REQUISITOS INDISPENSÁVEIS PARA A DEFLAGRAÇÃO DE GREVES: UMA ANÁLISE A PARTIR DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11661737


José Raimundo Barros Júnior
Orientação: Eder Raul Gomes de Sousa


RESUMO

O direito de greve é uma ferramenta fundamental para os trabalhadores exercerem pressão em busca de melhores condições laborais. No contexto brasileiro, sua regulamentação é delineada pela Constituição Federal, leis ordinárias, jurisprudência e doutrina. Contudo, sua aplicação enfrenta desafios diante das nuances legais, especialmente em serviços ou atividades essenciais. Este estudo objetiva abordar como a Constituição Federal, leis ordinárias, jurisprudência e doutrina tratam o direito de greve no Brasil. Além disso, visa analisar os problemas enfrentados pelos trabalhadores sob esse ordenamento jurídico, especialmente em relação às greves em serviços essenciais. A metodologia adotada é de natureza bibliográfica, fundamentada na análise de textos legais, jurisprudência e doutrina especializada sobre o tema. Os resultados revelam a complexidade da regulamentação do direito de greve, destacando sua constitucionalidade, porém sujeita a limitações legais. A análise do artigo 10 da Lei 7.783/89 ressalta os requisitos impostos aos trabalhadores em serviços essenciais. Em síntese, a deflagração da greve no Brasil é um direito garantido, mas sujeito a condições legais e limitações específicas, especialmente em atividades essenciais. A compreensão desses requisitos é essencial para o exercício responsável desse direito pelos trabalhadores.

Palavras-chave: Direito de Greve, Constituição Federal, Lei Ordinária, Serviços Essenciais, Jurisprudência.

ABSTRACT

The right to strike is a fundamental tool for workers to exert pressure in search of better working conditions. In the Brazilian context, its regulation is outlined by the Federal Constitution, ordinary laws, jurisprudence and doctrine. However, its application faces challenges due to legal nuances, especially in essential services or activities. This study aims to address how the Federal Constitution, ordinary laws, jurisprudence and doctrine treat the right to strike in Brazil. Furthermore, it aims to analyze the problems faced by workers under this legal system, especially in relation to strikes in essential services. The methodology adopted is bibliographic in nature, based on the analysis of legal texts, jurisprudence and specialized doctrine on the topic. The results reveal the complexity of regulating the right to strike, highlighting its constitutionality, however subject to legal limitations. The analysis of article 10 of Law 7,783/89 highlights the requirements imposed on workers in essential services. In summary, the start of a strike in Brazil is a guaranteed right, but subject to legal conditions and specific limitations, especially in essential activities. Understanding these requirements is essential for the responsible exercise of this right by workers.

Keywords: Right to Strike, Federal Constitution, Ordinary Law, Essential Services, Jurisprudence.

INTRODUÇÃO

O direito de greve é uma das manifestações mais significativas da liberdade sindical e um instrumento essencial para a garantia dos direitos trabalhistas e sociais. No contexto brasileiro, essa prerrogativa tem sido alvo de debates, principalmente no que diz respeito aos requisitos indispensáveis para a deflagração desse movimento. Neste trabalho, exploraremos os fundamentos legais, jurisprudenciais e doutrinários que regem o direito de greve no país, bem como os desafios enfrentados pelos trabalhadores na sua concretização.

A Constituição Federal de 1988 reconhece o direito de greve como um dos pilares da democracia e da organização sindical, atribuindo aos trabalhadores o poder de paralisar suas atividades em busca de melhores condições laborais. No entanto, a legislação ordinária, em especial a Lei nº 7.783/89, estabelece uma série de requisitos e limitações para o exercício desse direito, visando conciliar os interesses dos trabalhadores com os serviços essenciais à sociedade. Nesse contexto, surge a necessidade de compreender como essas normativas interagem e como têm sido interpretadas pela jurisprudência e pela doutrina.

Conforme o magistério de Cassar (2018, p. 280), a greve é a cessação coletiva e voluntária do trabalho, decidida por sindicatos de trabalhadores assalariados de modo a obter ou manter benefícios ou para protestar algo. Trata-se de um direito fundamental coletivo previsto na Carta Magna, conforme dispõe o artigo 9º do aludido diploma, in verbis: É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Nos dizeres de Mauricio Godinho Delgado (Apud Romar, 2018, p. 979):

A greve é um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas. Decorre da liberdade de trabalho (art. 5º, XIII, CF), da liberdade associativa e sindical (art. 5º, XVII a XXI e art. 8º, caput e V, CF) e da autonomia dos sindicatos (art. 8º, I, CF). Todos esses fundamentos, que se agregam no fenômeno grevista, embora preservando suas particularidades, conferem a esse direito um status de essencialidade nas ordens jurídicas contemporâneas. Por isso, é direito fundamental nas democracias.

Ademais, a greve é regulamentada pela lei ordinária 7.783/89 que assevera que considera- se legítimo o exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Insta ressaltar que tanto na Constituição Federal quanto na Lei 7.783/89, o legislador destacou que a greve deve ser realizada com arrimo na lei (parágrafo único, art. 1º da referida lei ordinária) e desde que obedeçam alguns requisitos, como a continuidade de serviços ou atividades essenciais. Nessa esteira, o §1º e 2º do art. 9º da CF/88 aduzem que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

A relevância desse estudo se evidencia diante da complexidade e dos conflitos que envolvem o exercício do direito de greve no Brasil. Em um cenário de constantes transformações sociais, econômicas e políticas, é fundamental analisar criticamente as normas e os entendimentos vigentes, a fim de promover um debate qualificado e contribuir para a construção de soluções que conciliem os interesses dos trabalhadores com as necessidades da sociedade.

Diante do arcabouço normativo e jurisprudencial existente, quais são os requisitos indispensáveis para a deflagração de uma greve no Brasil? Como esses requisitos são interpretados e aplicados pelos órgãos competentes? Quais são os principais desafios enfrentados pelos trabalhadores na concretização desse direito, especialmente no que se refere às atividades e serviços considerados essenciais?

O objetivo geral deste trabalho é analisar como a Constituição Federal, as leis ordinárias, a jurisprudência e a doutrina abordam o direito de greve no Brasil, destacando os requisitos indispensáveis para a sua deflagração e os problemas enfrentados pelos trabalhadores. Para tanto, propomos os seguintes objetivos específicos: analisar a constitucionalidade do direito de greve à luz da Carta Magna, da legislação ordinária, dos entendimentos jurisprudenciais e da doutrina atualizada; investigar a natureza relativa do direito de greve, considerando os limites impostos pelas normas legais; e examinar o artigo 10 da Lei nº 7.783/89, que trata do direito de greve dos trabalhadores que prestam serviços ou atividades essenciais.

Este estudo é relevante porque contribui para a compreensão e a reflexão sobre um tema de grande impacto social e jurídico. A análise dos requisitos indispensáveis para a deflagração de greve permite identificar os desafios e as contradições existentes no ordenamento jurídico brasileiro, além de subsidiar a formulação de propostas e políticas públicas que promovam uma efetiva proteção dos direitos trabalhistas e sindicais.

O presente trabalho foi desenvolvido por meio de uma abordagem bibliográfica, que consistiu na análise e na interpretação de textos, documentos, jurisprudência e doutrina relacionados ao tema. Foram consultadas obras clássicas e contemporâneas sobre direito do trabalho, legislação, decisões judiciais e posicionamentos doutrinários, a fim de embasar teoricamente as reflexões e conclusões apresentadas neste trabalho.

Considerando que o tema em questão possui vasto acervo doutrinário, jurisprudencial e normativo, optou-se pela metodologia bibliográfica. Desta feita, analisou-se artigos científicos, teses, doutrinas e decisões das cortes superiores, a fim de melhor compreensão da greve no ordenamento jurídico pátrio. Portanto, a pesquisa deu-se pelo prisma da Dogmática jurídica, bem como pela análise de fatos concretos.

2.  BREVE HISTÓRICO

Apesar de termos notícias que remontam à Idade Média, seja no Egito do século XII (reinado de Ramsés), bem como no Império Romano, a narrativa da greve irá intensificar-se com a eclosão da Revolução Industrial, em especial na Europa do século XVIII – XIX.

Após o surgimento das primeiras constituições liberais, como a Americana e Francesa, que marcam um processo de abstenção do Estado em relação a direitos fundamentais dos cidadãos – principalmente o almejado direito de liberdade econômica por parte da burguesia -, em momento posterior, com o surgimento dos trabalhadores das fábricas, denota-se uma necessidade de atuação Estatal, no tocante à promoção da igualdade substancial e dos direitos sociais desse novo segmento. Não basta, agora, apenas a não ingerência do Estado, este precisa atuar como um agente de transformações sociais; Fornecendo condições materiais aos que necessitam; elaborando um leque de direitos que satisfaça a essa nova classe forjada a partir do surgimento do sistema fabril mecanizado. Assim, a Constituição Mexicana (1917) e a Constituição da República de Weinmar (1919) são as precursoras do denominado Estado Social. A partir de então, os operários começaram a organizar-se de forma coletiva, conforme os avanços ou recuos das leis trabalhistas, surgindo – e inspirando – a greve numa concepção mais moderna.

A greve, no Brasil, passou por 03 (três) momentos distintos ao longo da História.

Inicialmente o instituto da greve foi tratado pelo Código Penal de 1890, que a considerava crime, independente do seu caráter pacifico ou violento. A lei 38 de 1932, que versava sobre a Segurança Nacional, conceituou a greve com delito.

 Na Constituição de 1934, apesar do direito de greve haver figurado no anteprojeto, este acabou não sendo positivado na referida carta, em razão da pressão exercida pelos empresários da época. Frisa-se que o referido diploma, por sua vez, trazia em seu texto alguns avanços sociais, como o salário mínimo, repouso semanal, férias anuais remuneradas e jornada de trabalho de oito horas.

A Constituição de 1937 (Estado Novo) é a primeira a trazer no seu bojo a greve como algo ilícito. Assim dizia o art. 139 do aludido diploma:

Art. 139 (…)

A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho       e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da nação.

O diploma penal de 1940 considerava crime a paralisação do trabalho, na hipótese de perturbação da ordem pública ou se o movimento fosse contrário aos interesses públicos. 

A CLT de 1943, ao ser promulgada, nos termos do art. 723, estabelecia-se pena de suspensão ou dispensa do emprego, perda do cargo do representante profissional que estivesse no gozo do mandato sindical, suspensão pelo prazo de dois a cinco anos do direito de ser eleito como representante sindical, nos casos de suspensão coletiva de trabalho sem prévia autorização do tribunal trabalhista.

Com o advento da Constituição Federal de 1946, esta acabará por reconhecer o direito de greve em seu texto e, indo além, anistiava os grevistas do Estado Novo. Dizia os seus artigos 158 e 28. Vejamos:

Art. 158 – É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.

Art. 28 – É concedida anistia a todos os cidadãos considerados insubmissos ou desertores até a data da promulgação deste Ato e igualmente aos trabalhadores que tenham sofrido penas disciplinares, em conseqüência de greves ou dissídios do trabalho.

Com o golpe militar de 1964, o governo promulgou a lei de n.º 4.330, que limitava o direito de greve. Em verdade, nesse período a greve fora rigidamente regulamentada, a ponto de sua prática ser algo inviável. Nesse sentido, é certeira observação de Francisco Osani de Lavor:

A Lei 4.330/64 regulamentou, por muito tempo, o exercício do direito de greve, impondo tantas limitações e criando tantas dificuldades, a ponto de ter sido denominada por muitos juslaboristas como a Lei do delito da greve e não a Lei do direito da greve (Apud Leite, 2023, pág.1210)

 Destaca-se, ainda, que a referida lei era flagrantemente inconstitucional, vez que se chocava com as normas da Constituição de 1946.

Em março de 1967, o governo promulga uma nova constituição. Nela, de forma expressa, o governo proibia a greve para os serviços públicos e para os serviços essenciais. A Emenda Constitucional 01, de 17.10.1969, manteve a mesma orientação (arts. 165, XX, e 162). O Decreto lei 1632/78, por sua vez, passou a definir quais seriam esses serviços essenciais. Importa destacar, no entanto, que o referido Decreto englobava uma vasta gama de serviços como essenciais, o que dificultava qualquer segmento a enquadrar-se além da proibição paredista.

Como dissemos, o direito de greve no período compreendido como Ditadura Militar (1964 – 1988), acabara por regulamentar em excesso o movimento paredista. Dessa forma, tornava-se impossível que as greves não figurassem na ilegalidade, vez que a greve dos servidores públicos e de todo e qualquer tipo de atividade eram considerados ilegais, consoante as normas da época.

A Constituição de 1988, por sua vez, consagrou o direito de greve de forma ampla, consoante o seu art. 9º e parágrafos 1º e 2º. Ademais, foi estendido o direito de greve aos servidores públicos civis, embora condicionando o seu exercício à edição de lei complementar, que ainda não fora editada. Todavia, em 2007, o STF julgou os Mandados de Injunção 670, 708 e 712 (julgamento em 25.10.2007, e publicação do acórdão em 31.10.2008), determinando que, enquanto não for editada a lei específica exigida pelo art. 37, inc. VII, da CF, aplicar-se-á, no âmbito da administração pública federal, estadual ou municipal, a Lei 7.783/89, do setor privado.

3. DA CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO DE GREVE À LUZ DA CARTA MAGNA DE 1988, DA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA, DOS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS E DA DOUTRINA ATUALIZADA.

 O direito de greve é uma prerrogativa dos trabalhadores assegurada pela Constituição Federal de 1988, sendo considerado um instrumento legítimo de luta pelos direitos laborais. Nesse sentido, Boucinhas Filho (2013) destaca que a greve é um direito fundamental dos trabalhadores, reconhecido como manifestação da liberdade sindical e da autonomia coletiva.

A Constituição, em seu artigo 9º, assegura o direito de greve, desde que observadas às disposições legais, sendo considerada uma garantia fundamental para a consecução dos interesses coletivos da categoria. Melo (2017) enfatiza que a greve é um meio legítimo de pressão dos trabalhadores para a obtenção de melhores condições de trabalho e remuneração digna.

Nos termos do artigo 9.º da Carta Magna:

É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

 § 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. (Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)

A legislação ordinária, em especial a Lei nº 7.783/89, estabelece os requisitos e procedimentos que devem ser observados para a deflagração da greve, visando garantir a manutenção da ordem pública e a preservação dos direitos fundamentais da sociedade.

De acordo com o art. 2º da Lei 7.783/89:

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Leite (2018) destaca que a regulamentação da greve é essencial para balancear os interesses dos trabalhadores e da sociedade como um todo. Frisa-se que, em face da omissão legislativa, o direito à greve dos servidores públicos civil é, subsidiariamente, regulamentado pela Lei n.º 7.783/89.

Além da legislação, os entendimentos jurisprudenciais têm papel crucial na definição dos limites e condições para o exercício do direito de greve. Lemos (2020) salienta que os tribunais têm buscado conciliar o direito de greve com outros direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, especialmente em situações de crise, como a pandemia de COVID-19. A Jurisprudência reconhece a greve como um direito fundamental e de caráter coletivo:

DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. A) RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS NO ESTADO DE PERNAMBUCO – URBANA. GREVE EM ATIVIDADE ESSENCIAL (TRANSPORTE PÚBLICO DE PASSAGEIROS). A Constituição reconhece a greve como direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas. Trata-se de instrumento de pressão que visa a propiciar o alcance de certo resultado concreto, em decorrência do convencimento da parte confrontada. (…) RO – 265-87.2015.5.06.0000 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 14/12/2015, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 18/12/2015

Importa destacar que a legitimidade para a deflagração paredista é dos sindicatos dos trabalhadores destinatários da proteção constitucional-trabalhista. Conforme extrai-se do julgado acima, a greve é um ato e direito exercido na coletividade. É o que se conclui, por exemplo, a partir do texto do art. 4.º da Lei 7.783/89:

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. (grifei).

Em não havendo organização sindical, faculta a lei que a deflagração da greve seja realizada por uma Comissão de Negociação, eleita em Assembleia Geral dos Trabalhadores interessados (§ 2.º do art.4.º da Lei de Greves).

A doutrina atualizada também contribui para o debate sobre a constitucionalidade do direito de greve, fornecendo análises críticas e propostas de aprimoramento da legislação e da jurisprudência. Ademais, no mesmo sentido jurisprudencial, a doutrina aborda o direito de greve como um direito fundamental. Nesse sentido, Goldinho (2018), assinala que “A natureza jurídica da greve, hoje é de um direito fundamental coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas”. Leite (2023), infere que a natureza jurídica de um instituto diz respeito à sua essência e o que representa para o mundo do direito, à luz das noções jurídicas que com ele guardam correspondência.

Quanto à sua finalidade, a doutrina, em sua maioria, entende tratar-se de instrumento de autotutela. Para Goldinho (2018), a greve é mecanismo de autotutela de interesses; de certo modo, é exercício direto das próprias razões, acolhido pelo ordenamento jurídico.

Diante disso, é fundamental um constante diálogo entre legisladores, juristas, sindicatos e demais atores sociais para aprimorar a regulamentação e a aplicação do direito de greve no ordenamento jurídico brasileiro. Delgado (2018) ressalta a importância de se buscar um equilíbrio entre a garantia do direito de greve e a preservação da ordem pública e dos direitos fundamentais da sociedade como um todo.

A constitucionalidade do direito de greve à luz da Carta Magna, da legislação ordinária, dos entendimentos jurisprudenciais e da doutrina atualizada demanda uma análise criteriosa e contextualizada, visando assegurar o exercício desse direito como um instrumento legítimo de luta pelos direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se preserva a ordem pública e o interesse coletivo.

4. A NATUREZA RELATIVA DO DIREITO DE GREVE, CONSIDERANDO OS LIMITES IMPOSTOS PELAS NORMAS LEGAIS

O direito de greve é um tema complexo e multifacetado que envolve não apenas questões laborais, mas também políticas e sociais. Segundo Alexy (2008), os direitos fundamentais, como a greve, são dispositivos de proteção da dignidade humana e devem ser interpretados e aplicados de acordo com as normas constitucionais e legais vigentes. No contexto brasileiro, a legislação trabalhista e a Carta Magna estabelecem parâmetros e limites para o exercício do direito de greve, visando garantir a ordem pública e o regular funcionamento das atividades essenciais.

A análise do direito de greve à luz das normas legais revela sua natureza relativa e condicionada. De acordo com Brito Filho (2021), o ordenamento jurídico brasileiro reconhece o direito de greve como um instrumento legítimo de manifestação dos trabalhadores, porém, impõe restrições e requisitos para sua realização, especialmente em setores considerados essenciais para a sociedade. 

Justen Filho (2018) destaca que a relatividade do direito de greve também está relacionada à sua compatibilização com outros princípios e valores constitucionais, como a ordem pública, a segurança jurídica e o direito à vida e à saúde. Em situações excepcionais, como pandemias ou calamidades públicas, a realização de greves em determinados setores pode colocar em risco a vida e o bem-estar da população, exigindo uma ponderação cuidadosa entre os direitos dos trabalhadores e o interesse coletivo.

Nesse sentido, a legislação estabelece a necessidade de negociação prévia, a manutenção de serviços mínimos e a comunicação prévia à autoridade competente.

Para que o movimento paredista seja revestido de aspectos legais e de validade, o mesmo deve preencher alguns requisitos formais essenciais antes do seu surgimento. Assim, nos dizeres do art. 3º da lei das Greves, esta deve ser precedida de uma negociação coletiva frustrada ou tenha sido verificada a impossibilidade de recurso à via arbitral. Assim, antes que ocorra o litigio pelos meios judiciais, tem-se exigido que ocorra uma intenção de acordo pelas partes. Nesse sentido, é de suma importância o esgotamento da via de negociação por parte do movimento, consoante entendimento jurisprudencial:

EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE. REQUISITOS LEGAIS. INOBSERVÂNCIA. ESGOTAMENTO DAS NEGOCIAÇÕES. INOCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. O Direito ao exercício de greve é garantido pela Constituição da República para reivindicações legítimas, devendo, contudo, serem observados os requisitos legais. 2. Somente após esgotadas as tentativas de negociação ou se verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, como previsto no art. 3º da  Lei n.º 7.783/89, é que se apresenta possível a deflagração do movimento grevista. (TJMG – AI:20198130000 Bocaiúva, Relator: Des.Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 12/12/2019).

Conforme o magistério de Leite (2023), a negociação coletiva e a greve são dois elementos que se integram, vez que ambos destinam-se a pressionar o empregador a discutir reivindicações trabalhistas. Leciona Amauri Mascaro Nascimento:

A negociação coletiva não teria por si expressão sem o correlato direito de greve, já que bastaria a recusa empresarial em negociar e o pleito terminaria sem outras consequências. Desse modo, a greve está diretamente relacionada com a negociação coletiva e nesse sentido é que ambas as figuras integram o campo maior dos direitos coletivos dos trabalhadores, definidos pela Constituição, dentre outros, o expresso reconhecimento das convenções coletivas de trabalho (CF, art. 7º, XXVI) e a obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (CF, art. 8º, VI). (Apud Leite, 2023, pág. 1242).

Portanto, a negociação coletiva é uma condição imposta pela lei, sua ausência torna o movimento flagrantemente ilegal.

O segundo requisito repousa nos aspectos formais de quórum e realização das assembleias por parte dos trabalhadores, que devem seguir o estatuto da referida entidade. (art.4º da Lei 7783/89). Nesse quesito em específico, importa demonstrar uma certa flexibilidade pelos quais alguns julgados vêm tendo com relação a ausência de comprovação das assembleias. Vejamos:

RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. NÃO ABUSIVIDADE DO MOVIMENTO PAREDISTA. DIREITO FUNDAMENTAL COLETIVO INSCRITO NO ART. 9º DA CF. ARTS. 3º E 4º DA LEI 7.783/89. A Constituição reconhece a greve como um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas. Não se considera abusivo o movimento paredista se observados os requisitos estabelecidos pela ordem jurídica para sua validade: tentativa de negociação; aprovação pela respectiva assembleia de trabalhadores; aviso prévio à parte adversa. Embora se reconheça que o direito de greve se submete às condições estabelecidas nos arts. 3º e 4º da Lei 7.783/1989, torna-se indubitável, em casos concretos – revestidos de peculiaridades que demonstrem o justo exercício, pelos trabalhadores, da prerrogativa de pressionarem a classe patronal para obtenção de melhores condições de trabalho -, que não se pode interpretar a Lei com rigor exagerado, compreendendo um preceito legal de forma isolada, sem integrá-lo ao sistema jurídico. A regulamentação do instituto da greve não pode traduzir um estreitamento ao direito de deflagração do movimento, sobretudo porque a Constituição Federal – que implementou o mais relevante avanço democrático no Direito Coletivo brasileiro -, em seu art. 9º, caput, conferiu larga amplitude a esse direito: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Dessa forma, a aprovação por assembleia não pode – em situações especiais em que o movimento paredista foi realizado com razoabilidade, aprovação e adesão dos obreiros – exprimir uma formalidade intransponível a cercear o legítimo exercício do direito de greve. Assim sendo, a despeito de eventuais irregularidades formais ou até mesmo a ausência de prova escrita da assembleia-geral que autorizou a deflagração da greve, se os elementos dos autos permitem a convicção de ter havido aprovação da greve pela parcela de empregados envolvidos, considera-se atendido o requisito formal estabelecido pelo art. 4º da Lei 7.783/89, na substância – caso dos autos. Julgados desta SDC. Recurso ordinário desprovido (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 0000663- 91.2016.5.17.0000. Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 0000663-91.2016.5.17.0000. [s.l.], 2019).

Nesta situação específica, o Ministro Maurício Godinho Delgado, decidiu tornar mais maleáveis os critérios estabelecidos pela Lei 7.783/89, pois considerou que a exigência de realização de uma assembleia dos trabalhadores, consoante o caso concreto, poderia cercear o legítimo exercício do direito de greve.

Essas escolhas evidenciam que, mesmo com a devida regulação do direito essencial à greve pela Lei 7.783/89, se os objetivos desta lei forem alcançados, o legislador não se apegará a formalismos excessivos e rigidez ao emitir suas decisões, priorizando a observância da intenção legislativa, ou seja, o propósito da Lei 7.783/89. Assim, os tribunais brasileiros têm aceitado flexibilizar os requisitos da referida lei quando se relacionam com a sua maneira de operar, porém não quando se referem à razão que motivou o início da greve, destacando-se a importância de examinar o conceito de greve política.

O terceiro requisito refere-se à notificação da entidade patronal ou aos empregadores com, no mínimo, 48 horas de antecedência. (parágrafo único do art. 4º da Lei de Greves). Em se tratando de serviços ou atividades essenciais o prazo será de 72 horas. A finalidade da notificação, conforme leciona Leite (2023), é permitir que o empregador tome as providências que achar necessárias e que surgirão em decorrência da paralisação.

O quarto requisito diz respeito ao atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade, quando ocorre greve em serviços ou atividades essenciais (art. 9º, §1º da CF/88 c/c arts. 10, 11 e 12 da Lei 7783/89).

Em não sendo respeitado os referidos aspectos, o movimento paredista poderá ser considerando ilegal e, conforme o caso, os trabalhadores poderão responder pelos abusos cometidos.

Paulo Sergio João explica que embora o direito de greve não seja totalmente irrestrito, ele é adequadamente governado pelas condições estabelecidas na Lei 7.783/89, segundo a perspectiva do sistema legal nacional. Em certos casos, é possível que essas condições sejam flexibilizadas sem que a greve seja considerada abusiva.

Em matéria de relações coletivas de trabalho, o exercício do direito de greve ainda merece muito aprendizado jurídico e prático. De fato, quando se trata da garantia assegurada aos trabalhadores no art. 9º da Constituição Federal, há verdadeira cizânia na doutrina e a jurisprudência oscila ora no reconhecimento de sua legitimidade desde que preenchidos os condicionamentos da lei 7.883/89 ora na preponderância da manifestação coletiva como direito de fato. (JOÃO, 2019)

Maurício Godinho Delgado (DELGADO, 2015, p. 1527-1528) leciona que

A natureza jurídica da greve, hoje, é de um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas. É exatamente nesta qualidade e com esta dimensão que a Carta Constitucional de 1988 reconhece esse direito (art. 9º). É direito que resulta da liberdade de trabalho, mas também, na mesma medida, da liberdade associativa e sindical e da autonomia dos sindicatos, configurando-se como manifestação relevante da chamada autonomia privada coletiva, própria às democracias. Todos esses fundamentos, que se agregam no fenômeno grevista, embora preservando suas particularidades, conferem a esse direito um status de essencialidade nas ordens jurídicas contemporâneas. Por isso é direito fundamental nas democracias.

A relatividade do direito de greve também se manifesta na jurisprudência brasileira, que busca conciliar os interesses dos trabalhadores com a preservação dos serviços essenciais à população. Conforme Delgado (2018), os tribunais têm reconhecido a legitimidade da greve como um direito constitucional, porém, têm estabelecido limites e medidas para garantir o funcionamento mínimo dos serviços públicos e privados, evitando prejuízos irreparáveis à coletividade.

Leite (2018) ressalta que a relatividade do direito de greve não implica sua supressão ou restrição arbitrária, mas sim uma adequação às circunstâncias e necessidades da sociedade. Nesse sentido, é fundamental que a regulamentação do direito de greve seja realizada de forma democrática e participativa, garantindo o diálogo entre empregadores, trabalhadores e poder público, com o objetivo de assegurar o equilíbrio entre os interesses das partes envolvidas.

Diante do exposto, percebe-se que o direito de greve possui uma natureza relativa e condicionada, que deve ser exercido dentro dos limites e parâmetros estabelecidos pelas normas legais e constitucionais. A garantia desse direito, aliada à preservação da ordem pública e do interesse coletivo, representa um desafio constante para o sistema jurídico brasileiro, exigindo uma constante revisão e atualização das normas e jurisprudências relacionadas ao tema.

5.  DIREITO DE GREVE DOS TRABALHADORES QUE PRESTAM SERVIÇOS OU ATIVIDADES ESSENCIAIS DE ACORDO COM A LEI Nº 7.783/89.

O artigo 10 da Lei nº 7.783/89 estabelece parâmetros específicos para o exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores que desempenham serviços ou atividades consideradas essenciais. Segundo Alexy (2008), os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de forma ponderada, levando-se em consideração os princípios constitucionais e as peculiaridades de cada caso. Nesse contexto, é fundamental analisar a legislação pertinente à greve, como a Lei nº 7.783/89, à luz dos direitos fundamentais e dos interesses coletivos.

Conforme Delgado (2019, p. 1713) A Constituição Federal apresenta um qualificativo circunstancial importante na realização dos movimentos paredistas: serviços ou atividades essenciais. Planejada a greve para esse âmbito diferenciado, seus condutores deverão atentar para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Ou seja: a Carta Magna não proíbe a greve em tais segmentos; mas cria para o movimento paredista um importante condicionamento, em vista das necessidades inadiáveis da comunidade.

Em complemento, o art. 11 do aludido diploma aduz que nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Já o parágrafo único do referido artigo define como necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: 

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; 

II – assistência médica e hospitalar; 

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; 

IV – funerários; 

V – transporte coletivo; 

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; 

VII – telecomunicações; 

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; 

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; 

X – controle de tráfego aéreo; 

XI – compensação bancária;

XII – atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e assistência social;

XIII – atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência);

XIV – outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

XV – atividades portuárias. (BRASIL, 1989).

Cumpre destacar que o aludido rol é meramente exemplificativo, vez que há diversos julgados que abordam greves da seara educacional, por exemplo, como sendo de “atividades essenciais.” Vejamos:

Dissídio Coletivo de Greve. Movimento Paredista deflagrado pelos profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro. Exercício do Direito de Greve que deve observar as limitações e requisitos da Lei n.º 7.783/1989. Possibilidade de reconhecimento de serviços essenciais não contemplados nos art. 9º e 11 da mencionada lei, por se tratar de rol exemplificativo (numerus apertus), conforme entendimento do STF. Direito à educação assegurado pela Carta Magna e pelo ECA. Essencialidade do serviço reconhecida para fins de limitação do exercício do direito de greve. Verificação, em sede de cognição sumária, de elementos que indicam a ilegalidade do movimento paredista. Concessão de tutela de urgência para determinar, ad referendum, a imediata interrupção da paralisação e o retorno ao trabalho pelos servidores, com fixação de multa por cada dia de descumprimento, na forma do art. 3º, I, 7, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça (RITJRJ). Designação de audiência para tentativa de acordo. (TJRJ – DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE –xxxxx-76.2024.8.19.0000, Relator: Des. RICARDO RODRIGUES CARDOZO, Data de Julgamento: 04/03/2024, OE- SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 08/03/2024).

Calha destacar, no entanto, que o percentual mencionado no art. 11 da lei de Greves deve ser ponderado consoante o caso concreto. Assim, ele não pode ser tão alto a ponto de inviabilizar o movimento paredista, nem tão ínfimo, prejudicando a prestação de serviços. Vejamos:

RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. GREVE. ATIVIDADES ESSENCIAIS. LIMITES ABUSIVIDADE. A lei de Greve, no tocante aos serviços essenciais, obriga as partes, de comum acordo, a fixar limites operacionais mínimos para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, no setor. Trata-se, todavia, de encargo atribuído às partes, consoante a dicção do art. 11 da referida lei. Havendo dificuldades insuperáveis para o acordo sobre o tema, pode o Poder Judiciário fixar tais limites. Portanto, não afronta o art. 9º da Constituição Federal a determinação de percentuais mediante os quais as partes providenciem o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, mas o percentual não pode ser tão alto a ponto de inviabilizar o direito de greve, nem tão baixo que não atenda ao mínimo indispensável. No caso, os elementos dos autos, examinados sob o prisma dos dispositivos específicos da Lei de Greve, não permitem a conclusão de que não houve o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, pelo que se deve declarar a greve não abusiva, excluindo-se da condenação a multa por descumprimento da liminar. Recurso ordinário a que se dá provimento. (TST – RODC: 20065050000, Relator: Marcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 08/03/2010, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data da Publicação: 19/03/2010).

Ressalta-se que, nos termos do artigo 12 da referida lei, em não sendo assegurado o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, o poder público deverá providenciar a prestação de tais serviços.

Apreende-se, portanto, que o direito de greve não pode ser exercido de forma arbitrária e irrestrita, havendo, por parte do movimento paredista, o dever de nortear-se pelo ordenamento jurídico que a regula. 

Portanto, o primeiro aspecto limitador do direito de greve repousa nos elementos a serem observados pelo movimento paredista com relação aos requisitos indispensáveis: exaurimento de prévia negociação coletiva; aprovação em assembleia geral realizada pela entidade sindical; notificação ao empregador com antecedência mínima de 48 horas ou 72, nos casos de paralisação de serviços ou atividades essenciais; garantia da manutenção da prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Ademais, consoante os §§ 1.º, 2.º e 3.º do art. 6.º da lei de Greves, não serão permitidos, em nenhuma hipótese, que os meios adotados pelos empregadores ou empregados, violem os direitos e garantias fundamentais de outrem; é proibido, também, às empresas, adotarem meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento; as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. Conforme Magistério de Leite (2023), esses seriam os denominados limites objetivos do direito de greve.

O segundo fator limitador ao direito de greve decorre das consequências impostas pela lei em caso de inobservância das normas que a regulam. Aduz o §2º do art. 9º da CF/88 que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Nesse mesmo sentido, o art. 14 da Lei 7783/89 adverte que constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na referida lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. 

Para Bomfim (2022), as expressões greve abusiva ou greve ilegal são sinônimas. Nesse sentido:

A greve é um direito a ser exercido de acordo com o interesse do grupo. Por conta de sua natureza jurídica (direito) discute-se na doutrina se a greve pode ser declarada ilegal. A discussão perdeu sentido após o art. 187 do Código Civil de 2002, pois a nova lei equiparou o ato ilegal ao abusivo. Ademais, a simples adesão à greve de acordo com a lei não pode ser considerada abusiva, na forma do art. 188, I, do CC. (Bomfim, 2022, pág. 284).

Cumpre destacar que, consoante a lei de Greves, durante a vigência de acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa, a paralisação não será considerada abusiva desde que tenha por objetivo o cumprimento de cláusula ou condição celebrada entre as partes, bem como seja motivada por superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto, que acarrete modificação a relação de trabalho.

Para Bomfim (2022), de forma sintética, a greve abusiva se daria conforme tais contornos. Vejamos:

Considera-se ato abusivo a ocupação ameaçadora de estabelecimentos, setores ou da empresa; sabotagem ou boicote aos serviços da empresa e associados; piquete obstativo ou depredatório do patrimônio do patrão; agressão física ou moral aos colegas, aos superiores hierárquicos ou empregadores; emprego de violência contra os colegas; depredação do patrimônio do empregador ou inutilização de suas mercadorias, isto é, qualquer ato contra seu patrimônio; prática de falta grave e delitos criminais; desrespeitar os prazos, condições e regras determinadas pela Lei 7.783/89; permanecer em greve depois de aceito o acordo coletivo etc.(Bomfim, 2022, pág. 284)

Adiante, o artigo 15 infere que a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. Nesse aspecto, aduz Leite:

Caracterizado o abuso do direito de greve, segue-se que a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal (LG, art. 15, caput), devendo o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura de competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito (idem, parágrafo único). (Leite, 2023, pág. 1247).

O artigo 10 da Lei nº 7.783/89 estabelece os procedimentos e os requisitos para o exercício do direito de greve por trabalhadores que prestam serviços ou atividades essenciais à comunidade. A negociação coletiva é um passo fundamental nesse processo, visando conciliar os interesses dos trabalhadores com a manutenção dos serviços indispensáveis à sociedade. A greve, quando deflagrada, deve ser exercida de forma responsável, considerando os princípios constitucionais e os interesses coletivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa sobre os requisitos indispensáveis para a deflagração de greve proporcionou uma análise abrangente e profunda dos aspectos doutrinários e jurisprudenciais envolvidos nesse tema crucial do direito laboral. Ao longo do trabalho, foram identificados e discutidos os elementos essenciais que devem estar presentes para legitimar o exercício do direito de greve pelos trabalhadores.

No decorrer da investigação, o pesquisador foi capaz de atingir os objetivos estabelecidos inicialmente. Foram examinadas diversas fontes doutrinárias e jurisprudenciais, proporcionando uma compreensão sólida e embasada dos requisitos legais e jurisprudenciais para a deflagração de greves. Isso permitiu uma análise crítica das decisões judiciais e uma reflexão sobre a evolução desse direito ao longo do tempo.

As contribuições para a área de estudo foram significativas. O trabalho proporcionou uma síntese clara e acessível dos requisitos necessários para a legitimação do exercício do direito de greve, o que pode servir de referência tanto para profissionais do direito quanto para estudantes e pesquisadores interessados no tema. Além disso, a análise jurisprudencial realizada contribuiu para a compreensão das tendências e dos desafios enfrentados na aplicação desses requisitos na prática jurídica.

No entanto, apesar dos avanços alcançados, ainda há espaço para novas pesquisas e aprofundamentos. Por exemplo, seria interessante investigar mais detalhadamente como os requisitos para a deflagração de greve são aplicados em diferentes contextos, como em setores específicos da economia ou em diferentes jurisdições. Além disso, poderiam ser realizados estudos comparativos com outros países para identificar práticas e tendências internacionais nesse campo.

Outro aspecto que pode ser aprimorado é a análise das possíveis lacunas ou inconsistências na legislação e na jurisprudência relacionadas aos requisitos para a deflagração de greve. Identificar essas lacunas poderia contribuir para o debate sobre a necessidade de reformas legislativas ou para o desenvolvimento de novas interpretações jurisprudenciais que melhor atendam aos interesses dos trabalhadores e empregadores.

O trabalho sobre os requisitos indispensáveis para a deflagração de greve alcançou seus objetivos ao proporcionar uma análise abrangente e embasada desse tema importante do direito laboral. Suas contribuições para a área de estudo são significativas, mas ainda há espaço para novas pesquisas e aprimoramentos que possam enriquecer ainda mais o conhecimento nesse campo.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 

BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Método, 2022. 

BOUCINHAS FILHO, Jorge. Direito de Greve e Democracia. São Paulo: Ltr, 2013. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

BRASIL.Lei 7.783/89 disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7783.HTM>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 2017400- 02.2009.5.02.0000. Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 2017400-02.2009.5.02.0000. [s.l.], 2012 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 0000663- 91.2016.5.17.0000. Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº 0000663-91.2016.5.17.0000. [s.l.], 2019. 

BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito sindical: análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do direito estrangeiro comparado e da doutrina da OIT: proposta de inserção da comissão de empresa. São Paulo: Ltr, 2021. p. 313-314. 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2018. 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTR, 2015

EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016.

EDELMAN, Bernard. O direito captado pela fotografia. 1ª ed. Coimbra: Centelha, 1976.

GARCÍA, Jesús Ignacio Martínez. Prefácio. In: MARTÍNEZ, Maria Olga Sánchez. La huelga ante el derecho: conflictos, valores y normas. 1ª ed. Madri: Dykinson, 1997.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. 

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

LEMOS, Matheus Gallarreta Zubiaurre. Possibilidade de greve de empregados que laboram em atividades essenciais em época de pandemia. Revista da Escola Judicial do TRT4, v. 2, n. 4, p. 221-247, 2020. 

LIRA, Fernanda Barreto. A greve político-revolucionária e a emancipação social: do novo internacionalismo operário ao estado-novíssimo-movimento-social. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

LÓPEZ-MONÍZ, Carlos de Cavo. O direito de greve: experiências internacionais e doutrina da OIT. São Paulo: LTr Editora, 1986.

LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partidos e sindicatos. In: LOUREIRO, Isabel (org.). Rosa Luxemburgo: textos escolhidos – Volume 1 (1899-1914). 3ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de et al. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2023. 

MELO, Raimundo Simão de. A Greve no Direito Brasileiro. São Paulo: Ltr, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 7. ed. São Paulo: LTr, 2012.

ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2021.

STF, Pleno, Rcl nº 6.568/SP, Min. Eros Grau, j. 21/05/2009, publicado no DJe 25/09/2009

THOMPSON, E. P. Time, Work-Discipline, and Industrial Capitalism. Past & Present, Oxford, n. 38, dez. 1967.