RELATO DE EXPERIÊNCIA: O IMPACTO SETEMBRO AMARELO

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102412272153


Ana Gabriela Gomes Pires¹
Bianca Lopes Barros¹
Weruskha Abrantes Soares Barbosa²


RESUMO

Este artigo é resultado de uma ação social e revisão de literatura realizada por alunos de medicina participantes do projeto de extensão de Educação Popular em Saúde da Faculdade de Medicina Nova Esperança com o objetivo de compreender como as campanhas de prevenção ao suicídio como o Setembro Amarelo tem impacto quebrando o tabu sobre suicídio e saúde mental, disseminando a ideia do tema: “Falar é a melhor solução” e chamando a atenção para o Dia Mundial de Prevenção do suicídio, celebrado dia 10 de setembro.

INTRODUÇÃO

O suicídio é um grave problema de saúde pública, mas não podemos falar de suicídio sem antes falar em depressão. O termo depressão é relativamente novo tendo sido descrito pela primeira vez em 1680, para caracterizar um estado de desânimo ou perda de interesse, entretanto os escritos históricos mostram que durante muito tempo essa condição foi descrita por alguns autores como “melancolia”. Considerada um dos principais e mais recorrentes problemas de saúde mental, com taxas de prevalência que alcançam até 20% da população mundial, a depressão impacta o meio social de tal modo, que é julgada a segunda patologia a causar mais prejuízo na esfera económica e social; no campo da saúde, a carga de comorbidade dos quadros depressivos afeta doenças crônicas, dificultando o tratamento. Ao se considerar esse cenário, o atendimento à depressão é apontado como desafio e uma prioridade para a área da saúde pública, o Mental Health Gap Action Programme (mhGAP) da Organização Mundial da Saúde (OMS) é um programa que visa ajudar os países a aumentar os serviços prestados às pessoas com transtornos mentais, neurológicos e de uso de substâncias, por meio de cuidados providos por profissionais de saúde que não são especialistas em saúde mental. A iniciativa defende que, com cuidados adequados, assistência psicossocial e medicação, dezenas de milhões de pessoas com transtornos mentais, incluindo depressão, poderiam começar a levar uma vida normal – mesmo quando os recursos são escassos (OMS 2018). Há uma década, o Brasil incorporou a atenção à saúde mental às ações da Atenção Básica – AB2-4, garantindo panorama favorável ao atendimento aos quadros depressivos, pois possibilitou mais acesso ao tratamento do usuário com depressão. Mas mesmo com o aumento das ofertas de ajuda, ainda existe um certo tabu quando se trata de saúde mental, portando é visto um aumento grande nas taxas de pacientes com relatos de ansiedade, depressão culminando nas altas taxas de suicídio, um problema que requer nossa atenção, mas, infelizmente, a sua prevenção e controle não são tarefas fáceis. Os dados atuais indicam que a prevenção do suicídio, embora possível, envolve toda uma série de atividades, que vão desde o proporcionar as melhores condições possíveis para criar as nossas crianças e adolescentes, passando pelo tratamento eficaz de perturbações mentais, até ao controle ambiental de fatores de risco, que estão inclusos nos determinantes sociais. A apropriada disseminação de informação e a consciencialização são elementos essenciais para o sucesso dos programas de prevenção do suicídio (Organização Mundial de Saúde — OMS Genebra2006). Para a psicologia: “É bastante difícil compreender por que um determinado indivíduo decida cometer suicídio, ao passo que outras pessoas em situação similar não o fazem. O que se pode afirmar, considerando a experiência clínica e a experiência de pesquisa, é que há grande complexidade para compreender o comportamento suicida. Sabemos que há fatores emocionais, psiquiátricos, religiosos e socioculturais. São um conjunto de fatores que ajudam a compreender a situação de vida, o sofrimento que essa pessoa carrega e, por isso, a busca da morte. Até podemos dizer que, por vezes, a pessoa não quer tirar a vida, quer, antes, eliminar a dor, diminuir o sofrimento e, por isso, busca, de repente, um método que o leva a morte” (Werlang 2013). De acordo com Lovisi, Santos, Legay, Abelha e Valencia (2009), os principais fatores associados ao suicídio são: tentativas anteriores de suicídio, doenças mentais(principalmente depressão e abuso/dependência de álcool e drogas), ausência de apoio social, histórico de suicídio na família, forte intenção suicida, eventos estressantes e características sociais e demográficas, tais como pobreza, desemprego e baixo nível educacional. Embora não exista uma definição única aceitável, o suicídio implica necessariamente em um desejo consciente de morrer e do que a noção clara do ato executado pode resultar (Araújo, & cols., 2010). A cada ano, cerca de 800 mil pessoas tiram a própria vida e um número ainda maior de indivíduos tenta suicídio. Cada suicídio é uma tragédia que afeta famílias, comunidades e países inteiros e tem efeitos duradouros sobre as pessoas deixadas para trás. O suicídio ocorre durante todo o curso de vida e foi a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo no ano de 2016 (OMS 2018). A partir desses conceitos e dos dados demonstrando um aumento indiscriminado foi idealizada a campanha do setembro, iniciada no Brasil em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), teve suas primeiras atividade em Brasília e atualmente tem forte impacto país, indo muito além de campanhas realizadas apenas por equipes de saúde. O CVV – Centro de Valorização da Vida (uma das principais mobilizadoras do Setembro Amarelo) é uma entidade sem fins lucrativos que atua gratuitamente na prevenção do suicídio desde 1962, membro fundador do Befrienders Worldwide e ativo junto ao IASP – Associação Internacional para Prevenção do Suicídio), da Abeps (Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio) e de outros órgãos internacionais que atuam pela causa. De acordo com os números do CVV, 32 brasileiros tiram sua vida por dia, uma média de 1 morte a cada 45 minutos, uma taxa que é maior do que as taxas de mortalidade por alguns subtipos de cancêr, por isso que tem sido feita uma campanha tão pesada no sentido da prevenção.

MÉTODOS

A ação foi realizada por 7 alunos do curso de Medicina da Faculdade de Enfermagem e Medicina Nova esperança que participam do Projeto de Educação Popular em Saúde, no auditório de uma escola Municipal no bairro do Bessa (João Pessoa – Paraíba) durante o turno da noite do dia 25 de setembro de 2018, contando com a participação de estudantes de faixas etárias variadas numa média de 20 a 35 anos. A atividade foi divida em quatro momentos, um primeiro de acolhimento e aproximação entre os estudantes da escola e os estudantes de medicina, posteriormente houve uma apresentação de slides pelos estudantes de medicina, os quais continham algumas informações básicas a cerca de como identificar uma pessoa com transtornos psicológicos e ajuda-la da melhor maneira possível sem servir como uma forma de “gatilho”, enfatizar que apenas uma simples conversa, um gesto de carinho para alguém que está passando por um momento difícil pode significar uma grande atitude, as vezes temos pessoas dentro de casa, ou amigos que estão sufocados e não sabem como e a quem recorrer, ninguém desenvolve um “comportamento suicida” do dia para a noite, e por isso que a campanha desse ano tem como tema “Falar é a melhor solução”; ao final da apresentação o professor responsável por orientador os alunos fez um breve comentário a cerca do assunto. No terceiro momento foi aberto um espaço para interação onde os alunos da escola falaram um pouco sobre a experiências que conheciam sobre o tema e tiraram algumas dúvidas. No último momento, foi realizada uma dinâmica com todos presentes – chamada de teia aranha -, na qual foi feito um circulo e havia um novelo de barbante que passava de mão em mão de cada participante de diferentes locais do círculo, cada vez que se passava o novelo se dizia uma qualidade da pessoa que entregou o barbante, no final havia formado uma teia e, se uma pessoa soltasse a teia, ela se desfazia por completo, representando que todos estão interligados e que ninguém vive no mundo isolado, que todos devem se apoiar e dar forças em todos os momentos, sejam eles de tristeza ou alegria, e acreditar que juntos somos mais fortes. No auditório foram coladas algumas imagens da campanha do setembro amarelo desse ano para chamar atenção e o número 188 do Centro de Valorização da Vida (CVV) que trabalha com prevenção ao suicídio, por meio de voluntários que dão apoio emocional a todas as pessoas que querem e precisam conversar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Brasil, diariamente, mais de 30 indivíduos buscam a morte voluntária. No mundo todo, estima-se que 60 mil pessoas busquem pelo mesmo objetivo, tal número vem crescendo acentuadamente desde 1980. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), só no Brasil, a taxa de suicídios na população de 15 a 29 anos chegou a 5,6 por 100 mil habitantes em 2014. A OMS destaca que esta situação toma uma dimensão ainda mais estarrecedora se considerarmos os dados relativos às tentativas frustradas, que não constam nas estatísticas, além do fato de que muitos países não enviam dados ou não os apuram de maneira confiável, por não possuírem um trabalho sério de mapeamento e acompanhamento da morte voluntária.

Nos dias atuais, a conscientização sobre a prevenção do suicídio tem se intensificado no chamado Setembro Amarelo, mês em que o assunto é tratado com mais ênfase. Ter um período do ano dedicado a essa causa é uma grande conquista visto que esse assunto ainda é pouco discutido e tratado de maneira velada. Diante desse quadro, o Projeto de Educação Popular em Saúde da Faculdade de Medicina e Enfermagem Nova Esperança se prontificou a desenvolver uma atividade voltada à conscientização e prevenção voltada para jovens estudantes.

O desenvolvimento de uma ação educativa permitiu aos estudantes traçar uma comparação entre o conhecimento da população visto na prática e a perspectiva teórica a respeito da abrangência do Setembro Amarelo, a qual se encontra em artigos, sites, revistas. Dentre as atividades desenvolvidas no dia 25 de setembro, os alunos participantes do Projeto fizeram um momento de exposição de conteúdo sobre a temática do suicídio e, em seguida, deram abertura aos ouvintes para que expusessem questionamentos e considerações.

Assim, ao ceder a palavra para o público que assistiu à palestra, foi possível identificar que quase a totalidade dos indivíduos possuía um conhecimento raso ou até mesmo não tinha conhecimento a respeito do Setembro Amarelo, para a maioria a campanha e sua importância ainda se tratavam de uma realidade distante. O desconhecimento diante do tema se deve a alguns fatores, podemos citar, por exemplo, o tabu que circunda o suicídio. “Ainda hoje encontramos grandes dificuldades em falar sobre o suicídio, uma vez que o mesmo ainda se apresenta como um tabu seja pelo aspecto religioso, cultural e social. É importante ressaltar que o suicídio enquanto tabu não aflige apenas as classes menos favorecidas ou com menos entendimento científico, esse interdito atinge a sociedade como todo, onde podemos citar a falta de preparo dos profissionais da saúde para lidar com esse fato.” (PERES et al. 2016).

Ademais, parte do público demonstrou não compreender a depressão como uma doença séria e, assim, sua relação direta com o suicídio. Esse posicionamento não é incomum, diariamente podemos nos deparar com pessoas que julgam a depressão como uma simples tristeza ou um momento de melancolia. Essa ideia induz à negligência com aqueles que sofrem com essa patologia e consequentemente os inibe de partilhar a respeito do seu sofrimento e buscar ajuda, receosos de que serão mal interpretados e ridicularizados.

Diante disso, destaca-se a importância do Setembro Amarelo, que evidencia e alerta sobre a relação direta existente entre depressão e suicídio. Segundo Chachamovich et al. (2009) “A associação entre o quadro clínico de depressão maior e comportamento suicida tem sido largamente descrita. Tais achados parecem ser confirmados em diferentes desenhos metodológicos e em distintas populações. Por exemplo, investigações de base populacional nos Estados Unidos (National Comorbidity Survey e Epidemiologic Catchment Area), Canadá e áreas urbanas da China indicam que depressão é a principal entidade nosológica associada a tentativas de suicídio, à ideação suicida e a planos suicidas”.

Durante esse momento de discussão, os alunos do Projeto buscaram conscientizar o público, que por fim se mostrou interessado em ajudar e em conhecer as formas de atuar na prevenção do suicídio. Muitos relataram conhecer pessoas que sofrem de depressão e questionaram sobre a maneira correta de prestar auxilio a elas, pois não sabiam como se portar diante das necessidades apresentadas por estas.

O Setembro Amarelo através Centro de Valorização da Vida enfatiza a ideia “falar é a melhor solução”, isto é, destaca-se que devemos incentivar as pessoas a falarem sobre seus problemas em vez de guardá-los para si e permitir que o sofrimento se agrave. Os estudantes explicaram que, ao se deparar com um amigo ou familiar precisando de apoio, não se deve invalidar sua aflição, mas sim demonstrar empatia, propor diálogo e também estimular a busca por auxílio profissional. Como se sabe, o apoio fraterno é essencial para quem sofre de depressão e/ou possui pensamento suicida, porém a ajuda psiquiátrica e psicológica são as mais adequadas para reverter o quadro e são, portanto, indispensáveis.

Por fim, reconhece-se a pauta do suicídio como uma questão de saúde pública. Foi exposto aos ouvintes que o CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone (188), email e chat 24 horas todos os dias, configurando uma das principais vias de aconselhamento e prevenção. Além disso, explicou-se a respeito do CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, uma instituição do SUS que oferece atendimento gratuito para pessoas com intenso sofrimento psíquico, transtornos mentais ou dependência em álcool e outras drogas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento da ação foi fundamental para que tanto os acadêmicos quanto os alunos da escola municipal pudessem aprofundar seus conhecimentos a respeito da prevenção do suicídio. Para os estudantes de medicina, foi possível traçar o comparativo entre o que diz a literatura a respeito do conhecimento popular sobre o Setembro Amarelo e analisar a forma com que os leigos compreendem a depressão e suas repercussões na vida de quem convive com ela, além de ter sido um evento onde puderam conscientizar outros estudantes no que tange a temática abordada. Para os estudantes que compuseram o público da ação, o momento serviu para o esclarecimento de dúvidas e a capacitação para ajudar familiares e amigos, ou até a si mesmo, que se encontram necessitados de suporte psíquico e emocional.

REFERÊNCIAS

World Health Organization (WHO). Mental Health Action Plan 2013-2020. Geneva: WHO; 2013.

Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Mental e Atenção Básica: o vínculo e o diálogo necessários. Brasília: MS; 2003

Brasil. Ministério da Saúde. (2006b). Prevenção do suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental. Organização Pan-Americana da Saúde. Universidade Estadual de Campinas. Recuperado: 11 nov. 2012.

Borges, V. R., Werlang, B. S. G. (2006b). Estudo de ideação suicida em adolescentes de 13 a 19 anos. Psicologia, Saúde e Doenças, 7(2), 195-209.

Borges, V. R., Werlang, B. S. G., Copatti, M. (2008). Ideação suicida em adolescentes de 13 a 17 anos. Barbarói, 28.

Organização Mundial da Saúde {OMS} (2012). Salud mental.Prevención del suicidio (SUPRE). Recuperado: 10 jul. 2013.

Lenice C. O. M., Paulo R. H. O. B. (2015) Prevalência e fatores associados à ideação suicida na adolescência: revisão de literatura

Cibele C. L.M., Carmen L. O. O. M., Carlos H. S. S. N. O atendimento psicológico ao paciente com diagnóstico de depressão na Atenção Básica (2017)

Prince, M. et al. Global Mental Health 1. No health without mental health. In The Lancet, Global Mental Health [Internet]. The Lancet 2007 Sep 8; 370(9590):859877 [cited 2014 Jan 31]. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(07)61238- 0/fulltext

PERES, Andrea Lopes et al. MORTE SILENCIADA: O SUICÍDIO E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL. 2016.

BOTEGA, Neury José et al. Prevenção do comportamento suicida. 2006.


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