REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410300711
Camila dos Santos Vargas; Letícia Saraiva Pedroso; Juliana Rodolfo Rodrigues Cabral; Patrícia Aparecida Freitas; Nathana Prado de Almeida Barros; Verônica Helena Penha de Mendonça; Anna Luíza Ferreira Almeida; Rafael da Silva Campos; Gustavo Frugoli da Silva; Karina Abiane de Godoy Rocha
RESUMO
A hiperplasia fibroepitelial mamária felina (HFMF) é uma condição benigna, não neoplásica, que afeta principalmente gatas jovens, geralmente com menos de dois anos de idade. Caracteriza-se pela proliferação do epitélio dos ductos mamários e do tecido conjuntivo periductal, sendo associada aos efeitos hormonais dos progestágenos endógenos e exógenos. Embora mais comum em fêmeas durante a gestação, pseudogestação ou no início do estro, também pode ocorrer em machos após tratamento prolongado com progestágenos. Diante disso, esse trabalho tem como objetivo relatar o caso de um gato macho não castrado, no qual foi encontrado dois pequenos nódulos na região abdominal e posteriormente mais cinco nódulos na região mamária por meio de ultrassonografia, os quais foram submetidos a citologia aspirativa que indicou células epiteliais e mesenquimais bem diferenciadas, sugestivo de hiperplasia mamária fibroadenomatosa. O animal então foi submetido a uma castração e, no dia seguinte após o procedimento, os nódulos desapareceram completamente.
Palavras-chave: gatos; machos; hiperplasia mamária; progestágenos.
ABSTRACT
Feline mammary fibroepithelial hyperplasia (FMFH) is a benign, non-neoplastic condition that primarily affects young female cats, usually less than two years old. It is characterized by the proliferation of mammary duct epithelium and periductal connective tissue, associated with the hormonal effects of endogenous and exogenous progestogens. Although more common in females during pregnancy, pseudopregnancy, or early estrus, it can also occur in males after prolonged treatment with progestogens. This report describes the case of an uncastrated male cat in which two small nodules were found in the abdominal region, and subsequently, five more nodules were detected in the mammary region via ultrasound. These nodules underwent fine-needle aspiration cytology, revealing well-differentiated epithelial and mesenchymal cells, suggestive of fibroadenomatous mammary hyperplasia. The animal then underwent castration and, the next day after the procedure, the nodules completely disappeared.
Keywords: cats; male; mammary hyperplasia; progestogens.
1. INTRODUÇÃO
A hiperplasia fibroepitelial, também denominada fibroadenomatose, hipertrofia mamária felina, adenofibroma ou fibroadenoma, é uma proliferação benigna, não neoplásica dos ductos mamários e do tecido conjuntivo periductal de gatas jovens, geralmente com menos de dois anos de idade (Hayden et al., 1981). Esse distúrbio é mais comumente descrito em fêmeas no início da gestação ou naquelas que estão ciclando (Hayden et al., 1983), mas tem sido raramente observado em machos, inteiros ou castrados, após administração prolongada de medicamentos à base de progestágenos; em cães a ocorrência é extremamente rara (Hinton & Gaskell, 1977). Embora a causa seja desconhecida, há evidências de que se trate de uma lesão hormônio-dependente, associada à ação de substâncias progestacionais naturais ou sintéticas (Hinton & Gaskell, 1977).
A hiperplasia fibroepitelial pode ser induzida pela progesterona endógena ou por substâncias exógenas sintéticas análogas à progesterona. Microscopicamente, caracteriza-se por proliferação de ductos revestidos por uma ou mais camadas de células epiteliais, exibindo baixo pleomorfismo, cercadas por tecido conjuntivo edemaciado e frouxo. Figuras mitóticas são raras, mas podem ser visualizadas tanto no estroma, quanto no epitélio. Esta afecção pode afetar todas as glândulas mamárias, que estarão inchadas, com áreas de necrose e eventual infecção bacteriana secundária. A presença de inflamação é rara (Hayden et al., 1989).
Embora uma relação causal entre o tratamento com progestágenos e o desenvolvimento de neoplasias possa ser difícil de comprovar, devido ao longo período de latência, alguns estudos fornecem uma explicação plausível acerca dos mecanismos que levam ao desenvolvimento de alteração mamária em gatos (Jacobs et al., 2010). Os progestágenos têm efeito mitogênico sobre o epitélio das células mamárias e induzem a proliferação do epitélio ductal intralobular e o desenvolvimento dos ductos e dos lóbulos, o que resulta no crescimento das glândulas mamárias, apresentando uma importante influência na carcinogênese dos tumores dessas glândulas (De Nardi et al., 2016).
Os sinais clínicos são caracterizados pelo aumento maciço das glândulas mamárias, que se apresentam firmes, indolores e não inflamatórias, podendo ainda assim tornarem-se infectadas ou necrosadas. Ocorrem ainda sinais clínicos sistêmicos, como apatia, anorexia, febre e desidratação (Amorim, 2007). O diagnóstico é baseado no histórico, sinais clínicos e exame citológico, porém, o diagnóstico definitivo só pode ser realizado por meio da biópsia com análise histopatológica. O tratamento consiste na retirada do estímulo hormonal através de ovariosalpingohisterectomia (OSH) ou uso de antiprogestágenos (Silva et al., 2008).
2. RELATO DE CASO
Um felino macho, não castrado, foi encontrado pelo tutor apresentando dois pequenos nódulos na região abdominal, sem relato de dor ou desconforto associado. Após dois dias, o felino demonstrou mudança comportamental, buscando mais proximidade com o tutor, sendo mais afetuoso e vocalizando com maior frequência. Observou-se também a presença de mais dois nódulos, totalizando quatro, sendo que os dois primeiros apresentaram aumento de tamanho.
Uma semana após a adoção, o tutor procurou atendimento veterinário devido ao rápido crescimento dos nódulos. Foi realizado ultrassom, que identificou sete nódulos na região mamária do felino, com aumento significativo de tamanho ao longo do dia. Exames de sangue revelaram apenas anemia como alteração relevante, enquanto a citologia aspirativa dos nódulos mamários indicou células epiteliais e mesenquimais bem diferenciadas, sugerindo hiperplasia fibroadenomatosa como principal diagnóstico diferencial devido à baixa atipia celular.
Apesar dos resultados obtidos, foi recomendada análise histopatológica para constatação do diagnóstico definitivo. Entretanto, considerando o quadro clínico do paciente, indicou-se a castração como tentativa de controle da hiperplasia. No dia seguinte à realização do procedimento cirúrgico, houve o desaparecimento dos nódulos mamários já existentes e nenhum nódulo recente foi observado.
3. DISCUSSÃO
A hiperplasia fibroepitelial é uma proliferação benigna do tecido mamário, geralmente observada em gatas jovens e ocasionalmente pode afetar machos, como no caso relatado. O rápido crescimento dos nódulos mamários, associado à ausência de dor e inflamação, é consistente com a literatura sobre a condição, que sugere uma forte dependência hormonal, particularmente da progesterona. Conforme Hinton & Gaskell (1977) indicam, essa condição pode ser induzida tanto por progesterona endógena quanto por substâncias exógenas, o que pode explicar o desenvolvimento da hiperplasia neste caso.
A análise citológica indicou baixa atipia celular, reforçando o diagnóstico de hiperplasia fibroepitelial, embora a confirmação final deva ser feita por histopatologia. A castração do felino resultou na regressão completa dos nódulos mamários, um achado que reforça a hipótese de que a proliferação mamária era hormoniodependente. Isso destaca o papel crucial da castração como tratamento eficaz para o controle dessa condição, removendo a fonte de hormônios sexuais que promoviam o crescimento dos nódulos, como descrito por Hayden et al. (1981).
Considerando casos semelhantes em gatos da mesma vizinhança, ressalta-se a hipótese de um fator ambiental contribuinte, como o uso de anticoncepcionais hormonais em gatos de rua, o que pode ter desempenhado um papel no desenvolvimento da hiperplasia mamária nestes gatos, conforme sugerido por estudos que destacam a relação entre a exposição potencial a progestágenos exógenos e alterações mamárias (Jacobs et al., 2010). Embora não haja confirmação, a possibilidade reforça a necessidade de uma investigação completa do histórico ambiental e reprodutivo dos animais afetados.
Por fim, o caso enfatiza a importância de uma abordagem diagnóstica cuidadosa e a realização de exames complementares, como ultrassom e citologia, para excluir outras condições, como neoplasias mamárias malignas. Além disso, o acompanhamento a longo prazo é essencial para monitorar a saúde do paciente e evitar recorrências, mesmo após a ressecção completa dos nódulos por meio da castração.
4. CONCLUSÃO
A análise do caso em questão revela o papel essencial do tutor na rápida identificação da condição, por meio do monitoramento das alterações comportamentais e físicas do animal, bem como o papel dos médicos veterinários no diagnóstico e tratamento adequados. Para isso, ressalta-se a necessidade de divulgação sobre o assunto, a fim de conscientizar os tutores sobre o papel preventivo da castração e das consultas periódicas com médicos veterinários. Ademais, destaca-se a necessidade de pesquisas mais aprofundadas sobre a enfermidade, principalmente em relação ao impacto dos progestágenos exógenos, como anticoncepcionais, no desenvolvimento da hiperplasia mamária em felinos.
5. REFERÊNCIAS
AMORIM, F. V. Hiperplasia mamária felina. Acta Scientiae Veterinariae, Porto Alegre, v.35, n.2, p.279-280, 2007.
DE NARDI, A.B., FERREIRA, T.M.M.R., ASSUNÇÃO, K.A. Neoplasias Mamárias. In: Daleck CR e De Nardi AB (Eds.). Oncologia em Cães e Gatos. 2.ed. Rio de Janeiro: Roca, p.726-756, 2016.
JACOBS, T.M., HOPPE, B.R., POEHLMANN, C.E., FERRACONE, J.D., SORENMO, K.U.. Mammary adenocarcinomas in three male cats exposed to medroxyprogesterone acetate (1990-2006). J Feline Med Surg, v.12, p.169-174, 2010.
HAYDEN, D.W., JOHNSTON, S.D., KIANG, D.T., et al. Feline mammary hypertrophy fibroadenoma complex: clinical and hormonal aspects. Am J Vet Res, v.42, p.1699-1703, 1981. HINTON, M., GASKELL, C.J.
HAYDEN, D.W., JOHNSTON, S.D., KIANG, D.T., et al. Feline mammary hypertrophy. Vet Pathol, v.20, p.253-256, 1983.
SILVA, C.F. Hiperplasia fibroepitelial em uma gata. In: Anais do 35º Congresso Brasileiro de Medicina Veterina´ria; 2008, Gramado. Gramado: Expogramado, 2008.
HAYDEN, D.W., BARNES, D.M., JOHNSTON, K.H. Morphologic changes in the mammary gland of megestrol acetatetreated and untreated cats: A retrospective study. Vet. Pathol, v.26, p.104-113, 1989.
HINTON, M., GASKELL, C. J. Non-neoplastic mammary hypertrophy in the cat associated with pregnancy or with oral progestagen therapy. Vet Rec, v.100, p.277-280, 1977.