REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507231151
Thiago Vinicius Alves Ueda
Orientador: Prof. Dr. Norton Dudeque
1. VISÃO GERAL DO LIVRO
O livro Comprehensive Musical Analysis, de autoria do Dr. John D. White, apresenta uma introdução (Foreword) de Gerald Warfield e um prefácio elaborado pelo próprio autor. A obra está organizada em 12 capítulos, distribuídos em 304 páginas, acrescida de um apêndice e um índice remissivo.
Na introdução, o musicólogo Gerald Warfield afirma que White “não deixa nenhum detalhe da textura sonora sem examinar e nenhum estilo ou abordagem de composição é ignorado” (WHITE, 1994, p. V). No entanto, é importante notar que, apesar da diversidade de abordagens que variam desde análises lineares reducionistas de Schenker até o tratamento do elemento do som na música moderna, a afirmação de que “nenhum estilo ou abordagem de composição é ignorada” pode ser considerada presunçosa. Após a leitura do material, não se constata menção à composição algorítmica, à música generativa de Brian Eno, à música estocástica de Xenakis, à música aleatória de John Cage, ou ao minimalismo de Steve Reich e Philip Glass, por exemplo.
Apesar de apresentar alguns trechos com assertivas mais enfáticas e essa lacuna em estilos mais contemporâneos, o livro oferece notáveis contribuições para o campo da análise musical, constituindo uma ferramenta valiosa para estudantes e pesquisadores.
2. RESENHA DOS CAPÍTULOS
A seguir, será apresentada uma resenha de cada capítulo, destacando seus conteúdos principais, tecendo comentários sobre aspectos positivos e negativos e, quando oportuno, oferecendo sugestões.
Capítulo 1: Propósito e Natureza da Análise Musical
O Capítulo 1 aborda o propósito e a natureza da análise musical. White pontua que performers, compositores e acadêmicos de música analisam música de alguma forma. Em alguns casos, essa análise é instintiva ou subentendida; em outros, é totalmente consciente do processo analítico, como no caso de músicos teóricos e musicólogos.
Segundo o autor, a análise cumpre dois objetivos principais: perceber a estrutura musical subjacente e entender o estilo musical. White argumenta que instrumentistas guiam suas performances por julgamentos estilísticos, enquanto compositores analisam música para internalizarem técnicas de manipular sons musicais. Ele estende esse pensamento aos historiadores, críticos, teóricos e musicólogos que analisam para obter conhecimento estrutural da história do estilo musical. White conclui que a análise é a ferramenta básica que leva a comparações, distinções, julgamentos e, finalmente, a conclusões esclarecedoras sobre a música — sua criação, existência e performance (WHITE, 1994, p. 3).
White finaliza o Capítulo 1 apresentando os passos fundamentais da análise, defendendo que cada peça musical exige uma abordagem analítica única. Ele sugere que diversos aspectos musicais – como padrões de perfis de altura, densidade, timbre, textura, ritmos e estrutura harmônico-contrapontual – podem ser representados visualmente. No entanto, White alerta que o excesso de recursos visuais pode sobrecarregar o relatório final, enfatizando que o analista deve priorizar as técnicas mais relevantes para a obra em questão.
O autor organiza o processo de análise em duas operações básicas: a Análise Descritiva, designada como Passo I, e a Síntese e Conclusão, o Passo II. Anterior à análise descritiva, existe um passo introdutório. Este estágio preliminar aborda aspectos do contexto da obra, como o período de sua composição dentro da produção geral do compositor, as relações geográficas e as influências históricas pertinentes, além dos eventos do entorno de sua criação.
Percebe-se neste capítulo uma inversão na ordem explicativa, que por vezes dificulta a leitura da obra. Há exemplos, como a Figura 2 (página 7), que apresentam uma análise redutiva, no entanto, a ferramenta análise linear redutiva será apresentada apenas na página 17 de maneira geral e em detalhes no Capítulo 3. Analogamente, há uma menção ao processo gerativo na página 19, e a explicação do termo acontece apenas na página 22.
Capítulo 2: Método Analítico e Conceitos Fundamentais
Após a seção introdutória, o Capítulo 2 apresenta o método analítico, que consiste em subdividir a etapa de Análise Descritiva em: microanalysis, middle-analysis e macroanalysis. Além disso, pode-se incluir uma etapa preliminar denominada cursory macroanalysis, ou macroanálise superficial, que consiste na escuta da peça como um todo, acompanhando a partitura e, se possível, tocando ao piano. Isso auxilia a inserir as observações mais detalhadas em um contexto mais abrangente.
White propõe uma abordagem analítica que categoriza os elementos musicais em diferentes níveis. A microanálise foca em detalhes como melodia, harmonia, ritmo, forma e textura em pequena escala, além de aspectos minuciosos de orquestração e timbre. A análise intermediária explora as relações entre frases e outras conexões que não se enquadram nos extremos micro ou macro. Por fim, a macroanálise descreve elementos amplos, como instrumental, meio vocal e duração total da peça. White ressalta que essas dimensões frequentemente se sobrepõem, e a inter-relação entre os níveis é fundamental, apesar da divisão.
Ele também problematiza as categorias musicais tradicionais — Ritmo, Melodia, Harmonia e Som — apontando que nenhuma delas pode ser isolada das outras. Por exemplo, uma melodia simples já implica uma harmonização. Para White, ritmo abrange durações, acentos, tempos, métricas, frases e períodos; melodia inclui todos os aspectos de altura, ritmo, dinâmica e timbre percebidos em uma linha individual; harmonia compreende acordes, sonoridades, relações tonais, contraponto e polifonia; e som envolve timbre, textura e dinâmica.
A seguir, White define os termos Processo Gerativo, Fator CT e Unidade Orgânica (O), conceitos criados pelo autor que permeiam toda a obra. O processo gerativo aborda a questão fundamental de como o compositor impulsiona a música no tempo, através de gestos ou eventos estrategicamente posicionados. A estrutura e forma da peça são definidas por elementos como frases delimitadas por cadências, relações tonais, qualidades afetivas e a percepção de tensão versus calma em todos os elementos musicais. Os principais processos generativos incluem a Repetição (R), Desenvolvimento (D), Variação (V), uso de Material Novo (N) e Contraste.
A natureza do contraste é determinada pelo equilíbrio entre calma e tensão, que White denomina Fator CT. Na harmonia, o Fator CT se manifesta na relação entre consonância e dissonância. Já na melodia, ele é percebido no contraste entre movimentos disjuntos e conjuntos, e no contorno melódico. Por sua vez, o grau de unidade orgânica (O) da composição é determinado pela natureza desse contraste. A unidade orgânica pode ser definida como a relação estrutural que interliga todas as partes de uma peça musical. O autor termina o capítulo apresentando a metodologia de análise a uma peça musical: o Minueto II em Sol menor de Jean Phillipe Rameau.
Capítulo 3: Análise Linear Redutiva de Schenker
O Capítulo 3 introduz a Análise Linear Redutiva de Schenker. White esclarece, em um ponto posterior da obra, que os gráficos empregados nos capítulos precedentes são derivados do conceito de análise elaborado por Heinrich Schenker em Der freie Satz (1935). Ele prossegue pontuando que o propósito dessa representação é ilustrar a percepção do analista em relação ao movimento harmônico-contrapontual da peça. Adicionalmente, White ressalta que a análise harmônico-contrapontual redutiva possui limitações, uma vez que seus gráficos não são capazes de expressar a totalidade dos elementos musicais.
Capítulo 4: Motivo, Frase e Cadências
White define o motivo como a menor unidade estrutural em música, enquanto a frase é a menor unidade musical com sentido completo. As frases são determinadas por pontos de repouso, que podem ser totais ou parciais, chamados de cadências. Ele apresenta a cadência autêntica perfeita, cadência autêntica imperfeita e a semicadência, sempre com bons exemplos. Um ponto interessante deste capítulo foi a abordagem da elisão de frase, que acontece quando o final de uma frase coincide com o início da próxima.
White esclarece que a combinação de duas frases consecutivas forma um período. Indo além, ele descreve que um grupo de frases é um conjunto de três ou mais frases musicais interligadas que não apresentam a sensação bipartida de um período. Por sua vez, um período duplo é um grupo de pelo menos quatro frases (e, ocasionalmente, mais) em que as duas primeiras frases formam o antecedente, e a terceira e a quarta frases, juntas, constituem o consequente. Neste capítulo, poderia ser melhor explorado os períodos de 3 frases, mostrando exemplos da literatura musical. No fim do capítulo, White apresenta o termo figures ou figurations, que representam fragmentos melódicos recorrentes no curso de uma peça musical, mas não são significantes estruturalmente.
Capítulo 5: Estruturas Normativas e Formas Contrapontuais
O autor detalha as Estruturas Normativas da música ocidental, começando pelas formas binárias (incluindo a recapitulada, com retorno temático na tônica) e ternárias (Ideia-Contraste-Ideia, exigindo um contraste realmente distinto e prolongado). A forma rondó é explicada por seus padrões de repetição (ABABA, ABACABA), onde a seção A se alterna com contrastes. A forma sonata é apresentada como uma evolução da binária, com sua estrutura tripartite de exposição (duas áreas tonais), desenvolvimento (elaboração temática em diversas tonalidades) e reexposição (retorno à tônica). Variantes como a Sonata-Rondó e a Sonatina também são mencionadas.
Considerando que este livro foi publicado em 1994 – e é, possivelmente, uma extensão de The Analysis of Music, de 1984, ambos de John White –, não havia como incluir teorias mais recentes, como a Sonata Theory de Hepokoski e Darcy e as Funções Formais de Caplin. No entanto, para futuras edições, seria muito interessante incorporar essas perspectivas e terminologias específicas.
White apresenta os padrões de concerto barroco, como o Concerto Grosso, Orquestral e Solo, e as particularidades do concerto clássico, incluindo a dupla exposição e o uso da cadenza. Em seguida, as formas de variação, como Tema e Variações, são detalhadas. Por fim, o capítulo aborda tipos contrapontuais, como imitação, cânone estrito, ricercare e fuga. Seria interessante um aprofundamento no verbete imitação, talvez com referências a obras como o tratado de Marpurg. Para complementar a discussão sobre o ricercare, senti falta da inclusão das canzonas — que, juntas, formam o estilo pré-fugal. Além disso, ao tratar da fuga, poderia haver uma exploração de termos como fugato e fugueta, similar à forma como a sonatina foi relacionada à sonata.
Capítulo 6: Melodia e Ritmo
No Capítulo 6, John D. White explora a intrínseca relação entre melodia e ritmo. Ele argumenta que é inviável estudar a melodia sem considerar o ritmo, embora o ritmo possa existir em contextos não melódicos. White pontua que mesmo em músicas como o canto gregoriano ou passagens senza misura, um ritmo implícito está sempre presente.
White contesta a ideia de que a melodia é meramente uma coleção de alturas, definindo-a como uma série de notas isoladas organizadas para transmitir um sentido musical. Ele também adverte que focar apenas na superfície da harmonia oferece uma visão limitada da melodia.
White aborda diversos elementos que caracterizam a melodia. O range refere-se à extensão do grave ao agudo, enquanto a tessitura indica onde a maioria das alturas melódicas se localiza. As escalas são apresentadas como o material de alturas que constitui a melodia, abrangendo tipos como diatônica, menores, cromática, tons inteiros, gypsy, pentatônica, folk, séries e escalas artificiais. A análise melódica também considera os intervalos, observando saltos, mudanças de direção, movimentos disjuntos versus conjuntos, e ascendentes versus descendentes. A densidade é definida como a frequência relativa de ocorrência de qualquer som em uma melodia ou textura.
Em relação ao ritmo, White introduz o conceito de pulso melódico, que representa a métrica sentida da música. Ele explica que a síncope é um distúrbio ou contradição desse pulso melódico, criando um efeito de deslocamento rítmico. As considerações de White sobre ritmo e melodia são pertinentes, mas, na minha análise, o capítulo poderia ter abordado estruturas que subvertem a percepção rítmica, como as hemíolas, ou mesmo teorias mais avançadas sobre o ritmo, como a modulação métrica de Messiaen.
Capítulo 7: Harmonia
O Capítulo 7 é dedicado exclusivamente à Harmonia, que, segundo White, é o elemento musical mais codificado e sistematizado na cultura ocidental. White aponta que a harmonia é singular por ser o único elemento tratado como assunto teórico para estudo formal.
Ele observa que, a partir de 1750, a busca por maior expressividade levou a um uso crescente de modulações e cromatismo, culminando em obras do final do Romantismo, como Tristan und Isolde, que atingiram pontos de saturação tonal. Para ilustrar suas ideias, White apresenta uma análise da peça “Resta di darmi noia” de Carlo Gesualdo da Venosa. Ele argumenta que, embora a peça comece e termine em uma tríade de Ré maior, ela não está no tom de Ré. Ao longo da composição, alterações sustenidas nas notas ré e lá criam uma espécie de relação de dominante secundária/tônica. No entanto, White adverte que aceitar essa teoria poderia levar o analista a aplicar indutivamente conceitos da harmonia diatônica a esta obra, o que seria uma premissa equivocada, pois a obra foi escrita antes do estabelecimento do tonalismo. Considero esse tipo de cuidado demonstrado pelo autor muito valioso. Ao longo de todo o texto, White oferece exemplos e citações que alertam o analista a desenvolver uma sensibilidade crítica em relação às ferramentas a serem utilizadas em cada obra. O capítulo também define e exemplifica termos importantes, como ritmo harmônico.
Para os exemplos mais extensos deste capítulo, que se prolongam por até seis folhas (frente e verso), seria benéfico incluir indicações visuais mais claras. Recursos como setas, retângulos ou esquemas de cor poderiam guiar o leitor e destacar, de forma mais evidente, os pontos específicos que o autor deseja demonstrar.
Capítulo 8: Análise Harmônica da Música do Século XX
O Capítulo 8, intitulado “Análise Harmônica da Música do Século XX”, de John D. White, explora como alguns conceitos da harmonia da prática comum ainda se aplicam no contexto do século XX. Um dos pilares discutidos é a estrutura tonal pós-diatônica, na qual compositores mantiveram a noção de centro tonal e o uso de tríades, mas romperam com as relações funcionais tradicionais de tônica e dominante.
Béla Bartók, em seu Quarteto de Cordas No. 6, por exemplo, estabelece D como centro tonal não por cadências tradicionais, mas pela repetição estratégica das notas D e A, gerando uma sensação de gravidade harmônica sem recorrer ao diatônico clássico. Igor Stravinsky, por sua vez, emprega aglomerados intervalares e polirritmias para definir seus eixos tonais. O compositor Paul Hindemith reavaliou a consonância e dissonância, propondo uma classificação objetiva baseada na série harmônica, ordenando intervalos do mais consonante (uníssono, oitava) ao mais dissonante (trítono). Contudo, White alerta para as limitações dessa abordagem, pois a percepção de dissonância é profundamente contextual, sendo influenciada por fatores como textura, dinâmica e densidade.
No campo do serialismo dodecafônico, o capítulo detalha metodologias para decifrar obras baseadas em séries de doze tons. A identificação das quatro formas da série — P (original), I (inversão), R (retrógrado) e RI (inversão retrógrada) — é fundamental, assim como o uso da “magic square”, um mapa que organiza todas as transposições possíveis. A análise de Composition No. 1 de Milton Babbitt ilustra como dois hexacordes podem gerar coesão em meio à aparente fragmentação serial.
A música eletrônica introduz desafios analíticos únicos. Em obras como Synchronisms No. 3 de Mario Davidovsky, onde sons eletrônicos se entrelaçam com instrumentos acústicos, a partitura tradicional se mostra insuficiente. White enfatiza a necessidade de recorrer a gravações para capturar timbres e nuances que não são notáveis na escrita.
Por fim, a teoria dos conjuntos surge como uma ferramenta essencial para analisar sonoridades não triádicas. Desenvolvida por Howard Hanson e Allen Forte, ela categoriza acordes através de vetores intervalares, mapeando quantidades de cada classe de intervalo em um conjunto de notas. Sua aplicação a obras de Anton Webern e Arnold Schoenberg revela como subconjuntos derivados de um “conjunto pai” criam unidade em composições atonais. No entanto, White reconhece suas limitações: embora eficaz para a música pós-tonal, ela falha em capturar a função harmônica contextual da música tradicional.
Capítulo 9: Textura Contrapontual e Polifonia Histórica
O Capítulo 9 aborda a textura contrapontual, definida como “o efeito musical pela justaposição de altura e ritmo entre duas ou mais linhas melódicas simultâneas” (WHITE, 1994, p. 195). White enfatiza que a habilidade contrapontística é fundamental para um compositor e descreve-a como a arte de escrever boas melodias que podem soar juntas.
O capítulo inicia com as primeiras práticas polifônicas, focando no organum do período anterior a 1300. White detalha como o termo organum evoluiu e se aplicou a diversos estilos sacros do século IX ao XIII. Ele explica que, nesse período, intervalos de quartas e quintas eram considerados consonantes, juntamente com uníssonos e oitavas, enquanto terças e segundos eram dissonantes. O autor descreve a transição do organum estrito nota-contra-nota para estilos mais liberais e melismáticos, como o organum duplum ou purum, e o conductus, que apresentavam maior interesse contrapontístico.
White prossegue para a polifonia da Escola de Notre Dame (Leonin e Perotin), notando o uso de modos rítmicos medievais e o frequente cruzamento de vozes, além da abundância de terças que, contudo, não ocorriam no início ou fim das frases, as quais terminavam e começavam em quintas perfeitas. Ele ressalta que, nas obras de Perotin, há uma estratificação de vozes e que, embora ocorram sonoridades triádicas, não se deve equiparar o estilo harmônico à harmonia do século XVIII, pois não há um centro tonal ou modulação real; a harmonia “paira” sobre os tons sustentados do tenor. O moteto medieval, por sua vez, é descrito como tendo “sonoridades de três tons” que, incidentalmente, soam como acordes de quarta do século XX, com notável independência rítmica entre as vozes superiores.
Após 1300, o capítulo aborda o foco em problemas rítmicos e o desenvolvimento da notação, além do crescimento da polifonia secular com uso de paralelismos em terças e sextas, e maior interesse no movimento contrário, culminando em cadências como a Cadência Landini. A polifonia inglesa é distinguida pelo uso de gymel (paralelismos em sextas e terças) e discantus inglês (paralelismos em tríades em primeira inversão), que foram cruciais para a evolução da harmonia triádica. John Dunstable é apresentado como o “pai da escrita de partes moderna” e o início das práticas polifônicas da Renascença, por utilizar procedimentos consistentes de contraponto baseados em uma subestrutura triádica e por tratar a dissonância em relação à métrica, como no contraponto do século XVI, resultando em uma sonoridade mais “doce”.
Na polifonia renascentista, White descreve o estilo vocal contrapontístico (caracterizado pela independência melódica das vozes, mas interdependência de sonoridade) e o estilo familiar (ritmos homofônicos e homorrítmicos). Ele enfatiza o tactus (pulso) para organizar consonância e dissonância, e a composição simultânea de todas as partes, em contraste com a escrita linha por linha medieval. O capítulo conclui que as práticas polifônicas contemporâneas levaram a uma nova concepção do elemento som.
Capítulo 10: O Elemento do Som
O Capítulo 10 investiga timbre, dinâmica e textura como pilares da expressão sonora. White argumenta que, embora sempre presentes, sua notação e uso expressivo evoluíram, tornando-se centrais para a análise estilística. Define timbre como a qualidade que distingue fontes sonoras. Historicamente, o controle do timbre não era central antes do século XIX (ex: Bach sem instrumentação específica). A orquestração ganhou status artístico no Romantismo, com compositores como Berlioz explorando as possibilidades timbrísticas. A música do século XX aprofundou essa exploração, com a eletrônica e as vanguardas ampliando as fronteiras do timbre para além dos instrumentos tradicionais, incluindo o ruído como um elemento musical legítimo (Luigi Russolo).
A dinâmica é abordada como a intensidade do som, variando de pianissimo a fortissimo. White discute a evolução da notação dinâmica, que se tornou mais precisa e expressiva no Classicismo e Romantismo. A textura, por sua vez, refere-se à forma como as linhas melódicas se combinam: monofonia, homofonia (melodia acompanhada), polifonia e heterofonia. O autor explora como a manipulação desses elementos contribui para a forma e o significado musical, ressaltando sua importância na análise da música contemporânea, onde muitas vezes a estrutura não depende mais de princípios tonais ou formais tradicionais, mas da organização do som em si.
Capítulo 11: Uma Abordagem do Som Musical na Análise
O Capítulo 11 destaca a crescente importância do som na música, especialmente no século XX, lamentando a falta de métodos analíticos específicos. O capítulo propõe uma abordagem experimental para analisar o som, explorando-o em obras clássicas e na música contemporânea, como a de George Crumb.
A análise sonora inicia com uma macroanálise superficial do meio musical. A metodologia central envolve a criação de “índices de som” para timbre, dinâmica e textura. Índice de Timbre: Cataloga cores instrumentais/vocais, misturas e efeitos idiomáticos, ligando-se à textura. Índice de Dinâmica: Avalia a intensidade não apenas por notações, mas pela densidade, número de vozes, tessitura e espacialização, usando gráficos para identificar sutilezas estilísticas. Índice de Textura: Apesar de ser o mais complexo, descreve a extensão das vozes, tipos de textura e espaçamento vertical, embora reconheça as limitações dos gráficos para sutilezas da música do século XX. A fase final integra timbre, dinâmica e textura para uma avaliação do uso do som pelo compositor, contextualizando a obra internamente (para performers) e historicamente (para acadêmicos).
Capítulo 12: “Synthesis and Evaluation”
No Capítulo 12, White reflete sobre o futuro da análise musical. Ele reconhece que novas linguagens musicais, como a música eletrônica e o uso de computadores na composição, exigem abordagens analíticas inovadoras. O autor sugere que o analista do futuro precisará ser mais flexível, incorporando ferramentas de diversas disciplinas, como a acústica, a psicologia da percepção e até mesmo a inteligência artificial, para compreender a complexidade da música contemporânea.
White enfatiza a importância de desenvolver uma “escuta crítica” e uma capacidade de adaptação às constantes evoluções da linguagem musical. Ele reitera que o objetivo fundamental da análise permanece o mesmo: revelar a estrutura e o significado da música, permitindo uma conexão mais profunda com a arte. O capítulo conclui com uma reflexão sobre a natureza subjetiva da experiência musical, citando Joseph Conrad, que o artista “apela àquela parte do nosso ser que não depende da sabedoria; àquela que é um dom e não uma aquisição — e, portanto, mais permanentemente duradoura.”
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comprehensive Musical Analysis é uma obra que se destaca por sua abordagem metodológica e didática. Apesar da afirmação inicial sobre a abrangência de estilos, o livro entrega uma sólida base para a análise musical, cobrindo elementos essenciais e fornecendo ferramentas aplicáveis a diversos períodos da música ocidental.
White apresenta conceitos complexos, tornando-os acessíveis a estudantes. Sua relevância advém da proposta de uma metodologia analítica estruturada em micro, média e macroanálise, que encoraja uma abordagem sistemática e multifacetada. A introdução de conceitos próprios, como Processo Gerativo, Fator CT e Unidade Orgânica, oferece um vocabulário e um enquadramento conceitual que permeiam a análise da obra, contribuindo para uma visão integrada. O autor demonstra um cuidado louvável ao alertar o leitor sobre a aplicação anacrônica de teorias a contextos musicais inadequados, incentivando uma sensibilidade crítica essencial no processo analítico.
O livro guia o analista de forma prática, desde a escuta preliminar até a síntese de conclusões. Ao enfatizar a representação visual dos fenômenos acústicos e a inter-relação dos elementos musicais (ritmo, melodia, harmonia e som), White oferece uma perspectiva que transcende a mera descrição, buscando a compreensão das relações estruturais e expressivas. A inclusão de capítulos sobre a análise da música do século XX, com abordagens como o serialismo e a teoria dos conjuntos, demonstra a tentativa de manter a obra atualizada em relação aos desafios da música moderna, embora, como observado, com algumas lacunas em estilos mais recentes.
Apesar de algumas sugestões de aprimoramento (como a inclusão de notas de rodapé explicativas, mais exemplos visuais detalhados, e uma ampliação para a música popular e eletroacústica), Comprehensive Musical Analysis é uma obra altamente recomendada. Sua abordagem diversificada e sua metodologia de análise clara e passo a passo o tornam um recurso valioso para qualquer estudante de música — seja performer, compositor ou teórico.
REFERÊNCIAS
WHITE, John D. Comprehensive Musical Analysis. Scarecrow Press, 1994