RESPONSABILIDADE DO ESTADO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NOS CRIMES DE VIOLÊNCIA SEXUAL DO BRASIL

A EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11557758


Joyce Leia Suabia de Assis Lamont de Lacerda1
Profº. Orientador – Valdenir Rezende Junior2
Examinador Convidado: Prof: Eder Raul Gomes de Sousa3


RESUMO

O abuso sexual infantojuvenil constitui uma grave problemática de saúde pública, impactando negativamente a integridade de menores em escala global. Diante da recorrência e complexidade na detecção desses atos ilícitos, majoritariamente perpetrados por indivíduos do convívio íntimo e familiar das vítimas, inclusive no âmbito doméstico, torna-se imperativo o incremento da vigilância. Este estudo se propõe a investigar a responsabilidade estatal na proteção desses menores contra tais violações, demandando uma compreensão aprofundada sobre a natureza do abuso sexual, as especificidades da condição infantojuvenil, bem como as repercussões traumáticas sofridas pelas vítimas e o evidente déficit de proteção e cuidado. Mediante uma abordagem investigativa ampla, este trabalho visa fomentar discussões sobre uma temática simultaneamente arcaica e contemporânea. Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro evoluiu na formulação de legislações protetivas para esse segmento vulnerável, abordando a necessidade premente de enfrentamento a esse delito de natureza hedionda, responsável por desencadear severas consequências para os menores e seus núcleos familiares. Entretanto, reconhece-se a lacuna existente entre a previsão legal e sua efetiva aplicabilidade. Conclui-se, portanto, ser fundamental a atuação estatal por meio da implementação de políticas públicas e estratégias eficazes de combate a tal crime. A responsabilidade do Estado na prevenção e combate ao abuso sexual infantojuvenil é imperativa, conforme estipulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, que impõe ao poder público a obrigação de assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Art. 4º). Ademais, o Código de Processo Civil (CPC), em seus Arts. 98 e 99, prevê a garantia do acesso à justiça aos economicamente hipossuficientes, reforçando a tutela jurisdicional em casos de abuso sexual contra menores. Em consonância com a doutrina, Barbosa (2018) destaca a importância da adoção de medidas interventivas pelo Estado, que vão além da legislação punitiva, englobando ações preventivas e educativas que possibilitem a identificação precoce e o adequado encaminhamento das vítimas de abuso sexual.

Palavras chaves: Violência sexual infantojuvenil, Proteção estatal, Abuso sexual, Direitos da criança e do adolescente, Políticas públicas.

ABSTRACT

Child and adolescent sexual abuse constitutes a severe public health issue, negatively impacting minors’ integrity on a global scale. Given the recurrence and complexity in detecting these illicit acts, predominantly perpetrated by individuals within the victims’ intimate and familial circles, including domestic environments, enhancing surveillance becomes imperative. This study aims to investigate the state’s responsibility in protecting these minors against such violations, demanding a deep understanding of the nature of sexual abuse, the specificities of the child and adolescent condition, as well as the traumatic repercussions suffered by the victims and the evident deficit in protection and care. Through a broad investigative approach, this work seeks to foster discussions on a topic that is both archaic and contemporary. Historically, the Brazilian legal system has evolved in formulating protective legislation for this vulnerable segment, addressing the urgent need to confront this heinous crime, responsible for triggering severe consequences for the minors and their family units. However, the gap between legal provision and its effective applicability is recognized. It concludes, therefore, that state action through the implementation of public policies and effective strategies to combat such crime is fundamental. The state’s responsibility in preventing and combating child and adolescent sexual abuse is imperative, as stipulated by the Statute of the Child and Adolescent (ECA), Law No. 8.069/1990, which imposes on the public power the obligation to ensure with absolute priority the realization of rights related to life, health, food, education, sports, leisure, professionalization, culture, dignity, respect, freedom, and family and community coexistence (Art. 4). Moreover, the Civil Procedure Code (CPC), in its Articles 98 and 99, provides for the guarantee of access to justice for economically disadvantaged individuals, reinforcing judicial protection in cases of sexual abuse against minors. In line with doctrine, Barbosa (2018) highlights the importance of the State adopting interventional measures that go beyond punitive legislation, encompassing preventive and educational actions that enable early identification and appropriate referral of sexual abuse victims.

Keywords: Child and adolescent sexual violence, State protection, Sexual abuse, Child and adolescent rights, Public policies.

INTRODUÇÃO

Este estudo objetiva analisar a interdependência física e emocional de crianças e adolescentes em relação aos adultos, condição que os expõe a diversas formas de violência, colocando em xeque seus direitos essenciais, especialmente diante do abuso sexual. Historicamente, o ciclo de violência que envolve menores é alimentado por dinâmicas sociais, culturais, econômicas e políticas que ameaçam suas garantias fundamentais, exigindo um debate amplo por parte da sociedade civil e do Estado brasileiro acerca da efetivação da proteção integral desse segmento.

Ao abordar a violência sexual infantil, deparamo-nos com uma atrocidade que aflige inúmeros menores no Brasil, os quais carecem de proteção governamental adequada. Para compreender a imprescindível atuação estatal frente a tais delitos, faz-se necessário um exame detalhado do panorama histórico da violência, da percepção sobre crianças e adolescentes na sociedade ao longo do tempo, e das diversas manifestações de abuso. Através desta análise, busca-se elucidar o papel do Estado como elemento chave na salvaguarda dos direitos do público infantojuvenil.

Neste contexto, o estudo demonstrará que a tutela integral dos menores, assegurando seus direitos fundamentais, demanda a participação ativa de famílias, comunidades, sociedade e, sobretudo, do Estado. Dividido em três partes, o primeiro capítulo discorre sobre o contexto histórico da infância e adolescência e esmiúça a natureza do abuso sexual infantil. O segundo capítulo expõe as devastadoras consequências desse crime, especialmente quando há o silenciamento por parte do núcleo familiar. O terceiro e último capítulo centra-se na função do Estado brasileiro como agente de proteção, questionando como deve agir diante do aumento dos casos de abuso sexual infantil, quais estratégias adotar e como prevenir a vitimização dos menores.

A prevalência de abusos sexuais contra crianças e adolescentes contrasta com a insuficiente responsabilização dos agressores, evidenciando uma lacuna na garantia de proteção integral a esses indivíduos. A crescente notoriedade das denúncias, conforme indicam Aded et al. (2006, p.204-2013), sugere que os registros oficiais não refletem a magnitude real do problema, evidenciando uma deficiência de informações e controle estatístico por parte das autoridades.

A natureza do abuso sexual, frequentemente perpetrado por indivíduos próximos às vítimas e detentores de alguma forma de autoridade, torna sua identificação e confirmação extremamente complexas, como destacam Pfeiffer e Salvagni (2005, p.198). A questão transpassa barreiras de idade, classe social, etnia, religião ou cultura, constituindo-se como um grave problema de saúde pública. Estudos apontam para a urgência de uma intervenção estatal mais efetiva, abordando as barreiras enfrentadas por profissionais da saúde, educação e, principalmente, do direito, na notificação de casos de abuso e na implementação de políticas de proteção e sensibilização, direcionadas tanto ao público infantojuvenil quanto à sociedade em geral (Azambuja, 2005; Gonçalves & Ferreira, 2002; Miranda & Yunes, 2007; Pires et al., 2005).

Nesse sentido, a legislação brasileira, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, estabelece como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Além disso, o Código de Processo Civil (CPC), em seus artigos que tratam das medidas de proteção, proporciona mecanismos para a tutela jurisdicional efetiva desses direitos, permitindo que o Estado intervenha de maneira preventiva e punitiva nos casos de abusos, garantindo a integridade e o bem-estar dos menores.

1. F U N D A M E N TO S C O N C E I T U A I S S O B R E O A B U S O S E X U A L INFANTOJUVENIL

1.1. ELUCIDAÇÃO DO ABUSO SEXUAL INFANTOJUVENIL

A diversidade de manifestações violentas contra menores de idade tem suscitado debates significativos na esfera social brasileira, com ênfase na análise de suas origens e impactos, sobretudo no que tange ao abuso sexual infantojuvenil. A problemática em questão desencadeia diversos embates teóricos e práticos na sociedade, visando não somente sua resolução, mas também a mitigação dos danos causados. Neste panorama, torna-se imperativo, sob o prisma jurídico e social, compreender a natureza do explícito sexual.

O explícito sexual contra crianças e adolescentes emerge como uma questão de magnitude tanto política quanto clínica, abrangendo aspectos sexuais sob uma ótica discriminatória, gerando uma pluralidade de visões. Portanto, é crucial delinear a definição de explícito sexual, visto que o tema é envolto em controvérsias e carece de uma compreensão amplificada. Conforme Faleiros (2000, p.7), a compreensão e a definição do abuso sexual infantojuvenil requerem uma análise abrangente sobre as diversas formas de violação enfrentadas por crianças e adolescentes, tais como agressão sexual, maus-tratos e vitimização sexual.

Tal distinção é vital para que os órgãos competentes possam atuar com eficácia no enfrentamento deste ilícito. Ressalta-se que, antes de se estabelecer uma definição precisa sobre o abuso sexual infantojuvenil, é preciso enquadrar tal violência dentro do espectro dos maus-tratos à infância e adolescência. Os maus- tratos englobam qualquer delito que comprometa a saúde ou a vida da vítima, que se encontra em posição de dependência em relação ao agressor. Dentre as várias formas de maus-tratos, o explícito sexual é particularmente desafiador de ser identificado e combatido, dada a sua natureza intrinsecamente ligada à sexualidade do menor, acarretando sentimentos de culpa e vergonha (OLIVEIRA; FERNANDES, p. 31-37, 2007).

Historicamente, o explícito sexual contra menores é um fenômeno que sempre permeou a sociedade, caracterizado por uma relação de poder assimétrica e hierárquica, normalizando a violência contra esses indivíduos, especialmente a sexual (FERRARI, 2002, p.81-94). Masson (1984, p.290) evidencia que, tradicionalmente, as denúncias de explícito sexual eram vistas como fantasiosas ou fraudulentas, dificultando o reconhecimento social da realidade desses abusos, que ocorriam em diversos ambientes, inclusive no âmbito familiar. A sociedade da época impunha às crianças um silêncio sobre temas sexuais, considerando-as seres assexuados, o que contribuía para a perpetuação da violência.

A violência, segundo Chauí (1985, p.35), não se restringe à violação de normas, mas também se manifesta como a conversão de diferenças em relações hierárquicas de desigualdade, com fins de dominação, exploração e opressão, além de tratar o ser humano como objeto, caracterizado pela inércia e silêncio. Foucault (2004, p.23) também aborda a violência como uma dinâmica de forças desiguais, onde os mais fortes subjugam os mais fracos, uma realidade evidente no contexto do abuso sexual infantojuvenil, marcado pela fragilidade social e fisiológica das vítimas, que se tornam alvos fáceis de manipulação através do poder, coação e sedução.

A violência sexual contra menores é fruto de relações de poder desiguais, envolvendo dominações de gênero, classe social e faixa etária, que historicamente favorecem a ocorrência desses crimes (VIVARTA, 2003, p.27). Segundo Depanfilis e Salus, citados por Amazarray & Koller (2005), a definição de abuso sexual infantojuvenil deve considerar não apenas a diferença de idade, mas também a responsabilidade do agressor perante a criança. A distinção entre estupro e explícito sexual depende da relação de poder exercida sobre a vítima, independentemente da familiaridade entre agressor e vítima. A Associação Brasileira de Multiprofissional de Proteção à Infância e a Adolescência (ABRAPIA, 2014) define o explícito sexual como uma forma de satisfação adulta baseada em uma dinâmica de poder. O explícito sexual manifesta-se de diversas formas, incluindo assédio sexual, abuso verbal com conotação sexual, assédio virtual, exibicionismo, voyeurismo e exposição à pornografia, todas visando a manipulação emocional de crianças e adolescentes para normalizar práticas libidinosas.

O art. 217-A do Código Penal Brasileiro tipifica o crime de estupro de vulnerável como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com menores de 14 anos, independentemente do consentimento da vítima ou de sua experiência sexual prévia (BRASIL, 2009). A Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça reitera que o consentimento da vítima é irrelevante para a configuração do crime de estupro de vulnerável.

A jurisprudência brasileira, contudo, revela lacunas e confusões na abordagem jurídica do abuso sexual infantojuvenil, evidenciando a necessidade de um entendimento mais aprofundado sobre o tema. O Superior Tribunal de Justiça, por meio de nota de esclarecimento, ressalta que a legislação penal brasileira prevê punições para quem pratica relações sexuais com menores, independentemente da configuração como cliente de prostituição infantil ou não. O artigo 244-A do ECA visa punir o explorador sexual de crianças e adolescentes, diferenciando-o do cliente ocasional, que pode ser punido sob outras normativas penais. Ademais, até 2008, o Código Penal caracterizava o estupro exclusivamente como um crime contra mulheres, mas a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito propôs a unificação dos crimes de estupro e atentado ao pudor em um único tipo penal, visando abranger vítimas de ambos os sexos. Com a Lei 12.015/2009, o artigo 213 do Código Penal foi modificado, substituindo “mulher” por “alguém”, ampliando a proteção legal contra violência sexual (DIÁRIO DO SENADO FEDERAL, p. 29238, 2004; SÍLVIA PIMENTEL, 1988).

O explícito sexual pode ser categorizado como intrafamiliar, perpetrado por indivíduos com laços de parentesco ou proximidade com a vítima, e extrafamiliar, cometido por desconhecidos. O abuso intrafamiliar é particularmente danoso, dada a quebra de confiança e os efeitos devastadores na vítima (Dobke, 2001, p.174; ARAÚJO, 2001, p.57-61). A elucidação do abuso sexual infantojuvenil é um passo crucial na proteção dos direitos e na dignidade das vítimas, enfatizando a necessidade urgente de enfrentamento desse crime com seriedade e comprometimento por parte das autoridades e da sociedade (JUNQUEIRA, 1998, p.432).

Adicionalmente, é imperioso mencionar a responsabilidade estatal na intervenção e prevenção da exploração sexual contra menores, conforme delineado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – e não no Código de Processo Civil, que trata de procedimentos e normas processuais. Especificamente, o artigo 227 da Constituição Federal, corroborado pelo artigo 70 do ECA, estabelece o dever do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A doutrina jurídica, por sua vez, reforça esse entendimento, sublinhando a importância da atuação estatal efetiva no combate à exploração sexual infantojuvenil, como forma de preservar a integridade física e psicológica das vítimas e promover uma sociedade mais justa e segura para todos os seus membros.

O CPC, em seus artigos 98 a 102, estabelece normas sobre a gratuidade da justiça, um direito fundamental para assegurar o acesso à justiça a todos os cidadãos, especialmente às vítimas de abuso sexual infantojuvenil. A gratuidade da justiça possibilita que as famílias de baixa renda possam buscar reparação e proteção sem a preocupação com custos processuais, o que é essencial para a tutela dos direitos das crianças e adolescentes. Além disso, o artigo 300 do CPC prevê a concessão de tutela de urgência, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Esta disposição é particularmente relevante na proteção contra o abuso sexual infantojuvenil, permitindo que medidas protetivas sejam imediatamente aplicadas para resguardar a integridade física e psicológica da vítima.

A responsabilidade do Estado não se limita à criação de leis e normas, mas se estende à sua efetiva implementação. Nesse sentido, o judiciário desempenha um papel crucial, não apenas na aplicação das leis, mas também na interpretação das normas de forma a maximizar a proteção aos direitos das crianças e adolescentes. A atuação proativa do judiciário, amparada pelas disposições do CPC, é fundamental para garantir uma resposta rápida e efetiva em casos de abuso sexual infantojuvenil.

Apesar do arcabouço legal existente, persistem desafios significativos na proteção contra o abuso sexual infantojuvenil, incluindo a subnotificação dos casos, a lentidão processual e a falta de estruturas de apoio às vítimas. O CPC, embora forneça mecanismos importantes, deve ser parte de uma estratégia mais ampla que envolva políticas públicas integradas, capacitação de profissionais da justiça e educação para os direitos.

1.2. O PERFIL DO AGENTE INFRATOR NO ÂMBITO DOS ILÍCITOS SEXUAIS CONTRA MENORES

Em aproximadamente 80% das ocorrências de ilícitos sexuais contra menores de idade, constata-se que os atos são perpetrados por indivíduos inseridos no círculo social das vítimas, os quais detêm alguma forma de ascendência ou fidúcia, predominando a figura masculina dentre os agressores (Secretaria de Políticas de Saúde, 2001, p.8). Ainda que haja estudos e investigações que busquem identificar os possíveis infratores, tal esforço revela-se insuficiente para prevenir a consumação da violação, haja vista que os agentes, na maior parte dos casos, são entes próximos às vítimas, podendo ser até mesmo o progenitor ou fraterno, o que complexifica sobremaneira a delineação de um perfil preciso para o agressor.

Urge esclarecer a distinção existente entre o agressor sexual e o pedófilo, sendo que este último apresenta um quadro clínico específico, caracterizado por um desejo sexual explícito por crianças e adolescentes, selecionando suas vítimas baseado na faixa etária, com predileção por atributos de fragilidade e inocência juvenil. A pedofilia, classificada como uma perversão e um distúrbio psiquiátrico sem cura, distingue-se pelo seu aspecto crônico e recorrente (Dunaigre, 1999, p.14). Por outro lado, o agressor sexual figura como um violador que se beneficia da situação de vulnerabilidade da vítima, explorando a confiança depositada para a prática do delito.

Conforme dados do Ministério da Saúde, 80% dos agentes de abusos sexuais são homens, com idade média de 40 anos, que podem ser encontrados em todos os estratos sociais, exercendo ocupações comuns e, sobretudo, possuem plena capacidade mental. Os infratores têm consciência de seus atos, empregando sua cognição para a manipulação das vítimas (Brasil, Secretaria de Políticas de Saúde, 2001, p.8).

Ademais, é imperioso reconhecer a responsabilidade estatal na intervenção e prevenção dos abusos sexuais infantis. O Estado, através de seus aparatos jurídicos e institucionais, deve assegurar a proteção integral da criança e do adolescente, conforme preconizado pelo Art. 227 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Nesse contexto, o Código de Processo Civil brasileiro, em seus dispositivos, prevê mecanismos de tutela específica para a proteção dos menores, como o Art. 98, que dispõe sobre a gratuidade da justiça para aqueles que comprovarem insuficiência de recursos, garantindo acesso à justiça sem ônus, e o Art. 300, que permite a concessão de tutela de urgência para prevenir ou cessar atos ilícitos, especialmente em casos que envolvam ameaça ou lesão grave a direitos de crianças e adolescentes.

Dessa forma, é de suma importância a articulação entre as esferas jurídicas, sociais e de saúde pública para o enfrentamento e prevenção do abuso sexual infantil, promovendo uma rede de proteção eficaz e atuante em defesa dos direitos dos menores.

1.3. CONCEPÇÃO JURÍDICA DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

A concepção de infância e adolescência, compreendida enquanto fase de desenvolvimento e aprendizado, constitui-se como um fenômeno social de reconhecimento relativamente recente. Historicamente, até o alvorecer do século XII, as condições de saúde e segurança eram extremamente adversas, culminando em elevadas taxas de mortalidade infantil, fenômeno que não poupava sequer os estratos mais privilegiados da sociedade (HEYWOOD, 2004, p.13). As crianças que logravam sobreviver eram vistas sob uma ótica de insignificância, percebidas como um ônus até que atingissem uma fase de maior independência.

A indiferença para com a infância nos períodos medieval e moderno era tamanha que crianças menores de dois anos eram frequentemente negligenciadas, dada a alta probabilidade de não sobreviverem à tenra idade (HEYWOOD, 2004, p.87). A distinção entre infantes e adultos era praticamente inexistente, relegando às crianças um papel de “adultos em miniatura”. Desde o nascimento, já lhes era imputado um papel social predeterminado, sem qualquer consideração pela singularidade da fase infantil. Este contexto era particularmente opressivo para as meninas, que frequentemente eram compelidas a matrimônios precoces e a uma vida sexual ativa em idades extremamente jovens, enquanto os meninos eram preparados para o combate e a gestão do lar desde cedo (Aries, 1981, p.30-31). As realidades das regiões periféricas contemporâneas, marcadas pela exploração e violência sexual infantil, remetem à persistência dessas práticas abusivas.

A evolução do reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos inicia-se no século XVII, embora de maneira incipiente. Foi somente com a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança pela Assembleia Geral da ONU, em 1959, e sua posterior ratificação pelo Brasil em 20 de setembro de 1990, através da Convenção sobre os Direitos da Criança, que se consolidou a proteção jurídica desses indivíduos, estabelecendo-se o ser humano menor de dezoito anos como criança e assegurando-se sua proteção integral (Labadessa e Onofre, 2010, p.9-10).

O Código de Processo Civil brasileiro, especialmente em seus artigos 98 e 141, consolida a intervenção estatal como mecanismo de proteção à infância e juventude contra abusos, assegurando a gratuidade da justiça e o respeito ao devido processo legal. A Lei 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), erige-se como um marco legal, delineando não apenas os direitos desses indivíduos, mas estabelecendo as bases para a relação jurídica entre crianças e adolescentes, a família, a sociedade e o Estado (RANGEL, 2008, p.37-38). Ainda assim, desafios persistem na efetivação dessas garantias legais.

A despeito dos avanços normativos, a implementação prática das proteções destinadas a crianças e adolescentes enfrenta obstáculos, refletindo uma lacuna entre a legislação e a realidade. Essa discrepância evidencia a urgência de uma revisão das concepções sobre infância e adolescência e o papel do Estado na prevenção e combate aos abusos, reiterando a necessidade de uma atuação estatal mais eficaz e comprometida com a proteção integral desse segmento vulnerável da população.

O cenário atual demanda uma atenção redobrada às questões que envolvem a infância e a adolescência, exigindo do Estado uma postura ativa no enfrentamento das violências e na promoção de um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento pleno desses indivíduos, conforme preconiza o ordenamento jurídico brasileiro.

2. ELEMENTOS ESTRUTURAIS, CULTURAIS, CORPORAIS E PSÍQUICOS

2.1 IMPACTOS FÍSICOS E PSÍQUICOS DECORRENTES DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA INFANTES E ADOLESCENTES

A constatação de violações sexuais contra o segmento infantojuvenil apresenta-se como um dos maiores desafios para profissionais da saúde e operadores do direito, devido à complexidade em materializar tais abusos. Grande parte desses atos ilícitos não deixa vestígios físicos evidentes, dificultando a identificação das agressões perpetradas contra crianças e adolescentes.

Entre os sinais físicos que podem surgir, destacam-se: Traumas, contusões ou cortes nas proximidades ou nas regiões genitais, como partes internas das coxas, lábios maiores, ânus, vagina, área escrotal, etc.; Dilatação uretral ou anal; Hemorragias vaginais ou anais; Infecções sexualmente transmissíveis; Gestação e interrupção involuntária da gravidez. Considerando que a denúncia dos abusos muitas vezes não ocorre imediatamente após o ato violador e pode não ser acompanhada por violência física explícita, os indícios corporais podem não ser perceptíveis.

A diversidade e complexidade da violência sexual, que se manifesta em variados graus de severidade, complicam a possibilidade de denúncia pelas vítimas e a confirmação diagnóstica pelos mecanismos atualmente disponíveis para investigação do delito. Para aprofundar a apuração desses atos e identificar os traumas ocasionados na vida dos jovens afetados, avaliações comportamentais e emocionais são necessárias (BROWNE & FINKELHO, 1986, p. 66-67).

Complicações médicas, psicológicas e sociais, com impactos duradouros em diversos aspectos da vida desses indivíduos, desde o aprendizado até a interação social, comprometendo significativamente sua existência. O trauma emocional infligido pode ser irreparável, requerendo um processo extenso e árduo de recuperação (BRIERE & ELLIOTT, 2003; MACMILIAN et al., 2001; TYLER, 2002).

Prado (2004, p. 64) adiciona que os sintomas refletem as vivências traumáticas no plano físico e comportamental, evidenciando as experiências de violação do corpo e da dignidade das vítimas. Os efeitos nefastos da violência incluem distúrbios como depressão, ansiedade, distúrbios do sono, temor de adultos, especialmente daqueles que se assemelham ao agressor, comportamento sexual precoce, baixa autoestima, entre outros, evidenciando a extensão devastadora dessas agressões e a lacuna existente em estudos, pesquisas e profissionais dedicados ao suporte dessas vítimas, desencadeando reações defensivas ou autodestrutivas. Após os abusos, há casos de desenvolvimento de transtorno de identidade dissociativa, refletindo a magnitude do negacionismo e da culpabilização das vítimas, conforme discutido por Araújo (2002, p. 3-11).

Conforme a legislação brasileira, especificamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, e o Código de Processo Civil (CPC), especialmente nos artigos relacionados à proteção integral e medidas de assistência, o Estado tem o dever de intervir e oferecer proteção às vítimas de abuso infantil, garantindo a aplicação de medidas protetivas e a responsabilização dos agressores. A intervenção estatal, em conformidade com o art. 98 do ECA, é imprescindível para a salvaguarda dos direitos das crianças e adolescentes, assegurando a prevenção e a responsabilização por atos de violência sexual.

A doutrina jurídica, complementada por estudos acadêmicos, sublinha a importância da atuação estatal eficaz no combate e na prevenção da violência sexual contra menores. A responsabilidade do Estado em garantir a proteção desses indivíduos é fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à segurança, conforme preconizado pela Constituição Federal de 1988. Além disso, o Código de Processo Civil, em seus dispositivos pertinentes,

como os artigos 300 e seguintes, que tratam das tutelas de urgência, estabelece mecanismos para a proteção imediata dos direitos de crianças e adolescentes vítimas de abuso, possibilitando a rápida atuação do judiciário na garantia de medidas protetivas.

Portanto, é primordial a integração de esforços entre os diversos setores da sociedade e do poder público para a prevenção e o combate à violência sexual infantojuvenil, assegurando a implementação de políticas públicas eficazes e a promoção de uma rede de apoio multidisciplinar para o amparo e a recuperação das vítimas, conforme preconiza a doutrina de Meneghin (2015) e as diretrizes internacionais sobre os direitos da criança.

2.2 VIOLAÇÃO SEXUAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO E A OMERTÀ FAMILIAR

A concepção tradicional de lar, idealmente vislumbrado como um santuário de acolhimento, onde seus integrantes são incumbidos da salvaguarda mútua contra desamparo, brutalidade e exploração, revela-se ainda mais crítica na conjuntura infantojuvenil. Neste cenário, incumbe primordialmente ao núcleo familiar a responsabilidade de moldar a identidade do menor, conforme preconiza Bock (1989, p.187).

No entanto, a realidade distorce-se de forma avassaladora quando adentramos na esfera dos abusos sexuais, momento em que o tecido familiar esfacela-se. A tutela, que deveria ser direcionada aos elementos mais vulneráveis, desvia-se em favor do agressor. Nota-se, em inúmeras famílias, a perpetuação de uma cultura de violência e abuso sexual, resguardada pelo véu do silêncio e o segredo doméstico.

A despeito da magnitude dos traumas infligidos às vítimas, tanto em âmbito físico quanto psíquico, manifesta-se a denominada “síndrome do segredo familiar”. Os consanguíneos das vítimas, paradoxalmente, escudam os perpetradores, perpetuando a cultura do estupro e intensificando a estigmatização das vítimas. A conspiração do silêncio engloba tanto o âmbito familiar quanto o das próprias vítimas, atribuindo-se, entre os possíveis motivos, o temor pela exposição da vítima e a desestruturação do conglomerado familiar (Furniss, 2002, p.29).

Dobke (2001, p.104) elucida que os motivos preponderantes para o silêncio das vítimas residem em: * Ausência de provas médicas: a carência de evidências clínicas em certos casos conduce a família à manutenção do sigilo por inexistência de elementos probatórios. * Intimidações dirigidas à vítima: o receio da retaliação impede a vítima de denunciar o abuso, em virtude do temor por sua integridade, a de seus familiares e a do próprio agressor.

Questionamento da veracidade da criança: a predisposição adulta em descrer das narrativas infantis motiva o silêncio, ante o pavor de punições.

Repercussões da revelação: o medo das consequências da exposição, associado ao sentimento de culpa e responsabilização pelo ocorrido, silencia a criança. Furniss e Dobke enfatizam que a reticência das vítimas em revelar os abusos não é voluntária, mas forçada por ameaças e o medo de consequências adversas. A criança e o adolescente abusados são compelidos ao mutismo. Este silêncio traduz-se na controvérsia de confidenciar a alguém de confiança e ser desacreditado, obrigando-os a ocultar o delito sob a ameaça de desagregação familiar. Nessas circunstâncias, as vítimas percebem-se desamparadas, desesperançadas e autoculpadas pelo abuso sofrido.

O discurso sobre a culpa tangencia os princípios morais familiares e sociais. Ainda que reconheçam o erro, a denúncia ou autoproteção colidiria com os valores sociais vigentes, aprisionando a criança e o adolescente em um ciclo de autopunição. A culpa neurótica, atrelada ao seu histórico pessoal e normas sociais, induz facilmente à crença na autoreprovação e na merecimento da adversidade, confundindo ainda mais os sentimentos da vítima em relação ao abusador:

(…) A recuperação da criança de tal violência mergulha-a em profunda

confusão, dividida entre inocência e culpa, abalando sua confiança na própria percepção. A isso soma-se a conduta reprovável do adulto, exacerbada pelo remorso, agravando a consciência do erro e o constrangimento da criança (Ferenczi, 1933, p.130-1).

Ferenczi (1933, p.130-1) prossegue, argumentando que a criança abusada torna-se um ser que reage mecanicamente ou com obstinação, sem compreender as razões desse comportamento, destacando a reação ao trauma não por defesa, mas pela identificação ansiosa e introjeção do agressor.

A monstruosidade reside no fato de que as consequências dos abusos sexuais recaem exclusivamente sobre as vítimas, que, desprovidas de suporte familiar e profissional, suportam os abusos por anos. As vítimas, sentindo-se culpadas por não serem ouvidas ou acreditadas, veem o agressor perpetuar seus atos sob um manto de impunidade, enquanto elas padecem em silêncio. Um segredo cruel compartilhado entre agressor, vítima e família (Furniss, 2002, p.32).

Dessa maneira, é imperativo que o Estado atue de forma incisiva na proteção infantojuvenil contra abusos sexuais, sob a égide dos princípios de proteção integral estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, e demais legislações pertinentes, como o Código de Processo Civil, que, em seus artigos 300 e seguintes, prevê medidas protetivas urgentes.

Este arcabouço legal coaduna-se com a doutrina da proteção integral, assegurando a intervenção jurisdicional adequada para a cessação de atos abusivos, garantindo a segurança e o desenvolvimento sadio das vítimas.

Neste contexto, a jurisprudência e a doutrina jurídica desempenham papel fundamental na construção de um ambiente seguro para crianças e adolescentes, com obras como “O Direito da Criança ao Respeito” de Janusz Korczak e “Proteção Jurídica contra Violência Sexual” de Maria Berenice Dias, fornecendo substrato teórico e prático para a efetivação dos direitos das vítimas de abuso sexual no ambiente familiar.

2.3 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MENORES NO BRASIL

A problemática do abuso sexual contra menores no Brasil é uma questão que se insere em um contexto histórico de progressiva conscientização e legalização dos direitos infantojuvenis, marcado significativamente pelo advento da Constituição de 1988. Esta Carta Magna inaugurou uma nova era ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos ativos de direitos, distanciando-se da perspectiva anterior que os configurava como meros objetos de ação estatal.

Tal mudança paradigmática é elucidada por Faleiros (2005, p. 172), ao descrever a evolução do tratamento da infância e juventude no Brasil, desde sua abordagem inicial vinculada às questões de higiene pública e ordem social, até a concepção atual que os posiciona como pilares fundamentais para a construção de um país forte e progressista.

Este processo evolutivo culminou na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990, que estabeleceu um marco legal inédito para a proteção integral desse segmento populacional, assegurando uma gama abrangente de direitos fundamentais, tais como saúde, educação, lazer, respeito, dignidade e proteção ao trabalho. O ECA, em seu artigo 5º, proíbe expressamente qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão contra crianças e adolescentes, reforçando, no artigo 18º, o compromisso coletivo de zelar pela dignidade e integridade desses sujeitos (BRASIL, 1990).

Apesar dos avanços legislativos, o abuso sexual infantil persiste como uma chaga social profunda, demandando aprimoramentos constantes no arcabouço jurídico e na atuação do Estado. Neste contexto, a Lei nº 13.431/2017 representa um progresso significativo, instituindo o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, com o objetivo de acolher, proteger e evitar a revitimização desses indivíduos, permitindo-lhes relatar experiências traumáticas sem temor de represálias (BRASIL, 2017).

Todavia, os dados revelados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por meio do Disque 100, evidenciam a magnitude do desafio enfrentado. Entre janeiro e setembro de 2021, foram registradas 119,8 mil denúncias de violações contra crianças e adolescentes, com a maioria dos casos ocorrendo no âmbito doméstico, afetando primordialmente indivíduos na faixa etária de 0 a 11 anos (AGÊNCIA BRASIL, 2021).

Essa realidade alarmante corrobora a necessidade de uma atuação estatal mais efetiva e de políticas públicas robustas para o enfrentamento desse flagelo. No tocante à legislação, o Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, especificamente em seus artigos relacionados à proteção da criança e do adolescente, como o art. 227 da Constituição Federal, reforça o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar com prioridade absoluta os direitos fundamentais desses jovens cidadãos, inclusive protegendo-os de qualquer forma de violência e opressão (BRASIL, 1988).

Ademais, o artigo 98 do CPC estabelece a criação de varas especializadas e exclusivas do juizado da infância e juventude, evidenciando a preocupação do ordenamento jurídico em oferecer um tratamento adequado às questões que envolvem esse público vulnerável.

Portanto, é imperativo que o Estado brasileiro, em consonância com as diretrizes constitucionais e infraconstitucionais, intensifique seus esforços no combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes, implementando políticas públicas eficazes, promovendo a conscientização social e garantindo a aplicação rigorosa da lei. Somente assim será possível mitigar os efeitos devastadores desse tipo de violência e assegurar um desenvolvimento saudável e seguro para a infância e juventude do país.

3. A INTERVENÇÃO ESTATAL NA PROTEÇÃO INFANTOJUVENIL

3.1 DEFICIÊNCIAS E DESAFIOS DO ESTADO BRASILEIRO NO COMBATE AO ABUSO SEXUAL CONTRA MENORES

Historicamente, o sistema jurídico brasileiro alimentou a concepção equivocada de que a resposta ao abuso sexual contra menores se limitava ao âmbito legal, como se esse tipo de violência fosse um problema simples, desprovido de complexidades históricas. Essa percepção, contudo, vem sendo revisada, com o incremento de estudos voltados para a prevenção social desse delito.]

O abuso sexual de crianças e adolescentes, reconhecido como um fenômeno social intricado, estrutural e persistente no Brasil, exige do Estado estratégias múltiplas para seu enfrentamento. Cabe ao Estado implementar medidas eficazes para prevenir a continuidade desse crime hediondo.

Sobre a Autoridade Parental e a Efetivação de Providências de Salvaguarda em Contextos de Abuso Sexual de Menores no Âmbito Doméstico Consoante o disposto no artigo 1.630 do Código Civil Brasileiro, “A guarda dos filhos menores é um dever sob a égide da autoridade parental, até que atinjam a maioridade”. A autoridade parental constitui-se como o agregado de prerrogativas e responsabilidades conferidas aos genitores, relativas à proteção e ao patrimônio dos seus filhos menores, englobando prerrogativas como orientar o desenvolvimento e a formação; mantê-los sob sua tutela e convívio; reivindicar sua posse frente a terceiros que ilegitimamente os detenham; e gerir os seus bens.

É imperioso destacar que tal incumbência configura-se como um encargo público, imputado de maneira unilateral pelo Estado, dotado de características peculiares, tais como sua inalienabilidade, intransmissibilidade, incompatibilidade com acordos e sua imprescritibilidade.

O Código Civil, em seu artigo 1.625, elenca as circunstâncias que podem culminar na cessação da autoridade parental, a saber: I – pelo óbito dos progenitores ou do filho; II – pela emancipação, conforme o disposto no artigo 5°, parágrafo único; III – pelo advento da maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, nos moldes do artigo 1.638.

Para além dos mecanismos naturais de dissolução da autoridade parental, focaremos em uma das facetas previstas no mencionado art. 1.638, que é a execução de atos contrários à ética e aos bons costumes, exemplificadamente, o abuso sexual de menores no âmbito familiar. Neste viés, examinaremos algumas decisões judiciais pertinentes.

A jurisprudência manifesta a incongruência entre o exercício da autoridade parental pelo réu sobre a filha e a condenação por ato extremamente grave de violação sexual e submissão a práticas libidinosas (…). Como efeito secundário ou consequência da condenação, resta claro que o apelado está inequivocamente inabilitado para exercer os direitos inerentes à autoridade parental, pela ausência de requisitos ético-morais indispensáveis para tal exercício (TJSP – AC – Relator Nélson Fonseca – RJTJSP 111/505).

Em face do ataque à liberdade sexual da própria filha, a postura do agente desvela uma insensibilidade ética e uma incapacidade absoluta para o exercício da autoridade parental, sendo cabível, como consequência da condenação, a penalidade de destituição deste poder (TJSP – AC – Relator Jarbas Mazzoni, RT 639/292).

No contexto brasileiro, o abuso sexual de menores dentro da esfera familiar não é um fenômeno raro. Deste modo, é mister observar as repercussões teóricas da infração aos direitos de crianças e adolescentes, no que concerne à perda da autoridade parental e ao distanciamento do menor do lar doméstico.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza um conjunto de medidas protetivas em casos de violação ou ameaça aos direitos de crianças e adolescentes, seja por ação ou omissão da coletividade ou do Estado; por negligência, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis; ou em razão da conduta própria do menor.

Importa salientar que, em consonância com o princípio da conservação da unidade familiar, ao se decretar as medidas de proteção, considerar-se-ão as demandas pedagógicas do menor, privilegiando aquelas que visem ao reforço dos vínculos familiares e comunitários, conforme estabelece o art. 100, inciso X, do ECA:

“X – primazia da família: nas ações de promoção de direitos e proteção da criança e do adolescente, deve-se priorizar as medidas que os reintegrem ou mantenham em sua família natural ou ampliada ou, na impossibilidade disto, que promovam sua integração em família substituta;”

As medidas protetivas serão estipuladas pela autoridade judiciária competente, conforme disposto no art. 101 do ECA, a saber:

“Art. 101. Identificada qualquer das situações previstas no art. 98, a autoridade competente poderá adotar, entre outras, as seguintes medidas:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, sob termo de compromisso;
II – acompanhamento temporário, orientação e apoio;
III – inscrição e assiduidade obrigatórias em instituição de ensino fundamental oficial;
IV – inclusão em programas oficiais ou comunitários de auxílio, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
V – determinação de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inserção em programa oficial ou comunitário de assistência, orientação e tratamento a dependentes de substâncias psicoativas; VII – acolhimento institucional;
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX – colocação em família substituta.”

Assegurar a proteção da vítima constitui um imperativo estatal, e, por tal razão, determinadas medidas protetivas revestem-se de natureza cautelar, em virtude de serem providências de urgência que não comportam procrastinação. Assim que se toma ciência da agressão perpetrada, deve-se aplicar a medida de proteção apropriada, seja ela de restrição de aproximação, de contato ou o afastamento do domicílio.

Sublinha-se que, ante a priorização do vínculo familiar, o acolhimento institucional e familiar configura-se como medidas provisórias e excepcionais, adotadas nos casos em que o afastamento do ambiente familiar revela-se necessário para o bem-estar do menor.

Estas constituem uma transição para a reintegração familiar, quando esta se mostrar viável, ou para a colocação em família substituta. Incumbe exclusivamente à autoridade judiciária a determinação do afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, situação esta que desencadeará um procedimento judicial contencioso, assegurando-se aos pais ou responsável legal o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Em cenários de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar, a proteção imediata à vítima mostra-se imperativa ao constatar-se a incapacidade da família em cessar a reiteração do abuso. Em determinadas situações, torna-se imperioso o comando judicial para o afastamento do agressor do lar comum, conforme preconiza o art. 130 do ECA.

Ademais, a intervenção estatal nos casos de abuso sexual infantil intrafamiliar é essencial para a proteção efetiva dos direitos da criança e do adolescente. Nesse sentido, o Código de Processo Civil (CPC), em seus artigos 693 a 699, trata dos procedimentos de jurisdição voluntária para a proteção da pessoa dos filhos, permitindo a adoção de medidas urgentes que garantam a segurança e o bem-estar da criança ou adolescente, inclusive no que tange à suspensão ou destituição do poder familiar.

Outrossim, a doutrina jurídica, como a de Maria Berenice Dias em sua obra “Manual de Direito das Famílias” (2020), realça a importância do envolvimento do Estado através do sistema de Justiça para assegurar a cessação do abuso e a aplicação de medidas protetivas adequadas, enfatizando o papel fundamental do Ministério Público e do Judiciário na salvaguarda dos direitos fundamentais das vítimas de abuso sexual intrafamiliar.

Desse modo, o Estado, por intermédio de seus órgãos judiciários, tem o dever de intervir em situações de abusos contra menores, aplicando as medidas protetivas cabíveis e promovendo ações que visem à proteção integral da criança e do adolescente, conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela legislação pertinente, assegurando, assim, um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento sadio e integral dos menores.

Consoante ao artigo 227 da Constituição Federal, o Estado é encarregado de assegurar às crianças e adolescentes a proteção de seus direitos fundamentais, considerando suas peculiaridades de desenvolvimento físico e mental.

Este dever inclui a promoção de assistência integral à saúde, permitindo-se a colaboração de entidades não governamentais, conforme preconiza o texto constitucional (BRASIL, 1988). No que tange ao abuso sexual infantojuvenil, percebe-se uma lacuna na proteção estatal, mesmo diante de um arcabouço legal severo para julgamento desses crimes.

A legislação penaliza o abusador, mas falha na prevenção. Bobbio (1999) enfatiza a importância da punição do agressor, mas também a necessidade de reeducação e tratamento para sua reinserção social, de modo a evitar a reincidência no crime. Solazzi (2007) critica a ilusão de um sistema penal justo, apontando para a inerente injustiça e desigualdade presentes nas práticas punitivas.

A prisão, por si só, não se mostra capaz de reformar o infrator, deixando as vítimas de abuso sexual desprotegidas e vulneráveis a novas violências. Sgroi (1986) propõe que o abuso sexual deve ser encarado como uma manifestação de abuso de poder, sugerindo estratégias de intervenção adaptadas a cada situação.

Diante deste cenário, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelecem a obrigatoriedade da atuação estatal não apenas em caráter reparador, mas também preventivo, visando assegurar um desenvolvimento saudável e protegido para crianças e adolescentes (FIRMO, 1999). A Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 1990) reforça o compromisso dos Estados em proteger os menores contra todas as formas de exploração e abuso sexual, exigindo medidas nacionais e internacionais eficazes para tal fim.

A eficácia das políticas públicas de combate ao abuso sexual infantojuvenil é questionada, cabendo ao Estado a responsabilidade de implementar ações que garantam a proteção dessa população. A morosidade e ineficiência estatal em desenvolver soluções efetivas resultam em danos irreparáveis às vítimas, que se veem abandonadas pela falta de acolhimento e proteção, sofrendo um processo de revitimização.

A legislação brasileira, embora robusta em teoria, peca na prática ao lidar com casos reais de violência sexual contra menores, evidenciando a necessidade de procedimentos padronizados e integrados de combate a essa violação de direitos. A inação do Estado e a omissão dos órgãos responsáveis pela defesa dos direitos das crianças e adolescentes contribuem para a perpetuação da violência, especialmente em contextos de vulnerabilidade social.

O Estatuto da Criança e do Adolescente destaca a função do Conselho Tutelar na defesa dos direitos dos menores, enfatizando sua autonomia e independência na atuação contra violações de direitos. Contudo, a efetividade de sua atuação é comprometida pela falta de integração e cooperação entre os diferentes órgãos de justiça e assistência social.

Portanto, urge a necessidade de uma reformulação nas políticas públicas voltadas para a proteção de crianças e adolescentes contra o abuso sexual, envolvendo não apenas ações governamentais, mas também a participação ativa da sociedade. O Estado deve assumir seu papel não só como ente punitivo, mas como agente de prevenção, proteção e promoção dos direitos fundamentais dos menores, conforme preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Neste contexto, são pertinentes as disposições do Código de Processo Civil, como os artigos 98 a 102, que tratam da gratuidade da justiça, essencial para garantir o acesso à justiça pelas vítimas de abuso sexual.

A Lei 13.431/2017 estabelece mecanismos para garantir a escuta protegida e o depoimento especial, minimizando a revitimização das crianças e adolescentes durante o processo judicial. A atuação integrada e eficiente do Estado, aliada à conscientização e mobilização social, é fundamental para combater o abuso sexual infantojuvenil e garantir um ambiente seguro e protetivo para todos os menores. toda sociedade envolvida para a prevenção dos abusos sexuais.

3.2 ESTRATÉGIAS GOVERNAMENTAIS E MECANISMOS DE PREVENÇÃO AO ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MENORES

É amplamente reconhecido que a exploração sexual infantojuvenil acarreta sérias repercussões sociais, emocionais e cognitivas, as quais podem devastar a existência de crianças e adolescentes expostos a tais violações. Tal constatação sublinha a urgência de formular e implementar políticas públicas eficazes que assegurem a salvaguarda deste segmento vulnerável da população.

Em conformidade com os preceitos constitucionais e o Estatuto da Criança e do Adolescente, foi atribuído à família, à sociedade e ao Estado o compromisso irrevogável de assegurar a proteção integral e prioritária a todo e qualquer menor de idade, conforme articulado por Barbosa (1999): “A solidariedade entre família, sociedade e Estado impõe a obrigação conjunta de resguardar os direitos de crianças e adolescentes, promovendo seu bem-estar e proteção diante de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão” (BARBOSA, HÉLIO, p.28, 1999). Assim, torna-se imperativo o desenvolvimento de iniciativas que previnam a incidência de abusos sexuais contra menores, engajando todos os setores da sociedade neste esforço preventivo.

A magnitude dos casos de violência sexual, que atinge proporções epidêmicas, demanda uma resposta clínica e estratégica abrangente. Este trabalho já abordou o impacto traumático e o ciclo de violência gerados por tais abusos.

Conforme disposto em legislação, crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento têm o direito de acessar políticas sociais básicas e serviços preventivos eficazes, especialmente em situações de vulnerabilidade, como aquelas decorrentes de violência sexual: “A prevenção é entendida como um vetor de promoção da saúde, ao prevenir e mitigar danos, por meio da criação de ambientes seguros e protetivos para indivíduos e grupos expostos a riscos específicos. Envolve a identificação, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de abusos, além da assistência na recuperação e reintegração das vítimas.

A promoção da saúde, a cultura de paz e a prevenção de violências contra menores é uma responsabilidade coletiva, demandando o envolvimento de instituições educacionais, associações civis e lideranças locais como parceiros estratégicos. Ações comunitárias preventivas são vitais para diminuir a vulnerabilidade à violência e promover uma cultura de paz” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p.14).

A responsabilização estatal emerge como um pilar na proteção do bem- estar infantojuvenil, demandando políticas públicas e redes de apoio eficientes para prevenir e, quando necessário, atenuar os efeitos de tais abusos. A formulação de uma estratégia de proteção abrangente requer a integração de esforços a curto, médio e longo prazo, envolvendo as esferas da saúde, educação e órgãos governamentais dedicados à infância e adolescência. A utilização de indicadores para avaliar a condição dos menores no âmbito municipal é crucial para um combate eficaz a esses crimes. As intervenções públicas devem ser estratificadas em níveis primário, secundário e terciário. O nível primário foca na prevenção do ato violento, através de programas educativos.

O nível secundário se concentra no ambiente familiar do menor, analisando as causas e os fatores de risco para o abuso. O nível terciário visa à proteção e ao suporte pós-violência, buscando minimizar as sequelas da exploração. Adicionalmente, a legislação brasileira impõe ao Estado o dever de intervir nos casos de abuso infantil, conforme evidenciado no Código de Processo Civil, nos artigos relacionados à proteção do menor e à intervenção em situações de risco. Essa obrigatoriedade reflete o compromisso estatal com a preservação dos direitos fundamentais dos menores, assegurando-lhes um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento saudável.

No que tange à doutrina, destaca-se a obra de Barbosa (1999), que enfatiza a responsabilidade compartilhada entre família, sociedade e Estado na proteção de crianças e adolescentes.

Além disso, o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, instituído pelo Governo Federal, delineia um conjunto de ações e medidas protetivas voltadas para a prevenção e o combate a essa forma de violência, reforçando a necessidade de uma atuação intersectorial e coordenada para a efetivação dos direitos sexuais e a prevenção do abuso e exploração sexual de menores.

Portanto, a luta pela proteção integral dos direitos dos menores exige esforços contínuos e efetivos, visando não apenas a prevenção, mas também a garantia de um suporte adequado às vítimas de violência sexual, enfatizando a importância da capacitação de profissionais e da comunidade em geral para enfrentar e mitigar tais abusos.

A articulação dessas estratégias requer a incorporação de uma abordagem multidisciplinar, englobando ações legislativas, educacionais e de saúde pública, orientadas pelo princípio da proteção integral.

A implementação efetiva dessas políticas demanda um comprometimento inabalável do poder público, aliado ao apoio da sociedade civil e do setor privado, para estabelecer um sistema robusto de prevenção e resposta à exploração sexual de menores.

A adoção de medidas legislativas específicas, como a ampliação do arcabouço legal relativo aos direitos da criança e do adolescente, constitui um passo fundamental nessa direção. Isso inclui a revisão e o fortalecimento das penas para agressores, bem como a criação de mecanismos mais eficientes de denúncia e acompanhamento de casos de violência sexual.

No âmbito educacional, a introdução de programas de conscientização e educação sexual nas escolas surge como um elemento chave para a prevenção. Esses programas devem abordar temas relativos à sexualidade de maneira responsável e eticamente informada, equipando crianças e adolescentes com o conhecimento necessário para reconhecer e rejeitar tentativas de exploração.

Além disso, a capacitação de educadores e demais profissionais que atuam diretamente com esse público em técnicas de detecção precoce e intervenção adequada em casos suspeitos ou confirmados de abuso sexual é essencial.

Na esfera da saúde pública, é vital a implantação de serviços de apoio e tratamento para as vítimas de exploração sexual, que incluam atendimento psicológico, assistência médica e suporte jurídico. A rede de cuidados deve ser acessível e capaz de oferecer uma resposta rápida e humanizada, minimizando o trauma e facilitando a recuperação e reintegração social das vítimas.

A mobilização comunitária e a participação ativa da sociedade civil são igualmente importantes para criar um ambiente protetivo em torno das crianças e adolescentes. Campanhas de sensibilização e educação pública, aliadas a esforços para promover uma cultura de respeito e dignidade, são fundamentais para alterar percepções e comportamentos, reduzindo a estigmatização das vítimas e encorajando a denúncia de abusadores.

Finalmente, a implementação de um sistema integrado de monitoramento e avaliação das políticas públicas de prevenção e combate à exploração sexual infantojuvenil é crucial para medir a eficácia das intervenções, identificar lacunas e ajustar estratégias conforme necessário.

Esse sistema deve ser capaz de coletar e analisar dados de forma consistente, fornecendo um feedback valioso para o aprimoramento contínuo das ações governamentais e da sociedade em prol da proteção dos menores.

Em resumo, a erradicação da exploração sexual de menores é uma tarefa complexa que exige uma abordagem holística e colaborativa, envolvendo o poder público, a sociedade civil e a comunidade internacional.

Através da implementação de políticas públicas eficazes, legislação rigorosa, educação preventiva e suporte às vítimas, é possível construir uma sociedade mais segura e protetiva para crianças e adolescentes, assegurando o respeito e a promoção de seus direitos fundamentais.

CONCLUSÃO

Diante das evidências expostas ao longo deste estudo, conclui-se que a violência sexual contra menores de idade é uma problemática de elevada complexidade, cuja abordagem demanda, primordialmente, uma definição precisa de seus contornos. Tal precisão é fundamental para a compreensão aprofundada de suas causas e para a proteção efetiva das vítimas desse ciclo de violência, historicamente perpetuado. A natureza do abuso sexual, assim como a caracterização do público infantojuvenil, transcende a esfera da formalidade, revelando-se indispensável para elucidar as motivações subjacentes a tais atos e a imperativa necessidade de tutela dos direitos de crianças e adolescentes.

Ao analisar a posição de crianças e adolescentes na sociedade contemporânea, bem como sua autonomia enquanto sujeitos de direito, ressalta- se a urgente necessidade de intervenção estatal para a proteção desse grupo vulnerável. Esses indivíduos requerem proteção especializada, demandando legislação que seja não apenas eficaz, mas também eficiente. No que concerne ao abuso sexual de menores, enfrenta-se uma modalidade criminosa que coloca suas vítimas, dada a sua condição de vulnerabilidade, muitas vezes em situação de incapacidade para reagir ou denunciar, devido ao grave trauma e à negligência institucional.

Assim, torna-se imperativa a provisão de suporte estatal por intermédio de profissionais qualificados para o manejo das repercussões dessas violências.Destaca-se, ademais, a necessidade de reiterar os efeitos devastadores, tanto físicos quanto psicológicos, desencadeados nas vítimas, cujas consequências estendem-se até a idade adulta, gerando traumas e sequelas frequentemente ignorados pelos responsáveis por sua proteção.

A inércia estatal diante desses delitos constitui um processo de revitimização, agravado pelos altos índices de denúncias de violência sexual contra menores. Dada a prevalência desses abusos no seio familiar, essa violência excede a esfera criminal, constituindo-se como uma questão de saúde pública que exige uma abordagem integrada e multissetorial, envolvendo toda a comunidade e, sobretudo, os órgãos públicos competentes. Reconhece-se, portanto, a responsabilidade do Estado brasileiro no combate à violência sexual, cabendo-lhe a obrigação de disponibilizar recursos e estratégias apropriadas para a erradicação do abuso sexual infantojuvenil.

A legislação nacional deve espelhar essa responsabilidade de maneira inequívoca, assegurando que o Estado desempenhe seu papel de protetor das vítimas, e não de mero espectador de crimes de tal magnitude. Urge, assim, a implementação e execução de políticas públicas eficazes e eficientes, conforme indicam pesquisas e estudos acadêmicos.

A prevenção da violência sexual requer a adoção de políticas públicas de caráter primário, secundário e terciário, tal como discutido neste trabalho. Estas políticas devem ser implementadas em todas as esferas governamentais – federal, estadual e municipal – e contar com o apoio de organizações não governamentais, instituições públicas e privadas, além do engajamento da sociedade civil. Conclui-se, por fim, que incumbe ao Poder Público agir com diligência para cessar a perpetuação desses abusos. Sem uma resposta efetiva, o ciclo de violência persistirá, deixando crianças e adolescentes desprotegidos, silenciados e à mercê de uma sociedade que, por sua omissão, torna-se cúmplice dessas atrocidades.

Artigos do Código de Processo Civil e legislação correlata, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), reforçam a obrigação estatal de assegurar a proteção integral dos menores, abrangendo o direito ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária isenta de violências. A doutrina jurídica, representada por eminentes autores como Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo, proporciona um sólido arcabouço teórico que embasa a necessidade de uma atuação estatal proativa no enfrentamento ao abuso sexual infantojuvenil, enfatizando a importância dos órgãos de proteção como pilares na prevenção e no tratamento das consequências desses delitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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