RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO/RO SOBRE OS DANOS CAUSADOS PELOS ALAGAMENTOS EM DECORRÊNCIA DA FALTA DE SANEAMENTO BÁSICO

CIVIL LIABILITY OF THE MUNICIPALITY OF PORTO VELHO/RO FOR DAMAGE CAUSED BY FLOODING RESULTING FROM THE LACK OF BASIC SANITATION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10070694


Felipe Lira Dias1
Samuel Francisco Chaves de Melo2


RESUMO

A pesquisa busca apontar a responsabilidade civil do município de Porto Velho – RO sobre os danos materiais e imateriais causados à população portovelhense em decorrência dos alagamentos. O objetivo geral é analisar a responsabilidade civil do município de Porto Velho pelos danos causados em razão dos alagamentos de vias públicas durante os períodos das chuvas bem como a previsão de indenização de danos materiais causados por eles. Os objetivos específicos serão: Demonstrar soluções para uma atuação mais responsável da gestão municipal de Porto Velho, apontar os problemas relacionados aos alagamentos nas vias urbanas da cidade de Porto Velho, identificar os danos sofridos pela população do município de Porto Velho em razão dos alagamentos, e apontar a responsabilidade civil do município de Porto Velho perante os danos causados devido aos alagamentos urbanos ocasionados por falta de saneamento básico. Será utilizado como método científico a pesquisa exploratória, com abordagem positivista, fonte de pesquisa bibliográfica, legal e jurisprudencial.

Palavras chaves: Responsabilidade Civil. Alagamentos. Saneamento Básico

ABSTRACT

The research seeks to highlight the civil liability of the municipality of Porto – RO for the material and non-material damage caused to the population of Porto Velho as a result of flooding. The general objective is to analyze whether the Government Plan provides for the development of public policies to avoid flooding of public roads in Porto Velho during rainy periods as well as the provision for compensation for material damage caused by them. The specific objectives will be: Demonstrate solutions for a more responsible performance of the municipal management of Porto Velho, point out the problems related to flooding on urban roads in the city of Porto Velho, identify the damages suffered by the population of the municipality of Porto Velho due to flooding, and point out the civil liability of the municipality of Porto Velho for the damage caused by urban flooding caused by a lack of basic sanitation. Exploratory research will be used as a scientific method, with a positivist approach, a source of bibliographical, legal and jurisprudential research.

Keywords: Civil responsability. Flooding. Basic sanitation

1 INTRODUÇÃO

A Responsabilidade Civil tem como objetivo uma ideia de restauração, de contraprestação e de reparação de danos (STOLZE; FERNANDES, 2016, p. 13).

No município de Porto Velho/RO, é comum, em períodos de chuva, ocorrerem situações como alagamentos em vias urbanas. Tais problemas causam prejuízos para a população portovelhense, como danos na propriedade, em veículos, dificuldades de acessar uma determinada via e doenças relacionadas ao problema.

A administração municipal não consegue elaborar um Plano Diretor eficiente para os problemas relacionados aos alagamentos, o que contribui para essa situação se tornar rotineira no município de Porto Velho/RO.

Somente no ano de 2023, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet),o Estado de Rondônia teve um índice pluviométrico de 366,8 mm, sendo que a média anual é de 273,9 mm. Em recente pesquisa realizada no ano de 2023 pelo Instituto Trata Brasil, a cidade de Porto Velho segue há dez anos em uma das piores posições no ranking dos municípios brasileiros em relação à falta de saneamento básico. E esse fato tem uma relação direta com os problemas relacionados com o escoamento das águas das chuvas.

O presente estudo tem por finalidade demonstrar uma relação de responsabilidade civil da prefeitura do município de Porto Velho em razão de sua omissão em combater efetivamente os problemas urbanísticos que contribuem para os alagamentos das vias públicas, e consequentemente, ocasionando prejuízos à população.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A presente pesquisa possui como modelo científico o método dialético, e a pesquisa exploratória, com abordagem positivista, pois tem como premissa contestar, identificar, pesquisar e apontar as hipóteses para uma solução real do problema, com o objetivo de se determinar uma ou mais conclusões, além de pesquisar na literatura específica do entendimento jurídico, como artigos constitucionais, leis, etc, como forma de embasar o objetivo deste trabalho, que é o de apontar a responsabilidade jurídica da prefeitura Municipal de Porto Velho ao não elaborar políticas públicas que resolvam a situação dos alagamentos. A dialética é o método da contestação da realidade posta, que abrange principalmente seus aspectos políticos, econômicos e culturais.

Todos os fatos sociais precisam ser entendidos em sua relação com aspectos políticos, econômicos e culturais. Não há fatos isolados e, portanto, não podem ser compreendidos se considerados isoladamente. (MEDEIROS, 2017, p. 48)

Nesse sentido, serão analisadas as  disposições legais ou regimentais sobre os procedimentos relacionados à responsabilidade civil dos municípios aos danos causados pelos alagamentos.

3 A GESTÃO PÚBLICA EM PORTO VELHO

3.1 – Do Plano Diretor

O Plano Diretor do município de Porto Velho, instituído pela Lei Complementar nº 8383, de 04 de fevereiro de 2021, apresenta políticas de melhorias na estrutura urbana e territorial. Tais disposições são regidas pela Constituição Federal de 1988, pela Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), pelos artigos 144 a 148 da Lei Orgânica do Município.

Por todo o Plano Diretor, são apresentadas políticas que buscam solucionar os problemas urbanos da cidade, entre eles, os que estão relacionados aos alagamentos. É o caso do Art. 17, inciso VI. Vejamos:

Art. 17. A estratégia Cidade com a Floresta e as Águas se desenvolve por meio das seguintes iniciativas:

VI – Porto Velho Resiliente, com adoção de medidas de compensação, mitigação, adaptação e redução de riscos frente aos eventos climáticos que afetam com gravidade o território do Município de Porto Velho, em especial enxurradas, erosões e inundações, considerando, entre outros, estudos realizados pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), pelo Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), as determinações do Plano de Contingência do Município e os comandos da Política Municipal de Mudanças Climáticas, Serviços Ambientais e Biodiversidade do Município.

            Dentre as questões relacionadas aos problemas urbanísticos, há no Plano Diretor (PORTO VELHO, 2021) o objetivo de oferecer um serviço de qualidade para a população portovelhense:

Art. 22. A estratégia Modernização da Gestão Urbana tem por objetivos:

III – Prestar serviços públicos de melhor qualidade.

O Saneamento Básico é uma importante diretriz estabelecida no Plano Diretor. E não é para menos, pois a falta de estrutura, bem como a ausência de  políticas públicas eficientes em combater o problema e a falta de cuidados com o meio ambiente, contribuem diretamente para o surgimento dos alagamentos, tendo como consequências danos na esfera civil. Vejamos:

Art. 27. As políticas públicas municipais, bem como quaisquer ações implementadas por agentes públicos ou privados, que incidem direta ou indiretamente na estruturação do território municipal e em especial das áreas urbanas, devem estar alinhadas com as diretrizes temáticas estabelecidas neste Plano Diretor, organizadas nos seguintes temas:

II – Meio Ambiente;

III – Clima Urbano e Mudanças Climáticas;

IV – Mobilidade e Acessibilidade Urbana e Territorial;

V – Saneamento Básico;

Para que um serviço público seja prestado com qualidade, faz-se necessário o uso de algumas atribuições do Estado, uma delas é a fiscalização. Nesse ponto, a prefeitura do município de Porto Velho é omissa, pois é muito comum a construção de forma desordenada em locais em que a construção não deve ser concretizada. Tal preocupação com o meio ambiente, embora seja uma das diretrizes do Plano Diretor, não é levada a sério na realidade. Vejamos o que diz o artigo 30:

Art. 30. São diretrizes para o tema Clima Urbano e Mudanças Climáticas:

XI – Restringir o licenciamento de novas construções em áreas sujeitas a inundações, enxurradas e erosões, de acordo com os limites definidos na Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo e disposições construtivas definidas no Código de Obras e Edificações.

A seguir, foi feito um recorte específico quanto às diretrizes sobre o tema Saneamento Básico:

Art. 32. São diretrizes para o tema Saneamento Básico:

I – Universalizar os serviços públicos de saneamento básico, com equidade, regularidade e qualidade, considerando a possibilidade de utilização de tecnologias seguras e ambientalmente adequadas, adaptadas às realidades locais, e, ainda, a capacidade de investimento do Município e de pagamento dos usuários, com adoção de medidas graduais e progressivas;

II – Elaborar o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), abarcando os serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e respectivos planos e projetos;

III – Elaborar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS);

IV – Considerar, nos planos e projetos de saneamento básico, as situações de maior vulnerabilidade social, em especial das famílias chefiadas por mulheres;

V – Considerar, nos planos e projetos de saneamento básico, os cenários e projeções relativas aos efeitos das mudanças climáticas;

VI – Orientar a expansão e adensamento urbanos segundo a disponibilidade, atual e futura, de infraestrutura de saneamento básico;

VII – Combater as perdas de água e estimular a racionalização de seu consumo pelos usuários;

VIII – Compatibilizar a execução das redes de distribuição de água, coleta de esgoto sanitário e drenagem pluvial com a pavimentação das vias e calçadas, de modo a evitar a realização de obras em duplicidade;

IX – Garantir a transparência dos serviços de saneamento básico e a assegurar a confiança da população, por meio da divulgação sobre a qualidade da água fornecida para consumo humano pelo prestador público, entre outros;

X – Priorizar a separação absoluta dos esgotos domésticos e das águas pluviais com a implantação de redes coletoras diferenciadas;

XI – Promover soluções alternativas para o tratamento de efluentes e de resíduos decorrentes de atividades agrícolas de pequenos produtores rurais, em especial aqueles organizados em núcleos familiares;

XII – Reservar áreas para serviços especiais, como disposição final de resíduos sólidos, tratamento de esgotos domésticos e outros, a serem definidas a partir de estudos técnicos específicos;

XIII – Assegurar o cumprimento da responsabilidade dos geradores de resíduos perigosos e não perigosos, que não sejam equiparados aos resíduos domiciliares, conforme preconizado no art. 20 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS);

XIV – Assegurar o cumprimento da responsabilidade compartilhada pelos resíduos sujeitos a logística reversa, conforme preconizado no art. 33 da PNRS;

XV – Conceber de forma integrada instrumentos de prevenção, minimização e gerenciamento de enchentes do Município, considerando soluções de detenção ou retenção das águas pluviais para o amortecimento de vazões de cheias;

XVI – Delimitar as planícies de inundação dos rios e igarapés a fim de condicionar seu uso e ocupação, de acordo com a probabilidade e a gravidade de ocorrência de cheias nas respectivas bacias urbanas.

Art. 55. São diretrizes para a Macrozona Urbana:

VII – Promover a proteção e valorização dos igarapés e considerá-los como condicionantes no direcionamento da urbanização.

O Plano Diretor (PORTO VELHO, 2021) foi elaborado com o intuito de resolver os problemas do município, porém, muitas das diretrizes apontadas como soluções para cessar prejuízos à população em períodos chuvosos não se concretizam de forma satisfatória.

3.2 – Da Realidade Fática

A Secretaria Municipal de Obras e Pavimentação (SEMOB), realiza serviços de drenagem e limpeza nas ruas de Porto Velho, entretanto, tais ações ainda não são suficientes para conter os alagamentos em períodos chuvosos.

Por ser uma cidade muito plana, o escoamento das águas acaba dificultado. É uma preocupação muito intensa que temos nesse período. Por essa razão temos trabalhado diariamente para combater ou minimizar esse nível de alagamento em nossa capital. (Diego Lage, 2021)

Percebe-se que o trabalho focado na retirada do acúmulo de lixo e na instalação de rede de drenagem ainda não demonstram ser suficientes para resolver o problema dos alagamentos. Conforme a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), para que o saneamento básico opere em sua plenitude, é necessário seguir uma série de requisitos:

O saneamento básico compreende os serviços de abastecimento de água; coleta e tratamento de esgotos; limpeza urbana, coleta e destinação do lixo; e drenagem e manejo da água das chuvas. (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO, 2023)

Embora os esforços como retirada de lixo e drenagem de ruas tenham sido apresentados à população portovelhense, na prática, não apresentaram resultados totalmente satisfatórios, pois ainda há a necessidade de se fazer um manejo da água das chuvas que condiz com a realidade pluviométrica do município, para assim, diminuir ao máximo o problema dos alagamentos urbanos.

A cidade de Porto Velho é um dos 20 municípios com o menor percentual da população atendida por redes de água e esgoto. Tal dado faz parte da 14ª edição do Ranking de Saneamento, do Instituto Trata Brasil, com base em informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (INIS).

Ainda segundo a pesquisa do INIS, Porto Velho não apresentou nenhum avanço quanto ao investimento, planejamento e construção de estruturas relacionadas ao saneamento básico:

Além disso, Porto Velho (RO), Ananindeua (PA), Santarém (PA) e Macapá (AP) estiveram sempre nas dez últimas colocações dentre as 100 maiores cidades do país em todos esses dez anos. (Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil. Pág. 94, 2023)

Portanto, pode-se entender que as diretrizes apresentadas pela Prefeitura de Porto Velho por meio do Plano Diretor, não foram devidamente aplicadas, e as mínimas ações como o recolhimento de lixo e o escoamento das ruas, se mostraram ineficientes em conter o grande volume de chuva que costuma ocorrer no município.

3.3 Estatísticas (alagamentos)

A cidade de Porto Velho é uma das capitais brasileiras que possui uma alta taxa de volume pluviométrico.

Segundo os dados colhidos junto ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), somente no mês de fevereiro de 2023, em 15 dias, foi registrado um volume de chuva de 159,8 mm, o que equivale a 51% da Normal Climatológica3 entre os anos de 1961 e 1990, sendo que o maior acumulado de chuva em 24 horas ocorreu no dia 10 do mesmo mês, com volume de 22,0 mm. (ver figura 1)

Figura 1

Fonte: INMET. Comportamento das Chuvas e Temperaturas em Porto Velho (RO).Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, 05 de março de 2023. Disponível em: <https://portal.inmet.gov.br/uploads/notastecnicas/BALAN%C3%87O-CENTRO-OESTE_FEVEREIRO-2023-acs3.pdf#page=3&zoom=auto,-100,830>

Em virtude do volume pluviométrico acentuado na capital portovelhense, os investimentos voltados para o saneamento básico são fundamentais para deter os alagamentos, tal como os possíveis danos materiais e imateriais.

3.4 Dos alagamentos noticiados em Porto Velho

Quando ocorrem os alagamentos em Porto Velho, é muito comum ocasionar acidentes e congestionamentos, pois o grande volume de água no perímetro urbano, além de inviabilizar a locomoção de pedestres e veículos automotores, contribui para o surgimento de outros perigos como buracos e bueiros abertos.

Tais situações são amplamente registradas por populares, como também, pelos veículos de comunicação especializados (ver figura 2 e 3). No primeiro semestre do ano de 2023, os alagamentos contribuíram para causarem prejuízos materiais, que podem ocasionar situações acidentes graves.

Figura 2

Fonte: <Vídeo: Temporal causa alagamentos em grande parte de Porto Velho; mulher cai em bueiro – Geral – Rondoniagora.com>. Acesso em 12 de out. 2023.

Figura 3

Fonte:<https://www.rondoniagora.com/geral/chuva-forte-causa-alagamentos-em-varios-pontos-de-porto-velho-veiculos-ficaram-submersos>. Acesso em 12 de out. 2023

Os alagamentos são uma consequência negativa gerados pela ausência de políticas públicas que buscam implementar uma melhor estrutura para o saneamento básico urbano. Nesse sentido, é notório, portanto, uma falta de planejamento por parte da administração pública, uma vez que a cidade de Porto Velho é uma das capitais brasileiras em que o volume pluviométrico é elevado.

As ações da Prefeitura geralmente são aplicadas após a ocorrência de alagamentos. Não porque haja uma fiscalização eficiente, mas sim pelo motivo de que o fato é amplamente noticiado pelos veículos de comunicação, e também pelo compartilhamento da situação por meio de mensagens em aplicativos de celular e redes sociais.

Diante do exposto, pode-se perceber que, embora a Prefeitura do Município de Porto Velho apresente um Plano Diretor com o intuito de solucionar os problemas urbanísticos, dentre eles os alagamentos, tais ações não são aplicadas, pois falta planejamento, a omissão por parte da administração municipal contribui diretamente para a persistência do infortúnio.

3.5 Da Doutrina e Jurisprudência (Responsabilidade Civil)

Do ponto de vista da doutrina jurídica, segundo Pablo Stolze, a responsabilidade é a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua atividade (STOLZE; FERNANDES pág. 715, 2017). Desse modo, pode-se compreender que o causador do dano é obrigado a cumprir a reparação para aquele que sofreu o dano.

O ordenamento jurídico brasileiro entende que, aquele que causa dano, sendo por ação ou omissão, comete ato ilícito, pressupondo que a responsabilidade nesses casos, se aplica na reparação do dano. Assim dispõe o artigo 186 do Código Civil:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

O dever da Prefeitura de Porto Velho, é zelar pela integridade do município, para assim, garantir um ambiente saudável para a população. Por isso, a administração pública possui um dever preexistente, que é o de preservar o patrimônio público e particular dos cidadãos. Quando os alagamentos ocorrem, e as ações que visam combater esse problema não são aplicadas, aponta claramente para uma omissão por parte da administração. Tal omissão, contribui para uma violação de um dever jurídico. Em vista disso, segundo Stolze, a responsabilidade é uma reação provocada pela infração de um dever preexistente.

O Tribunal de Justiça de Rondônia coleciona decisões que indicam a responsabilidade civil do Município de Porto Velho pelos danos gerados em razão dos alagamentos, por efeito da ausência de políticas públicas, como saneamento básico, direcionadas à eficiência do escoamento da água das chuvas.

Em uma Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Materiais e Morais movida contra a administração municipal, um casal de idosos sofreu com os constantes alagamentos em sua propriedade. Em meados de 2015, houve uma obra na Rua Amazonas, no Bairro Cuniã. A construção teve como objetivo fazer a manutenção do asfalto,  porém, contribuiu para a elevação do nível da rua. Após alguns meses, mais precisamente durante o período do inverno amazônico, a residência dos idosos foi invadida pela enxurrada de água da chuva. O alagamento de fato ocorreu em razão da elevação do nível da rua atrelada a ausência de adequação do sistema de escoamento de águas pluvial. Na época, as valas de escoamento (bueiros) entupiram, o que permitiu o acúmulo de água, ocasionando assim, o alagamento para dentro da residência.

O dono da residência relatou o problema à Prefeitura Municipal, assim como a Secretaria de Obras do Município, entretanto, a administração pública apresentou como resposta que aguardasse o período de chuvas passar. O período chuvoso passou, mas mesmo assim o problema ainda ocorria. Mesmo idoso, o autor da ação relatou que foi necessário fazer obras em sua residência para diminuir os danos causados pelos alagamentos, o que acabou gerando um prejuízo de mais de R$100.000,00 (cem mil reais). Além disso, a esposa do idoso passou a sofrer de ansiedade, pois o simples fato de chover já lhe deixava transtornada. Tal situação, levou a idosa a tomar uma atitude drástica, pois ela teve que morar em uma outra cidade, longe de seu esposo, justamente por não suportar mais os alagamentos que adentravam a sua residência.

Nessa mesma ação, o Tribunal de Justiça de Rondônia entendeu que ficou comprovado o nexo causal entre o dano sofrido pelo casal de idosos, e a omissão e imprudência do Município de Porto Velho em resolver o problema relacionado aos alagamentos urbanos. Denota-se a correlação dos problemas de alagamentos enfrentados no imóvel, em razão da elevação da rua com as obras efetuadas sem o devido planejamento técnico.

Ao prolatar a sentença, o TJ/RO entendeu que tanto o Município de Porto Velho quanto a CAERD, foram obrigadas a indenizar os autores em danos materiais no valor R$110.000,00 (cento e dez mil reais), e em danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), totalizando assim, R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais).

Na mesma toada ficou caracterizado o dano moral devido às apeladas, pois a inundação do imóvel residencial por água da chuva contaminada de lama e todas as demais sujeiras com ela trazidas, sem dúvida, repercute na esfera subjetiva dos moradores, causando-lhes sensação de angústia, insegurança e abandono, a impor a condenação das requeridas por danos morais daí decorrentes, pois, em razão de sua negligência, não cuidou de redimensionar e readequar o sistema de coleta/escoamento de água pluviais, ensejando, desta feita, a obrigação de indenizar. (TJ/RO, mar. 2023).

Mas não é somente nas ações movidas pela população de Porto Velho que o TJ/RO entende que a administração pública municipal deve ser responsabilizada por danos causados em razão dos alagamentos. Há casos semelhantes, por exemplo, que ocorreram na cidade de Ariquemes, situada a 203 km de distância da Capital de Rondônia. Trata-se, também, de uma ação de indenização por danos morais e materiais, movida contra o município de Ariquemes.

Nesse caso, houve uma intensa chuva na madrugada do dia 18 de janeiro de 2012. Em decorrência da tempestade, houve uma inundação no córrego de escoamento das águas das chuvas, que acabou por invadir algumas casas, dentre elas a da autora da ação. Nos autos, os moradores alegaram que residiam no local há mais de 20 anos, e que jamais passaram por situação parecida. O problema veio após a Administração Municipal fazer um aterro e colocar manilhas sem suporte para o grande volume de água. Esse erro, permitiu que ocorresse o alagamento.

Em decisão no primeiro grau, o Tribunal proferiu sentença baseada no laudo pericial realizado, e então condenou a Prefeitura Municipal de Ariquemes ao pagamento de indenização à autora da ação por danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) e danos materiais, no valor de R$ 69.613,27 (sessenta e nove mil, seiscentos e treze reais e vinte e sete centavos).

A Prefeitura de Ariquemes então decidiu, por meio de seus procuradores, entrar com recurso de apelação, com a tentativa de se eximir da culpa, alegando que o ocorrido e que deveria ser tratado como força maior, ou seja, choveu muito e a administração não pode controlar o tempo. No mesmo recurso de apelação, a Prefeitura de Ariquemes ainda tentou sustentar a tese de que a vítima teve responsabilidade sobre o ocorrido, argumentando que o alagamento decorreu da má construção da propriedade, e que a autora da ação invadiu a área algar, entretanto, o laudo pericial do processo apontou que de fato, houve omissão do município em efetuar uma obra de qualidade naquela região.

Ao final da apelação, os Magistrados da 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, por unanimidade, negaram provimento ao recurso. Os Magistrados sustentaram que o Município responde pelos danos materiais e morais causados pela má administração das obras direcionadas para o saneamento básico:

O Município responde objetivamente pelos danos materiais e morais causados em decorrência da inoperância no cumprimento de seu dever, de modo que verificada a insuficiência no sistema de drenagem e escoamento pluvial e a falha no dever de fiscalizar a obra realizada, incide sua responsabilidade objetiva no evento. ( Magistrados da 2a Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, ago. 2021)

Ao proferir a sentença, os Tribunais levam ao entendimento de que a administração municipal, seja de qual cidade for, deve primar pela organização, manutenção e qualidade de vida da população. As obras voltadas para o saneamento básico contribuem diretamente para o desenvolvimento urbano, pois  colabora diretamente na preservação da saúde física e mental dos cidadãos.

3.6 Ministério Público

O Ministério Público é uma instituição essencial para o funcionamento democrático do Estado, e que possui, dentre as suas funções, a de defender os interesses sociais e individuais da população. O seu conceito está exemplificado na Constituição Federal de 1988:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. CF, 1988)

Quando um indivíduo, ou a coletividade sente que os seus direitos estão sendo mitigados, ou simplesmente não aplicados em sua totalidade, o Ministério Público é uma importante via a ser buscada, justamente para amparar a população que necessita de assistência.

Uma das formas da população ser atendida e amparada pelo Ministério Público, é através da notícia de fato, instituída pela Resolução CNMP nº 174/2017,

Art. 1º A Notícia de Fato é qualquer demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, submetida à apreciação das Procuradorias e Promotorias de Justiça, conforme as atribuições das respectivas áreas de atuação, podendo ser formulada presencialmente ou não, entendendo-se como tal a realização de atendimentos, bem como a entrada de notícias, documentos, requerimentos ou representações.

Basicamente é um meio de se denunciar uma situação que gera a quebra de direitos. “A Notícia de Fato deverá ser registrada em sistema informatizado de controle e distribuída livre e aleatoriamente entre os órgãos ministeriais com atribuição para apreciá-la” (CNMP nº 174/2017, Art. 2º).

Após protocolada, a denúncia será encaminhada por procuradores e promotores de justiça.

Na cidade de Porto Velho, o Ministério Público é acionado também para denunciar o descaso da administração pública com o saneamento básico. Considerando o objeto de estudo deste artigo, as reclamações e denúncias apontam justamente para os danos e prejuízos causados pelos alagamentos, em razão da ausência de escoamento pluvial adequado.

Um casal que mora na Rua Pedro Albeniz, em Porto Velho, por meio de notícia de fato, relatou que na localidade em que residem não há drenagem, e quando chove, causa alagamentos até na residência em que vivem. O problema se intensificou após uma obra no asfalto, que acabou elevando o nível da rua, provocando um desnível com a residência em que moram, de forma que facilita o acúmulo da água da chuva para dentro da casa. Antes de denunciarem a situação junto ao MP, alegaram que, ao se dirigirem à Secretaria Municipal de Obras e Pavimentação (SEMOB) para justamente reportar a situação pela qual passam, foram informados que somente empresários e vereadores eram atendidos. Essa circunstância gerou um sentimento de revolta nos autores da notícia de fato, pois um dos princípios da administração pública que é a impessoalidade, modo em que o Estado deve agir de forma imparcial, sem selecionar ou prejudicar terceiros, foi claramente rompido.

Após o recebimento e apreciação da notícia de fato, o promotor de justiça encaminha a demanda para o órgão competente, no caso a SEMUSB do município de Porto Velho, solicitando providências e informações.

Como exposto, o reconhecimento da responsabilidade civil da administração está presente por todas as esferas administrativas, sendo jurídicas ou não no Brasil. Certo também que é um direito do cidadão de reclamar e cobrar das autoridades competentes a qualidade dos serviços prestados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto aos resultados pertinentes à pesquisa, foi possível observar que a gestão municipal de Porto Velho, é deficitária no que diz respeito ao planejamento para evitar alagamentos urbanos. Além disso, é notório que este caso de negligência sobre as vias públicas, reflete-se na responsabilidade civil, pois muito embora a Constituição Federal, Código Civil e a Jurisprudência tragam meios legais acerca do assunto, a administração municipal pouco faz para efetivamente resolver o problema dos alagamentos, e mesmo quando responsabilizada por meios judiciais pelas consequências da inércia ou ineficácia da prestação do serviço público, ainda efetuam um serviço mediano que resolve o problema por um breve período de tempo.

O presente trabalho pretendeu expor a ineficiência da gestão municipal de Porto Velho/RO no que diz respeito à responsabilidade civil em solucionar o problema dos alagamentos, desta forma, para se atingir uma compreensão pertinente ao estudo pertinente à responsabilidade civil na gestão municipal, foi necessário estudar o ordenamento jurídico e a doutrina acerca do tema, para assim, indicar a fundamentação legal que permitisse analisar o caso no aspecto jurídico.

Essa análise permitiu concluir que existe a necessidade de empregar meios jurídicos que permitam uma sanção à gestão municipal, como forma de garantir a organização urbana com o fim de se evitar os alagamentos, sendo uma delas, a obrigação de indenizar a população em caso de ocorrência de danos ou prejuízos sofridos em decorrência das inundações.

 Sendo assim, é necessário buscar a  responsabilização da administração pública pelos danos causados à população portovelhense em razão da ausência de políticas públicas voltadas para o saneamento básico, visando assim, combater os alagamentos em vias públicas e os seus prejuízos.


3Mapas referentes a valores mensais e anuais das normais climatológicas dos principais parâmetros meteorológicos, para os períodos 1961-1990, 1981-2010 e 1991-2020. As “Normais Climatológicas” são obtidas pelo cálculo das médias de parâmetros meteorológicos, obedecendo a critérios recomendados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).


REFERÊNCIAS

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HENRIQUES, Antônio; MEDEIROS, João Bosco. Metodologia científica na pesquisa jurídica/Antônio Henriques, João Bosco Medeiros. -9 ed., rev. e reform. – São Paulo : Atlas, 2017.  

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Temporal Causa Alagamentos em Grande Parte de Porto Velho. Mulher Cai em Bueiro. Rondoniagora.com, 25 de janeiro de 2023. Disponível em: <https://www.rondoniagora.com/geral/video-temporal-causa-alagamentos-em-grande-parte-de-porto-velho-mulher-cai-em-bueiro>. Acesso em 12 de outubro de 2023.

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Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à FIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 20231

Professor Orientador. Professor do curso de Direito2