CIVIL LIABILITY IN THE HEALTH AREA: IMPACT OF NEW TECHNOLOGIES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202506051913
Anderson Leal Amorim1
Resumo
O avanço das tecnologias na área da saúde tem gerado impactos significativos na prestação de serviços médicos, especialmente no que se refere à responsabilidade civil, à telemedicina, à proteção de dados sensíveis e ao consentimento informado. A digitalização de prontuários, a realização de consultas remotas e o uso de inteligência artificial no diagnóstico trouxeram benefícios, mas também desafios éticos e jurídicos. A responsabilidade civil dos profissionais de saúde exige adequação às novas realidades tecnológicas, uma vez que falhas em atendimentos virtuais podem gerar danos aos pacientes. Nesse contexto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece diretrizes para a segurança e privacidade das informações médicas, impondo obrigações rigorosas às instituições de saúde. Além disso, o consentimento informado desempenha papel essencial na garantia da autonomia do paciente e na mitigação de riscos legais. O presente estudo analisa os desafios e implicações jurídicas decorrentes da incorporação dessas novas tecnologias, ressaltando a necessidade de regulamentação e adoção de boas práticas para garantir um equilíbrio entre inovação, segurança e responsabilidade na área da saúde.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Telemedicina. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Consentimento informado. Tecnologia na saúde.
Abstract
Advances in healthcare technologies have had a significant impact on the provision of medical services, especially with regard to civil liability, telemedicine, the protection of sensitive data, and informed consent. The digitization of medical records, the provision of remote consultations, and the use of artificial intelligence in diagnostics have brought benefits, but also ethical and legal challenges. The civil liability of healthcare professionals requires adaptation to new technological realities, since failures in virtual care can cause harm to patients. In this context, the General Data Protection Law (LGPD) establishes guidelines for the security and privacy of medical information, imposing strict obligations on healthcare institutions. In addition, informed consent plays an essential role in guaranteeing patient autonomy and mitigating legal risks. This study analyzes the challenges and legal implications arising from the incorporation of these new technologies, highlighting the need for regulation and adoption of good practices to ensure a balance between innovation, security, and responsibility in healthcare.
Keywords: Civil liability. Telemedicine. General Data Protection Law (LGPD). Informed consent. Technology in health.
1. INTRODUÇÃO
O avanço das tecnologias na área da saúde tem transformado significativamente a prestação de serviços médicos, impactando a relação entre profissionais, pacientes e instituições. O uso crescente da telemedicina, a digitalização de prontuários e a implementação de sistemas inteligentes de diagnóstico trouxeram inovações que ampliam o acesso à assistência médica e otimizam os procedimentos clínicos. No entanto, essas mudanças também geram desafios jurídicos e éticos, especialmente no que tange à responsabilidade civil, à proteção de dados e ao direito à informação dos pacientes.
A responsabilidade civil na área da saúde decorre da obrigação dos profissionais e instituições de prestar um atendimento adequado e seguro, observando normas técnicas e éticas. Com a adoção da telemedicina, surgem questionamentos sobre a delimitação da responsabilidade médica em atendimentos remotos, especialmente diante de falhas de comunicação, limitações tecnológicas e diagnósticos imprecisos. Paralelamente, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece diretrizes rigorosas para a coleta, armazenamento e compartilhamento de informações sensíveis, exigindo medidas de segurança para evitar vazamentos e acessos indevidos.
Além disso, o consentimento informado torna-se um elemento essencial na relação médico-paciente, assegurando que os indivíduos tenham conhecimento sobre os procedimentos aos quais serão submetidos, seus riscos e alternativas terapêuticas. A formalização desse consentimento não apenas protege os direitos dos pacientes, mas também contribui para a mitigação de riscos legais e litígios na prática médica.
Diante desse cenário, este estudo busca analisar o impacto das novas tecnologias na responsabilidade civil dos profissionais de saúde, abordando os desafios da telemedicina, as exigências da LGPD e a importância do consentimento informado como mecanismo de segurança jurídica e transparência na prestação de serviços médicos.
2. METODOLOGIA
A presente pesquisa possui natureza qualitativa, com abordagem bibliográfica e documental. A metodologia adotada consistiu na análise de legislações pertinentes (como a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), resoluções do Conselho Federal de Medicina, doutrinas jurídicas e artigos científicos voltados à responsabilidade civil no contexto da saúde e da telemedicina. Os dados foram organizados e interpretados à luz do referencial teórico selecionado, visando compreender os impactos das tecnologias na responsabilização dos profissionais da saúde e nas relações médico-paciente.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados da análise indicam que a incorporação das novas tecnologias na área da saúde trouxe benefícios evidentes, como o aumento do acesso aos serviços médicos e a otimização dos atendimentos. Contudo, também gerou desafios substanciais, principalmente em relação à proteção de dados sensíveis, à obtenção do consentimento informado e à delimitação das responsabilidades dos profissionais de saúde. A legislação brasileira ainda caminha para se adaptar plenamente a essas novas realidades. Os riscos associados à prática da telemedicina, por exemplo, exigem regulamentações específicas e contínua atualização das práticas médicas e jurídicas. Observa-se, ainda, a necessidade de maior capacitação dos profissionais quanto às exigências da LGPD e ao correto uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como forma de mitigar riscos legais e preservar a autonomia dos pacientes.
4. SURGIMENTO DA TELEMEDICINA
A origem e o desenvolvimento da telemedicina estão diretamente relacionados aos avanços tecnológicos e às inovações nos meios de comunicação. Do ponto de vista histórico, o primeiro registro documentado sobre o uso da telemedicina remonta à Idade Média, na Europa, durante o enfrentamento da disseminação de uma praga em determinada comunidade. Relata-se que, devido ao alto risco de contaminação, um médico deslocou-se para a margem oposta do rio que banhava a localidade e lá permaneceu isolado. A partir desse ponto, estabeleceu comunicação oral com um agente comunitário, que lhe repassava informações sobre o estado de saúde da população, descrevendo os sintomas e a evolução da enfermidade, enquanto o médico fornecia orientações sobre as condutas a serem adotadas de acordo com o quadro relatado.
Contudo, há indícios de que a prática da medicina a distância tenha se originado ainda no Egito Antigo, com o advento do papel. Acredita-se que, por meio da escrita em hieróglifos, os egípcios registravam o processo de mumificação e outros aspectos da prática médica. Com o desenvolvimento da escrita, a comunicação por meio de cartas tornou-se um recurso essencial para a troca de informações, experiências e relatos entre médicos, contribuindo significativamente para o avanço do conhecimento na área da saúde.
Nos tempos modernos, mais precisamente em 2020, em meio a pandemia do COVID-19 e seus efeitos, tal como o isolamento social, o uso da telemedicina teve destaque como ferramenta essencial no cuidado à saúde. A evolução tecnológica das telecomunicações e da informática trouxe mudanças no cotidiano das pessoas, transformando comportamentos e exigindo respostas imediatas a suas requisições. No entanto, o uso de tecnologias em conjunto com medicina é bastante antigo e complexo, merecendo uma análise sobre a responsabilidade médica nesse contexto.
O conceito de telemedicina, conforme definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) é definido como:
“É a oferta de serviços relacionados aos cuidados com a saúde, em casos nos quais a distância consiste em um fato crítico. Estes serviços são fornecidos por todos os profissionais de saúde, por meio da utilização de tecnologias da informação e comunicação para o intercâmbio de informações válidas para diagnósticos, tratamento e prevenção de doenças e lesões e a contínua educação de provedores de cuidados com a saúde, bem como para fins de pesquisas e avaliações, tudo no interesse de aprimorar a saúde dos indivíduos e de suas comunidades”.
Existe, contudo, uma confusão conceitual no que se refere à nomenclatura relacionada à saúde no ambiente digital, o que dificulta a compreensão geral acerca do significado de cada termo no contexto da prática médica a distância, bem como a diferenciação entre as respectivas modalidades de aplicação. Nesse sentido, é fundamental atentar para três definições principais: Telemática em Saúde, que se refere à utilização de serviços de saúde de maneira remota, com o propósito de promover a saúde global, fomentar a educação e controlar doenças. Esse conceito, por sua abrangência, pode ser subdividido em duas categorias, considerando-se sua finalidade: a Telessaúde, que engloba todas as iniciativas da medicina não presencial voltadas à prevenção de enfermidades, à educação em saúde e à coleta de dados sanitários, sendo, portanto, direcionada à coletividade; e a Telemedicina, que abarca a prática médica remota relacionada ao diagnóstico e tratamento individualizado de pacientes, por meio da coleta, armazenamento, processamento, recuperação e comunicação de informações.
A Resolução CFM nº 2.227/18, definiu e disciplinou a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias, entretanto, logo foi revogada devido a manifestações dos médicos brasileiros e entidades representativas da classe, que com forte receio acreditavam que a tecnologia poderia afastar e fragilizar a relação médico e paciente. No dia 16 de abril de 2020, foi publicada a Lei nº 13.989, que regulamentou as atividades de telemedicina durante a emergência de saúde, posteriormente revogada pela Lei 14.510 de 27 de dezembro de 2022, que dentre outras coisas disciplinou a prática da telessaúde no Brasil. Em maio de 2022, através da Resolução nº 2.314/2022, em seu artigo 5º, destacamos várias modalidades de telemedicina, definindo e regulamentando a telemedicina, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação.
A responsabilidade digital está relacionada ao exercício da cidadania digital, no sentido de que os usuários devem contribuir para que a tecnologia seja utilizada de forma adequada, responsável e não criminosa2.
No que se refere às modalidades da telemedicina, a Resolução n° 2.314/2022 estabelece a existência de sete categorias, dentre as quais se destacam: a) Teleconsulta, modalidade que possibilita a realização de consultas médicas a distância, por meio de qualquer tecnologia de comunicação, sem a necessidade de contato direto entre médico e paciente ou a presença de um profissional de saúde para acompanhamento; b) Teleinterconsulta, que consiste na interação entre dois médicos, na qual um profissional realiza o atendimento presencial enquanto recebe suporte remoto de um especialista na área, utilizando-se de qualquer meio de telecomunicação; c) Telediagnóstico, modalidade que consiste na elaboração de exames médicos por meio da transmissão de imagens e dados, com o objetivo de emitir laudos ou pareceres médicos; d) Telecirurgia, caracterizada pela realização de procedimentos cirúrgicos a distância, com o auxílio de robôs e tecnologias avançadas de telecomunicação; e) Telemonitoramento ou televigilância, que permite a transmissão, em tempo real, de dados clínicos do paciente, possibilitando ao médico o acompanhamento contínuo do estado de saúde do indivíduo; f) Teletriagem, modalidade que consiste na avaliação médica remota dos sintomas apresentados pelo paciente, com o intuito de determinar um diagnóstico preliminar e direcionar o indivíduo para a assistência adequada; g) Teleconsultoria, que se refere ao intercâmbio de informações entre profissionais da saúde – incluindo médicos, gestores e demais especialistas – com o objetivo de discutir procedimentos, condutas e ações relacionadas à saúde.
Dessa forma, observa-se que a telemedicina é aplicada em diferentes níveis de complexidade, adaptando-se às necessidades e capacidades das instituições de saúde e das comunidades em que está inserida. As modalidades mencionadas definem as formas específicas de utilização dessa prática, sendo o prefixo “tele-” indicativo da realização remota dos serviços de saúde, associado à especialidade médica correspondente.
5. OS RISCOS DA TELEMEDICINA
Embora a prática da telemedicina proporcione inúmeros benefícios, também apresenta desafios e aspectos negativos que não podem ser ignorados. De modo geral, os principais riscos estão relacionados à segurança dos dados, ao sigilo das informações e aos próprios meios de comunicação utilizados, que impactam diretamente os profissionais envolvidos no atendimento médico. Essas questões refletem não apenas no campo da responsabilidade civil por eventuais danos, mas também em aspectos éticos, como a despersonalização da relação médico-paciente e a massificação da prática médica.
Em primeiro lugar, os princípios de privacidade e confidencialidade são inerentes ao exercício da medicina e encontram fundamento no dever de sigilo profissional, previsto em diversas normativas, como o Código de Ética Médica Brasileira, a Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/1990) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13.709/2018), entre outros diplomas legais. Nesse contexto, a relação entre médico e paciente deve ser pautada em um diálogo transparente e participativo, especialmente no que se refere à coleta de dados pessoais e clínicos, que devem ser protegidos pelo sigilo profissional, garantindo a prestação adequada dos serviços de saúde.
Embora a confidencialidade já seja um aspecto fundamental da prática médica convencional, torna-se ainda mais relevante no ambiente da saúde digital. Enquanto os prontuários físicos eram tradicionalmente armazenados em consultórios médicos ou hospitais, locais de acesso restrito a profissionais autorizados, a migração desses registros para ambientes digitais e redes virtuais amplia significativamente a exposição dos dados. Diante desse cenário, é imprescindível a adoção de protocolos rigorosos de segurança para o tratamento de informações sensíveis, assegurando a integridade e a proteção dos sistemas utilizados.
A proteção dos dados pessoais e a garantia da privacidade são direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal Brasileira. Nesse mesmo sentido, o artigo 17 da Lei Geral de Proteção de Dados3 reforça que todas as pessoas possuem a titularidade sobre seus dados pessoais, garantindo-lhes os direitos à liberdade, intimidade e privacidade. Essa preocupação é essencial, visto que a telemedicina envolve a coleta, o armazenamento e o tratamento de dados de pacientes identificados ou identificáveis.
A Lei Geral de Proteção de Dados define claramente o conceito de dados pessoais e estabelece diretrizes específicas para aqueles considerados sensíveis, como informações de saúde, dados genéticos e informações relacionadas a crianças e adolescentes. Além disso, a legislação determina que todos os dados, independentemente do meio em que estejam armazenados (físico ou digital), estão sujeitos à regulação. De acordo com a Portaria n° 1.768/2021, os dados pessoais de saúde e genéticos possuem um caráter que transcende a esfera individual, uma vez que estão diretamente relacionados à formulação de políticas públicas pelo Estado. Dessa forma, para evitar o uso indevido dessas informações para fins de controle político, social, econômico ou meramente mercadológico, a Lei Geral de Proteção de Dados estabelece um alto nível de proteção a esses registros, restringindo seu tratamento, salvo nas hipóteses previstas no artigo 11 da referida lei, como o consentimento do titular ou outras situações excepcionais.
Nesse sentido, é dever do profissional da medicina fornecer informações claras, precisas e completas ao paciente sobre os objetivos, benefícios, riscos e possíveis consequências dos procedimentos adotados, bem como as alternativas terapêuticas disponíveis. Essa obrigação está expressamente prevista na Recomendação n° 01/2016 do Conselho Federal de Medicina, que orienta a elaboração de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por escrito. O documento deve ser redigido em linguagem acessível ao paciente, detalhando o procedimento a ser realizado e seus impactos, de modo a garantir a compreensão do indivíduo. A assinatura do termo implica a assunção da responsabilidade pelo cumprimento das recomendações médicas por parte do paciente.
Entende-se que o consentimento informado faz parte de um processo dialogal e contínuo entre o médico e o paciente. A sua imposição no tratamento médico é um dever de conduta ética e também um dever jurídico, como expressão do respeito à autonomia do paciente. Não basta, para o consentimento informado, o cumprimento de uma mera formalidade através de um termo escrito contendo a assinatura do paciente, mas poderão ser questionados, se for objeto de controvérsia, a compreensão por parte do paciente do conteúdo das informações efetivamente cientificadas, conforme a boa-fé objetiva, nunca se esquecendo que o paciente doente se encontra em situação de vulnerabilidade.
Não é incomum que, no campo da medicina, os profissionais de saúde encontrem pacientes que, apesar de serem considerados competentes legalmente, demonstram uma vulnerabilidade significativa ou encontram-se em circunstâncias que os tornam mais propensos a riscos ou danos, comprometendo sua capacidade de tomar decisões adequadas para si mesmos. A análise da capacidade de decisão do paciente é bastante mais intrincada do que o conceito legal estrito de capacidade efetiva definido pelo Direito Civil. A habilidade de tomar decisões (autogestão) refere-se à competência funcional do paciente para avaliar os aspectos relevantes de uma situação específica, além de formular e expressar uma decisão apropriada. Dúvidas sobre a capacidade do paciente para tomar decisões frequentemente aparecem durante a etapa de consentimento informado.
O debate que surge na teoria é a respeito da exigência de que o consentimento informado seja registrado de forma escrita, impresso e assinado pela pessoa que recebe cuidados médicos, ou se esse consentimento deve ser visto como um diálogo entre o médico e o paciente antes de uma escolha independente, dispensando, inclusive, qualquer tipo de documento escrito, em uma prática evidente de medicina defensiva.
Denominado também como consentimento livre e esclarecido, este conceito está se tornando cada vez mais comum na assistência à saúde em geral e na pesquisa biomédica. Tornou-se uma exigência em diversas situações, como nos atendimentos, quando um paciente busca a ajuda de um médico; ou em serviços de saúde, apresentando queixas ou desconfortos, situações que demandam cuidados de saúde; ou ainda em pesquisas, quando um pesquisador busca indivíduos que atendam aos critérios de seu estudo.
O consentimento esclarecido surgiu no século XIX, mas passou a ser usado somente no século XX, sendo poucas as informações sobre sua prática antes dos anos 1960. Mary Schloendorff vs. Society of New York Hospital, em 1914, é reconhecido por vários autores como marco na jurisprudência do consentimento nos Estados Unidos, após o juiz Benjamin Cardozo decidir em favor do paciente e afirmar que “todo ser humano adulto e mentalmente capaz tem o direito de consentir o que será feito no seu próprio corpo”. Nos anos 1950, alguns eventos jurídicos de grande repercussão sucederam ainda nos Estados Unidos, resultando em mudanças comportamentais na relação médico-paciente.
A expressão informed consent surgiu da decisão judicial de caso patrocinado pelo advogado Paul G. Gebhard, Salgo v. Leland Stanford Jr. University Board of Trustees, em 1957.
O consentimento informado é um princípio central na proteção da autonomia individual, garantindo que as pessoas tomem decisões baseadas em informações claras e compreensão plena. Ele é amplamente aplicado em áreas como medicina, bioética, direito e pesquisa científica.
O primeiro deles – a informação adequada – diz respeito à transmissão de informações claras, completas, em linguagem acessível, evitando-se, ao máximo, o uso de termos técnicos em excesso e formalismos por parte do profissional da medicina.
Esta etapa configura importante parte do processo de consentimento informado. Isso porque, vale dizer, a mera aposição de assinatura em termo de consentimento, por parte do paciente, não implica – automaticamente – no absoluto reconhecimento de sua válida e irrestrita concordância ao tratamento médico a ser realizado.
Nesse sentido, o “consentimento” assinado por si só não comprova o efetivo cumprimento de todo o processo de consentimento, obviamente, a assinatura do paciente por si só não comprova que o médico tenha realizado integralmente a fase de informação – transmitindo informações, como a condição clínica do paciente;
O consentimento livre e ponderado refere-se a uma decisão informada, consciente e voluntária tomada ao longo de um período de tempo através do qual a informação fornecida pelo profissional médico pode ser mais bem absorvida e compreendida pelo paciente – especialmente se o paciente for um leigo na ciência médica – o que confere ao consentimento maior validade e legitimidade
Como exemplo, antes de uma cirurgia, o médico deve explicar o procedimento, os riscos envolvidos, as taxas de sucesso, possíveis complicações e opções alternativas de tratamento. Se um paciente com câncer estiver considerando quimioterapia, ele deve ser informado sobre os efeitos colaterais como queda de cabelo, náuseas e risco de infecções.
Ou até mesmo um contrato de prestação de serviços deve conter todas as cláusulas de forma clara para evitar que uma das partes se prejudique por falta de informação.
A mera assinatura do termo de consentimento do paciente não é suficiente para retirar a garantia de que o paciente está devida e adequadamente informado e avisado sobre as possíveis consequências do tratamento médico. Portanto, é fundamental definir claramente os objetivos; uma descrição concisa, clara e objetiva do procedimento recomendado ao paciente, em linguagem compreensível; qualquer penalidade ou prejuízo aos seus cuidados.
É de extrema importância sublinhar, neste ponto, a conjugação de duas características essenciais ao referido consentimento: a liberdade no ato de consentir e a adequada ponderação para tanto.
A liberdade, conforme, consiste na simples ideia de que o paciente manifestou o seu consentimento por conta própria, voluntariamente, sem qualquer tipo de influência externa – direta ou indireta.
Embora pouco mencionada, a segunda característica do consentimento – a ponderação – está intrinsecamente relacionada à ideia de tempo. Ou seja, inclui dizer que um paciente não pode ser obrigado a dar consentimento imediato, ou seja, imediatamente após ser exposto aos possíveis riscos e consequências do tratamento.
Portanto, exigir do paciente que – logo após a exposição de inúmeros desdobramentos, cenários fático-hipotéticos, cuidados perioperatórios etc., se houver uma resposta “imediata”, esta seria desarrazoada e acabaria por minar aquilo que procura proteger através do processo de consentimento informado – a dignidade do paciente.
Em terceiro lugar, é a capacidade decisória, que se mostra essencial à formação legítima do processo de consentimento informado. A capacidade decisória envolve a aptidão da pessoa para compreender as consequências da sua escolha e tomar decisões racionais.
Sem a referida capacidade, todo o procedimento, ainda que adequadamente conduzido por parte do profissional da medicina, revela-se invalidado pela mera ausência de capacidade do destinatário da informação, o paciente.
Para que se possa considerar válido um termo de consentimento informado, devem ser cumpridos os seguintes requisitos mínimos de: a) capacidade civil do paciente; b) voluntariedade, prestada de forma livre e espontânea, sem qualquer vício de consentimento; c) compreensão, em razão da hipossuficiência do paciente, referida pelo CDC, no art. 6º, inciso III
Menores de idade, por exemplo, (crianças e adolescentes, em geral) não podem consentir sozinhos em tratamentos médicos ou contratos, sendo necessária a autorização dos pais ou responsáveis. Porém, em alguns países, adolescentes podem consentir a procedimentos médicos específicos, como métodos contraceptivos.
Pessoas com transtornos mentais, podem não ter discernimento suficiente para tomar decisões médicas. Nesses casos, um tutor legal pode ser designado.
Pessoas sob influência de substâncias podem tornar seu consentimento inválido.
Se houver dúvida sobre a capacidade da pessoa, pode ser necessária uma avaliação médica ou jurídica.
Cabe lembrar, ainda, que não se trata de ato jurídico irretratável e permanente, contudo devem ser obedecidos os princípios da revogabilidade e da temporalidade.
Tais preceitos não excluem a necessidade de materialização do prontuário ambulatorial e/ou hospitalar a ser preenchido pelo médico, conforme previsão do art. 87 do CEM. Desta forma, a mera existência material do termo de consentimento informado, por si só, não pode servir de prova do cumprimento dos deveres informativos pelos médicos e hospitais.
6. A EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO
A responsabilidade civil é um dos pilares do direito privado, evoluindo ao longo dos séculos para refletir as transformações sociais, econômicas e culturais das sociedades modernas. Seu fundamento original, baseado no princípio do neminem laedere (não lesar a outrem), visava a reparação de danos causados a outrem por atos ilícitos, com foco quase exclusivo na restauração patrimonial4. No entanto, ao longo do tempo, a responsabilidade civil expandiu-se para além das perdas materiais, incorporando danos extrapatrimoniais, como os morais e estéticos, de forma a melhor proteger os direitos de personalidade e dignidade do indivíduo. Esse processo de evolução reflete a ampliação do conceito de dano e da função social da responsabilidade civil, que hoje desempenha papéis reparatórios, preventivos e punitivos.
Nos primórdios, a responsabilidade civil estava firmemente ancorada na noção de culpa. A ideia era que, para que alguém fosse obrigado a indenizar, era necessário que tivesse agido com dolo (intenção) ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Esse sistema, centrado no ato ilícito e na culpa do agente, era adequado para uma sociedade menos complexa, onde as relações de causa e efeito eram mais facilmente identificáveis. Contudo, com o advento da Revolução Industrial e o surgimento de novas tecnologias e riscos, tornou-se cada vez mais evidente que nem todos os danos eram causados por culpa direta ou facilmente identificáveis.
Historicamente, a responsabilidade civil na saúde seguia o modelo tradicional da responsabilidade subjetiva, que exigia a prova de culpa do agente causador do dano. Médicos e outros profissionais da saúde eram, portanto, responsabilizados quando se demonstrava que agiram com negligência, imprudência ou imperícia, resultando em prejuízos ao paciente. Esse modelo, que ainda prevalece em muitas situações, reflete a delicadeza do trabalho médico, onde se reconhece que nem sempre o insucesso de um tratamento resulta de erro profissional, podendo ser consequência da própria complexidade das condições clínicas do paciente.
Contudo, à medida que a medicina e os serviços de saúde se tornaram mais sofisticados e altamente técnicos, especialmente a partir do século XX, novas discussões surgiram quanto à natureza da responsabilidade de profissionais e instituições de saúde. Um dos grandes marcos dessa evolução foi o reconhecimento da responsabilidade objetiva em algumas situações, notadamente no que se refere aos serviços prestados por hospitais e clínicas. Esse tipo de responsabilidade, previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), dispensa a prova de culpa para a reparação dos danos causados em decorrência de falhas no serviço ou defeitos no produto, incluindo tratamentos mal administrados ou erros em exames e diagnósticos.
Com a crescente judicialização da saúde, houve uma mudança significativa na forma como os tribunais interpretam o dano na relação médico-paciente e nos serviços hospitalares. O dano, que antes era visto predominantemente sob o prisma econômico ou patrimonial, passou a englobar também o dano moral e o dano estético, especialmente quando resultantes de erros médicos ou falhas nos cuidados de saúde. Casos de cirurgias malsucedidas, diagnósticos equivocados ou tratamentos inadequados podem gerar, além de prejuízos materiais, danos à integridade psíquica e emocional dos pacientes, o que se reflete em pedidos de indenização por sofrimento, ansiedade e perda da qualidade de vida.
O avanço das biotecnologias, a complexidade dos procedimentos médicos e a crescente expectativa dos pacientes em relação à cura ou à melhora significativa de suas condições de saúde também aumentaram o debate sobre a responsabilidade civil na área da saúde. A responsabilidade contratual tornou-se uma vertente cada vez mais relevante, sobretudo quando se trata de compromissos assumidos por médicos ou instituições de saúde em relação aos resultados esperados de tratamentos. Em procedimentos estéticos, por exemplo, muitos tribunais têm considerado que a relação médico-paciente é pautada por uma obrigação de resultado, e não de meio, exigindo que os profissionais alcancem o efeito prometido, sob pena de responsabilização caso o resultado seja insatisfatório ou cause danos ao paciente.
Outro ponto crucial na evolução da responsabilidade civil na área da saúde diz respeito ao conceito de erro médico. Embora os médicos, em regra, respondam apenas por atos praticados com culpa, o aumento da sofisticação tecnológica e a disponibilidade de informações detalhadas sobre procedimentos médicos elevaram o nível de exigência em relação à conduta dos profissionais. O erro médico é amplamente definido como a prática de um ato ou a omissão de cuidados que se espera de um profissional competente, resultando em prejuízos ao paciente. As situações mais comuns envolvem erros de diagnóstico, tratamentos inadequados, falhas em cirurgias e até a não obtenção de consentimento informado do paciente.
A evolução da responsabilidade civil na saúde também abrange a atuação das instituições hospitalares e de outros prestadores de serviços médicos, como laboratórios e clínicas de diagnóstico. Estas instituições, sob a ótica da legislação consumerista, respondem objetivamente pelos danos causados aos pacientes durante sua estada e tratamento, abrangendo desde falhas em equipamentos médicos até erros cometidos por membros da equipe médica ou de enfermagem. Essa objetivação da responsabilidade busca proteger o paciente em situações em que o controle sobre os eventos danosos é mais difícil de ser exercido, seja pela complexidade dos procedimentos médicos ou pela assimetria de informações entre paciente e instituição.
No entanto, a responsabilidade civil na área da saúde deve ser observada com cautela, uma vez que nem toda complicação médica ou insucesso terapêutico pode ser automaticamente atribuído a erro ou negligência. O direito reconhece que há riscos inerentes a muitos procedimentos médicos, o que exige uma análise criteriosa dos fatos para determinar se houve culpa ou falha do profissional. Nesse sentido, a jurisprudência tem enfatizado a importância do consentimento informado, que obriga o médico a informar adequadamente o paciente sobre os riscos, benefícios e alternativas de tratamento. A falta de um consentimento informado ou a omissão de informações relevantes pode gerar a responsabilização do médico, mesmo que o tratamento tenha sido tecnicamente correto.
O dano moral no campo da saúde também ganhou relevância nos últimos anos, refletindo uma maior sensibilidade jurídica para os direitos dos pacientes. Casos em que o paciente é exposto a situações de sofrimento, dor desnecessária, ou onde sua dignidade é violada, têm sido interpretados pelos tribunais como passíveis de indenização por danos morais. Esse tipo de dano, que muitas vezes transcende o aspecto físico, envolve também a violação da privacidade, da honra e do bem-estar psíquico, especialmente em situações de erro médico ou falhas em cuidados básicos, como a manutenção da higiene e o respeito à intimidade do paciente.
Outro avanço importante no campo da responsabilidade civil foi o reconhecimento dos danos coletivos e dos danos sociais, especialmente em casos envolvendo direitos difusos e coletivos, como o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, e os direitos dos consumidores5. O dano coletivo diz respeito à ofensa a interesses que pertencem a uma coletividade de pessoas, e não apenas a indivíduos isolados. Nesses casos, a responsabilidade civil tem um papel ainda mais significativo, pois visa à proteção de bens que são fundamentais para a sociedade como um todo.
A evolução da responsabilidade civil também tem sido marcada por uma crescente conscientização sobre sua função social. Mais do que simplesmente reparar os danos sofridos por um indivíduo, a responsabilidade civil tem o objetivo de prevenir condutas ilícitas e de promover o bem-estar social. Isso se dá por meio da imposição de indenizações que não apenas compensam o dano, mas também desestimulam comportamentos lesivos. A função preventiva da responsabilidade civil é especialmente relevante em áreas como o direito do consumidor, o direito ambiental e o direito à imagem, onde o interesse social de evitar o dano é tão importante quanto a reparação propriamente dita.
Assim, a responsabilidade civil evoluiu para abarcar novas realidades e demandas da sociedade contemporânea. A ampliação do conceito de dano, a incorporação da responsabilidade objetiva e o fortalecimento da função social da reparação são reflexos de uma sociedade que valoriza, cada vez mais, a proteção dos direitos de personalidade e a dignidade humana. Hoje, a responsabilidade civil desempenha um papel fundamental na preservação do equilíbrio social, assegurando que os indivíduos sejam protegidos contra danos de todas as naturezas e que as condutas lesivas sejam devidamente coibidas.
7. FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil na área da saúde envolve a proteção de bens jurídicos fundamentais como a vida, a integridade física e mental, e a dignidade humana. Diante da complexidade das relações entre pacientes, profissionais e instituições de saúde, o campo da responsabilidade civil neste setor assumiu múltiplas funções que transcendem a simples reparação de danos. A evolução das práticas médicas, o avanço tecnológico e a ampliação do acesso à saúde pública e privada têm impulsionado o reconhecimento das diversas funções da responsabilidade civil, que passam a cumprir papéis não só reparatórios, mas também preventivos, punitivos, dissuasórios e compensatórios.
7.1. Função Reparatória
A função reparatória da responsabilidade civil é tradicionalmente a mais conhecida e tem como objetivo principal restituir o estado anterior ao dano causado. No contexto da saúde, essa função é essencial, uma vez que danos aos pacientes podem ser de natureza física, psicológica, patrimonial e moral. A reparação visa compensar os prejuízos sofridos, tanto nos casos de erro médico, quando em falhas na prestação de serviços de saúde por hospitais, clínicas ou outros profissionais. Embora a reparação completa do dano físico muitas vezes seja impossível, o pagamento de indenizações pecuniárias busca atenuar os efeitos do erro, como a incapacidade de trabalho, os custos com tratamentos adicionais, e o sofrimento moral gerado pela lesão.
No campo da saúde, a responsabilidade civil reparatória é amplamente aplicada a situações de dano material, como quando um paciente sofre complicações devido a diagnósticos equivocados, intervenções cirúrgicas mal executadas ou tratamentos inadequados. Em tais casos, o foco é compensar economicamente os prejuízos financeiros sofridos pela vítima, como despesas médicas, perda de renda, e custos com reabilitação. No entanto, a reparação se estende também ao dano moral, que decorre de ofensas à dignidade, à honra ou ao sofrimento emocional, comum em casos de tratamentos invasivos ou situações onde o paciente é submetido a dor física ou psíquica desnecessária.
7.2. Função Preventiva
Nelson Rosenvald afirma que a responsabilidade civil propende a uma cultura preventiva, seja por razões éticas, comportamentais e econômicas6 e assim, entende-se que a função preventiva da responsabilidade civil na área da saúde é extremamente relevante. Ao responsabilizar profissionais e instituições de saúde pelos danos causados, o direito estimula a adoção de comportamentos diligentes e cuidadosos. A função preventiva serve, portanto, como um mecanismo regulador, que impõe padrões de conduta adequados e incentiva o cumprimento de protocolos médicos e hospitalares. Quando profissionais da saúde e instituições sabem que podem ser responsabilizados por atos de negligência, imprudência ou imperícia há uma tendência a investir mais em treinamento, qualificação técnica e melhores práticas, com vistas a evitar possíveis litígios e indenizações.
Já Sérgio Savi, afirma que as teorias do risco ao aumentarem as hipóteses de responsabilidade objetiva e da própria objetivação da culpa se propôs a expandir a proteção a vítima e não a punição, ou seja, a preocupação não se encontrava em punir os atos culpáveis, mas de compensar os danos causados às vítimas e assegurar que fossem reparados7. Dessa forma, a responsabilidade objetiva, aplicada a hospitais e prestadores de serviços de saúde por conta de falhas nos serviços, desempenha um papel preventivo crucial. Ao exigir que instituições de saúde respondam pelos danos causados por defeitos em seus serviços, independentemente de prova de culpa, o sistema jurídico estimula a melhoria das condições de atendimento e da segurança dos pacientes. Isso se traduz, por exemplo, em uma maior vigilância na administração de medicamentos, no manuseio de equipamentos médicos e na observância dos direitos do paciente, como o consentimento informado.
A prevenção de danos na área da saúde é uma preocupação que envolve também o planejamento e a gestão do risco. A responsabilidade civil funciona, nesse caso, como uma ferramenta de gestão para mitigar riscos associados à atividade médica e hospitalar, promovendo uma cultura de maior responsabilidade e cautela em procedimentos médicos e nas interações com os pacientes.
7.3. Função Punitiva
A função punitiva da responsabilidade civil, embora seja menos prevalente no direito brasileiro em comparação com sistemas jurídicos como o norte-americano, tem ganhado espaço em decisões judiciais, sobretudo no campo da saúde. A punição, nesse caso, visa reprimir condutas abusivas ou gravemente negligentes, especialmente quando há dolo ou uma atitude deliberada por parte do agente causador do dano. O propósito punitivo da responsabilidade civil é, assim, impor uma sanção que vá além da simples reparação, servindo também como um exemplo para desencorajar condutas semelhantes.
Na área da saúde, a função punitiva se revela em casos de negligência extrema ou má-fé, como quando profissionais de saúde realizam procedimentos desnecessários visando lucro, ou quando há omissão de socorro em situações de emergência. A punição pode ter um caráter educativo, forçando instituições e profissionais a repensarem suas práticas e a adotarem medidas para garantir um atendimento mais ético e responsável.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro não adote de forma expressa a figura dos danos punitivos, decisões judiciais vêm, em alguns casos, aplicando indenizações com valor elevado justamente para exercer essa função, como forma de desestimular práticas abusivas no setor da saúde, seja por profissionais médicos ou por planos de saúde que negam indevidamente tratamentos necessários.
7.4. Função Distributiva ou Social
A função distributiva ou social da responsabilidade civil tem um papel importante na área da saúde, especialmente quando se trata de garantir que o ônus dos danos seja equitativamente distribuído. No sistema brasileiro, a responsabilidade objetiva de hospitais e instituições médicas, prevista no Código de Defesa do Consumidor, impõe que essas entidades assumam o risco de sua atividade e, portanto, sejam responsabilizadas por falhas, mesmo que não haja culpa direta de seus empregados. Essa abordagem reflete a preocupação com a proteção do paciente, reconhecendo sua posição vulnerável nas relações com grandes organizações de saúde.
A função distributiva é ainda mais evidente em casos que envolvem planos de saúde, que possuem recursos financeiros muito superiores aos dos pacientes. Nessa lógica, a responsabilidade civil visa equilibrar essa relação desigual, impondo a obrigação de indenizar em casos de recusa de cobertura indevida ou prestação inadequada de serviços, evitando que os pacientes arquem com o custo financeiro e emocional de um tratamento negado ou mal realizado.
7.5. Função Compensatória
A função compensatória da responsabilidade civil é especialmente significativa na área da saúde, dado que muitos dos danos sofridos por pacientes são irreversíveis. A indenização compensatória tem como objetivo atenuar os efeitos de um dano cuja reparação integral é impossível. Isso se aplica a situações onde, por exemplo, um paciente sofre lesões físicas permanentes ou graves prejuízos psicológicos, que comprometam sua qualidade de vida ou capacidade de trabalho.
No campo da saúde, a função compensatória abrange tanto os danos emergentes (como as despesas médicas e hospitalares, tratamentos futuros e adaptações necessárias), quanto o lucro cessante (perda de renda ou redução da capacidade laboral). O dano moral também assume uma função compensatória importante, visando proporcionar à vítima uma satisfação ou compensação pelo sofrimento físico e psicológico decorrente do erro médico ou falha no tratamento.
8. CONCLUSÃO
A responsabilidade civil na saúde é fundamentada na obrigação dos profissionais e instituições de prestarem um serviço adequado, seguindo protocolos técnicos e éticos estabelecidos. Com a ascensão da telemedicina, surge a necessidade de redefinir parâmetros de responsabilidade, visto que a atuação médica a distância pode envolver falhas na comunicação, limitações tecnológicas e dificuldades na avaliação clínica remota. Nesse contexto, a segurança jurídica da telemedicina depende da adoção de diretrizes que garantam a qualidade do atendimento e a integridade das informações compartilhadas.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) desempenha um papel essencial na regulamentação do uso e tratamento de dados sensíveis na área da saúde. A coleta, o armazenamento e o compartilhamento de informações médicas devem ser conduzidos com base nos princípios da transparência, segurança e minimização de riscos, evitando o uso indevido dessas informações para fins comerciais ou discriminatórios. Além disso, a LGPD reforça a necessidade de consentimento expresso do paciente para o tratamento de seus dados, garantindo maior controle sobre suas informações pessoais.
Nesse sentido, o consentimento informado torna-se um instrumento jurídico indispensável para a proteção dos direitos do paciente e para a mitigação de riscos legais na prestação de serviços médicos. A disponibilização de informações claras e detalhadas sobre procedimentos, riscos e alternativas terapêuticas é fundamental para assegurar a autonomia do paciente e evitar litígios decorrentes de eventuais danos à saúde. A formalização desse consentimento, preferencialmente por meio de documentos escritos, reforça a transparência e a segurança jurídica da relação médico-paciente.
Diante desse cenário, conclui-se que a responsabilidade civil na área da saúde precisa ser constantemente reavaliada à luz das novas tecnologias, garantindo que a inovação caminhe em consonância com a ética médica e a legislação vigente. A implementação de protocolos de segurança, a capacitação dos profissionais para o uso da telemedicina, a adoção de práticas alinhadas à LGPD e a ênfase no consentimento informado são medidas essenciais para garantir que os avanços tecnológicos beneficiem tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes, sem comprometer direitos fundamentais e a qualidade dos serviços prestados.
2NUNES, Danilo Henrique; LEHFELD, Lucas Souza. Cidadania digital: direitos, deveres, lides cibernéticas e responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Estudos Jurídicos da UNESP, [S. l.], v. 22, n. 35, 2019. DOI: 10.22171/rej.v22i35.2542.
3BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 25 mar. 2025
4SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: da erosão dos filtros da reparação a diluição dos danos. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2015
5VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012
6ROSENVALD, Nelson. A Responsabilidade Civil pelo Ilícito Lucrativo: O disgorgement e a indenização restitutória. Bahia: Juspodvm, 2019
7SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil e Enriquecimento sem causa: O Lucro da Intervenção. São Paulo: Atlas, 2012., p.26
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1Advogado, Mestrando em Direito Médico pela UNISA, Pós-graduado em Compliance e Governança Corporativa, Pós-graduado em Direito Administrativo e Constitucional, Especialista contratações públicas e Terceiro Setor. Membro efetivo da Comissão Especial de Direito Médico e de Saúde da OAB/SP. e-mail: anderson_amorim.adv@hotmail.com.