RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONTABILISTA NA ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408092217


Carla Freitas Sena1
Karla Melgueiro Pontes2
Orientador: Prof. Mestre Paulo Sergio Santos Paiva3


Resumo

O presente trabalho científico toca a atividade do profissional contábil, de forma especial ao que envolve o tratamento dado aos profissionais da ciência contábil e uma eventual responsabilidade desses profissionais, por determinadas previstas especificamente no Código Civil. A analise científica aqui toma como base elementos da legislação brasileira, lições doutrinárias e posicionamentos formados no enfrentamento das Cortes do judiciário pátrio. A analise aqui trazida possui elevada relevância ao cotidiano profissional, na medida em que vivemos a construção social da responsabilidade civil, uma vez que hodiernamente se encontram os riscos na sociedade brasileira, os comportamentos variados de uma sociedade complexa e as diversas relações sociais de variadas naturezas. Dessa forma, esse estudo analítico pretende averiguar os elementos teóricos, os pressupostos, bem como os fundamentos para a incidência da imputação da responsabilização ao profissional da área contábil. Assim, cabe apreciarmos se há na legislação brasileira a previsão de tal assunto e o tratamento que possa haver na extração que se tenha para além da literalidade do texto legal.

Palavras-chave: direito civil – contabilista – responsabilidade preventiva – responsabilidade civil – preponente – preposto – indenização – dano injusto

ABSTRACT

The present scientific work touches on the activity of the accounting professional, especially regarding the treatment given to accounting professionals and the possible responsibility of these professionals, for certain provisions specifically provided for in the Civil Code. The scientific analysis here is based on elements of Brazilian legislation, doctrinal lessons and positions formed in confronting the courts of the Brazilian judiciary. The analysis brought here has high relevance to daily professional life, as we live the social construction of civil responsibility, since today there are risks in Brazilian society, the varied behaviors of a complex society and the diverse social relations of varying natures… Therefore, this analytical study intends to investigate the theoretical elements, the assumptions, as well as the foundations for the incidence of imputation of liability to the accounting professional. Therefore, it is worth assessing whether there is provision in Brazilian legislation for such a matter and the treatment that may occur in the extraction that takes place beyond the literality of the legal text.

Keywords: civil law – accountant – preventive liability – civil liability – plaintiff – agent – ​​compensation – unfair damage

Introdução A sociedade em que vivemos tem como inerente os riscos de uma sociedade complexa, de forma que condutas e suas consequências têm ganhado olhares hodiernamente, seguindo uma mudança de reconhecimentos e tutelas de bens, antes não protegidos ou tidos como sem muita relevância da determinada sociedade. Nesse cenário é que jorra a responsabilidade civil com a sua teoria e da tutela aos bens jurídicos, sem se afastar da pessoa vítima. Para Netto4, aquilo que seria prática comum em uma outra sociedade, tanto pelo aspecto temporal ou territorial, não seria lugar comum em uma sociedade atual ou outra sociedade geograficamente distinta. A sociedade que pertencemos têm demostrado isso ao proteger direitos e garantias antes não tutelados, ou, ainda ao reforçar essa tutela, seja ela advinda da construção de entendimentos fundamentos em um conjunto de normas que quando conjugadas mostram merecedoras de proteção, ou, ainda, no reconhecimento de normas explicitamente, como ocorre no tratamento da responsabilidade do profissional contábil no Código Civil brasileiro.

O tema trazido nesse trabalho acadêmico tem como objetivo o exame investigativo da responsabilidade civil, no âmbito das relações empresariais, na qual o profissional contábil tenha atuação. De maneira específica propõe-se a análise dos fundamentos da responsabilidade civil pertencentes à seara civil, perquirindo as previsões no Código Civil, sem se limitar ao texto legal em sua literalidade e sem se afastar das normas constitucionais, que normatizam o tratamento da responsabilidade, tendo em vista ser a Constituição Federal Brasileira o pressuposto da ordem jurídica nacional. Para tanto buscou-se analisar, além da lei constitucional e infraconstitucional, a doutrina especializada e os entendimentos firmados nas decisões de Tribunais Superiores, no cuidado da responsabilidade na atuação profissional contábil.

Para tanto, a presente análise buscou ater-se a responsabilidade do profissional contábil e dos institutos correlatos que possam peregrinar na tutela jurídica, ditando os comportamentos e condutas não apenas do profissional contábil enquanto preposto, mas também do preponente societário, sendo esses os atores da relação estudada, que como se verá, avizinham-se de outros institutos inerentes, que são incidentes mesmo antes da relação fática de ambos e instrumentos que possam utilizados posteriormente.

1 Responsabilidade civil

A responsabilidade é um termo que possui várias definições, dependendo do contexto empregado na sua aplicação, que pode variar. Quando apontamos para uma pessoa com muita responsabilidade, podemos estar diante de um sujeito comprometido com os seus deveres, ou mesmo uma pessoa com determinados encargos de assuntos com grau de importância. Para a ciência da contabilidade temos uma acepção que muito se liga também à uma definição de responsabilidade, qual seja, o termo “accontability” que se refere, em apertada síntese, ao apoio para as decisões que serão tomadas, bem como a aplicação de determinada estratégia ao cotidiano da contabilidade, isso advindo de informações fornecidas ao interessado.

A responsabilidade que aqui se especifica é a chamada responsabilidade civil, que é uma espécie de responsabilidade jurídica, assim como é a responsabilidade penal, a responsabilidade tributária, a responsabilidade administrativa, a responsabilidade trabalhista e outras. A noção dessa espécie de responsabilidade, aqui analisada, é aquela oriunda do latim “respondere”, ou seja, chamar um agente para responder por algo, enquanto consequência de determinada conduta. Em título exemplificativo, no âmbito dessa responsabilidade, podemos ilustrar uma pessoa que ao cometer um ilícito penal terá como consequências as sanções penais, como por exemplo a privação de sua liberdade; o mesmo se diga de um contribuinte, pessoa jurídica, que deixa de recolher a exação por ele devida, em determinado momento da busca pela satisfação do crédito, por meio específico, o titular do crédito, o Poder Público, poderá chamar para responder, por esse crédito, uma pessoa que não seja a pessoa jurídica, claro, que sem uma arbitrariedade; do mesmo modo, um servidor público que atue de forma indesejada, em inobservância da legislação que dá tratamento a sua carreira, poderá responder por seus atos praticados, que resultará na aplicação de determinadas sanções.

Podemos perceber que essa responsabilidade/responsabilização estará vinculada a uma conduta. Não por menos, que a doutrina que estuda a responsabilidade civil assevera que “A responsabilidade civil é o resultado ou efeito jurídico […]”5. Encarar a responsabilidade civil como um “resultado” é o considerá-la como uma consequência. A noção de efeito jurídico nos remete ao aspecto imputável por lei para essa consequência. Fiquemos no exemplo citado da pessoa jurídica devedora de tributos, na qual um responsável, enquanto um sócio, venha a ser chamado a responder por essa dívida. Teríamos nesse exemplo um claro efeito jurídico. Nesse mesmo sentido é que lição doutrinária dos professores, Chaves de Farias, Rosenvald e Braga Netto, na qual ensinam que “Podemos conceituar a responsabilidade civil como a reparação de danos injustos resultantes da violação de um dever geral de cuidado.6 Como melhor se analisará posteriormente, veremos os pressupostos da responsabilidade civil e a adequação ao que foi citado.

1.2 Responsabilidade civil no texto constitucional

Levando em consideração que a Constituição Federal brasileira é o pressuposto de todas as leis brasileiras, consequentemente, todas as leis devem obediência à ela, e que devemos observância à ela nas diversas relações que possam acontecer em nossa vivência social, é que devemos olhar para ela, Constituição Federal, na busca da responsabilização por determinado dano sofrido, de forma a não nos afastarmos do prisma constitucional e sua carga valorativa. Nesse sentido, podemos dizer, o que temos no texto constitucional, não é, apenas, uma única passagem, mas sim um apanhado de normas, no sentido de tutela da esfera jurídica de um agente e que uma vez atingido (violado a esfera jurídica) poderá resultar no dever de indenizar.

Logo em sua parte inaugural temos o art. 1º, inciso III7, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como um fundamento da República. Esse fundamento escolhido ressalta a ideia de que a dignidade é inviolável.

Outra norma relevante que ampara a responsabilização é o objetivo contido no texto constitucional, qual seja, a solidariedade. Segundo esse texto “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidaria8 […]”. Essa norma constitucional preconiza a busca na qual deve seguir sociedade brasileira, de forma que se tenha respeito nas relações entre as pessoas, físicas ou jurídicas. Braga Netto ensina que:

A grande metanarrativa do direito atual é a solidariedade e a realização dos direitos fundamentais dentro (também) do direito. Já se percebeu, ademais, que à luz do princípio da solidariedade devem ser lidas não apenas as normas constitucionais, mas todo o ordenamento jurídico.9

Nesse sentido, nas relações entre pessoas, seja ela uma relação de consumo, de família, de trabalho, da Administração Pública com os administrados, com o meio ambiente ou quaisquer outras, deve haver a solidariedade social, pautada no respeito intersubjetivo.

1.3 Elementos da responsabilidade civil

Para que se impute a responsabilidade (consequência) à uma pessoa (agente) se deve analisar alguns pressupostos, para que, então, se tenha a devida apuração da responsabilidade e a sua adequada imputação.

Como veremos, algumas classificações doutrinárias destoam sobre esses pressupostos, mas, ao fim, esse destoamento, serve para elucidar o entendimento da rica teoria que possui esse estudo. Assim, didaticamente, essas informações são relevantes. Os elementos que compõe a responsabilidade civil são, de forma genérica, a conduta, a culpa, o nexo causal e o dano. Esses pressupostos são encontrados no art. 186 do Código Civil, com a seguinte redação: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Como veremos, nem todos esses elementos incidirão em determinado caso a depender da teoria cabível, pois o elemento culpa será prescindível naquela teoria conhecida como teoria objetiva.

1.3 .1 Conduta

A noção de conduta advém do que consta estabelecido no art. 186, citado. O dispositivo legal ao mencionar a “ação ou omissão” faz referência à uma conduta, sendo essa conduta comissiva ou omissiva e possuindo grau considerável ao caso concreto haverá a satisfação do pressuposto “conduta”. No entanto, não basta haver uma mera conduta (ação ou omissão) essa deve carregar a ilicitude em seu traço, em regra.

Na vasta doutrina, por vezes, a conduta é encontrada sob a denominação de “ato ilícito” ou comportamento “antijurídico”. No presente trabalho, preferimos acompanhar a doutrina que denomina esse elemento como conduta, pois, além desse termo abranger a ação ou omissão, abarcar a conduta ilícita, que em regra, gera o dever de indenizar, bem como a conduta lícita, que excepcionalmente, também gera o dever de indenizar.

Antes de analisarmos a excepcionalidade da conduta lícita como fato gerador do dever de indenizar analisaremos a ilicitude como geradora de um dever de indenizar.

1.3.1.1 Conduta ilícita

A conduta ilícita, ou antijurídica, seria um comportamento contrário ao que prevê o ordenamento jurídico de um Estado. A doutrina civilista, analisando a ilicitude como um gênero, sem um determinado ramo jurídico específico, ensina a sua funcionalidade e relevância para o ordenamento jurídico que:

A ilicitude gera consequências. O comportamento contrário às prescrições normativas traz punições para o infrator, que vão desde sanções administrativas até a privação de liberdade, a sanção mais grave em nosso sistema, aplicada como resposta à infração de uma norma penal.[…]

O ilícito é um conceito fundamental. Conceito fundamental é aquele sem o qual não há condição de possibilidade de um sistema jurídico. Sem ilícitos não se constrói um ordenamento jurídico. Não existe, tampouco, ramo jurídico que possa prescindir dos ilícitos. Convém lembrar ainda: todo sistema jurídico tem de lidar com a violação de suas normas. Estabelecer padrões de conduta (juridicamente) importa em prever, naturalmente, modelos de comportamentos que de distanciem desses padrões. O ilícito, nesse sentido, é uma reação, juridicamente organizada, contra a conduta que viola valores, princípios ou regras do sistema jurídico. São as reações (através da eficácia jurídica) que os ilícitos projetam que preservam a unidade valorativa do sistema jurídico. A experiência jurídica atua prescrevendo reações contra ações ou omissões que transgridam as referências normativas adotadas. Nesse contexto, o ilícito reforça as pautas de valor situadas no vértice do sistema, ao agir contra os padrões de conduta destoantes do sistema jurídico.10

Como visto, a consequência da prática de um ato ilícito, de forma ampla, resultará em uma reação (sanção). Em especial, ao que toca o ilícito civil, essa consequência, em regra, será uma responsabilização civil, no aspecto de reparação de um dano causado.

1.3.1.2 Conduta lícita

Como citado, em regra, a conduta ilícita, resultará no dever de indenizar. No entanto, a experiência da vivência da responsabilidade fez perceber que a conduta lícita, também, poderá resultar no dever de indenizar. Nesse sentido a doutrina especializada cunhou que “não é apenas o ato ilícito que gera dever de indenizar, mas alguns atos lícitos também”11, assim, dando cabo da ideia que poderia haver em confundir a responsabilidade civil com o ato ilícito, ou mesmo, de uma existência necessária de um ao outro.

O autor Felipe Braga Netto, bem assevera que, em sede doutrinária e jurisprudencial, o elemento conduta ilícita (ou lícita) é dispensável. Segundo o autor “Na responsabilidade civil do Estado, por exemplo, é pacífico – assim entre os autores como na jurisprudência do STF – que é irrelevante a ilicitude da atividade estatal para a definição do dever de indenizar”12. Por essa perspectiva o dever de indenizar poderá resultar de uma conduta ilícita ou de uma conduta lícita.

Seja como for, conduta ilícita ou lícita, poderá gerar um dever de indenizar. Um claro exemplo fornecido seria o caso de um motorista que desvia de um outro veículo desgovernado e acaba atropelando uma terceira pessoa. Percebe-se que nessa situação o motorista não agiu de forma ilícita, muito pelo contrário, atuou com uma excludente de ilicitude conhecida por “estado de necessidade”. A terceira pessoa, lesionada, nesse caso, possuíra o direito ao dever de indenizar do motorista, pois, essa terceira pessoa não foi culpada pelo fato de um outro veículo aparecer desgovernado na via pública.

1.3.2 Culpa

A culpa enquanto pressuposto da responsabilidade se refere ao agente e a sua intenção na conduta causadora de um dano à terceira pessoa. A doutrina bem assevera que “A culpa é elemento nuclear da responsabilidade”13. A sua importância paira principalmente, como se verá, na teoria da responsabilidade subjetiva.

De acordo com a doutrina especializada, temos o ensinamento de que a culpa, enquanto elemento da responsabilidade, é um gênero da qual possui duas espécies, quais sejam, o dolo e a culpa em sentido estrito.14 Dessa forma, didaticamente, podemos dizer que:

A culpa lato sensu engloba dois conceitos:

Dolo é a intenção, a vontade, o desejo de causar prejuízo. Cumpre lembrar que a palavra “dolo” pode se referir à vício de consentimento (atua na vontade do agente) e à conduta intencional de se causar dano.

Culpa stricto senso é o prejuízo causado pelo agente (não intencional), pela falta de cuidado (descuido).15

Em razão da elementar culpa ser de máxima incidência para a compreensão das teorias da responsabilidade civil, achamos por bem abrirmos um subtópico para mostrar a sua análise. Assim, vamos analisar as duas teorias que ganham os olhares da responsabilidade civil, a teoria subjetiva e a teoria objetiva da responsabilidade civil.

1.3.2.1 Teoria subjetiva da responsabilidade civil

A doutrina em ampla maioria investiga o teor da responsabilidade civil em duas teorias, a teoria subjetiva, fortemente marcada pela presente da culpa, e a teoria objetiva, fortemente marcada pela ausência de análise da culpa.

Como mencionado brevemente, alhures, essa teoria é caracterizada fortemente pela presença do elemento culpa. Essa teoria é a mais remota da responsabilidade civil. Em tempos passados a culpa era indissociável da responsabilidade, sendo até mesmo muito confundidas. É o que ensina a doutrina, asseverando que “por muito tempo falar em responsabilidade civil foi falar de culpa. Impossível pensar em uma sem pensar na outra. Eram conceitos que pareciam ter nascido um para o outro – mas não nasceram.”16

A teoria subjetiva é a teoria que se vale dos quatro elementos citados, conduta, culpa, dano e nexo de causalidade. Não é outra a lição de que se extrai da conjunção do art. 186, do Código Civil (já transcrito) e do art. 927, caput, que possui a seguinte redação “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”17. Os quatro elementos da responsabilidade encontram-se amoldados nesses dispositivos.

A importância da culpa para a teoria da responsabilidade pode ser traduzida nas lições de que “Na teoria subjetiva da responsabilidade civil, a constatação da culpa lato sensu é absolutamente imprescindível para que o ilícito tenha eficácia reparatória de danos”18.

Assim, para a teoria subjetiva da responsabilidade civil, deve-se analisar a conduta do agente e consequentemente a presença da culpa ou dolo.

1.3.2.2 Teoria objetiva

A teoria objetiva da responsabilidade, de forma diversa da exigência dos elementos da responsabilidade subjetiva, não faz a análise do elemento culpa. Impera na responsabilidade objetiva a teoria tripartite da responsabilidade civil, ou seja, para essa teoria são elementares a conduta, o dano e o nexo causal.

O fundamento para que nessa teoria a culpa não seja uma elementar que mereça ser averiguada se justifica em duas hipóteses, quais sejam, se houver expressamente previsão legal; e se a atividade que normalmente é desenvolvida pelo agente causador do dano implicar em risco à esfera jurídica de terceiros.19

Como exemplo de previsão legal expressa temos o art. 931, do Código Civil, na qual é estabelecido que “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.”20. Como exemplo da responsabilidade decorrente da atividade de risco podemos mencionar o exercício do transporte de passageiros, bem como a produção por indústrias de determinado produto, na qual em ambas as ocasiões se tem o dever de cuidado no exercício da atividade prestada, sendo ela no cuidado ao locomover pessoas ou objetos de um ponto ao outro, ou na produção em cadeia, na qual essa produção não gere danos aos destinatários.

Atualmente, não temos a prevalência da teoria da responsabilidade civil subjetiva sobre a responsabilidade civil objetiva, mesmo sendo reconhecido o dito lapso histórico entre elas. Ambas responsabilidades convivem no ordenamento jurídico pátrio, sendo elas aplicáveis em cada caso, na proteção de bens jurídicos relacionados aos danos.

1.3.3 Nexo Causal

Esse é o elemento da responsabilidade civil que interliga a conduta de um agente ao dano gerado. O nexo de causalidade é indissociável à responsabilidade civil, tendo em vista que a ausência da atividade ofensiva do agente é incapaz, em regra, de ensejar um dano. Em sede doutrinária o nexo de causalidade é definido como “o liame necessário entre a fonte e o resultado. O nexo de causalidade é que provoca o resultado. É a causa eficiente e idônea para o resultado.”21

Para ajudar na construção de ideias, para assimilação desse elemento, acompanhemos o exemplo fornecido pela doutrina civilista, no seguinte cenário:

Se a casa de alguém começa a apresentar rachaduras que tiveram início justamente quando o vizinho começou reforma em imóvel contíguo, é possível que a vítima ingresse com ação pedindo a reparação dos prejuízos sofridos. Digamos que, no curso dessa ação, seja feita perícia que venha a comprovar que as rachaduras, verificadas na casa, provieram, não da reforma do vizinho, mas das obras do metrô que estão sendo feitas em local próximo. Rompido estará, nesse caso, o nexo causal. O dano existe, mas não está relacionado à atividade do vizinho.22

Nesse diapasão, podemos inferir que a incidência desse elemento ao caso maculado por um dano ensejará ao ofensor o dever de indenizar. No entanto, como se pode extrair do exemplo, alhures, esse nexo, deve ser examinado para verificação de um eventual rompimento desse elemento interligador. Voltando ao exemplo, podemos perceber que houve um rompimento do nexo de causalidade com a figura do vizinho, mas que tal interligação teria como responsável o agente pela construção do metrô nas proximidades.

1.3.4 Dano

A lesão à esfera jurídica de uma outra pessoa causada por um agente, consubstanciado, em regra, pela sua conduta, verificada, a depender, se responsabilidade subjetiva ou objetiva, a culpa, bem como o nexo de causalidade destas é chamada de dano. A doutrina assevera que o dano “É a lesão a interesse concreto merecedor de tutela. […] O dano, em si considerado, é a lesão a bem jurídico protegido pela norma jurídica e que tem valor social razoável no caso concreto.”23.

A abrangência dos bens que são tutelados pela responsabilidade civil não se limita ao que consta expressamente nos textos legais. É bem verdade que danos, como aqueles que são gerados na aquisição de determinado produto defeituoso ou de certo serviço prestado, encontram amparo expresso no Código de Defesa do Consumidor, mas não é menos verdade que os danos, não tipificados em lei, que acarretam ofensas aos direitos da personalidade ou danos que causem, dor, angústia e tantos outros sentidos minorantes à liberdade, também são tutelados pelo em nosso ordenamento jurídico.

O dano à ser respondido por um agente possui duas grandes classificações, quais sejam, dano material e o dano moral.

1.3.4.1 Dano material

O dano material seria aquele que atinge o patrimônio do ofendido em seu aspecto econômico. A recomposição do dano material sofrido é chamada de reparação, pois esse dano pode ser reparado e o estado, que havia sido alterado em razão do dano sofrido, poderá voltar ao estado anterior ao dano. Digamos que uma pessoa tem o seu celular danificado em razão da conduta (conjugada aos outros elementos da responsabilidade civil) de determinado agente, após experimentar o dano o agente causador do dano poderá fornecer um outro aparelho celular de igual característica. Esse retorno ao estado anterior ao dano é conhecido também como status quo ante.

A doutrina, de forma majoritária, assevera que o chamado dano material têm duas espécies. Uma seria a figura do dano emergente e a outra seria o lucro cessante.

O dano emergente também conhecido como dano positivo, tem por característica a reparação os danos já experimentados. A doutrina nos fornece a lição na qual o dano emergente seria “o montante indispensável para eliminar as perdas econômicas decorrentes da lesão, reequilibrando o patrimônio da vítima.24

O lucro cessante remete a probabilidade de auferimento de ganhos que haveria se não houvesse a contaminação do dano ao patrimônio da vítima. Nesse sentido, a doutrina assevera que “os lucros cessantes traduzem aqueles ganhos que, seguindo a ordem natural das coisas, provavelmente afluiriam ao patrimônio da vítima se não tivesse havido o dano.”. Dessa forma, podemos dizer que o pagamento de um valor indenizatório pelo responsável seria pelo lucro que a vítima deixou de obter. A cerne do lucro cessante, para a sua identificação, reside em uma probabilidade objetiva e de circunstâncias concretas.

Para distinguir o reconhecimento de ambos os institutos, dano emergente e lucro cessante, à título exemplificativo, podemos ilustrar o caso de um acidente de trânsito envolvendo um veículo particular e um veículo utilizado como táxi. Nesse cenário, o dano emergente estaria relacionado aos prejuízos experimentados, também conhecidos como danos diretos, como os gastos com o conserto do veículo e os gastos com hospitais, caso haja tais gastos. De outra banda o lucro cessante corresponde aos ganhos que o taxista deixou de receber por meio do seu veículo, instrumento de labor, que necessitou de reparações, em decorrência do dano sofrido.

1.3.4.2 Dano moral

Dano moral é o dano extrapatrimonial, isto é, dano que atinge a esfera jurídica da vítima nas dimensões extrapatrimoniais25. Ao tratarmos do dano material vimos que esse dano poderia ser recuperado e a recuperação desse prejuízo é conhecida como reparação, visto que nesses casos poderemos ter o restabelecimento ao bem violado da vítima, seria o retorno ao estado anterior ao dano.

Por outro lado, no dano de cunho extrapatrimonial, por se afastar do aspecto econômico, o que seria de fácil restauração, não possui incidência simplória no dano moral, na medida que o retorno ao estado anterior ao dano sofrido (status quo ante), torna-se até mesmo impossível, tendo em vista que esse dano é caracterizado por dores, angústias, sofrimentos e outros sentimentos enfraquecedores da dignidade inerente ao humano. Nesse mesmo sentido, fazendo paralelo com o dano material, a doutrina assevera que

“Ora, essa tão desejável volta ao estágio anterior, ainda que possível (em tese) para os danos patrimoniais, é absolutamente impossível para os danos morais. Como voltar ao passado e devolver as pernas ao atleta olímpico ‘atropelado’ brutalmente por uma lancha conduzida de modo negligente? Compreensivelmente, tais danos não aceitam, pela natureza das coisas, retorno ao estado anterior”.

A tentativa de retorno ao estado anterior ao dano sofrido tem sido, hodiernamente, feita através da forma econômica, ou seja, a vítima, abalada pelo dano moral, tem como tentativa de recomposição do dano o viés patrimonial, na medida em que será indenizada em pecúnia, o que seria um tanto contraditório, mas que até o momento em que vivemos da responsabilidade civil não temos uma outra forma de recomposição do dano moral, senão o de cunho patrimonial, em que pese haver vozes que sustentam a possibilidade de haver outras alternativas compensatórias. Aliás, a denominação da recomposição do dano moral é chamada de compensação, pois, ao contrário da recuperação, como ocorre no dano material, aqui encontramos uma tentativa, quase que impossível, de retorno e que busca-se ao menos a compensação do dano.

2 Institutos correlatos

A responsabilidade civil não opera sozinha para a tutela de direitos relevantes que envolvam danos, temos ao seu lado diversos outros que buscam aprimorar essa tutela de direitos. Para o presente artigo podemos citar dois em auxiliam, sem prejuízo de suas próprias autonomias, a responsabilidade civil.

Devemos nos atinarmos, então, ao princípio (ou norma) da boa-fé objetiva, enquanto instituto de carga valorativa, que norteia o comportamento de relações sociais. Outro instituto que se relaciona com a responsabilidade civil é a chamada ação de regresso, método pelo qual se busca reembolsar valores dispendidos em face do agente causador do dano já indenizado

Em razão da importância de ambos institutos devemos seguir com as suas análises detalhadas.

2.1 Boa-fé

Diversas são as relações que podem surgir no cotidiano de uma sociedade, sejam elas relações temporais mais longas ou curtas, relações contratuais ou relações não contratuais. Uma coisa é certa, em todas essas haverão comportamentos de todos os sujeitos relacionados. Certos comportamentos têm a capacidade de ecoar na esfera jurídica de terceiros, essa repercussão poderá atender as expectativas da outra parte, poderá ser indolor, ou uma repercussão causadora de danos injustos.

O instituto denominado de boa-fé possui uma verdadeira relação simbiótica nas citadas relações. A boa-fé surge como a expectativa de um comportamento legitimado e saudável, se sustentando na confiança e lealdade dos seus envolvidos, forma pela qual busca-se afastar comportamentos inesperados ou frustradores. A doutrina considera que a boa-fé “É o princípio que impõe às partes, numa relação negocial, agir com lealdade e cooperação, abstendo-se de condutas que possam frustrar as legítimas expectativas da outra parte”26.

A íntima relação da boa-fé com a responsabilidade civil reside justamente na confiança posta entre os sujeitos. Isso pode ser percebido em especial nas elementares que foram estudadas alhures, na qual podemos tomarmos como exemplo a conduta, em seu aspecto ilícito ou lícito, baseado no dolo ou na culpa em sentido estrito, na qual determinado profissional contábil é contratado para a prestação de determinado serviço. Nessa situação, o contratante deposita ao profissional contábil a sua confiança e espera por ter a melhor aplicação técnica ao seu serviço levado. Imagine, que tudo ocorra bem, conforme o esperado por parte do profissional contratado, tudo restará concluso nos termos esperados. Imagine agora, em outro cenário, que esse profissional deixe de lado uma diligência relevante às prestações de informações que seriam exigidas pelo Fisco, seja por negligência, ou algum outro desdobramento da culpa em sentido estrito, ou mesmo faça isso de forma dolosa. Nesse cenário, temos a inobservância da boa-fé e consequentemente a incidência da responsabilidade desse profissional.

Nesse sentido, temos na boa-fé uma moldura não rígida, fechada, que imponha de maneira cronológica ou concentrada os comportamentos sociais, não é isso. A boa-fé um fator norteador de comportamentos éticos, não por menos que assevera-se que o instituto da

[…] boa-fé é dotado de incrível plasticidade, ele não é estático, é dinâmico. […] com a boa-fé objetiva, o direito passa a ter uma ferramenta, ágil, flexível, arejada, para combater condutas desleais, ardilosas, ou mesmo pouco cooperativas.27

Centra-se na boa-fé a pauta de condutas éticas e legitimas baseadas na confiança e lealdade, que merecem ser observadas não apenas no momento em que se realiza a vontade pactuada, pois deve haver tal incidência em momento prévio e posterior. Dessa forma, na prestação de um serviço, por exemplo, a boa-fé estará, assim se espera, no momento pré-contratual, como na divulgação de tal serviço e esclarecimentos; no momento da prestação desse serviço; e mesmo após a realização desse serviço, pois muitas relações não se findam apenas nisso, havendo a extensão aos momentos posteriores..

2.2 Direito ao regresso

Direito ao regresso é o instituto no qual se garante o direito de reaver os valores arcados em razão do dano causado por outra pessoa – como ocorre na responsabilidade objetiva. São vários os casos que tal direito pode ser exercido, por exemplo, isso poderia ocorrer quando o empregador buscar reembolsar o dinheiro que teve que indenizar um dano gerado por um de seus empregados, ou mesmo do Estado em face de seu agente público.

No caso da relação entre Estado e agente público, a previsão de direito de regresso encontra-se no texto constitucional. Sendo normatizado no art. 37, parágrafo 6º.

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, caso um município que em razão da conduta de seu servidor público, que tenha causado ao administrado algum dano – em uma incidência ao caso da responsabilidade objetiva, na qual seria irrelevante a verificação do elemento culpa do Estado –, cenário esse na qual, ainda assim, caberia ao Estado o dever de indenizar o administrado (vítima), subsistiria o direito ao município de buscar perante o seu agente público a revisão dos valores levantados, em razão da responsabilidade direta deste.

Em que pese haver na constituição a previsão tratando do Estado com seus servidores, há no Código Civil a previsão que ampara as relações de âmbito privado. É estabelecido no Código Civil em seu art. 934 “aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”.

Nesse sentido podemos dizer que o responsável indireto, aquele sobre quem recairá o dever de indenizar por dano causado outra pessoa, não sofrerá prejuízos de forma absoluta, visto que o ordenamento jurídico adota o direito de ação regressiva contra o responsável direto.

3 A responsabilidade do contabilista enquanto preposto

A guarda e o reconhecimento de tema, responsabilidade do contabilista, se mostra como relevante pelos legisladores ao elevar a sua importância ao texto legal, como é o que ocorre na responsabilidade do profissional contábil. Não por menos que o legislador no início dos anos 2000, ao instituir o “novo Código Civil” fez tal previsão no art. 1.777, estabelecendo que “Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver precedido de má-fé, os mesmos efeitos como se fossem por aquele”. O parágrafo único desse dispositivo traz ainda a previsão de que “No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.”.

O dispositivo legal seguinte é o art. 1.778, esse também trata da responsabilidade objeto desse trabalho acadêmico. Esse dispositivo estabelece que “Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito.”

O parágrafo único do citado artigo estabelece que “Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor.”

Cabe aqui a análise desses dispositivos legais, na medida em que neles estabelecem o específico tratamento da responsabilidade desses profissionais.

3.1 Localização do tratamento no Código Civil

Como vimos, por opção do legislador os assuntos sobre a responsabilidade são esparsos no Código Civil, possuindo as cláusulas gerais de responsabilidade com culpa e a cláusula geral sem culpa, cada qual com previsões um tanto distante uma da outra, o que não chega a afetar negativamente a tutela de bens jurídicos eventualmente lesionados. Entre outras previsões que tratam da responsabilidade civil, temos nos artigos 1.777 e 1.778 do Código Civil as previsões específicas de tal responsabilidade. Mas antes mesmo de nos atinarmos ao artigo propriamente dito, devemos ressaltar que esses artigos legais estão inclusos em uma “seção”, que por sua vez encontra-se dentro de “capítulo”, que por sua vez encontra-se dentro de um “título”. Essa é a organização que o legislador estabeleceu no Código Civil.

Dessa forma, vale uma breve investigação dessa organização. Como foi dito a cerne desse assunto reside nos dispositivos do art. 1.777 e 1.778, que encontram-se alojados na seção que trata do “contabilista e outros auxiliares”, que por sua vez essa seção pertence ao capítulo III, trata do “preposto” que além do contabilista trata do “gerente” (para fins dessa organização são considerados como preposto), que por sua vez encontra-se dentro do título IV, referente aos “institutos complementares”, pertencentes ao Livro II, que trata do “direito de empresa”, que encontra-se na parte especial do Código Civil.

De toda essa divisão formalizada no Código Civil podemos vislumbrar o seu cunho privativo, sem embargos da aplicação ao setor público que por vezes tem a sua invocação. Fica nítido o tratamento e a preocupação do legislador para com a atuação/vida da pessoa jurídica (empresas) na sociedade brasileira.

3.2 Preponente e o Preposto

O texto legal nomeia dois sujeitos nessa relação, quais sejam, o preponente e o preposto, estabelecendo e fazendo algumas referências aos elementos da responsabilidade civil estudados. Nessa baila, esses sujeitos não podem ser desconhecidos.

Como dito o mencionado “capítulo III” trata do preposto e os citados artigos fazem a previsão de um sujeito denominado preponente. Esse nada mais é do que a pessoa que invoca um auxiliar aos seus encargos.

O preposto seria o sujeito encarregado de auxiliar o preponente ou, ainda, fazer a sua representação perante terceiros. Nesse sentido, o empregador, geralmente um empresário, pode constituir um empregado para fazer a sua representação. No presente estudo temos a figura do preponente na pessoa do sujeito que constitui um profissional da área contábil para auxiliar com a aplicação da adequada técnica, denominada preposto. Sendo vários os tipos de prepostos, esse preposto em tela é diferenciado e a doutrina o considera como um “preposto qualificado”, na medida em que possui incumbências específicas, asseverando que “no presente dispositivo, encontramos referência a um tipo especial de prepostos, qual, o contabilista. Trata-se de um preposto qualificado pelo fato de ser contratado para zela pela escrituração contábil”28.

Nesse sentido, temos a relevância do preposto não apenas como um mero auxiliar básico, mas reside nesse a importância pelo zelo da escrituração. Ressalta-se, ainda, que a lei civil deixa de forma implícita que o preposto deva ter o conhecimento técnico para o desempenho do encargo, logo, deve ser um profissional contador ou técnico em contabilidade, nos termos dos Decretos – Leis nº 806/69 e nº 66.408/70.

3.3 Responsabilidade do preposto no lançamento contábil

O Código Civil considera como obrigatório a adoção do sistema de contabilidade baseado na escrituração uniforme de livros, o levantamento anual do balanço patrimonial, bem como o resultado econômico, nos termos do art. 1.179, do Código Civil.

Dessa obrigatoriedade é que surge a necessidade de acompanhamento/auxílio de um profissional capacitado, que possua técnica adequada para a devida aplicação. Nesse sentido, a doutrina aponta que:

Embora o lançamento de assentos em livros e fichas pertinentes à atividade empresarial seja obrigação do empresário individual ou sociedade empresária, é possível (e até recomendável) que esses atos sejam praticados pelo contabilista.29

Veja que em homenagem a prevenção de danos e com a permissão legal, é possível que haja o substabelecimento de um representante da empresa (preponente) para um profissional qualificado (preposto).

3.4 Efeitos/eficácia de lançamentos e registros

A permissão e a escolha de um profissional contábil para as operações de lançamentos e demais registros possui uma consequência externa, na medida em que estaremos diante de uma conduta prática por um sujeito em nome de outro(s) e não em nome próprio.

O preposto na atuação que lhe foi confiada representará o seu preponente, logo atuará como se fosse o preponente. Dessa forma, falamos em eficácia ou efeitos de sua conduta na escrituração. A doutrina fala em efeitos exatos, conforme as seguintes lições:

Diante dessa consideração, o Código Civil atribui a tal registro a mesma eficácia que teria se fosse realizado pessoalmente pelo preponente. Assim, os assentos lançados pelo preposto encarregado da escrituração contábil irão produzir exatamente os mesmos efeitos, como se fossem promovidos diretamente pelo empresário.

A eficácia dos atos praticados pelo preposto em nome do preponente por mais que sejam reconhecidamente exatos e diretos, não são absolutos, pois o próprio Código Civil faz a ressalva de que essa eficácia não deve ser reconhecida ser for praticada com informações erradas. Nesse ponto podemos ver a importância da conduta, enquanto elemento da responsabilidade civil, na qual deverá ser analisada no caso concreto se tal conduta foi realizada com culpa ou com dolo, para fins da apuração da responsabilidade civil. Nesse caso, de conduta praticada má-fé, não deverão prevalecer a eficácia do efeito exato de vontade.

3.5 Conduta do preposto com culpa e com dolo

O parágrafo único do mencionado dispositivo legal estabelece a responsabilidade dos prepostos em casos diante de seus preponentes e diante de terceiros, fazendo distinção de ambos ao que toca a culpa em sentido amplo (culpa ou dolo).

Tendo em vista que estamos diante da necessária análise de culpa ou dolo de um agente, nesse caso preposto, é nítido que estamos diante da responsabilidade conhecida como subjetiva.

No caso de atuação com culpa o texto legal, parágrafo único citado, estabelece que o preposto será pessoalmente responsável pelos danos que causar. Nesse sentido, a doutrina ensina que:

Segundo disciplinado pelo legislador, em relação ao preponente, a responsabilidade do preposto será sempre subjetiva, incidindo quando os atos deste, por culpa lato senso, ocasionarem prejuízo ao empresário.30

Por outro lado, perante terceiros a responsabilidade dos prepostos será solidaria. O que significa dizer que o preposto responderá juntamento ao preponente perante terceiros. Esses terceiros são pessoas distintas à empresa.

Frisa-se, que fica, ainda que, de maneira implícita, a possibilidade de reaver os valores desembolsados em razão da conduta de pessoa que tenha causado diretamente o evento danoso. Para tanto se tem no ordenamento jurídico brasileiro o chamado direito (ação) de regresso, nesse sentido, colecionamos a seguinte lição de que:

mesmo quando o preposto lesionar terceiros por culpa em sentido estrito (negligência, imprudência, imperícia), estes não ficarão sem a devida indenização, visto que, por força do art. 932, III, c/c art. 933, ambos do Código Civil, o empresário responderá objetivamente pelos danos que seus prepostos, no exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele, causarem a terceiros, podendo, contudo, exercer direito de regresso contra o funcionário (art. 934).31

Seja como for, tal análise deverá ser feita concretamente para que assim se verifique os elementos da responsabilidade civil, em conjunto, sob pena de em caso de inobservância de um desses elementos se ter a ausência da responsabilidade civil.

3.6 A responsabilidade objetiva do preponente nos estabelecimentos empresariais

Como visto a responsabilidade do preposto será analisada sob o manto da teoria da responsabilidade subjetiva, com a análise do elemento conduta em sua carga culposa ou dolosa. O preponente, por outro lado possui um tratamento diverso, tendo em vista que a apuração de sua responsabilidade será realizada à luz da teoria da responsabilidade objetiva.

O art. 1.778, confessa que os preponentes responderam como pelos atos de quaisquer de seus prepostos. Disso podemos extrair que a responsabilidade do preponente é objetiva, pois, veja que não será verificada a culpa ou o dolo do preponente, esse sujeito (preponente) apenas será chamado para responder por seu preposto, independente da conduta daquele.

Aqui cabe ressaltar que a responsabilidade em razão da conduta de prepostos possui previsão legal em outra passagem pelo Código Civil. Estamos falando do art. 932, III, que em sua redação reza: art. 932 são também responsáveis pela reparação civil: […] III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele […]. Outra previsão legal, que reforça a responsabilidade objetiva encontra-se no art. 933, que estabelece que “as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”.

A indagação aparentemente seria se há duas responsabilidades dos preponentes. Pontua-se que essa indagação não ostenta grande complexidade, pois, aqueles prepostos citados nos artigos 932, III e 933, correspondem aos prepostos de modo geral, não se limitando aos profissionais de atuação da contabilidade. A doutrina, nesse ponto, faz a seguinte análise:

Como regra geral, estabelecida no art. 932, III, c/c art. 933, do Código Civil, o preponente responderá objetivamente pelos danos que seus prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, causarem a terceiros. 32

Em turno específico, o citado art. 1.778 trata de assunto especial no sentido de espaço físico, qual seja, o estabelecimento empresarial do preponente. Nesse sentido, é asseverado que:

No entanto, o dispositivo ora em análise estabelece regra específica para o empresário preponente. Seguindo a linha fixada pela regra geral, o caput determina que o empresário individual ou sociedade empresária sempre terá responsabilidade pelos atos que forem praticados pelos prepostos no âmbito do estabelecimento empresarial, ainda que exorbitando os poderes que lhes foram outorgados. Há a presunção absoluta de que todos os atos praticados dentro do espaço físico da atividade empresarial (sede, filial, agência) foram autorizados pelo empresário, tutelando-se o terceiro de boa-fé, que ao negociar dentro do estabelecimento, supostamente num ambiente controlado pela administração da empresa, estaria dispensado de verificar a regularidade dos poderes do funcionário.33

Visto que a distinção reside no ambiente empresarial, esse é um ponto na qual merece atenção aos componentes do quadro empresarial no sentido de atuar de forma preventiva, evitando imputações de responsabilidade, pois como visto, a boa-fé deve incidir nas diversas relações protegendo expectativas legítimas e para isso, em especial, nesse ambiente empresarial, cumpre ao lado do preponente esses cuidados.

3.7 A responsabilidade do preponente em razão dos atos praticados por seus prepostos fora estabelecimento empresarial

No artigo 1.778, caput, foi visto a responsabilidade do preponente pelos atos praticados pelos prepostos na parte física do estabelecimento empresarial. O parágrafo único trata dos atos praticados fora do estabelecimento empresarial.

Se no caput do art. 1.778, havia a presunção de legitimidade dos atos praticados, aqui isso não permanece. Naquela teríamos um terceiro incorrendo em um negócio jurídico nas pendências do estabelecimento empresarial ou relativos às atividades da empresa, o que pela teoria da aparência, colocaria a percepção de veracidade em tal conduta e como consequência a ordem jurídica ampararia à vítima desse dano, ainda que tal dano tenha acontecido sem uma autorização escrita do preponente. No entanto, tais atos praticados fora desse ambiente, não possui condão.

Danos surgidos de atos praticados fora do estabelecimento empresarial do preponente só terá força para vincular a conduta do preposto ao preponente, se houver um instrumento com previsão expressa, coadunando a autorização escrita com o dano gerado.

Logo, nesse cenário ficará afastada a responsabilidade do preponente e incidirá a responsabilidade direta do preposto. Nesse sentido, temos as lições doutrinárias asseverando que:

Já o parágrafo único disciplina regra diversa para os atos que são realizados fora do espaço físico empresarial. Nesses casos, a conduta do preposto apenas vinculará o empresário preponente quando circunscrita aos limites expressamente previstos, por escritos, no instrumento da preposição ou, na falta deste, na certidão do órgão na qual ele foi registrado, ou mesmo na cópia autenticada de seu conteúdo. Desse modo, não incidirá a presunção de legitimidade dos atos prescrita no caput. Uma vez praticado fora do estabelecimento e extrapolando os poderes outorgados pelo preponente, os atos do preposto que, nessas condições, causarem prejuízos a terceiros, não irão atrair responsabilidade para o empresário individual ou sociedade empresária. O preposto irá responder pessoalmente, de maneira isolada e direta, pelos danos ocasionados.34

Aqui deve-se, ainda, pontuar que dessa forma os terceiros dessas relações, em homenagem à prevenção de danos, devem buscar as devidas diligências para apuração dos poderes outorgados aos prepostos.

4 Conclusão

Por este trabalho acadêmico buscou-se analisar a responsabilidade de cunho civil do profissional contábil, enquanto preposto, tendo em visa a relevância social e econômica dessa atuação, conjugada à construção da responsabilidade que vivenciamos na sociedade brasileira. Com o escopo de enaltecer a observância das condutas a serem tomadas por ambos sujeitos, prepostos e preponentes, no sentido de tornar visível e propagar os cuidados comportamentais para um ambiente de negócios mais saudável.

Pelo que foi exposto, pode se extrair que a responsabilidade civil, enquanto teoria que trata, em uma de suas análises, mas não só essa, referentes aos danos, possui várias nuances, conquistadas por meio história e dos esforços acadêmicos, com vários aspectos científicos, que possuem incidência em cada caso concreto. Essa rica teoria não possui outro objetivo, senão o cumprimento de convivência em uma sociedade mais organizada, que busca a experiência mais perto da igualdade nas relações entre indivíduos.

Buscamos expor não só a responsabilidade dos contabilistas, enquanto prepostos, que tenham sido encarregados de confiança, mas também a teoria da responsabilidade civil, na medida em que é por essa teoria que deva haver a apuração minuciosa dessa responsabilidade, bem como os institutos correlatos que lhe dão amparo para a prevenção e cuidados para a não ocorrência dos danos, forte na boa-fé objetiva, mas também na ação regressiva, para que não se impute a responsabilidade indiretamente para alguém, sem prejuízo ao responsável direto.

Quanto a figura dos sujeitos dessa relação, prepostos e preponentes, podemos perceber que para além do que será pactuado, o lançamento e registro contábeis, temos outros deveres colaterais ou acessórios que merecem a atenção e o cuidado, seja no ambiente local, ou interno empresarial, seja no ambiente externo. Dessa forma, expondo, que dependendo das condutas seguidas, por esses sujeitos, haverá a incidência necessidade de reparação de eventual dano.

Desta feita, podemos considerar que o ambiente de negócios não se deve limitar ao fornecimento de quaisquer informações nos lançamentos e registros de cunho contábil. Esses devem ser fornecidos nas estritas balizas comportamentais exigidas e afastadas de proximidades que possam haver contaminação danosa geradora do dever de indenizar, pois, prosseguimento natural dessa relação é pela resolução (fim) satisfatória para ambos sujeitos, de forma distanciada da responsabilização.


4NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 1º ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 663.
5CARNACCHIONI, Daniel, Manual de Direito Civil, 3º. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 888.
6FARIAS, Cristiano; NETTO, Felipe; ROSENVALD. Nelson. Manual de Direito Civil, 9ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2024, p. 681.
7BRASIL, Congresso Nacional. Constituição Federal, 05 de outubro de 1988. Disponível em . Acesso em 03 jul. 2024.
8Idem
9NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 53.
10NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 157-158.
11CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 390.
12NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 161.
13FARIAS, Cristiano; NETTO, Felipe; ROSENVALD. Nelson. Manual de Direito Civil, 9ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2024, p. 691.
14CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 394.
15Idem.
16NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 184.
17BRASIL, Congresso Nacional. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Disponível em . Acesso em 05 jul. 2024.
18ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 874.
19CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 423.
20BRASIL, Congresso Nacional. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Disponível em . Acesso em 05 jul. 2024.
21CARNACCHIONI, Daniel, Manual de Direito Civil, 3º. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 891.
22NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 319.
23CARNACCHIONI, Daniel, Manual de Direito Civil, 3º. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 893.
24FARIAS, Cristiano; NETTO, Felipe; ROSENVALD. Nelson. Manual de Direito Civil, 9ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2024, p. 698.
25NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 226.
26FARIAS, Cristiano; NETTO, Felipe; ROSENVALD. Nelson. Manual de Direito Civil, 9ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2024, p. 125.
27NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 61.
28ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.099 – 1.100.
29ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.099 – 1.100.
30ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.099 – 1.100.
31ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.099 – 1.100.
32ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.100 – 1.101.
33ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.100 – 1.101.
34ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1.101.

Referências

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em 03 de julho de 2024;

CARNACCHIONI, Daniel, Manual de Direito Civil, 3ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2020;

CHRISTIANO, Cassettari. Elementos de Direito Civil. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2019;

FARIAS, Cristiano; NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson, Manual de direito civil, V. único. 9ª ed. Salvador, 2024;

NETTO, Felipe Braga. Novo Manual de Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2024;

ROSENVALD. Nelson, NETTO, Felipe. Código Civil Comentado. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020.


1Bacharela em Ciências Contábeis. Universidade do Estado do Amazonas – UEA. AV. Calha Norte, s/n, Cachoeirinha. São Gabriel da Cachoeira – Estado do Amazonas.
2Bacharela em Ciências Contábeis. Universidade do Estado do Amazonas – UEA. AV. Calha Norte, s/n, Cachoeirinha. São Gabriel da Cachoeira – Estado do Amazonas.
3Mestre em Ciências Contábeis. Universidade do Estado do Amazonas – UEA. AV. Calha Norte, s/n, Cachoeirinha, São Gabriel da Cachoeira – Estado do Amazonas.