TERMINATION OF THE LEASE AGREEMENT AND THE COVID-19 PANDEMIC: ANALYSIS IN THE LIGHT OF THE THEORY OF UNPREDICTABILITY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411270908
Giovanna Spatti Rossagnesi 1
RESUMO
O presente artigo científico se propõe a realizar uma análise da possibilidade de rescisão dos contratos de locação devido à pandemia da Covid-19, como fato imprevisível e gerador de onerosidade excessiva no âmbito dos contratos de locação. O desenvolvimento do trabalho se deu na análise dos aspectos doutrinários acerca dos contratos em geral e seus princípios, destacando-se a necessidade de análise, adotando a teoria do diálogo das fontes, bem como a limitação do princípio da força obrigatória dos contratos em face aos princípios da função social e equilíbrio econômico. Por fim, buscou-se relacionar a pandemia da Covid-19 e seus efeitos como fato imprevisível e gerador de onerosidade excessiva possibilitador da revisão contratual dos contratos de locação. Após análise, houve a conclusão de que a atuação do judiciário nas ações revisionais de contrato de locação deve ser feita levando em consideração aspectos principiológicos e analisando as particularidades do caso concreto, assim como os aspectos subjetivos tanto do locatário quanto do locador. Na pesquisa, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, e, em relação ao procedimento, uma pesquisa bibliográfica, baseada em análise doutrinária e jurisprudencial.
Palavras-chaves: Contrato de locação; Revisão Contratual; Covid-19.
ABSTRACT
This scientific article proposes to carry out an analysis of the possibility of terminating lease contracts due to the Covid-19 pandemic as an unpredictable fact and generator of excessive onerosity within the scope of lease contracts. The development of the work took place in the analysis of doctrinal aspects about contracts in general and their principles, highlighting the need for analysis adopting the theory of dialogue of sources, as well as the limitation of the principle of mandatory force of contracts in the face of the principles of social function and economic balance. Finally, we sought to relate the Covid-19 pandemic and its effects as an unpredictable fact and generator of excessive onerousness, enabling the contractual review of lease agreements. After analysis, the research concluded that the performance of the judiciary in the revisional actions of the lease contract must be done taking into account principles and analyzing the particularities of the concrete case, as well as the subjective aspects of both the lessee and the lessor. In the research, the deductive method of approach was used, and in relation to the procedure, it is a bibliographic research, based on doctrinal and jurisprudential analysis.
Keywords: Lease Agreement; Contractual Revision; Covid-19.
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa tem como objetivo analisar a possibilidade de revisão judicial dos contratos de locações devido à pandemia da Covid-19, a qual iniciou-se no primeiro semestre de 2020, porém, causa efeitos até os dias de hoje nas relações econômicas, jurídicas e políticas.
Dessa forma, verificou-se a necessidade de estruturar a pesquisa a partir de uma descrição da situação-problema, ou seja, formular o problema central, definir os conceitos operativos deste artigo, sua justificativa de estudo, os objetivos gerais e específicos, e, por fim, a pesquisa e a forma do esboço dos capítulos foram estruturadas.
A descrição da situação-problema, para um pleno entendimento, requer, primeiramente, a compreensão de que os contratos costumam gerar efeitos e expectativas de seu cumprimento desde o momento de sua celebração, sempre respeitando o princípio da obrigatoriedade dos contratos, pilar fundamental do direito contratual. Todavia, há casos em que os contratos celebrados criam problemas durante a sua vigência que levam a reflexos excessivamente gravosos na prestação ou contraprestação de uma das partes que compõem o negócio jurídico e desequilibram a relação contratual (VENOSA, 2020, p.18).
Em razão da obrigação contratual, a parte que se sentir excessivamente sobrecarregada em sua execução, ou contraprestação, não poderá rever unilateralmente as cláusulas contratuais para solucionar seu problema, sendo que é necessário o consentimento da outra parte para que a renegociação de determinada cláusula contratual ocorra.
No entanto, caso as partes não cheguem a um acordo durante essa renegociação, o Judiciário é acionado para decidir sobre o conflito e, devido a isso, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade de revisão do contrato anteriormente celebrado entre particulares.
Com o advento da atual pandemia de Covid-19 causada pelo coronavírus, o Estado brasileiro tomou algumas medidas sanitárias na tentativa de conter a propagação da doença, o que acabou afetando o setor econômico de diversas formas. Como exemplo dessas medidas sanitárias, houve as normas de quarentena que restringiam a circulação de pessoas e proibiam o funcionamento do comércio, indústria e serviços que exercem atividades consideradas não essenciais. Como resultado destas medidas, sem dúvida, ocorreu um impacto negativo nas receitas dessas empresas, uma vez que foram proibidas de operar, comercializar e produzir. Muitas empresas exerciam sua atividade econômica em imóveis alugados, o que pode ter influenciado diretamente na utilização desses imóveis e, consequentemente, dificultado o pagamento dos respectivos alugueis.
Perante a situação global delineada até o momento, coloca-se a questão se a medida de revisão prevista em legislação específica, ou a prevista no Código Civil, justificaria um recurso de revisão devido aos efeitos da pandemia. Se entendermos a legislação específica, existem requisitos que podem impossibilitar sua adequação para muitas das locações potencialmente afetadas pela pandemia, como a Lei nº 8.245/91. Se entendermos o caminho oferecido pelo Código Civil, além das exigências mais rígidas da norma acima, devemos superar o disposto no artigo 79 da Lei nº 8.245/91, que permite a aplicação subsidiária do Código Civil, porém, apenas em situações de violação.
Assim, o presente artigo busca, através da compreensão da pandemia como fato imprevisível e gerador e efeitos econômicos nefastos, verificar a possibilidade ou não da revisão contratual através do Covid-19 como seu fato gerador.
2 METODOLOGIA
A busca pela delimitação jurídica sobre a possibilidade ou não da revisão contratual através do Covid-19 como seu fato gerador combinou as metodologias dedutiva e indutiva.
O método dedutivo foi adotado na exposição de um marco, a pandemia do Covid-19, que estabelece premissas gerais a partir das quais fossem elaborados parâmetros específicos para o enfrentamento da questão posta.
De forma complementar, a investigação também se valeu do método indutivo, a partir do estudo da realidade trazida pela pandemia, especificamente nas relações contratuais de locação entre partes que, de alguma forma, foram diretamente afetadas pelo Covid-19.
Além disso, a essa metodologia, aliaram-se a revisão bibliográfica e a pesquisa de jurisprudência sobre o tema, além dos enunciados das Jornadas de Direito, como forma de inserir a pesquisa no contexto da literatura jurídica e das interpretações judiciais contemporâneas.
3 CONCEITO DE CONTRATOS E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES
Segundo o dicionário Priberam, a palavra “contrato” significa “acordo ou convenção para a execução de algo sob determinadas condições”. Todavia, a simples definição da palavra não aborda todos os fatores importantes para a delimitação das normas, como, por exemplo, o contexto social e tempo em que está inserido, visto que os conceitos e objetivos observados no século XX, por exemplo, são distintos dos verificados atualmente.
Assim, iniciou-se a análise dos contratos em conjunto com determinados princípios contratuais norteadores, como o princípio da autonomia da vontade das partes, surgindo o contrato como forma de regulação dos interesses meramente privados. Porém, com o passar do tempo, houve a intensificação da intervenção estatal, que, através do poder legislativo, passou a estabelecer cláusulas gerais para garantir o equilíbrio contratual entre as partes, inclusive limitando o princípio clássico da liberdade de contratação.
As intervenções do Estado repercutem na forma de interpretação dos contratos e, por isso, cada vez mais afastou-se a definição objetiva de “regulação de interesses meramente privados” para uma definição mais funcional, sendo que, a partir desse ponto, surge o princípio da função social do contrato, previsto no art. 421 do Código Civil: “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.
Dessa forma, os contratos passaram, ao longo dos anos, a terem contornos mais funcionais do que simplesmente objetivos e, a partir do conceito de função social, o contrato não pode servir como instrumento para práticas abusivas ou que onerem demasiadamente alguma parte, sendo esta parte inserida ou não na relação contratual, sob pena de ser invalidado.
4 TEORIA DA IMPREVISIBILIDADE E DA ONEROSIDADE EXCESSIVA
A teoria da imprevisibilidade baseia-se na mudança da realidade e na ocorrência de um evento imprevisível ou extraordinário. De certa forma, toda relação contratual deve ser cumprida levando em consideração as condições externas vigentes no momento da celebração do contrato. Circunstâncias externas são geralmente consideradas normais, mas a teoria da imprevisibilidade se aplica no caso de uma mudança significativa por meio de alteração e modificação do contrato
A solução do art. 317 do Código Civil traduz uma espécie de relativização da aplicabilidade da pacta sunt servanda, que estabelece que os pactos devem ser cumpridos, ou seja, os contratos deveriam ser cumpridos na forma como celebrados anteriormente. A ideia é que o pacta sunt servanda deve ser respeitado nas suas condições normais, porém, a pandemia da Covid-19 alterou profundamente as condições econômicas, jurídicas e políticas do Estado como um todo, afetando as relações contratuais e os contratos anteriormente firmados entre as partes.
Assim, verifica-se que qualquer relação contratual está sujeita a fatores externos que influenciam diretamente no cumprimento das obrigações estabelecidas no instrumento anteriormente firmado e, consequentemente, à medida que a realidade muda e se altera materialmente, os contratos são comprometidos e desequilibrados por fatos fortuitos e imprevisíveis que justificam a revisão ou rescisão do contrato.
Quanto aos requisitos para aplicação da teoria do ônus excessivo, ela se aplica aos contratos de execução continuada ou diferida. Como exemplo de processamento continuado, tais contratos podem ser utilizados onde seu cumprimento ocorre sucessivamente ao longo do tempo, como contratos sindicatos, contratos de locação ou financiamentos de compra e venda com pagamento de parcelas mensais.
Em primeiro lugar, como uma das condições, deve-se notar que para que um contrato seja rescindido, nos moldes do art. 478 do Código Civil, deve haver um ônus excessivo para uma das partes e uma vantagem extrema para a outra. Deve-se tomar cuidado para garantir que esses dois requisitos ocorram cumulativamente. Nesse sentido, de acordo com o Enunciado nº 365 CJF/STJ, “a extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena”. Em outras palavras, essa declaração foi aprovada na IV Conferência de Direito Civil e não há necessidade de benefício da outra parte, uma vez que basta o prejuízo e o desequilíbrio contratual.
Dessa forma, pode-se finalmente qualificar a teoria do favorecimento excessivo em termos da necessidade da vantagem extrema da outra parte. Com a afirmação acima, fica claro que a sua aplicação será mais efetiva para as partes, uma vez que não precisa ser totalmente comprovada.
Partindo da premissa de dar um novo olhar e interpretação do artigo, uma solução compatível com a teoria do ônus excessivo seria lê-lo em conjunto com o art. 317 do Código Civil, que dispõe que, se por motivos imprevisíveis houver evidente desproporção entre o valor do serviço e o momento de sua execução, poderá haver a correção a pedido da parte para assegurar o real valor do benefício.
A acumulação desses dois mandamentos seria mais efetiva em relação à atual situação da Covid-19, pois não se trata do benefício extremo para a outra parte. Portanto, aderindo ao art. 478 e 317 do Código Civil, bastaria o ônus excessivo de uma das partes para se manter configurada, reivindicar por motivos imprevisíveis e tentar solucionar o problema contratual. Porém, devido à Covid-19, ambas as partes podem ser afetadas por esse fato extraordinário.
Destarte, uma medida viável ao se considerar a aplicação da teoria do ônus excessivo seria alienar os artigos 478 e 317 do Código Civil. Dessa forma, a aplicação da teoria já estaria pré-configurada se o ônus fosse apenas excessivo, e a questão da extrema vantagem da contraparte não precisa ser acomodada, considerando a declaração nº. 365 CJF/STJ, que permite essa interpretação.
Ao escolher essa opção, é necessário observar o que seria mais adequado no caso concreto, pois outra alternativa seria considerar o que o art. 479 do Código Civil afirma sobre a rescisão do contrato poder ser evitada oferecendo ao réu a alteração dos termos do contrato ao seu critério razoável. Aqui há a possibilidade de revisão, desde que o réu ofereça razoavelmente a mudança para manter o negócio jurídico. Portanto, a parte pode se opor à rescisão do contrato e fazer a alteração nas melhores condições. Não obstante, é necessário que o juiz analise a existência ou não do nexo de causalidade entre a pandemia e a relação contratual em cada caso. A intervenção judicial será necessária nos casos em que não ocorra a livre negociação entre as partes contratantes.
Como requisito final, há um fator importante, que é a imprevisibilidade associada às mudanças que a sociedade está vivenciando, como o exemplo da pandemia, e o evento deve ser imprevisível e extraordinário. Cabe destacar a Declaração nº 366 CJF/STJ, que estabelece que o evento excepcional e imprevisível causador de ônus excessivo é aquele que objetivamente não está coberto pelos riscos associados ao contrato, ou seja, a situação que se encontra na esfera da normalidade dentro da sociedade, sem evento imprevisível significativo, o disposto no art. 478 do Código Civil.
É sabido que a pandemia da Covid-19 foi um fato imprevisível e extraordinário, tendo em vista que o Brasil não sofre instabilidades dessa magnitude há décadas, nem mesmo uma crise financeira que levou a tantos desempregados, fechamento de negócios e filiais comerciais.
5 CONFIGURAÇÃO DA IMPREVISIBILIDADE E ONEROSIDADE EXCESSIVA NA PRÁTICA
Poucos casos foram julgados imprevisíveis por nossos tribunais, nada é imprevisto e tudo se tornou previsível, como inflação, valorização do dólar ou desemprego, não sendo possível verificar esses fatos. A questão é que a maioria das situações que ocorrem em uma sociedade não é imprevisível, em que se torna difícil verificar um contrato com fatos adicionais (TARTUCE, 2020).
Porém, ainda em relação à imprevisibilidade, a recente Lei 13.874/2019, a Lei da Liberdade Econômica, traz em seu art. 421-A, III a seguinte redação:
Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Portanto, a imprevisibilidade ocorre em casos excepcionais, e a pandemia da Covid-19, que agravou o alto desemprego e a crise econômica, é um fato que pode ser considerado como um fato imprevisível dando origem à revisão contratual. O estado de imprevisibilidade de um fato deve ser minimizado em casos individuais. Em relação à pandemia, não podemos deixar de considerar que se trata de um fato muito atípico com consequências de grande magnitude, neste caso, deve ser aplicado o conceito do imprevisível mencionado acima.
Atualmente, dever-se-á aplicar da melhor forma possível para que as duas partes contratantes não sejam prejudicadas. A revisão contratual é benéfica para as duas partes, levando mais em conta a sua maior efetividade do que a resolução do contrato. A Lei 14.010/2020 criou o RJET – Regime Jurídico Emergencial Transitório de Direito Privado – e, a respeito da imprevisibilidade, trouxe a seguinte questão no Art. 7º: não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos Arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, e a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.
De fato, nossa legislação nos traz algumas disposições estatutárias que protegem os contratados em determinadas situações, porém, diante de uma pandemia e de uma situação atípica vivida por todos, são necessárias regulamentações mais específicas sobre esse assunto. O veto presidencial mencionado acima havia sido derrubado pelo Congresso Nacional por considerar que, apesar das disposições aplicáveis a essas situações, é necessário aplicar, adaptar e reajustar as deficiências causadas pela pandemia.
O referido dispositivo não alterou praticamente nada, pois não alterou a redação do Código Civil nem criou uma nova regulamentação da situação. Pode-se concluir que a situação quanto ao aspecto contratual foi a mesma para a pandemia da Covid-19, cabendo ao judiciário aplicar ou não o instituto, o que não tem efeito prático efetivo. Dada a permanência do art. 7º da Lei 14.010/2020, fatos imprevisíveis não são relevantes, exclusivamente para o art. 317 que trata da imprevisibilidade e revisão de contratos, e os artigos 478, 479 e 480 que tratam do capítulo sobre a rescisão do contrato e, em particular, que tratam de oneração excessiva, aumento da inflação, flutuações cambiais, e desvalorização ou substituição do padrão cambial. Portanto, as Partes Contratantes não podem invocar a teoria de um ônus imprevisto, ou mesmo excessivo, com o referido artigo por esses motivos.
Considerando os desequilíbrios e crises econômicas, como vemos a interrupção e o fechamento do comércio na onda vermelha, a mudança na inflação, na moeda e nas relações contratuais pode ser um dado. Grandes flutuações na vida dos contratados, fechamento de empresas e fábricas são fatores que afetam diretamente essas mudanças. A pandemia é um evento sem precedentes que cria um desequilíbrio entre as partes e é um fato imprevisível por tudo o que trouxe mudanças catastróficas. Em relação ao art. 7º da referida lei, pode-se argumentar que a oscilação da taxa de câmbio e da inflação ocorreria com a pandemia, mas devemos levar em consideração que a oscilação pode mudar abruptamente em vários casos, com uma mudança exponencial na obrigação contratual no caso único.
Para ilustrar melhor, um empresário local poderia estar ciente de que passaria por momentos difíceis devido à crise que assolou o Brasil e o mundo, mas não previu a magnitude dessa crise, como a onda vermelha e o fechamento total dos estabelecimentos por tempo indeterminado, que geraram consequências graves, pois, sem vendas e com a empresa fechada, não foi possível cumprir as obrigações contratuais.
O artigo 7º não abrange as hipóteses de hiperinflação ou hiper depreciação da taxa de câmbio, que sejam consideradas alheias às expectativas da sociedade e à previsibilidade esperada das partes contratantes. O exemplo é que, devido à pandemia, ninguém espera inflação ao ponto de um pagamento de R$1.000,00 se tornar uma taxa de R$1.000.000,00, o que leva ao fato imprevisível conforme arts. 317 e 478 do Código Civil (STOLZE, 2020).
Todos sabemos que a pandemia teve um grande impacto nos contratos de locação, sejam eles residenciais ou mesmo comerciais, e nesta perspectiva é necessário prestar especial atenção à obrigação de negociar. Os locadores geralmente conhecem as características especiais de suas relações jurídicas e, muitas vezes, estão ainda mais dispostos a fazer um novo ajuste no contrato de aluguel. Nos casos em que não há acordo ou renegociação, é necessária a intervenção do judiciário, situação em que muitas ações estão sendo ajuizadas devido à pandemia para obter sua revisão, suspensão ou redução de aluguel.
As locações podem ser comerciais ou particulares. As medidas tomadas pela administração pública para conter a propagação do vírus prejudicaram os locais, o que afetou ainda mais as relações jurídicas das empreiteiras. A partir disso, muitas dúvidas surgiram, pois, mesmo que o inquilino tenha que interromper a atividade comercial por meio de regulamento, os proprietários ainda têm direito ao pagamento de suas parcelas.
A Lei do Aluguel, Lei 8.245/90, trata das disposições da locação de imóveis. Em relação aos alugueis, a referida lei nos traz dois importantes artigos de reajuste. O primeiro seria o art. 18, que estabelece que é lícito às partes acordarem um novo valor para o aluguel e inserir ou alterar uma cláusula de reajuste. Dessa forma, o dispositivo prevê a possibilidade de um acordo entre elas, para que nenhuma das partes seja prejudicada. Nesses momentos, as partes contratantes devem respeitar os princípios da boa-fé e promover a solidariedade para a melhor continuidade do negócio jurídico.
Além disso, o art. 19 da referida lei dispõe que, se não houver acordo, passados três anos de vigência do contrato ou acordo previamente firmado, o locador ou locatário poderá requerer a revisão judicial do aluguel para ajustá-lo ao preço de mercado. Para solicitar a revisão do valor do aluguel mensal, é necessário observar um prazo de três anos se não houver acordo. Por conta da crise da pandemia da covid-19, a campanha do índice de aluguel é uma saída para uma das empreiteiras amortecer os efeitos ocorridos.
Portanto, é necessária uma análise e reinterpretação do artigo para facilitar a aplicação das partes contratantes quando não tiverem celebrado um acordo e não tiverem respeitado o prazo de três anos. É possível aplicar a verificação prevista no art. 19 pela inevitabilidade do evento pandêmico, mas isso acarreta consequências diretas para o local e região onde o imóvel está localizado, e também para o problema subjetivo que afeta uma das partes (TARTUCE, 2020).
Na falta de disposição expressa, o referido artigo, se analisado segundo a redação da lei, não poderia ser aplicado para fins de revisão contratual. Se o inquilino não puder cumprir as suas obrigações contratuais, pode, a seu critério, rescindir o contrato de acordo com o art. 4 da Lei do arrendamento, pagamento da multa rescisória (SOUZA SILVA, 2020).
Além disso, como alternativa para mitigar as consequências da pandemia para o inquilino, pode ser considerada a possibilidade de redução ou cancelamento da multa rescisória prevista no referido artigo. Muitas empresas arrendadas pagam aluguéis muito altos e a penalidade pela rescisão é correspondentemente alta. Neste momento de crise, a relativização dessa multa seria aplicada a casos específicos que realmente sofreram consequências (TARTUCE, 2020).
Não se deve esquecer que, com os efeitos da pandemia, houve queda de renda e desemprego tanto no setor comercial quanto no privado. Além disso, deve-se levar em conta que muitas pessoas vivem apenas do aluguel de imóveis que têm como fonte de renda. Portanto, é necessário analisar não apenas os contratos, mas também as cláusulas contratuais para chegar a uma solução que atenda às partes.
A Lei 14.010/20, que é considerada uma lei pandêmica, não trouxe muitos mecanismos para tratar efetivamente da revisão contratual. Dispositivos e regras eram necessários para regular efetivamente não apenas o arrendamento, mas, também, os contratos em geral, e para proteger os inquilinos e seus negócios. Destarte, com a falta de regulamentação mais precisa e específica, há o aumento das reclamações sobre a verificação das rendas. Portanto, é importante reinterpretar os dispositivos existentes para uma situação tão atípica.
6 REVISÃO CONTRATUAL NO CONTRATO DE LOCAÇÃO NO CONTEXTO DA PANDEMIA
Como é de amplo conhecimento de toda a população, a pandemia causada pela disseminação do novo coronavírus trouxe não apenas reflexos sanitários, mas também econômicos. Dentre esses efeitos, pode-se citar a inflação, desvalorização da moeda e o desemprego, o que repercute no âmbito contratual, sobretudo nos contratos de locação.
O principal fato é que tais efeitos ocasionam a impossibilidade de adimplemento dos contratos de locações pelas partes, fazendo com que inúmeros contratos fossem descumpridos. Vale destacar a importância que se faz das soluções consensuais, cita-se aqui os Shopping Centers que isentaram os lojistas de pagar aluguel durante o período em que ficaram fechados.
Todavia, nem sempre as partes conseguem chegar a um acordo. Assim, o número de ações propostas no Judiciário ações com pedidos de revisão e resolução de tais contratos aumentou excessivamente, o que justifica a análise da atuação forense acerca das ações revisionais de contrato de locação, a qual será exposta ao longo desse capítulo.
A locação é o contrato onde o locador concede o uso e gozo de coisa não-fungível, mediante contraprestação pecuniária ao locatário ou inquilino, tratando-se de imóvel urbano. O contrato de locação pode ser definido como sinalagmático, comutativo, consensual, oneroso, impessoal e de duração.
Os contratos de locação são regidos pela Lei n. 8.245/91 e vêm sofrendo grande influência legislativa e judicial dos ideais de proteção aos locatários, que se presumem a parte mais vulnerável da relação.
Os contratos de locação de imóveis urbanos podem se dividir em três espécies: a locação residencial, a não residencial e a temporária. A locação residencial, como o próprio nome sugere, refere-se ao imóvel alugado para moradia do locatário. A locação não residencial, de outro lado, presta-se aos imóveis destinados ao comércio, estando disposta nos artigos 51 a 57. Já os contratos de locação temporários, conforme previsto pelos artigos 48 e 49, ocorrem quando o locatário pretende permanecer no imóvel pelo prazo máximo de 90 dias.
De acordo com a Lei de Locação, os contratantes têm a liberdade de estipular livremente acerca da aplicação de correção monetária, bem como assegurar a revisão do contrato por comum acordo e por revisão judicial.
Art. 17. É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.
Parágrafo único. Nas locações residenciais serão observados os critérios de reajustes previstos na legislação específica.
Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.
Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderá pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.
Nota-se também a preocupação do legislador em garantir ao locatário a segurança jurídica como se fosse o verdadeiro titular do direito real. Um claro exemplo disso é o art. 27, que dá o direito de preferência em adquirir o imóvel.
No tocante ao cenário de pandemia da Covid-19 e seus devastadores efeitos econômicos, surge a discussão acerca do instituto da revisão contratual. Surgem questionamentos como: a pandemia se configura em evento imprevisível? Seus efeitos geram onerosidade excessiva? Há a possibilidade da revisão dos contratos?
A pandemia não deve ser vista apenas como evento imprevisível, mas também como evento de força maior, visto que seus efeitos, principalmente no que atine à economia, são inevitáveis.
O ordenamento jurídico estabelece a possibilidade de revisão ou resolução contratual, baseado nas teorias da Onerosidade Excessiva, Imprevisão e da Base Objetiva, que flexibilizam a força obrigatória dos contratos. Como visto no decorrer do trabalho, a Teoria da Imprevisão e Onerosidade Excessiva figuram como as principais teorias de revisão contratual.
No âmbito dos contratos de locação, a revisão contratual gera muitas controvérsias, visto que ambas as partes são afetadas pelos efeitos da pandemia. Por um lado, o locatário, na maioria das vezes, se vê diante do aumento do aluguel, ocasionado pelo aumento da inflação e o decréscimo de seu faturamento. Por outro lado, o locador se vê na iminência do Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
Especificamente, nos contratos de locação não residencial, ou seja, para fins de comércio, as consequências foram enormes. Não foram poucas as medidas sanitárias tomadas pelo Estado para conter a propagação do vírus, como os lockdowns e paralisações de atividades não essenciais, como o comércio, que impactaram diretamente no faturamento dos locatários (lojistas).
Com isso, denota-se que ambas as partes ficaram impossibilitadas com o cumprimento total do contrato. De um lado, há o locador, que não cumpre as obrigações de garantir ao imóvel a destinação para a qual o destinatário se propõe e garantir o uso pacífico do bem (art. 21, I e II da Lei 8.245/9159), e, de outro, o locatário comercial, o qual, em razão da queda de seu faturamento, terá ainda a possibilidade de inadimplência com o pagamento do aluguel.
Os contratos de locação residenciais, por sua vez, devem pautar-se pelas prerrogativas da vulnerabilidade e hipossuficiência do locatário, visto que se trata de questão atinente ao próprio direito de moradia.
No caso dos contratos de locação, a revisão em decorrência da pandemia e seus efeitos é completamente possível, conforme dispõem o arts. 317 e 478 do Código Civil:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Pela leitura dos dispositivos acima, o legislador consagrou a Teoria da Onerosidade Excessiva e da Imprevisão nos contratos, tais teorias pressupõem a existência de fato extraordinário e imprevisível, bem como a “extrema vantagem para outra parte” simultânea à onerosidade excessiva do devedor.
Nota-se, ainda, que o Enunciado 365 da IV Jornada de Direito Civil proclamou que o requisito da “extrema vantagem” não é essencial para a aplicação da teoria da imprevisão. Desta forma, seria necessário apenas a comprovação da onerosidade excessiva.
Tal entendimento tem enorme importância para a possibilidade de revisão dos contratos de locação não residencial durante a pandemia, visto que, na maioria dos casos, tanto o locatário como o locador têm seu faturamento reduzido. Tal premissa é extremamente necessária no âmbito da revisão contratual, pois determinada revisão contratual poderá afetar a própria subsistência da atividade econômica, seja do locatário (lojista) ou do locador.
A Lei do Inquilinato, por sua vez, expressamente prevê a possibilidade de modificar cláusulas em comum acordo e de revisão dos contratos, conforme disposto nos artigos 18 e 19:
Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.
Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderá pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.
Ainda que preveja o prazo de três anos para a possibilidade de pedido de revisão, conforme demonstrado ao longo do trabalho, tal requisito pode ser afastado pelo juiz em virtude da aplicação das teorias da onerosidade excessiva e imprevisão, procedendo, assim, à revisão do contrato ignorando o prazo disposto, levando em consideração para a tomada de decisão os princípios contratuais da função social, boa-fé objetiva e equilíbrio contratual. Cabe salientar que o simples fato de estarmos no meio de uma pandemia não configura direito às partes contratantes de se esquivarem de suas obrigações, cabe a análise de cada caso concreto e suas peculiaridades.
Na verdade, o que não dá para discutir é que em diversos contratos ocorre o desequilíbrio contratual, gerado diretamente ou pelos efeitos da pandemia, que se configuram como causa de força maior. Porém, tal revisão do contrato deverá levar em consideração tanto os interesses e direitos do locador como do locatário, apesar do último ser considerado parte hipossuficiente da relação, e qualquer decisão que ignore tal premissa poderá gerar, ainda, maior desequilíbrio contratual.
Além disso, é imperioso destacar que as partes deverão sempre buscar durante o período pandêmico o reequilíbrio do contrato estabelecendo cláusulas temporárias, como, por exemplo, a redução do valor do aluguel e a suspensão do prazo para pagamento.
Dada a insegurança jurídica ocasionada pela repentina propagação do novo coronavírus e seus efeitos na economia e, consequentemente, nos contratos de locação, será analisado no próximo capítulo a atuação do Poder Judiciário quanto aos pedidos de revisão e resolução contratual nos contratos de locação.
7 MÉTODOS DE SOLUÇÕES DE CONFLITOS APLICADOS ÀS LOCAÇÕES
Em meio à pandemia que vivemos e às crises econômico-financeiras que afetam a sociedade, antes de tentar resolver o conflito por meio de ação judicial, deve-se considerar a utilização de meios alternativos de resolução de conflitos contratuais, especialmente os contratos. Resolver essas disputas pela via judicial pode não ser a melhor alternativa, dada a morosidade do judiciário, e, também, porque desempenha um papel importante na resolução das perdas das partes e na adequação do caso à situação financeira de cada parte. Um dos melhores meios consideráveis é, na minha opinião, tentar resolver o conflito entre as partes, como, por exemplo, tentar chegar a um acordo ou arbitragem. Os empreiteiros podem antecipar, resolver e tentar resolver o problema mais rapidamente e com menor custo sem iniciar um litígio. Deve-se levar em conta que, antes de uma decisão ser tomada, a arbitragem entre as partes seria a melhor alternativa.
Deve-se considerar quais as vantagens que a arbitragem entre as partes pode trazer para a resolução de uma relação contratual, como chances de resolução e redução de processos judiciais. A arbitragem e a tentativa de auto conciliação entre as partes contratantes seriam, assim, uma medida eficaz e deveriam ser consideradas como condição de admissibilidade processual (MARSOLA, 2020).
Tentar mediar as partes com um mediador qualificado e especializado para levar as partes a um consenso seria uma medida eficaz em relação a essas situações contratuais, principalmente no caso de contratos de aluguel. Nesse sentido, cabe destacar o Projeto de Lei 3813/2020 do MP Federal Ricardo Barros (PP/PR), que tem grande aplicabilidade, principalmente agora com o aumento das demandas judiciais para revisão de contratos.
O referido projeto de lei contém 10 artigos que preveem a obrigatoriedade de realização de sessão de auto liquidação extrajudicial antes de ajuizar ação em litígios entre titulares de direitos patrimoniais disponíveis e estabelecer regras para tal.
Art. 1º Nos litígios entre particulares, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sobretudo os que envolvam relações jurídicas cíveis, consumeristas, empresariais e trabalhistas, as partes envolvidas deverão obrigatoriamente se submeter, antes da propositura de eventual ação judicial, à prévia sessão de autocomposição, a ser realizada nos moldes da presente lei.
Assim, fica clara a intenção de cruzar e submeter as partes a uma sessão de autocompreensão, ou seja, uma tentativa de conciliar as partes para chegar a um acordo comum. Neste caso, ambas as partes devem ser auxiliadas por advogados na tentativa de resolução do conflito, sendo a sessão de autodescoberta iniciada pelos princípios da simplicidade, informalidade, oralidade, autonomia da vontade e resolução cooperativa, que privilegiam a pacificação social, a celeridade e a resolução consensual de disputas nos termos da Seção 4 do referido projeto de lei.
No entanto, vale destacar a justificativa do presente projeto de lei, que foi inspirado na pandemia da Covid-19 e suas consequências. As consequências são conhecidas por terem tomado uma grande parte, aumentando ainda mais o desemprego e prejudicando o desempenho do contrato. Em meio à urgência necessária e às altas exigências do judiciário que os institutos legislativos devem aplicar caso a caso, a tentativa de solução amigável deve ser a primeira hipótese para as partes, para que, no longo prazo, não reclame mais danos.
Conforme cediço, em decorrência da pandemia do denominado “novo Coronavírus”, atravessa o mundo a maior crise humanitária e de saúde desde a Segunda Guerra Mundial, com consequências gravíssimas – e ainda não dimensionadas em sua totalidade – em todos os campos da vida. Os respectivos reflexos sociais, econômicos e políticos já se fazem sentir em nosso país, prevendo-se um iminente e descomunal aumento da litigiosidade e respectiva judicialização, com demandas cíveis, consumeristas, empresariais e trabalhistas a serem necessárias e urgentemente solucionadas. (BRASIL, 2020, p. 3)
Percebe-se que o Ministério Público está enfatizando a preocupação com o número de ações judiciais para tentar solucionar esses conflitos. A discussão no judiciário sobre se o instituto se basearia em ônus excessivos ou na teoria da imprevisibilidade também deve ser considerada.
Nesse caso, uma tentativa de conciliação entre as partes contratantes, a cessação dos pagamentos ou mesmo o parcelamento quando a situação melhorar seria uma das opções, sempre mantendo e enfatizando a obrigação de negociação e boa-fé.
Nesse contexto, propõe-se o presente projeto de lei, dispondo sobre a obrigatoriedade de submissão dos particulares, nos litígios referentes a direitos patrimoniais disponíveis, em especial os que envolvam as relações jurídicas referidas no parágrafo anterior, à sessão extrajudicial de autocomposição, prévia à propositura de eventuais medidas judiciais. Tais sessões serão realizadas em ambientes reservados, públicos ou particulares, de preferência em escritórios de advocacia, sempre com a assistência obrigatória das partes por advogados, profissionais indispensáveis à administração da justiça. (BRASIL, 2020, p. 3)
O que fica claro é que as sessões extrajudiciais de auto entendimento visam evitar o impasse nos processos judiciais, que por vezes são deixados ao arbítrio do judiciário, cabendo ressaltar a importância de um advogado atuar no interesse do bem comum para a relação contratual.
Assim, fica claro o quão importante é tentar negociar e mediar entre as partes a fim de alcançar uma melhor aplicabilidade da função social do contrato. Destarte, projetos legislativos nesse sentido e maior conscientização por parte de advogados e árbitros tendem a reduzir o impacto de uma locação comercial, residencial ou contrato em geral.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das considerações feitas ao longo do trabalho, pode-se concluir que é necessária uma avaliação dos dispositivos contidos na legislação brasileira para melhor aplicá-los a situações excepcionais, como a crise da pandemia da Covid-19. No caso de uma relação contratual baseada na função social do contrato e na boa-fé, a relação contratual deve ser mantida na medida do possível para manter o negócio jurídico, uma vez que o contrato deve ser rescindido como exceção.
A pandemia foi um acontecimento inesperado e as empreiteiras querem manter o contrato assinado, na maioria das vezes, e até honrar a locação, por exemplo. Para que isso aconteça, sua melhor aplicação e interpretação seria em relação à teoria do ônus indevido no sentido de que ela incentiva a revisão do tratado em primeiro lugar, e não a sua dissolução. A melhor opção é manter o negócio jurídico para todos que serão prejudicados. Por exemplo, com as locações, uma parte não teria que entregar o imóvel, e a outra não perderia os aluguéis mesmo que sejam de valor inferior ao estabelecido anteriormente.
Quanto à exigência de imprevisibilidade na teoria do estresse excessivo, a pandemia da Covid-19 é vista, na verdade, como um fato imprevisível que atingiu a sociedade brasileira. A aplicação deste requisito deve ser mais ponderada pela jurisprudência, pois é possível concluir que, na maioria dos casos, apenas alguns fatos são considerados imprevisíveis, dificultando a sua verificação com fatos adicionais.
Quanto aos contratos de locação firmados que sofreram as consequências da pandemia para rescindir o contrato, algumas disposições da lei do inquilino precisam ser reinterpretadas, tais como: penalidade em caso de rescisão de contrato, promoção de métodos de resolução de conflitos, mais leis que tratam da mediação entre as partes para tentar resolver o problema de forma pacífica, principalmente agora em situação de pandemia.
Quanto ao disposto na Lei 8.245/90, dois artigos devem ser qualificados devido à situação atual da pandemia, porém, aplicados a cada caso específico. O primeiro artigo a ser considerado é o artigo 19, o qual afirma que uma revisão de aluguel pode ser solicitada após um período de contrato de três anos, mas a reinterpretação é necessária, pois muitos contratos foram assinados em um momento pouco antes do início da pandemia, foram danificados como resultado e não foi possível solicitar uma revisão. Com a possibilidade de rever esses casos específicos que se encontram neste intervalo de tempo, seria eficaz a manutenção do negócio jurídico.
Outro dispositivo a ter em conta é, portanto, o art. 4º da Lei 8.245/90, Lei do Inquilinato, de modo que a pena pela rescisão do contrato seja, no mínimo, reduzida para os casos em que a rescisão do contrato deve necessariamente ser efetivada.
Uma solução que seria aplicável às partes em uma relação contratual seria a utilização de métodos de resolução de conflitos, ou seja, um melhor uso do auto acordo entre as partes para compensar a redução da ação judicial para esse fim. Uma solução efetiva seria o projeto de lei 3813/2020, ainda pendente, que regulamenta a obrigatoriedade de realização de sessão de auto liquidação extrajudicial antes de ajuizar ação judicial em litígios entre pessoas que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Ou seja, em primeiro lugar, antes de ir ao judiciário, uma sessão com profissionais especializados e específicos para tentar acertar as partes seria uma medida eficiente tanto para diminuir as reclamações relacionadas quanto para contar com pessoas especializadas para esse fim.
Assim, conclui-se que devem as partes do contrato de locação privilegiar a solução consensual, visto que a redação do art. 18 da Lei do Inquilinato prevê a renegociação das cláusulas contratuais, de forma a garantir o interesse de ambas as partes.
Todavia, se não for possível, deverá o judiciário analisar o contexto e as particularidades do caso concreto, considerando os aspectos subjetivos tanto do locatário quanto do locador, bem como os princípios contratuais, só assim ter-se-á uma solução justa.
A análise principiológica da revisional do contrato de locação, apesar de ter cunho civil, deverá ser feita pelo juiz de modo a considerar a utilização de princípios de outras áreas jurídicas de forma a funcionar como verdadeiros garantidores de direitos, aplicando a teoria do diálogo das fontes, onde as leis são compositoras de um mesmo sistema jurídico e a prioridade é a função social, que implica que o contrato, além de atingir os objetivos individuais dos contratantes, deve se ater também aos objetivos sociais.
REFERÊNCIAS
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1 bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), pós-graduada em Direito Contratual pela Faculdade CERS e, atualmente, pós-graduanda em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito.