CIVIL REPAIR DURING THE ADOPTION STAGE
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7900889
Elane Silva1
Edy César dos Passos Júnior2
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo fazer um estudo sobre a possibilidade de responsabilização na desistência da adoção em meio ao estágio de convivência. Para a elaboração deste estudo, foram abordados temas como a evolução da família desde a sua criação até a atualidade, o tratamento social e jurídico da adoção por meio de sua assimilação aos filhos biológicos e as complexidades da adoção como um todo. A jurisprudência brasileira não define com clareza a aplicabilidade da indenização por danos morais ao retorno de menores durante a fase de convivência e após o término do processo de adoção, mas a tendência da maioria dos tribunais é que a desistência ocorra somente após a decisão de homologação da adoção foi finalizado, sendo está a única circunstância em que o Estatuto da Criança e da Juventude considera a adoção irrevogável.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Desistência; Adoção.
ABSTRACT
This article aims to study the possibility of accountability in the withdrawal of adoption in the midst of the coexistence stage. For the elaboration of this study, topics such as the evolution of the family from its creation to the present, the social and legal treatment of adoption through its assimilation to biological children and the complexities of adoption as a whole were addressed. Brazilian jurisprudence does not clearly define the applicability of compensation for moral damages to the return of minors during the coexistence phase and after the end of the adoption process, but the tendency of most courts is that the withdrawal occurs only after the approval decision of adoption has been finalized, being the only circumstance in which the Child and Youth Statute considers the adoption irrevocable.
Keywords: Civil Liability; withdrawal; Adoption.
1. INTRODUÇÃO
A adoção é um procedimento destinado a garantir a convivência familiar para crianças/adolescentes que por algum motivo não podem estar com sua família biológica. Dessa forma, ao serem adotados, adquirem a condição de filhos e têm os mesmos direitos dos filhos biológicos, o que é garantido pela constituição. No entanto, embora apenas a sentença que constitui a adoção o adotante se torne legalmente filho, talvez na concepção deste último ele já faça parte da família adotiva na fase de convivência.
Ocorre que pouco se fala sobre os casos de adoção que dão errado, para entender este tema é necessário dar um exemplo, no mês de março do ano 2020 muitos sites de notícias se alarmaram ao divulgar um caso surpreendente, no qual o caso do pequeno Huxley, um menino de origem chinesa que passou por um processo de adoção internacional que o tornou, em 2017, aos quase dois anos de idade, filho do casal de americanos Myka Stauffer e James de Columbus, pais biológicos de outras quatro crianças (GAGLIANO; BARRETTO, 2020).
Ainda de acordo com o caso, a mãe adotante chamada Myka, seria uma influenciadora digital com cerca de setecentos mil inscritos em seu canal no YouTube, a influenciadora documentou grande parte da rotina e das etapas do processo de adoção em cerca de 27 vídeos e, de acordo com o que foi divulgado por alguns veículos de imprensa, teria tido um crescimento exponencial no seu número de seguidores em virtude dessa divulgação (GAGLIANO; BARRETTO, 2020).
De acordo com Gagliano; Barretto (2020) o grande problema é que após três anos de tudo ocorrido bem no processo de adoção e convivência com a criança adotada, no qual chamava-se Huxley, surpreendeu ao público ao comunicar que havia decidido “devolver” a criança adotada, agora, então filho do casal, com a alegação de que não se adaptaram com as necessidades especiais da criança que era diagnosticada com autismo.
Sucede que esta notícia chocou o mundo, muitas pessoas ficaram abismadas com tal atitude, no entanto, nossos cônsules desconhecem uma dura realidade, mas o debate em solo brasileiro ainda é incipiente: o debate sobre a “devolução” de crianças e adolescentes por pais adotivos.
A palavra “devolução”, que muitas vezes é usada para traduzir abandono da adoção, parece estar mais voltada para a mercadoria, pois os seres humanos recebem dignidade indivisível e não são tratados como objetificados como se fossem algo falho, frustrando as expectativas dos “compradores”. É por isso que o uso do termo está repleto de duras condições, incluindo casos de abandono na adoção, e o retorno ao abrigo daqueles que foram acolhidos no seio familiar.
De acordo com dados divulgados pela BBC News3, uma pesquisa em 11 estados federais registrou 172 casos de crianças e adolescentes candidatos “retornando” para adoção em um período de cerca de cinco anos, alguns dos quais vivenciaram mais do que o caso de desistir da provação apenas para encontrar uma família substituta (FERNANDES, 2019).
Ela só é tomada e se torna irrevogável após o término do julgamento, portanto, é permitida a retirada de medidas até aquele momento. No entanto, embora não haja lei que proíba isso, tem-se argumentado que um período de convivência não pode justificar danos emocionais ou psicológicos a crianças e adolescentes, que são integralmente protegidos e devem ter seus direitos fundamentais protegidos.
É imperioso analisar a possibilidade de responsabilização civil do requerente da adoção, principalmente considerando que casos dessa natureza se repetem todos os dias, além de grave violação à dignidade do adotado, também mostra indiferença aos sentimentos do adotante.
Os temas abordados justificam-se pela sua importância para a salvaguarda da dignidade e do melhor interesse das crianças, pelo que a lei deve ser interpretada a seu favor. Ao colocar uma criança ou adolescente em uma família substituta, esse novo núcleo familiar é capaz de proporcionar um ambiente saudável para seu desenvolvimento e até mesmo amenizar uma triste história de rejeição que já foi vivenciada. A fase de convivência é justamente utilizada para analisar se o bebê está se adaptando ao novo ambiente familiar, e se a adoção efetivamente trará benefícios, ao invés de se traduzir em benefício do adotante.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA
Segundo Dias (2013, p. 496), as instituições de adoção são um dos procedimentos mais antigos, pois sempre há crianças que os pais não querem, ou são retiradas de suas famílias biológicas por algum motivo. Com a procura frequente por esse procedimento, é necessário proteger os interesses das crianças e jovens que são elegíveis para adoção em primeiro lugar.
Pensando nisso, a legislação estabelece os requisitos que uma adoção deve cumprir para se tornar efetiva, o que pode ser observado na Lei da Criança e do Adolescente (ECA) e na LEI Nº 13.509, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2017 que altera os termos do ECA.
Além disso, a Constituição Federal de 1988 prevê a adoção, que traz muitos princípios de grande importância para a proteção da criança e do adolescente. Esgotados todos os outros meios de permanência na família de origem, devem ser tomadas medidas para permitir que a criança seja adotada.
A doutrina trouxe diversos conceitos sobre a adoção. Segundo a autora Diniz, um dos maiores juristas do direito civil, assim prescreve a adoção:
(…) a adoção torna-se um ato judicial pelo qual, observados os requisitos da lei, se estabelece uma relação fictícia entre pais e filhos, independentemente de qualquer parente próximo ou afim, para tratar sua família, como filho, pessoa, em geral, a você não conhece (DINIZ 2014 pág. 571).
De acordo Diniz (2014) ressalta ainda que esse ato cria uma relação jurídica de parentesco civil entre o adotante e o adotado. Acrescenta ainda que a adoção é um parentesco civil, em linha reta, onde cria uma relação jurídica de filiação e paternidade entre o adotante e o adotado.
Além disso, segundo Diniz (2014), o ato jurídico era definitivo e irrevogável, e rompeu quaisquer vínculos com a família biológica, ressalvadas as barreiras conjugais previstas na CF/88, no art. 227, §§ 5º e 6º, criando assim uma nova relação de parentesco entre o adotante e o adotado.
A adoção é projetada para garantir que crianças e/ou adolescentes possam crescer sem qualquer ameaça, desenvolver um vínculo emocional com a família substituta e, assim, desenvolver suas personalidades. Pode-se entender que a adoção é um ato jurídico, irrevogável e pessoal, e sua iniciativa é uma manifestação da vontade do adotante, o adotante tem o desejo de aumentar a família, e busca estabelecer um parentesco com o adotado, por sua vez, no art. 19 do ECA é assegurado o direito de viver em família.
O objetivo principal é inserir crianças e/ou adolescentes em uma família substituta, que possa proporcionar um crescimento saudável. Porque, com a entrada em vigor da lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017, a criança passa a pertencer integralmente à família que a adotou e, portanto, corta qualquer vínculo com sua família de origem.
Existem vários tipos de adoção no ordenamento jurídico brasileiro, como adoção unilateral, adoção bilateral, adoção intuitiva, adoção póstuma, adoção homoafetiva, adoção internacional, adoção à brasileira, etc. Vejamos alguns deles:
A adoção unilateral é quando há apenas um adotante. Acontece na adoção do filho do cônjuge ou companheiro, ou seja, quando o novo cônjuge ou companheiro possuir filho (s) de relações anteriores, poderá este adotar o(s) filho (s) daquele (DIAS, 2013, pg. 502).
Segundo o art. 57, § 8º do Estatuto da Criança e Adolescente, poderá o enteado ou enteada solicitar ao juiz competente que seja averbado em seu registro civil o sobrenome de seu padrasto ou madrasta, desde que haja a sua concordância expressa.
A adoção conjunta é produzida quando os casados no civil ou companheiros em união estável optam pelo processo de adoção. Você é obrigado a ser estável na família que pretende adotar. A legislação prevê, no art. 42 § 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, a possibilidade de casais divorciados adotarem conjuntamente, desde que haja acordo com relação a guarda e as visitas.
Ocorre que a adoção intuitu personae4 também é conhecida como adoção direta ou consentida. Nesse caso, os pais biológicos querem alguém que eles designem alguém para adotar seu filho.
Esta forma de adoção é uma exceção aos requisitos legais, pois não é necessário que a pessoa que pretende adotar seja registrada no Cadastro Nacional da Adoção (CNA).
Já na adoção homoafetiva ou adoção homoparental, como tratá Maria Berenice Dias, foi validada pelos Tribunais, quando em 2006, no qual o julgado nº 70013801592, o pedido de adoção formulado por duas mulheres, conviventes em união estável, foi julgado procedente. No que tange a chamada de adoção à brasileira, como todos sabemos, consiste basicamente em entregar o próprio filho a um terceiro estranho à família para que ele seja criado como seu.
Por fim, existe também a adoção internacional, no qual é necessário o chamado de estágio de convivência deverá acontecer no território nacional, considerando que, o art. 52 § 8º da Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990 prevê que só será autorizada a saída do adotando do território nacional, após o trânsito em julgado da decisão que defere a adoção internacional. Desta forma, o prazo do estágio de convivência, será de no mínimo 30 dias e no máximo 45 dias, podendo ser prorrogado por igual período, uma única vez, conforme o art. 46 § 3º do ECA.
2.1. A CRIANÇA E O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR
É sabido que o direito à convivência familiar é um direito fundamental de crianças e adolescentes garantido pela Constituição Federal no artigo 227, assim como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe em seu artigo 19 que toda criança e adolescente tem direito a ser criado e educado por sua família e, na falta desta, por família substituta.
Portanto, o direito à convivência familiar é de suma importância, pois, é direito fundamental, assim como: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade. A nossa constituição diz que a “família é a base da sociedade” (CF, art. 226) e que cabe a ela, ou seja, ao Estado, à sociedade e às comunidades “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais” (CF, art. 227).
Insta salienta que possuem dois princípios que asseguram a garantia da convivência familiar, sendo eles o da prioridade absoluta e o da proteção integral. À família natural tem prioridade, entidade em que a criança e ao adolescente devem permanecer, salvo impossibilidade absoluta” (CARVALHO, 2017, p. 28)
Os direitos à convivência familiar são apresentados em inúmeras normas jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro, que identificam a família e a comunidade como prioridade no desenvolvimento das crianças.
Como fora mencionado, a Constituição Federal de 1988 no artigo 227, define sobre o direito à convivência familiar e comunitária, e o ECA corroborou tal dispositivo em seu artigo 4º, vejamos:
Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA, 1990).
Acrescentado no artigo 19 (ECA, 1990), que determina:
Art. 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária (…).
É necessário para o desenvolvimento da criança e do adolescente, a preservação do grupo familiar, assim como, a boa convivência. Logo, é evidente que com o Estatuto da Criança e do Adolescente, nasce com o papel de consolidar e dar eficácia aos direitos concedidos à criança e adolescente pela Constituição Federal de 1988.
Desta forma, é necessário que os assistentes sociais e os demais profissionais que compreendem a equipe interdisciplinar ajam no sentido de desmistificar, desconstruir preconceitos, estereótipos acerca da adoção de crianças, e não de reforçá-los, através de suas falas e ações. Para que assim, a criança e adolescente tenham a oportunidade de crescer em um lar saudável e dentro dos padrões desejados. E o direito ao convívio familiar seja resguardado.
3. O INSTITUTO DA ADOÇÃO
3.1 Conceito
A ideia de adoção é multifacetada, abrangendo uma gama de interpretações e pontos de vista.
A pesquisa de Carvalho (2017) elucida que no direito romano antigo, a adoção tinha uma definição ampla. Implicava confiar um indivíduo à proteção de uma pátria por meio de um tutor legal, seja um terceiro (júris alienados) ou alguém capaz de praticar atos civis de forma independente (júris sui). A adoção exigia uma transferência do poder paternal e das responsabilidades civis do adotado para um novo cuidador. Essencialmente, tratava-se de colocar uma criança ou adolescente sob os cuidados de outro adulto responsável.
Segundo Maria Berenice Dias (2014, p. 25), o critério primordial para a colocação de uma criança ou adolescente em família substituta é a convivência harmoniosa. Este é o critério mais amplamente utilizado para determinar a elegibilidade para tal arranjo.
Argumenta que, embora a lei especifique apenas as características de uma família natural, ela não proíbe a constituição de famílias substitutas. O último termo não está claramente definido, permitindo uma ampla gama de estruturas familiares. Apesar disso, Diniz enfatiza que é incorreto supor que as famílias substitutas devam espelhar a estrutura de uma família natural e, portanto, as famílias homossexuais não podem ser excluídas.
Segundo DINIZ (2016), a adoção é um processo legal formal que estabelece um vínculo familiar fictício entre um indivíduo e uma criança que geralmente não tem parentesco consanguíneo ou afinidade. Ao cumprir os requisitos legais, um indivíduo traz uma pessoa estrangeira para sua família quando criança.
As disposições legais sobre adoção são inúmeras, mas a principal delas é a CRFB/88, artigo 227, §§ 5º e 6º. Esse artigo identifica o direito à convivência familiar como dever fundamental da sociedade, do Estado e das próprias famílias. Além disso, o direito à dignidade e ao respeito estão consagrados nesta disposição. O ECA também prevê esses direitos nos artigos 17 e 18.
O artigo 1.618 do Código Civil de 2002 trata do assunto, determinando que a adoção só é admissível para maiores de 18 anos. Isso contrasta com o Artigo 42 do ECA, que estipula um limite de idade igual ou superior a 21 anos, é, portanto, esta lei específica mostra-se desatualizada quanto a esta questão.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL EM CASO DE DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO NO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA
Neste tópico, é preciso tratar sobre a responsabilidade civil, tendo em vista, que é um tema de suma importância, pois, ao devolver o adotado gera assim um dano a moral e integridade da criança, isso por si só gera o dever de indenizar. Por este motivo, antes de tudo, faz-se necessário traçar o conceito de responsabilidade civil, vejamos.
A Responsabilidade Civil é regulamentada pelo Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002. O artigo 186º introduz-nos o conceito de conduta ilícita, definindo-a como “ato ou omissão, negligência ou imprudência de uma pessoa que conscientemente viola os seus direitos e causa danos a outrem, ainda que a conduta puramente moral constitui conduta ilícita”. Na mesma direção, o art. O artigo 927 afirma: “Os danos causados a outrem por atos ilícitos (artigos 186 e 187 do Código Civil) serão indenizados” (BRASIL, 2002).
Em conformidade com o doutrinador Gonçalves (2016, p. 47), “a responsabilidade é um fenômeno social”, considerando que o instituto costuma atuar mantendo o equilíbrio social e assegurando a responsabilidade pela indenização. Qualquer ato ou omissão que cause danos a outro alguém.
As normas brasileiras pronunciam-se em certas situações em que a responsabilidade civil permanece na ausência de todos os elementos essenciais de uma teoria subjetiva, conforme (GONÇALVES, 2016, p.60).
Portanto, crianças ou adolescentes que crescem em um ambiente familiar instável têm seu desenvolvimento muito afetado e podem sofrer danos psicológicos irreversíveis no futuro. O sentimento de rejeição ao ser “devolvido” após uma adoção é algo inimaginável, ainda mais para uma criança que está em processo de formação de caráter e personalidade.
Em vigente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no qual acordou, por meio da edição nº 125 de Jurisprudência em Teses, publicada em 24 de abril de 2019, no qual proferiu, em regra, o abandono afetivo de um relacionamento não resulta em dano moral indenizável, mas pode ser admitida obrigação de reparação se o ato ilícito se mostrar mais do que desagradável.
De acordo com entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA A CAUSAM OCORRENTE. GUARDA PROVISÓRIA. DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA DOS ADOTANTES CARACTERIZADOS. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR PRESENTE. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O art. 201, IX, da Lei nº 8.069, de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente confere legitimidade ativa extraordinária ao Ministério Público para ingressar em juízo na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente. 2. Assim, o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, cujo objetivo é responsabilizar aqueles que supostamente teriam violado direito indisponível do adolescente. 3. Embora seja possível desistir da adoção durante o estágio de convivência, se ficar evidenciado que o insucesso da adoção está relacionado à negligência e à imprudência dos adotantes e que desta atitude resultou em comprovado dano moral para o adotando, este deve ser indenizado. 4. O arbitramento da indenização pelo dano moral levará em conta as consequências da lesão, a condição socioeconômica do ofendido e a capacidade do devedor. Observados esses elementos, o arbitramento deve ser mantido. 5. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que acolheu em parte a pretensão inicial, rejeitada uma preliminar. (TJ-MG – AC: 10702140596124001 MG, Relator: Caetano Levi Lopes, Data de Julgamento: 27/03/2018, Data de Publicação: 06/04/2018)
Além disso, ao analisar a jurisprudência recente, verificam-se muitas condenações relativas ao abandono afetivo de filhos pelos pais. Assim, parece que os elementos da responsabilidade civil, para que a culpa seja reparada, devem ser devidamente comprovados e o dano sofrido deve ir além do mero desagrado.
O processo de convivência na adoção dentro do ordenamento jurídico brasileiro está especificado no art.46 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Este período é baseado em algumas novas experiências com a criança e o futuro adotante, considerando que é o momento em que eles podem realmente se conhecer, comunicar expectativas para a adoção, compartilhar hábitos e fortalecer os laços afetivos que foram estabelecidos até o momento da adoção. Sendo o momento para criar a possibilidade de estabelecer a convivência familiar entre os dois (SANTOS, 2019. p. 13-14).
No entanto, é preciso ressaltar que a fase de convivência, ao mesmo tempo em que contribui para o fortalecimento do vínculo afetivo entre o adotante e o adotado, é pensada e desenvolvida para seguir o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente para que o momento gire principalmente em torno a criança, para que você possa ser analisado como a criança irá à sua nova família e vivência com os adotantes (HAAS, 2019. p. 11).
É importante destacar que para se haja o período de estágio de convivência, é necessário que o juiz proceda uma sentença de guarda provisória do infante, e de acordo descrito no ECA, sendo assim, este tempo que costuma ser de 90 dias é usado para reduzir a possibilidade de adoções impensadas e imprudentes (SANTOS, 2019. p. 14).
No entanto, embora essa fase ocorra após o adotante ter estado em contato com a criança ou adolescente em processo de adoção por um período de tempo, demonstrando fortes emoções e formando vínculo, muitos adotantes acabam devolvendo o bebê à instituição receptora sem um óbvio verdadeiro motivo.
Dessa maneira, após ser inserido no núcleo familiar que demonstra interesse pela adoção, cria-se no bebê o entendimento de que a legítima expectativa de ver o fim do processo é válida, e essa expectativa pode, em alguns casos, ser intensamente frustrada, no qual os adotados se veem devolvidas para as casas de abrigo infantil, sucede que apesar de a convivência familiar da criança com o adotante ser de curto prazo, revela-se tempo suficiente para origem de laços entre os mesmos de modo a trazer sim, para as crianças devolvidas, memórias e sentimentos de um novo abandono (REZENDE, 2014).
No entanto, fica claro que a indenização por danos mentais e morais às crianças não elimina a dor e os sentimentos de abandono que vivenciam, mas na verdade visa coibir o comportamento imprudente de potenciais adotantes que possam envolver o âmbito pessoal as vidas de crianças tão fragilizadas, tornando ainda pior o quadro de vulnerabilidade social que estas crianças vivem (SANTOS,2019. p. 22)
A importância dos órgãos de responsabilidade civil retirarem as adoções durante a fase de convivência sem motivos justificáveis tem resultado em danos à vida de crianças e adolescentes no sistema de adoção que haja responsabilidade civil pelos danos morais ocasionados para essas crianças.
CONCLUSÃO
O conceito de família está em constante mudança. A primeira sociedade a reconhecer a família como instituição social foi a sociedade romana. Com base no patriarcado, as crianças eram consideradas inúteis e podiam ser vendidas como escravas e submetidas a castigos corporais. Com o advento do cristianismo como religião dominante, a família passou a ser considerada uma instituição sagrada, e a relação entre pais e filhos tornou-se mais igualitária, agora baseada no amor e não na submissão.
O procedimento de adoção no Brasil principia com a procura de um defensor público que informará ao interessado se os requisitos identificados no ECA estão atendidos e, em caso afirmativo, deverá recorrer ao juizado da infância e juventude da área de sua residência para que o assistente social avalie se o candidato está realmente apto a integrar o Cadastro Nacional de Adoção. Em seguida o cadastro, caso seja demonstrada a disposição de adotar uma criança ou adolescente, será realizado um estágio de convivência, que é um período de adaptação entre o adotado e o adotante.
Concluído o estágio de convivência e verificado o interesse do adotante em obter a guarda do menor, o juiz avaliará o caso e aprovará a adoção, que incluirá a família de forma absoluta com todos os direitos e obrigações. julgamento desta sentença, a adoção torna-se irrevogável, um ato civil irrevogável.
No entanto, apesar das tentativas do Estado de colocar o menor em um novo lar para que ele possa ter uma família, muitos adotantes abrem mão da medida, mesmo após o término do procedimento. Os motivos apresentados são decorrentes da convivência cotidiana, pois os pais adotivos idealizam uma criança ou adolescente perfeito, e no primeiro conflito revertem a um menor, o que os filhos biológicos não conseguem.
Essa regressão pode ocorrer em três momentos: durante a fase de convivência, imediatamente ao término dessa fase, chamada de ruptura; ou após a decisão final de concessão da adoção, chamada de ruptura ou dissolução. A interrupção do processo de adoção é a única isenção protegida pela legislação, já que a fase de convivência se concentra em avaliar se o menor se enquadrar na nova família.
No entanto, se a desistência da adoção ocorrer ao final do processo judicial, quando a tutela já estiver nas mãos dos pais adotantes, a situação se agrava, considerando que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável que só pode ser determinada pela homologação do magistrado que o adotante está pronto para cuidar dos menores.
O envio de um menor de volta ao país causaria danos irreversíveis ao menor, porque ele o via como um novo tipo de abandono, uma rejeição que poderia desencadear diferentes doenças, dependendo de sua idade e capacidade de compreensão.
No entanto, no que diz respeito à responsabilidade civil por desistência após o processo de adoção, a jurisprudência é quase unânime de que o pedido do Ministério Público favorece o menor. O principal argumento apresentado pelo magistrado é que o menor tem considerado o adotante como seu pai, e essa destruição da piedade filial é extremamente prejudicial à sua formação psicológica e social. Além de causar danos ao menor, a renúncia do adotante à medida fere os princípios constitucionais da responsabilidade parental pelos filhos e da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, o objetivo principal da desistência do adotante da responsabilidade civil pela adoção é impedir que esse ato de causar tão grave dano ao menor, e pagar os alimentos na forma de indenização, que será revertida para o seu futuro. O Estado deve trabalhar mais de perto com os candidatos à adoção para selecionar aqueles que estão verdadeiramente comprometidos com o bem-estar do adotado. No entanto, enquanto o processo não for reavaliado, a medida mais efetiva é a indenização civil.
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4A modalidade de adoção, sob comento, também se destina aos casos de adoção unilateral, na qual apenas um dos conviventes adota o filho do outro (§ 1º do art. 41, da Lei 8.069/90). Ainda, assim, a concessão de tutela jurisdicional (constitutiva) acerca da adoção dependerá da comprovação, através dos meios de prova, em Direito, admitidos, do vínculo afetivo entre o adotante e o adotando.
1Bacharelanda em Direito.
2Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Advogado militante nas áreas de Direito Civil, Trabalho e Direitos Humanos. Pós-graduado em Gestão Pública pela Faculdade Suldamerica. Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Tocantins-UFT.