RELATO DE CASO: ASCITE AGUDA EM CÃO COM ETIOLOGIA INDETERMINADA

CASE REPORT: ACUTE ASCITES IN A DOG WITH UNDETERMINED ETIOLOGY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411301047


Alessandra Oliveira Nogueira;
Orientador: Prof. Luiz Gustavo Neves Brandão


RESUMO 

A ascite é um problema comum em pessoas com insuficiência hepática, marcado pelo acúmulo de líquido no espaço peritoneal, causado pelo aumento da pressão hidrostática e pela retenção de sódio. Esta condição é comumente associada em cães ao crescimento da produção de aldosterona e à redução da eliminação renal de sódio, sendo intensificada pela hipoalbuminemia, decorrente da redução na capacidade hepática de produzir albumina. Os impactos negativos da ascite na qualidade de vida dos animais englobam problemas de mobilidade, respiração e repouso. Este trabalho descreve um caso clínico de um cão sem raça específica (SRD), de um ano e 15 kg, que exibiu sintomas de ascite aguda, incluindo aumento do volume abdominal, falta de ar e intolerância ao exercício. A condição foi examinada através de uma anamnese e uma avaliação física, que confirmou a existência de ascite. Foram feitos exames adicionais, como hemograma, bioquímica sanguínea, radiografia torácica e ultrassonografia abdominal, para verificar o funcionamento dos órgãos e a existência de líquido na cavidade abdominal. No período de hospitalização, o paciente foi submetido a furosemida e fluidoterapia, porém não respondeu e veio a óbito antes da confirmação do diagnóstico. Os testes revelaram a existência de hipoproteinemia e um dano significativo ao fígado, indicando que a ascite estava ligada à incapacidade do órgão de manter a pressão oncótica. Este caso destaca a complexidade do diagnóstico e tratamento da ascite aguda em cães, destacando a necessidade de aprimorar as estratégias clínicas e diagnósticas em situações similares, além de estimular estudos futuros neste campo.

Palavras-chave: Ascite. Diagnóstico. Hipoproteinemia. Tratamento.

ABSTRACT 

Ascites is a common problem in people with liver failure, marked by the accumulation of fluid in the peritoneal space, caused by increased hydrostatic pressure and sodium retention. This condition is commonly associated in dogs with increased production of aldosterone and reduced renal elimination of sodium, and is intensified by hypoalbuminemia, resulting from a reduction in the liver’s ability to produce albumin. The negative impacts of ascites on the quality of life of animals include problems with mobility, breathing and rest. This paper describes a clinical case of a one-year-old, 15 kg non-breed dog (NBD) who exhibited symptoms of acute ascites, including increased abdominal volume, shortness of breath and exercise intolerance. The condition was examined through an anamnesis and a physical assessment, which confirmed the existence of ascites. Additional tests were carried out, such as a blood count, blood biochemistry, chest X-ray and abdominal ultrasound, to check organ function and the existence of fluid in the abdominal cavity. During hospitalization, the patient was given furosemide and fluid therapy, but did not respond and died before the diagnosis was confirmed. Tests revealed hypoproteinemia and significant liver damage, indicating that the ascites was linked to the organ’s inability to maintain oncotic pressure. This case highlights the complexity of diagnosing and treating acute ascites in dogs, emphasizing the need to improve clinical and diagnostic strategies in similar situations, as well as stimulating future studies in this field.

Keywords: Ascites. Diagnosis. Hypoproteinemia. Treatment. 

1 INTRODUÇÃO 

A ascite é uma complicação comum em pacientes com insuficiência hepática, marcado pelo acúmulo de líquido no espaço peritoneal, resultado do aumento da pressão hidrostática e da retenção de sódio. Este cenário é comumente ligado ao aumento da produção de aldosterona e à redução da excreção renal de sódio, aspectos notados em cães com insuficiência hepática (Birchard; Sherding, 2008). Ademais, a hipoalbuminemia, decorrente da menor capacidade hepática de produzir albumina, reduz a pressão intraocular e facilita o aparecimento de ascite (Nelson; Couto, 2023). A formação de ascite em pacientes com insuficiência hepática está relacionada principalmente à hipertensão portal hepática, à retenção renal de sódio e água, e à hipoalbuminemia (Ettinger; Cote, 2024). O excesso de líquido no abdômen prejudica a qualidade de vida do animal, tornando mais difícil se locomover, descansar e respirar. 

O excesso de líquido no abdômen afeta de maneira significativa a qualidade de vida do animal, tornando mais difícil sua locomoção, descanso e respiração. A efusão abdominal, que pode assumir a forma de fluido seroso ou sanguinolento, é sempre um sinal de uma enfermidade preexistente e pode ser causada por vários processos patológicos, como inflamatórios, infecciosos, metabólicos, degenerativos ou tumorais (Dunn, 2001). Os sintomas clínicos predominantes englobam distensão abdominal, fraqueza e apatia (Cowell, 2021). Quando a distensão abdominal é intensa, a ascite pode piorar o quadro clínico do paciente, tornando a locomoção, a respiração e o repouso mais complicados, o que intensifica a agitação e o desconforto do pet.

A confirmação da efusão, seja clínica ou radiograficamente, exige a execução de uma punção diagnóstica, crucial para determinar o processo de instalação da ascite e sua origem, por meio da análise macroscópica do líquido ou de testes adicionais. As causas mais frequentes de um transudato estão ligadas à hipoproteinemia, como na síndrome nefrótica, glomerulonefrite, absorção intestinal inadequada, enteropatia exsudativa, linfangiectasia, ou à existência de um tumor que comprime a circulação venosa ou linfática (Moraillon et al., 2013). Em pacientes com ascite, os sintomas mais frequentes incluem fadiga, intolerância ao esforço, perda de peso e, em casos mais graves, síncopes. Dispneia, taquipneia, surdez dos ruídos cardíacos, taquicardia e pulso fraco também podem ser indícios de enfermidades causadoras, como infecções ou tumores. Em situações de bloqueio cardíaco, a ascite pode vir acompanhada de edemas nos membros periféricos, piorando ainda mais o estado do indivíduo segundo Moraillon et al. (2013).

Esta pesquisa descreve um caso clínico de um cão que contraiu ascite aguda e, infelizmente, veio a óbito antes que o diagnóstico definitivo fosse estabelecido. A complexidade e a seriedade do caso desafiaram os métodos convencionais de diagnóstico e tratamento, expondo falhas no controle de condições abdominais críticas em animais de estimação.

A relevância deste relato reside na necessidade de aprimorar as estratégias diagnósticas e de tratamento para condições semelhantes, contribuindo para o avanço do conhecimento e a melhoria das práticas veterinárias. O caso em questão não apenas destaca a dificuldade em determinar a causa de ascite aguda, mas também oferece uma oportunidade para refletir sobre as estratégias clínicas e as áreas que necessitam de mais pesquisa e desenvolvimento. O objetivo deste estudo é documentar e analisar o caso do cão com ascite aguda de etiologia indeterminada, enfatizando os desafios enfrentados durante o processo diagnóstico e as limitações das abordagens convencionais.

2  MATERIAL E MÉTODOS

Um cão SRD de 1 ano e 15 kg, que apresentava aumento do volume abdominal, dispneia e intolerância ao exercício, indicou um quadro de ascite. Uma anamnese minuciosa foi conduzida para investigar a origem, coletando dados sobre o histórico médico, o começo e a evolução dos sintomas, a dieta, o ambiente e os tratamentos anteriores. A análise física confirmou a ascite, caracterizada por uma distensão abdominal significativa. A falta de ar e a intolerância à atividade física suscitaram preocupações sobre problemas respiratórios ou cardiovasculares, que podem ser secundários à ascite ou uma condição primária contributiva. A escuta do coração e dos pulmões pode ter indicado mudanças, como sopros ou crepitações, contribuindo para o diagnóstico. 

Foram feitos exames adicionais, como hemograma, bioquímica sanguínea, radiografia torácica e ultrassonografia abdominal, para analisar o funcionamento dos órgãos, detectar possíveis infecções ou inflamações e confirmar a existência de líquido na cavidade abdominal. Ao longo da internação, o paciente foi tratado com furosemida para diminuir a retenção de líquidos, além de fluidoterapia para restaurar a hidratação e corrigir eventuais desequilíbrios eletrolíticos. Embora as tentativas terapêuticas, Zeus não reagiu ao tratamento e, infelizmente, acabou falecendo. A origem subjacente da ascite aguda ainda não foi identificada.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 

O paciente Zeus, um cão sem raça definida (SRD), macho, de 1 ano de idade, foi apresentado à clínica Villas Petshop com histórico de ascite aguda, caracterizada por aumento do volume abdominal. Além disso, foram relatados sinais clínicos de dispneia e intolerância ao exercício. Os tutores também observaram dificuldade respiratória crescente, manifestada por dispneia, e uma redução significativa na capacidade de Zeus realizar atividades físicas rotineiras, como brincadeiras ou caminhadas, demonstrando intolerância ao exercício. 

3.1 EXAMES COMPLEMENTARES  

3.1.1 Radiografia de tórax

Os achados radiográficos de Zeus indicaram um padrão intersticial difuso nos campos pulmonares, sugerindo a presença de um processo inflamatório ou edema pulmonar. Este padrão pode ser associado a condições cardíacas ou pulmonares primárias, como insuficiência cardíaca congestiva ou uma infecção respiratória de origem bacteriana ou viral. Além disso, foi observado um discreto aumento da opacidade pulmonar no lobo caudal esquerdo, o que levantou a suspeita de pneumonia, edema localizado ou atelectasia. Esses achados, demonstrados nas imagens 1 e 2, reforçaram a necessidade de uma avaliação mais detalhada para confirmar o diagnóstico e entender a extensão da patologia.

Imagem 1 – Raio X frontal do tórax

Fonte: Radiografia realizada pela médica veterinária Teresa Gomes Carneiro (2022) CRMV-SP 20.651, pela Xvet Radiologia móvel.

Imagem 2 – Raio X lateral do tórax

Fonte: Radiografia realizada pela médica veterinária Teresa Gomes Carneiro (2022) CRMV-SP 20.651, pela Xvet Radiologia móvel.

3.1.2 Hemograma 

Tabela 1: Hemograma realizado em 29/01/2022

ParâmetroResultadoValor de ReferênciaInterpretação
Leucócitos11.500/μL6.000 – 16.000/μLDentro da referência
Neutrófilos7.910/μL  
Proteína plasmática total6,1 g/dL6 – 8 g/dLDentro da referência
Fonte: Hemograma realizado pelo médico veterinário Breno Estrela (2022) CRMV 6628-BA, pelo Hospital Veterinário Animal Center 24h.

Tabela 2: Hemograma realizado em 25/03/2022

ParâmetroResultadoValor de ReferênciaInterpretação
Leucócitos20.300/μL6.000 – 17.000/μLLeucocitose – Indicativo de processo inflamatório ou infeccioso
Neutrófilos16.037/μL Neutrofilia – Sugere resposta inflamatória aguda, possivelmente bacteriana
Proteína plasmática total3,4 g/dL6,0 – 8,0 g/dLHipoproteinemia – Pode contribuir para a ascite, reduzindo a pressão oncótica e favorecendo o extravasamento de líquido
Agregados plaquetáriosPresente Possível indicativo de ativação plaquetária, associada à inflamação ou infecção
Fonte: Hemograma realizado pela médica veterinário Karen Mangueira Franke (2022) CRMV 6662-BA, pelo VetChecap – Laboratório Veterinário.

A comparação entre os dois exames de sangue feitos em 29/01/2022 e 25/03/2022 mostrou alterações notáveis no quadro clínico do paciente ao longo do tempo.  No exame de sangue realizado em 29/01/2022, os parâmetros estavam dentro dos padrões de referência, sinalizando uma condição clínica que aparentava estabilidade. Os leucócitos estavam em 11.500/μL, um valor dentro do intervalo normal (6.000 – 16.000/μL), indicando que o sistema imunológico não estava sob intensa pressão inflamatória ou bacteriana. Igualmente, os níveis de neutrófilos e a proteína total no plasma estavam estáveis, sinalizando uma homeostase adequada do corpo. Contudo, no hemograma realizado em 25/03/2022, ocorreu uma mudança significativa. A contagem de leucócitos subiu para 20.300/μL, sinalizando leucocitose, um forte sinal de um processo inflamatório ou infeccioso em andamento. Ademais, observou-se neutrofilia, com neutrófilos alcançando 16.037/μL, indicando uma resposta inflamatória aguda, possivelmente de origem bacteriana. Isso evidenciou um avanço do quadro clínico para uma inflamação grave ou infecção sistêmica.

Outra informação alarmante foi a diminuição da proteína total no plasma para 3,4 g/dL (normal: 6,0 – 8,0 g/dL), indicando uma condição conhecida como hipoproteinemia. A formação de ascite foi influenciada pela hipoproteinemia, pois a diminuição da pressão oncótica facilitou a liberação de líquido para a cavidade abdominal. Esta descoberta indicou que o paciente apresentou uma complicação mais séria ligada ao desequilíbrio de proteínas. 

O hemograma mais recente também mostrou a presença de agregados plaquetários, possivelmente como parte da resposta inflamatória ou infecciosa, o que poderia ter agravado ainda mais a condição do paciente. Esta comparação entre os dois exames de sangue revelou uma piora no estado clínico do paciente, com avanço para inflamação e hipoproteinemia, dois elementos cruciais que provavelmente contribuíram para o surgimento de ascite e piora da saúde geral. 

3.1.3 Bioquímica sérica

Tabela 3: Bioquímica realizado em 31/01/2022

ParâmetroResultadoValor de ReferênciaInterpretação
ALT (Alanina aminotransferase)46,1 U/I21 – 86 U/IDentro da referência
Ureia73,8 mg/dL21 – 60 mg/dLAumentada – Possível desidratação ou disfunção renal precoce
Creatinina1,3 mg/dL0,5 – 1,5 mg/dLNo limite superior da referência
Fosfatase alcalina15,46 U/I20 – 156 U/IDentro da referência
Fonte: Bioquímica realizado pelo médico veterinário Breno Estrela (2022) CRMV 6628-BA, pelo Hospital Veterinário Animal Center 24h.

Tabela 4: Bioquímica realizado em 25/03/2022

ParâmetroResultadoValor de ReferênciaInterpretação
ALT (Alanina aminotransferase)284 U/L21 a 86 U/LAumentada – Sugestivo de lesão hepatocelular, que pode ter diversas causas (infecções, toxinas, neoplasias, etc.)
Ureia77 mg/dL21 a 60 mg/dLAumentada – Possível desidratação ou problema renal, mas a creatinina normal sugere que a função renal está preservada
Creatinina1,0 mg/dL0,5 a 1,3 mg/dLNormal – Função renal preservada
Fosfatase alcalina42 U.I./L20 a 156 U.I/LNormal – Atividade óssea normal
Fonte: Bioquímica realizado pela médica veterinária Karen Mangueira Franke (2022) CRMV 6662-BA, pelo VetChecap – Laboratório Veterinário.

A comparação entre as duas avaliações bioquímicas de Zeus, realizadas em 31/01/2022 e 25/03/2022, desvenda alterações significativas no estado clínico, particularmente ligadas à função do fígado e à possível desidratação. Na primeira avaliação, a ALT (Alanina aminotransferase) estava em níveis normais, com 46,1 U/L, indicando que não existiam indícios de dano hepatocelular naquele instante. Contudo, na segunda avaliação, feita quase dois meses mais tarde, a ALT mostrou um crescimento expressivo para 284 U/L, indicando claramente uma lesão hepática, que pode ser provocada por infecções, toxinas ou outras condições, como tumores. 

Quanto à função renal, a ureia estava levemente aumentada na primeira análise (73,8 mg/dL), o que pode ser associado a uma possível desidratação ou disfunção renal precoce, embora a creatinina estivesse no limite superior da referência (1,3 mg/dL), sugerindo que, naquele momento, a função renal ainda estava preservada. Na segunda análise, a ureia permaneceu elevada (77 mg/dL), o que reforça a hipótese de desidratação. No entanto, a creatinina se manteve dentro dos valores normais (1,0 mg/dL), indicando que a função renal continuava preservada, o que sugere que a elevação da ureia era mais provavelmente atribuída à desidratação do que a uma insuficiência renal.

Em ambas as avaliações, a fosfatase alcalina se manteve dentro dos padrões de referência, sinalizando a ausência de indícios de doenças colestáticas ou problemas ósseos. Os valores foram de 15,46 U/L na primeira avaliação e 42 U/L na segunda. Isso indica que, mesmo com a lesão hepática evidenciada pelo aumento da ALT, a função colestática não estava prejudicada. Assim, condições hepáticas colestáticas ou problemas osteoarticulares ativos não são considerados como causas primárias de ascite.

3.1.4 Teste para Leishmaniose

O exame de leishmaniose, realizado em março de 2022, resultou negativo, descartando a possibilidade dessa enfermidade ter influenciado o quadro de ascite apresentado por Zeus. A leishmaniose, uma infecção provocada por parasitas da espécie Leishmania, pode atingir vários órgãos, como o fígado e o baço, levando a complicações como a ascite (Bisetto Júnior et al., 2015). Um resultado negativo apontou que não foram identificados anticorpos específicos ou antígenos ligados à infecção por Leishmania no corpo do paciente. Com o resultado do teste, ficou mais claro que a ascite de Zeus não estava associada à leishmaniose, permitindo que a equipe veterinária concentrasse suas investigações em outras causas potenciais.

3.1.5 Proteínas totais e frações 

Tabela 5: Proteínas totais e frações realizado em 05/04/2022

ParâmetroResultadoValor de ReferênciaInterpretação
Proteína Total2,7 mg/dL5,4 a 7,1 mg/dLBaixa – Confirma a hipoproteinemia observada no hemograma
Albumina1,4 mg/dL2,6 a 3,3 mg/dLBaixa – Hipoalbuminemia, principal causa da redução da pressão oncótica e contribuinte para a ascite
Globulina1,30 mg/dL2,7 a 4,4 mg/dLNormal – Sugere que a hipoproteinemia não está relacionada a uma deficiência imunológica primária
Fonte: Realizado pela médica veterinária Karen Mangueira Franke (2022) CRMV 6662-BA, pelo VetChecap – Laboratório Veterinário.

A avaliação dos indicadores bioquímicos de Zeus forneceu dados vitais sobre sua condição de saúde, particularmente no que diz respeito à hipoproteinemia e à ascite. O valor de 2,7 mg/dL para a proteína total confirma a hipoproteinemia identificada anteriormente no hemograma. Essa concentração reduzida de proteínas no sangue sugeriu um estado de desnutrição ou perda de proteínas, que poderia ser consequência de diversas condições patológicas, incluindo doenças hepáticas crônicas, síndromes nefróticas e dificuldades na absorção de nutrientes (Birchard; Sherding, 2008). A hipoproteinemia refletiu a incapacidade do organismo de Zeus de produzir ou armazenar proteínas de maneira eficiente. Esse cenário foi crítico, uma vez que as proteínas desempenham um papel vital em várias funções biológicas, incluindo a manutenção da pressão oncótica e a prevenção do extravasamento de líquidos dos vasos sanguíneos para os tecidos, o que poderia levar ao desenvolvimento de ascite. 

Em cães com insuficiência hepática, a ingestão adequada de proteínas foi especialmente importante. De acordo com Nelson e Couto (2023), o excesso de proteínas poderia levar à encefalopatia hepática, uma condição neurológica séria causada pelo acúmulo de toxinas no sangue devido à inabilidade do fígado de decompor essas substâncias. Em contrapartida, a falta de proteínas poderia resultar em hipoalbuminemia, uma condição marcada pela redução dos níveis de albumina no sangue, um dos tipos mais importantes de proteínas. A orientação nutricional para cães com insuficiência hepática sugeriu a ingestão diária de 2 a 2,5 g/kg de proteína de alto valor biológico. Esta proteína é de fácil digestão e absorção, auxiliando na recuperação e preservação da saúde hepática (Brunetto et al., 2007). 

Adicionalmente, a albumina foi medida em 1,4 mg/dL, uma marca que se encontra abaixo da faixa de referência, que oscila entre 2,6 e 3,3 mg/dL. A hipoalbuminemia é especialmente importante, uma vez que a albumina tem um papel crucial na manutenção da pressão oncótica do plasma. Esta condição pode se manifestar em várias circunstâncias, incluindo danos ao fígado crônicos, falta de ingestão de proteínas, infecções parasitárias, enfermidades renais (como síndrome nefrótica, glomerulonefrite crônica e diabetes), síndrome da má absorção intestinal, hemorragias, enteropatia com perda de proteínas e ferimentos severos. 

Ademais, a hipoalbuminemia pode ser consequência de um catabolismo elevado da albumina, causado por uma falta de energia, resultando na utilização de reservas de aminoácidos para a gliconeogênese (Thrall et al., 2024). A queda nos níveis de albumina auxilia na diminuição dessa pressão, facilitando a saída de líquidos para a cavidade abdominal, o que justifica a ascite notada em Zeus. Em contrapartida, o resultado das globulinas apresentou 1,30 mg/dL, estando dentro do intervalo normal de 2,7 a 4,4 mg/dL. Esta conclusão indica que a hipoproteinemia não está ligada a uma deficiência imunológica primária, sugerindo que o sistema imunológico de Zeus pode estar operando corretamente, mesmo com a diminuição nas proteínas totais. Essa diferenciação é crucial, pois auxilia na exclusão de circunstâncias que poderiam afetar a imunidade do animal

3.1.6 Análise do líquido cavitário

Tabela 6: Análise do líquido cavitário realizado em 28/01/2022

ParâmetroResultadoInterpretação
CorIncolorNormal
AspectoLímpidoNormal
Densidade1,008Baixa – Sugestivo de transudato
SangueTraçosPode indicar leve hemorragia ou contaminação durante a coleta.
pH7Normal
CTCN400Baixa – Sugestivo de transudato
He0,01Baixa – Sugestivo de transudato.
Descrição citológicaHipocelular com predomínio de raríssimos neutrófilos íntegros. Raros macrófagos. Raríssimas hemácias. Sem alterações compatíveis com inflamação ou neoplasia. Sem organismos extra e/ou intracitoplasmáticos.Compatível com transudato.
Diagnóstico descritivoAs características do fluído associado as observações citológicas são compatíveis com Transudato.Confirma a natureza do líquido como transudato.
Fonte: Realizado pela médica veterinária Iracilda Santana de Carvalho Gomes (2022) CRMV 3442-BA, pelo CendiVet – Centro de diagnóstico Veterinário.

A análise do líquido abdominal, caracterizado por sua cor incolor, aspecto límpido e baixa densidade (1,008), confirmou o diagnóstico de transudato. O pH normal (7) e a baixa contagem de células nucleadas (CTCN = 400) e hemácias (He = 0,01) corroboram a natureza do transudato, geralmente associado a condições como insuficiência cardíaca, hipoalbuminemia ou obstrução venosa, em vez de inflamação ou infecção. A análise citológica, mostrando um fluido hipocelular com raríssimos neutrófilos e macrófagos, além da ausência de organismos, reforça a ausência de um processo inflamatório ou neoplásico ativo.

3.2 DIAGNÓSTICO

A ascite aguda em Zeus representou um desafio diagnóstico significativo, com a etiologia permanecendo inconclusiva mesmo após a realização de diversos exames. A leucocitose acompanhada de neutrofilia e a elevação da ALT indicaram a presença de um processo inflamatório ou infeccioso, possivelmente relacionado ao comprometimento hepático. A monitoração da resposta inflamatória continuou a ser um desafio clínico, uma vez que os sinais de inflamação nem sempre se manifestaram de forma clínica. Portanto, a utilização de testes hematológicos e de bioquímica sanguínea, especialmente a mensuração de proteínas plasmáticas, foi necessária para diagnosticar doenças inflamatórias que não se manifestaram claramente (Nogueira, 2010).

Além disso, o aumento dos níveis de proteínas plasmáticas ocorreu exclusivamente em situações de desidratação. A hipoalbuminemia surgiu em diversas condições, como dano hepático crônico, deficiência alimentar de fontes proteicas, infecções parasitárias, doenças renais (como síndrome nefrótica, glomerulonefrite crônica e diabetes), síndrome da má absorção intestinal, hemorragias, enteropatia com perda de proteínas e queimaduras graves. Essa condição também pode ter resultado do catabolismo aumentado da albumina em decorrência de uma deficiência energética, que estimulou a mobilização de reservas de aminoácidos para a gliconeogênese (Trall, 2024).

Embora a hipoalbuminemia tenha contribuído para o desenvolvimento da ascite, sua causa subjacente permaneceu desconhecida. A ausência de alterações cardíacas significativas e a preservação da função renal contribuíram para descartar algumas causas potenciais, mas não foram suficientes para alcançar um diagnóstico definitivo. Apesar de o tratamento sintomático com diuréticos e fluidoterapia ter promovido uma melhora clínica parcial, a causa subjacente da ascite aguda em Zeus não pôde ser identificada. Infelizmente, o paciente acabou falecendo, o que deixou a questão da etiologia exata do inchaço abdominal sem resposta.

4 CONCLUSÃO 

A comparação dos exames feitos em Zeus em variados momentos mostrou uma progressão alarmante do seu estado clínico. Primeiramente, o ultrassom confirmou a existência de ascite, enquanto a avaliação do líquido ascítico apontou para um transudato, indicando possíveis causas não inflamatórias, como a hipoalbuminemia, problemas hepáticos ou cardíacos. O primeiro exame de sangue e bioquímico indicou uma possível desidratação e um leve comprometimento da função renal. Contudo, análises subsequentes indicaram um agravamento da condição.

A bioquímica do sangue também mostrou danos hepáticos, com aumento da ALT, e a continuidade de níveis elevados de ureia sugeriu uma possível disfunção renal leve ou desidratação crônica. Por outro lado, a radiografia do tórax sugeriu a possibilidade de comprometimento pulmonar, exigindo uma investigação adicional com ecocardiografia. Embora Zeus tenha recebido tratamento sintomático, a origem subjacente da ascite permaneceu incerta, resultando em sua morte. A situação ressalta a complexidade do diagnóstico e tratamento da ascite, particularmente quando a causa é desconhecida. A hipoalbuminemia, a inflamação/infecção e o possível comprometimento de vários órgãos tornaram o diagnóstico e o tratamento efetivos um desafio.

Este caso ilustra a relevância de um diagnóstico completo e multidisciplinar, que inclui exames laboratoriais, de imagem e, se viável, biópsia e análise do líquido ascítico. É crucial identificar antecipadamente a causa raiz para um tratamento eficiente e para aprimorar o prognóstico de pacientes com ascite. A experiência de Zeus também destaca a importância de estudos contínuos para aprofundar o entendimento sobre as causas e mecanismos da ascite canina, além de criar novos métodos diagnósticos e terapêuticos que possam proporcionar melhores resultados para esses pacientes.

REFERÊNCIAS 

BIRCHARD,  Stephen J.; SHERDING, Robert G. Manual Saunders. Clínica de pequenos animais. 3 ed., Roca, São Paulo, 2008.

BISETTO JUNIOR, Alceu et al. Manual Técnico de Leishmanioses Caninas: Leishmaniose Tegumentar Americana e Leishmaniose Visceral. Londrina: CRMV/PR, 2015.

BRUNETTO, Márcio Antonio et al. Manejo nutricional nas doenças hepáticas. Acta Scientiae Veterinariae, v. 35, p. s233-s235. FCAV/UNESP, Jaboticabal, SP, 2007.

COWELL, Rick L. Diagnóstico citológico e hematologia de cães e gatos. 3 ed. São Paulo: Medvet, 2021.

ETTINGER, Stephen J.; COTE, Etienne. Ettinger’s Textbook of Veterinary Internal Medicine. 9 ed. Elsevier, 2024.

MORAILLON, Robert et al. Manual elsevier de veterinária: Diagnóstico e tratamento de cães, gatos e animais exóticos. 7 ed. GEN Guanabara Koogan, 2013.

NELSON, Richard W.; COUTO, C. Guillermo. Medicina Interna de Pequenos Animais. 6 ed. Rio de Janeiro: GEN Guanabara Koogan, 2023.

NOGUEIRA, Andressa Francisca Silva. Proteínas de fase aguda no soro sanguíneo e no líquido peritoneal de equinos submetidos à obstrução intestinal experimental. 2010, 52 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2010.

THRALL, Mary Anna et al. Hematologia, Citologia e Bioquímica Clínica Veterinária. 3 ed. Roca, 2024.

DUNN, John K. Tratado de medicina de pequenos animais. São Paulo: Roca, 2001.

ANEXOS

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA USO DE DADOS E IMAGENS DE ANIMAL EM TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Eu, Marcelo Santos, portador do CPF nº 06378134561, na qualidade de tutor do animal Zeus, espécie canino, raça SRD declaro que estou ciente e concordo com as seguintes condições:

– Autorização: Autorizo o uso dos dados clínicos, exames e imagens do animal supracitado para fins acadêmicos, no âmbito do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da estudante Alessandra Oliveira Nogueira, do curso de Medicina Veterinária, na UNIFAT.

– Finalidade: Compreendo que os dados e imagens poderão ser utilizados para o relato de caso, buscando contribuir com o conhecimento na área de Medicina Veterinária.

– Confidencialidade: Garanto que a identidade do animal e quaisquer dados pessoais serão mantidos em sigilo e utilizados exclusivamente para os fins mencionados, respeitando a ética e os direitos do tutor e do animal.

– Direito de Revogação: Estou ciente de que tenho o direito de revogar este consentimento a qualquer momento, mediante notificação escrita ao estudante responsável.

– Isenção de Responsabilidade: Declaro que a participação do meu animal neste estudo é voluntária e que não há qualquer compensação financeira ou benefício material em troca da autorização.

Por ser verdade, firmo o presente Termo de Consentimento.

Feira de Santana-Bahia

02 de outubro de 2024