUS, que conta com barreiras organizacionais para sua disponibilização nos serviços de saúde pública, além de barreiras individuais, como por exemplo, a falta de informações e diversos tabus.

Deve-se ter em mente que apesar de muitos métodos contraceptivos serem popularizados, muitas são as barreiras para o acesso universal, interferindo na autonomia do corpo da mulher e de suas vontades. Além disso, muitas vezes a falta de informação, e o medo dos possíveis efeitos colaterais são colocados acima do efeito contraceptivo, que aumenta consideravelmente a chance de uma gravidez indesejada. Portanto, medidas devem ser tomadas para que tais barreiras sejam extintas, o acesso à informação seja garantido de forma integral e o direito das mulheres seja completamente respeitado.

REFERÊNCIAS

1. Watkins ES. On the Pill: A Social history of oral contraceptives, 1950-1970. JHU Press: Baltimore and London; 1998 apud Dias TM, Bonan C, Nakano AR, Maksud I, Teixeira LA. “Estará nas pílulas anticoncepcionais a solução?” Debate na mídia entre 1960-1970. Rev Estud Fem. 2018; 26 (3): 1-19.

2. Cabral CS. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade. 2017; 26 (4): 1093-1104.

3. Luker K. Taking chances: Abortion and the Decision Not to Contracept. Berkeley: University of California, 1975 apud Cabral CS. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade. 2017; 26 (4): 1093-1104.

4. Oudshoorn N. The male pill: a biography of a technology in the making. Durham: Duke University Press, 2003 apud Cabral CS. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade. 2017; 26 (4): 1093-1104.

5. Pereira GM, Azize RL. “O problema é a enorme produção de espermatozoides”: concepções de corpo no campo da contracepção masculina. Saúde e Sociedade. 2019; 28 (2): 147-159. 

6. Bahamondes L, Pinho F, Melo NR, Oliveira E, Bahamondes MV.  Fatores associados à descontinuação do uso de anticoncepcionais orais combinados. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33 (6): 303-309.

7. Farias MR, Leite SN, Tavares NU, Oliveira MA, Arrais PS, Bertoldi AD, et al. Utilização e acesso a contraceptivos orais e injetáveis no Brasil. Rev. Saúde Pública. 2016; 50 (2): 1-10.

8. Arilha M, Ridenti SG, Medrado B. Homens e masculinidades: outras palavras. São Paulo: ECOS. Ed 34. 1998, 304 p. 

9. Pereira GM, Azize RL. Quem tomará a “pílula masculina”? Reflexões sobre a construção do usuário de contraceptivos para homens. Sex Salud Soc (Rio J.). 2019; 32: 20-39. 

10. Gonzaga VA, Borges AL, Santos OA, Rosa PL, Gonçalves RF. Barreiras organizacionais para disponibilização e inserção do dispositivo intrauterino nos serviços de atenção básica à saúde. Rev esc enferm USP. 2017; 51: 1-8.


1Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

2Hospital Governador Israel Pinheiro

3Faculdade de Minas