REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8088607
Carolina Almeida Tavares2
Mariana Pires Rocha3
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa traz como temática a Responsabilidade alimentar dos avós: um estudo acerca da prisão civil dos avós por dívida alimentar à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do Estatuto da Pessoa Idosa’. A problemática a ser enfrentada consiste em analisar os impactos causados pela decretação da prisão civil dos avós por dívida alimentar. Diante disso, indaga-se: A luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do Estatuto da Pessoa Idosa quais os impactos causados pela decretação da prisão civil dos avós em decorrência da obrigação alimentar? No que se refere ao objetivo geral busca-se esclarecer a obrigação alimentícia dos avós. Com os objetivos específicos, procura-se: analisar as hipóteses de quando pode responsabilizar os avós, o conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana dos avós e o direito alimentar dos netos, exemplificar os métodos coercitivos utilizados para efetuar a obrigação e verificar quais os impactos da decretação da prisão civil, à luz do Estatuto da Pessoa Idosa. Para o cumprimento dessa proposta, primeiramente será utilizado a pesquisa bibliográfico-documental, buscando variados artigos, monografias, legislação, decisões jurisprudenciais, publicações em revistas jurídicas e sites da internet que verse sobre o tema em questão. O resultado obtido desta pesquisa é avaliar os impactos da prisão civil da pessoa idosa por dívida decorrente dos alimentos avoengos, eis que o decreto prisional é desproporcional a uma vida digna.
PALAVRAS-CHAVE: Alimentos. Responsabilidade Alimentar dos Avós. Prisão Civil.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho de pesquisa traz como tema “Responsabilidade alimentar dos avós: um estudo acerca da prisão civil dos avós por dívida alimentar a luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do Estatuto da Pessoa Idosa”. Trata-se de tema recorrente nos tempos atuais e pouco discutido, com grande relevância no nosso ordenamento jurídico, principalmente no Código Civil e Constituição Federal. No que tange a obrigação alimentícia decorrente de vínculo de parentesco, recai primeiramente nos parentes de grau mais próximo em linha reta, por ausência ou por impossibilidade de provisão dos ascendentes.
A problemática a ser enfrentada consiste em analisar os impactos causados pela decretação da prisão civil dos avós por dívida alimentar. É sabido que a falta de pagamento dos alimentos poderá gerar a prisão, no entanto, no que se refere à pessoa idosa a prisão gera malefícios em vários aspectos de sua vida. Desse modo, indaga-se: A luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do estatuto da pessoa idosa quais os impactos causados pela decretação da prisão civil dos avós em decorrência da obrigação alimentar?
Tem-se como objetivo geral esclarecer a obrigação alimentícia dos avós. Serão analisados dois requisitos para que suceda a obrigação alimentar: a insuficiência de recursos do reclamante e a possibilidade (dos avós) de prover os alimentos sem que haja diminuição que comprometa o seu próprio sustento. Como objetivo específico será analisar as hipóteses de quando pode responsabilizar os avós, o conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana dos avós e o direito alimentar dos netos, exemplificar os métodos coercitivos utilizados para efetivar a obrigação que não foi prestada e verificar quais os impactos da decretação da prisão civil, à luz do estatuto do idoso.
Tendo por finalidade expandir o conhecimento acerca dos direitos do alimentando e a dignidade humana dos avós, tendo em vista, que esse direito da criança e do adolescente deve ser respeitado. Sendo assim, é imprescindível fazer uma análise da obrigação alimentar entre parentes, especificamente a que se estende aos avós (maternos e paternos), utilizando especialmente o Estatuto da Pessoa Idosa para tratar da proteção dos direitos fundamentais das pessoas idosas e a possibilidade de prisão civil.
A metodologia a ser utilizada no presente trabalho para o cumprimento dessa proposta, primeiramente será realizado uma pesquisa bibliográfico-documental, por meio de uma abordagem qualitativa, buscando variados artigos, monografias, decisões jurisprudenciais, legislação e sites da internet como forma de compreender a perspectiva dos juristas em relação a possibilidade da prisão civil por inadimplência dos avós, publicações em revistas jurídicas que verse sobre o tema em questão.
A presente escrita se dividiu em oito capítulos que foram desenrolados ao longo do artigo. O terceiro capítulo retrata de maneira breve o conceito de alimentos, de modo que se possa entender o seu desenvolvimento histórico em âmbito mundial e nacional, explanando as principais características. No quarto capítulo trata da responsabilidade alimentar dos avós, abordando o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da solidariedade e a reciprocidade da obrigação alimentar.
No quinto capítulo trata das hipóteses de prestação de alimentos avoengos, elucidando a responsabilidade dos ascendentes na obrigação alimentar. O sexto capítulo é feito uma análise do conflito entre a dignidade humana dos avós e o direito alimentar dos netos. O Sétimo capítulo exemplifica os métodos coercitivos estabelecidos no nosso ordenamento jurídico. Por fim, o oitavo capítulo trata dos impactos da prisão à luz do estatuto do idoso.
O resultado pretendido é destacar que existe a possibilidade de a criança ter seu direito de sustento respeitado, mesmo que seus genitores não tenham meios de garantir a efetivação da obrigação alimentar. Pretende-se com a presente pesquisa é avaliar os impactos da prisão civil da pessoa idosa por dívida decorrente dos alimentos avoengos, eis que o decreto prisional é desproporcional a uma vida digna, elucidar os métodos coercitivos aplicados para cumprir a obrigação descumprida, a luz do Estatuto da Pessoa Idosa e do princípio da dignidade da pessoa humana.
Destarte, conclui-se que a prisão de avós idosos por dívida alimentar é uma pena desproporcional, mesmo estando presente no atual sistema jurídico. A obrigação avoenga é subsidiária, logo, a pessoa idosa devedora de alimentos não deve ser aprisionada.
2. METODOLOGIA
A metodologia é primordial para a elaboração de um artigo científico. Ela estabelece os métodos específicos para realização da pesquisa e estudo. É uma sistematização para se alcançar um resultado. A Metodologia é a aplicação de procedimentos e técnicas que devem ser observados para construção do conhecimento, com o propósito de comprovar sua validade e utilidade nos diversos âmbitos da sociedade. (PRODANOV, 2013, p. 14)
Esta pesquisa é de cunho bibliográfico-documental, cuja abordagem é qualitativa e pautada em compreender acerca da obrigação alimentícia dos avós. A finalidade da pesquisa é “resolver problemas e solucionar dúvidas, mediante a utilização de procedimentos científicos” (BARROS; LEHFELD, 2000, p. 14) sobre o método de abordagem qualitativa, PRODANOV (2013, p. 70) diz que os dados coletados nessas pesquisas são descritivos, retratando o maior número possível de elementos existentes na realidade estudada. Preocupa-se muito mais com o processo do que com o produto.
O trabalho utilizará um levantamento bibliográfico-documental da responsabilidade alimentar dos avós, por meio de doutrinas, leis, livros e artigos já publicados. Segundo MELLO & SILVA (2006, apud FONTANA, 2018, p.65) “a pesquisa bibliográfica lida com o caminho teórico e documental já trilhado por outros pesquisadores e, portanto, trata-se de técnica definida com os propósitos da atividade de pesquisa, de modo geral”.
O local escolhido para a realização do estudo será no próprio contexto nacional, visando compreender a obrigação avoenga e analisar as hipóteses de quando esses avós devem ser responsabilizados civilmente por inadimplência e o conflito entre a dignidade humana dos avós e o direito alimentar dos netos.
Para a construção da amostra, o procedimento utilizado será através de matérias documentais e bibliográficas aplicadas somente em contexto nacional. “Quando um pesquisador seleciona uma pequena parte de uma população, espera que ela seja representativa dessa população que pretende estudar.” (GIL, 2008, p. 89)
As técnicas e procedimentos aplicados foram analisados do Estatuto da pessoa Idoso, doutrinas, artigos, livros e pesquisas referentes ao tema. Foi realizado um levantamento probabilístico intencional, tendo como finalidade reunir informações e trazer esclarecimentos acerca da responsabilidade alimentar avoenga.
3. BREVE HISTÓRICO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Ao longo da história da humanidade, o conceito de família enfrentou diversas mudanças significativas. Essa marcha a caminho da evolução veio abarcar variadas situações no âmbito jurídico. Uma dessas circunstâncias é a obrigatoriedade da prestação de alimentos dos avós. No entanto, antes de aprofundar nessa temática, é preciso observar e apresentar importantes períodos para que haja a compreensão necessária da evolução histórica e legislativa da família.
Acerca do Direito Romano, CAHALI (2009, p. 41, apud SEGRE E CICU, p. 513), discorre em sua obra:” conforme observa Segre.’ referendado por outros autores.’ no direito romano, a obrigação alimentar foi estatuída Inicialmente nas relações de clientela e patronato, vindo a ter aplicação muito tardia (na época imperial) nas relações de família por obra de vários Rescritos mediante a cognitio dos Cônsules extra ordinem.”. A doutrina é unânime ao dizer que nos primeiros momentos da legislação romana, não é mencionada a obrigação alimentar fundada sobre as obrigações familiares. Destaca-se que essa omissão se dá pela representação da própria constituição da família romana, que substituiu no decurso todo o período arcaico e republicano. Naquele tempo, pater famílias era o mais elevado estatuto familiar, e nele se concentravam todos os direitos, ou seja, nenhuma obrigação era vinculada aos seus dependentes.
Historicamente, o Direito Canônico estabeleceu esse vínculo sanguíneo. Como explica CAHALI (2009, p. 44): “O Direito Canônico em seus primeiros tempos dilargou substancialmente o âmbito das obrigações alimentares, inclusive na esfera de relações extrafamiliares”. Havia também um considerado vínculo espiritual entre padrinhos e seus afilhados, tios e sobrinhos. Havendo assim a obrigatoriedade alimentar entre eles. A obrigação alimentar foi admitida em favor do filho ilegítimo, nas relações de monastério, patronato, clericato, entre cônjuges, a igreja teria obrigação de dar alimento ao asilado. Como não havia regras específicas sobre os alimentos, tratava esse instituto de forma geral e seguia-se a tradição eclesiástica.
3.1 ALIMENTOS NO CONTEXTO NACIONAL
Nos tempos da Colônia Portuguesa, as Ordenações Filipinas, que foram conjuntos de normas editadas pela coroa portuguesa, traziam indícios de elementos que envolveriam a obrigação. É possível perceber que o tema é abordado de maneira inicial com a primeira ideia de fixação de alimentos determinada pelo Juiz de Órfãos. Com isso, pode-se observar que no período Colonial, o juiz já era incumbido de determinar a prestação de alimentos.
As Ordenações Filipinas também determinavam assistência para os filhos ilegítimos, no entanto, essa assistência ocorria através de auxílio, para evitar que ficassem abandonados ou morressem sozinhos. Mesmo após a proclamação da Independência do Brasil, as Ordenações Filipinas ainda eram aplicadas. Por conta da impossibilidade de organizar celeremente um novo ordenamento jurídico. Valiam no Brasil apenas Leis e os Decretos portugueses promulgados até 1821. Com a consolidação das Leis Civis, houve a adição de 187 páginas sobre direito privado brasileiro. Esse conjunto normativo previa alguns dispositivos acerca do dever de sustento dos pais, filhos e parentes. Permaneceu em vigor até o final de 1916, dando lugar ao Código Civil de 1916.
Os alimentos já foram idealizados como dever de caridade, incluído no campo da moral e no campo religioso nas Ordenações Filipinas em 1603. No Assento de 09 de abril de 1772, § 1; já era abordada a obrigação alimentar dirigida aos ascendentes de graus imediatos. Somente após o Código Civil de 1916 até os dias de hoje, ficou estabelecido que ascendentes do mesmo grau responderam em conjunto. Destaca CAHALI:
Nessa fase, o documento mais importante foi representado pelo Assento de 09.04.1772, que, proclamando ser dever de cada um alimentar e sustentar a si mesmo, estabeleceu algumas exceções àquele princípio em certos casos de descendentes legítimos e ilegítimos, ascendentes, transversais, irmãos legítimos e irmãos ilegítimos, primos e outros consanguíneos legítimos, primos e outros consanguíneos ilegítimos. (CAHALI, 2009, p.45).
Referido Assento, que recebeu força e autoridade de lei através do Alvará de 29.08.1776, revelava-se minucioso e detalhista, restando hoje apenas como documento histórico. (CAHALI, 2009, p.45/46)
O Assento de 09.04.1772 dispõe acerca dos alimentos em caso de morte do pai. É utilizado os bens do filho para prover o alimento. Se não tiver bens, é obrigação da mãe. Na ausência da mãe, a obrigação é dos ascendentes paternos, e somente na falta de ascendentes paternos é que a obrigação passa a ser dos ascendentes maternos e assim sucessivamente. O Assento vigorou até o Código Civil de 1916 entrar em vigor, este expunha acerca da responsabilidade alimentar dos avós o seu artigo 397 que dizia o seguinte: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. (BRASIL, 1916)
A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo uma importante revolução para o direito de família, com a vigência do Código Civil de 2002. Conforme discorre CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD:
[…] juridicamente, a expressão alimentos tem sentido evidentemente amplo, abrangendo mais do que a alimentação. Cuida-se de expressão plurívoca, não unívoca, designando diferentes medidas e possibilidades. Por outro lado, o vocábulo significa a própria obrigação de sustento de outra pessoa. A outro giro, com a expressão alimentos, designa-se também o próprio conteúdo da obrigação. Ou seja, sob a referida expressão estão envolvidos todo e qualquer bem necessário à preservação da dignidade humana como a habitação, a saúde, a assistência médica, a educação, a moradia, o vestuário e, é claro, também a cultura e o lazer. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p.761).
É a obrigação dos geradores garantirem aos gerados um desenvolvimento saudável e digno. Os alimentos tem por finalidade garantir ao alimentando tudo o que for imprescindível para o seu sustento, saúde, educação, moradia, isto é, tudo que garanta a qualidade de vida do alimentando.
4 RESPONSABILIDADE ALIMENTAR DOS AVÓS
A responsabilidade alimentar avoenga é decorrente da relação de parentesco e pode ser caracterizada como alimentos legais. Os alimentos legais são derivados do direito de família e da relação de parentesco, que tem como principal objetivo garantir a prestação alimentar de maneira mais célere ao alimentado. O Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento com a Súmula 596 de que é possível e legítima a ação ajuizada pelos netos, no entanto poderá ocorrer somente se comprovado que ambos os genitores não possuem condições de arcar com a obrigação. Como explica FARIAS e ROSENVALD:
Frente ao que se expõe, é fácil perceber que a obrigação alimentar avoenga é excepcional, somente se justificando quando, efetivamente, as necessidades de quem recebe os alimentos não puderem ser atendidas, em sua inteireza, pelo devedor vestibular. Logo, a melhor condição econômica dos avós não justifica a condenação avoenga, estando submetida, efetivamente, à prova da impossibilidade do genitor de atender as necessidades do credor. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p.815)
Há casos em que a obrigação alimentar dos avós é afastada após a comprovação de que a pessoa idosa não possui condições de arcar com essa responsabilidade sem causar prejuízo ao seu próprio sustento. Essa comprovação é de suma importância para a resolução da ação, pois salienta que a obrigação dos avós é subsidiária e que ao ignorar essa incapacidade financeira-econômica haverá uma lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana, é um princípio constitucional. Esse princípio é voltado para o valor humano, seu objetivo é tutelar pela dignidade do indivíduo e a sua subsistência de vida. Tendo esse princípio como base, o Código Civil estipula a responsabilidade alimentar, que é um valor monetário utilizado para que o alimentado tenha garantida a sua subsistência. Nos casos em que os genitores não possuam condições financeiras, os avós, serão chamados a garantir a dignidade humana do alimentando através da pensão avoenga.
O princípio da solidariedade familiar em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser entendido além da igualdade formal. Eles norteiam os direitos sociais do alimentando, certificando que a família será responsável de maneira conjunta pela proteção dos direitos da criança e do adolescente, direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Ou seja, não deixando a responsabilidade apenas para um familiar.
A Constituição Federal dispõe sobre a reciprocidade da obrigação alimentar dos pais para com os filhos. No entanto, essa obrigação não cabe somente aos pais, destacando o que consta no artigo 1.696 do Código Civil (BRASIL, 2002): “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.”
Está fundamentado no artigo 6º da Constituição Federal os direitos sociais, em especial o direito à saúde, educação, lazer e assistência aos desamparados. Direitos que são essenciais para a manutenção da qualidade de vida do indivíduo, destarte, não desrespeitar esses direitos significa permitir que o cidadão desfrute de uma vida sadia, tanto em questão de saúde mental, bem-estar físico e social. em conformidade com esse artigo, é importante citar o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois reforça esses direitos fundamentais já previstos na Constituição.
5. HIPÓTESES DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS AVOENGOS
Os genitores sempre serão os responsáveis principais em relação aos alimentos dos filhos, são eles os detentores do dever legal e moral de prestar alimentos aos filhos em decorrência do princípio da paternidade responsável. Como expressa o Código Civil em relação aos pais que não estão juntos, eles devem contribuir de acordo com a proporção de seus recursos para a manutenção dos filhos. Como dispõe o artigo 1.698 do Código Civil de 2002:
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. (BRASIL, 2002)
Não podendo os pais arcar totalmente com o encargo de garantir os alimentos dos filhos, recai sobre os ascendentes a responsabilidade da prestação de alimentos, especificamente aos avós por serem parentes em grau imediato mais próximo. Se acionado, poderá chamar os outros avós para responderem solidariamente na medida de suas possibilidades. Essa prestação deve ser proporcional à condição do devedor, sem que prejudique o seu sustento, e deve atender as necessidades do alimentando. Como explica Maria Berenice Dias:
Os avós são chamados a atender a obrigação própria decorrente do vínculo ele parentesco, tratando-se ele obrigação sucessiva, subsidiária e complementar. Em face da irrepetibilidade dos alimentos, é necessária a prova da incapacidade, ou da reduzida capacidade do genitor de cumprir com a obrigação em relação à prole. O reiterado inadimplemento autoriza a propositura de ação de alimentos contra os avós, mas não é possível cobrar deles o débito dos alimentos. Não cabe intentar contra os avós execução pelos alimentos não pagos pelo genitor, o que seria impor a terceiro o pagamento de dívida alheia. (DIAS 2015, p. 588).
A irrepetibilidade dos alimentos é um princípio que retrata a não devolução de valores que já foram pagos, em razão disso, a incapacidade de o genitor cumprir com a prestação deve ser provada. Após autorizada a propositura da ação em face dos avós, não poderá cobrar o débito do genitor, pois essa medida caracteriza a repetição de cobrança de débito. E cobrar dos avós a dívida dos genitores não é cabível, dado que seria cobrança de débito de terceiro.
Inúmeras dúvidas se formam quanto à prestação alimentar avoenga, e um critério essencial para a fixação da pretensão alimentar, é a possibilidade do alimentante. Só após comprovada a incapacidade do genitor é que os avós serão responsáveis. O nosso ordenamento jurídico admite em casos excepcionais o pagamento in natura, que nada mais é do que um acordo para que o pagamento não seja entregue em dinheiro, e sim que cumpra diretamente algumas despesas que são essenciais ao alimentando, incluindo também moradia e bens que garantam o sustento da criança.
A obrigação principal é, irrefutavelmente, dos pais. DINIZ (2007, p. 598) vai expor que “ter-se-á, portanto, uma responsabilidade subsidiária, pois somente caberá ação de alimentos contra avó se o pai estiver ausente, impossibilitado de exercer atividade laborativa ou não tiver recursos econômicos”. A responsabilidade alimentar avoenga é subsidiária e complementar nos casos em que os genitores não consigam arcar com a totalidade da pensão, necessitando de complementação pelos demais familiares. A subsidiariedade é o que entendemos por obrigação acessória.
6. O CONFLITO ENTRE A DIGNIDADE HUMANA DOS AVÓS E O DIREITO ALIMENTAR DOS NETOS
Sendo os avós chamados para prover de maneira complementar a alimentação dos netos, e em caso de inadimplência pode resultar na prisão civil dos mesmos, estamos diante de um conflito entre a proteção da dignidade da pessoa humana e o direito à alimentação. Pensando nessa complementaridade da responsabilidade alimentar dos avós, a prisão não deve ser direcionada aos avós, e sim, aos devedores principais que são os genitores. E se tratando de avós idosos a prisão vai contra o princípio da dignidade da pessoa humana.
Conforme explica Alexandrino (ALEXANDRINO, 2019, p.11): “não faria sentido o legislador introduzir no sistema jurídico pátrio a Lei 10.741/2003 (LGL/2003/582), com uma gama de direitos enquanto outra norma admite que o idoso seja encarcerado.” O princípio da dignidade humana, princípio-matriz de todos os direitos fundamentais, deve estar em sintonia com qualquer decisão tomada em relação ao cumprimento da obrigação alimentar pelos avós para que não haja violação de direito, a fim de evitar ir contra as garantias e privilégios presentes no Estatuto da Pessoa Idosa.
Sendo assim, embora a prisão dos avós tenha previsão no ordenamento jurídico atual, não deve ser aceita tal medida coercitiva, pois fere a dignidade da pessoa idosa que durante sua vida honrou com suas obrigações e deveres de criar seus filhos. Por entender que a prisão é uma medida extrema resultado de uma obrigação subsidiária e complementar para com os netos, não merecem tal punição, já que a responsabilidade principal é dos genitores da criança e do adolescente.
Vale ressaltar que não quer dizer que os avós não devam prestar os alimentos na impossibilidade dos genitores, e sim que a prisão dos avós em razão de dívida alimentar não deve ser aceita. A decretação da prisão é uma medida drástica quando se leva em consideração a idade dos avós e que a obrigação principal é dos pais.
O Estado deve garantir à pessoa idosa a integridade física, intelectual e psíquica, entre outros direitos indispensáveis para uma sobrevivência digna, presentes no Estatuto da Pessoa Idosa. É importante esclarecer que o objetivo do Estatuto da Pessoa Idosa é igualar a pessoa idosa ante as demais pessoas para que não haja nenhuma violação da sua dignidade e dos seus direitos. No entanto, deve ser observado que a pessoa idosa merece prioridade por parte da sociedade e principalmente por parte do Estado.
É importante ressaltar que os avós não estão isentos de serem responsáveis pela obrigação alimentar na impossibilidade dos pais, uma vez que a ausência de alimentos para o neto, fere o princípio da dignidade da pessoa humana do alimentado.
7. MÉTODOS COERCITIVOS
Conforme estabelecido em nosso ordenamento jurídico não é cabível a prisão civil por dívida, no entanto, é permitida a prisão civil por inadimplemento da obrigação alimentar. No que tange a obrigação alimentar dos avós, também podem ser utilizados os métodos coercitivos com a finalidade de “obrigar” o pagamento do débito alimentício, desde a penhora de bens até a medida mais extrema que é a prisão.
Há outros mecanismos para o cumprimento da obrigação alimentar, podendo inclusive o Estado prestar os alimentos até que a insuficiência financeira dos genitores do alimentando seja resolvida, já que este pode ser chamado para conceder auxílio para o indivíduo que se encontra em situação de vulnerabilidade. Em caso de não pagamento poderá ser decretada busca e apreensão, utilizando o sistema Renajud ou Bacenjud para realizar a redução de valores ou bens dos avós e penhora de bens móveis e imóveis para o pagamento da obrigação alimentar.
O artigo 528 § 3º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) dispõe que: “Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.”. A prisão é um método coercitivo que visa o cumprimento da obrigação imposta. Com fulcro no artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), inciso LXVII – “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Insta salientar que, independentemente do pagamento da dívida de alimentos, o responsável pela obrigação não poderá ser preso novamente em decorrência do mesmo período em débito. Destarte, será válido apenas caso haja descumprimento de novas parcelas. Se o indivíduo estiver desempregado, poderá ser procedida expropriação de bens no limite do débito. Medidas atípicas também poderão ser utilizadas, como a suspensão da carteira nacional de habilitação, poderá ser impedido de viajar, ter seu passaporte suspenso, suspensão de cartão de crédito e até mesmo o bloqueio da conta corrente. É sugerido que antes da decretação da prisão, todos os outros meios tenham sido usados.
O rito da penhora é mais benéfico em relação a alimentos avoengos, pois respeita a integridade da pessoa idosa e gera o incentivo do devedor para cumprir com a responsabilidade alimentar sem comprometer sua integridade física, respeitando o princípio da proporcionalidade, pois deve se levar em conta a idade da pessoa idosa devedora dos alimentos e sua condição física, além de tutelar pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
8. IMPACTOS DA PRISÃO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO ESTATUTO DA PESSOA IDOSA
O Estatuto da Pessoa Idosa no Art. 10, §3º, aduz sobre a obrigação do Estado e da sociedade em tutelar pela dignidade da pessoa idosa, o guardando de qualquer tratamento vergonhoso, violento e desumano que possa sofrer. Ao falar sobre prisão civil por não cumprir a obrigação alimentar, embora haja legalidade na prisão, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, deixando sequelas irreversíveis afetando a integridade física, psicológica e moral da pessoa idosa.
Não obstante, quando se trata dos avós idosos como devedores de pensão alimentícia, não se deu a devida proteção no referido Estatuto. Nesta perspectiva, observa Rolf Madaleno (MADALENO, 2018, p. 1004): “Com relação aos alimentos devidos pelos pais aos filhos ou pelos avós aos netos, o fator idade ou enquadramento do devedor de pensão na terceira idade não mereceu a atenção do Estatuto da Pessoa Idosa, sendo a obrigação alimentar dos avós regulada exclusivamente pelo Código Civil.”
A maioria dos casos de inadimplência da responsabilidade avoenga é causada pela dificuldade de a pessoa idosa manter a si próprio, por não conseguir cumprir com sua obrigação alimentar para com os netos. Nos casos em que ocorre a prisão, o sistema prisional não se molda conforme as necessidades desses avós. Os seus direitos fundamentais são negligenciados. Diante disso, é notório que quando não há condições financeiras suficientes a inadimplência acontecerá com frequência.
As penas aplicadas devem ter como regra processual o princípio da proporcionalidade, sendo assim, deve o juiz decidir pela execução menos gravosa, se valendo do princípio da dignidade da pessoa humana que deve ser inviolável, observando sempre em cada caso a saúde do indivíduo, a idade. Prevenindo qualquer tipo de ameaça à pessoa idosa, uma vez que negligenciada suas necessidades básicas, ele estará correndo riscos de sofrer agressões físicas, psicológicas. A sua alimentação será precária aumentando o risco de contrair doenças enquanto sua liberdade é interrompida, causando um problema maior, que será o aumento da comunidade carcerária, que consequentemente gera gastos ao Poder Público.
Visando proteger a pessoa idosa do tratamento degradante, insalubre e constrangedor presente no âmbito prisional, conhecido por ser um local pequeno, com pouco conforto, sem condições de atender as necessidades básicas de um indivíduo que passa pelo processo de senescência, a Comissão de Direitos da Pessoa Idosa aprovou o Projeto de Lei que proíbe a prisão da pessoa idosa devedora de alimentos avoengos. O projeto que pretende substituir a prisão civil por dívida alimentar, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, e depois irá a voto em Plenário.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obrigação alimentar visa assegurar a manutenção da vida digna, ou seja, servem para satisfazer as necessidades vitais, englobando vestuário, habitação, educação, entre outros. Diante do narrado, o direito aos alimentos surgiu das relações de parentesco para que o que o alimentando que necessitar desse direito por insuficiência de recursos não fique desamparado ou em situação de vulnerabilidade.
Durante a pesquisa foi questionado à luz do princípio da dignidade humana quais os impactos causados pela decretação da prisão civil dos avós. Restou demonstrado que essa prisão atenta contra o Estatuto da Pessoa Idosa e o princípio da dignidade da pessoa humana, ambos possuem objetivo protetivo assistencial, visando promover e proteger a dignidade da pessoa idosa. Além de ferir diretamente a saúde física e psíquica da pessoa idosa, atenta contra a sua moral e interrompe a sua liberdade.
Apesar de haver um Projeto de Lei que já foi aprovado pela Comissão de Direitos da Pessoa Idosa, que visa proibir a prisão civil da pessoa idosa que deve alimentos aos netos, esse Projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça, e depois irá a voto em plenário. Sendo assim, uma possível solução para a prisão civil dos avós devedores de alimentos até que a PL 2280/2015 seja aprovada, é utilizar do princípio da proporcionalidade e da interpretação da lei, tendo como norte o princípio da dignidade da pessoa humana.
Tendo em vista que o princípio da dignidade da pessoa humana é constitucional e que por haver outros meios menos gravosos que podem ser adotados, deve ser analisado cada caso, levando em consideração a idade do devedor de alimentos, a condição financeira para que não haja interferência significativa no seu próprio sustento, tendo sempre a ideia de que a prisão deve ser uma medida ultima ratio, uma opção somente para os casos mais graves. Principalmente se o alvo do encarceramento for a pessoa idosa de idade mais avançada, o cuidado para com ele deverá ser ainda maior, evitando sequelas físicas, psíquicas e principalmente tutelando por sua dignidade no final da vida.
O presente artigo teve seus objetivos específicos alcançados, uma vez que, conforme os capítulos dessa escrita foram analisadas as hipóteses de quando os avós são responsáveis pelos alimentos dos netos, o conflito entre a dignidade humana dos avós e o direito alimentar dos netos, os métodos coercitivos utilizados para efetivar a obrigação que não foi prestada e os impactos da decretação da prisão civil, à luz do estatuto do idoso.
Ao longo dos capítulos foi analisado previamente o contexto histórico, abordando a evolução da obrigação alimentar no âmbito mundial. No contexto nacional, a obrigação alimentar tinha indícios de estar presente desde as Ordenações Filipinas com a fixação de alimentos determinada pelo Juiz de Órfãos. E por fim, a Constituição Federal de 1988, trouxe consigo uma importante revolução para o direito de família, com a vigência do Código Civil de 2002.
Diante disso, foi constatado que a obrigação principal é dos pais, após comprovado a insuficiência de recursos dos genitores, a obrigação passará para os ascendentes, parentes de grau imediato mais próximo que são os avós. Vale salientar que há critérios a serem observados antes que essa obrigação alimentar seja transmitida para os avós.
Também foi explanada toda a legislação e artigos responsáveis por regular a obrigação alimentar que é a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002. Também foi trazido de forma clara e detalhada as hipóteses de quando os avós serão responsáveis pelos alimentos dos netos. Destacando que existe a possibilidade de o alimentando ter seu direito de sustento respeitado, mesmo que seus genitores não tenham meios de garantir a efetivação da obrigação alimentar.
Assim, a presente produção foi concluída com o intuito de demonstrar que diante do conflito entre a proteção da dignidade da pessoa humana e o direito à alimentação, o juiz deverá adotar sempre o posicionamento que menos traga prejuízos a dignidade da pessoa idosa, uma vez que afastar a possibilidade de prisão para os avós é a melhor solução, já que há outros meios de exigir o cumprimento da obrigação alimentar como: a penhora de bens, bloqueio de valores em conta, desconto em folha de pagamento, suspensão da carteira nacional de habilitação, poderá ser impedido de viajar, ter seu passaporte suspenso e suspensão de cartão de crédito.
É importante mencionar que o afastamento da prisão não significa que os avós não devam ser chamados para prestar a obrigação alimentar de maneira complementar e subsidiária quando os genitores não tiverem condições, e sim que não pode ser aceito o encarceramento da pessoa idosa por uma obrigação que é originalmente dos pais do menor, tendo em vista que a prisão é uma medida extrema.
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1Artigo apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Direito, em 2023.
2Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA, em Itamaraju (BA) – E-mail: tavares23carol@gmail.com.
3Professora-Orientadora. Graduada em Direito na Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA. Pós-graduada no Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher. Pós-graduada no Curso de Especialização em Gestão Pública Municipal, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pós-graduada no Curso Latu Sensu em Processo Civil Aplicado, pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI) – E-mail:maryanarocha@hotmail.com.