REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202410091049
Danielle Veras dos Santos Salles1
RESUMO
Esta pesquisa tem como tema a cultura e a comunicação no âmbito empresarial. O objetivo principal do trabalho é mostrar como o comportamento de membros de uma organização influencia a construção da cultura da mesma. O contrário também é válido, já que ocorrem cruzamentos e paralelos entre os símbolos, valores e políticas adotados e a atuação dos profissionais envolvidos. Tomando como foco duas entrevistas feitas com profissionais de comunicação de importantes instituições (Sesc e Organizações Globo), além de conceitos e autores da área, pretende-se apontar a necessidade de um diálogo constante e transparente entre os diversos públicos que compõem uma organização, sobretudo em tempos de internet, em que os usuários assumem o papel de emissores e receptores de conteúdo, aumentando a possibilidade de interação. Para isso, o bom desempenho de um relações-públicas como mediador destes públicos, a fim de manter um relacionamento aberto, e da área de comunicação, com suas inúmeras ferramentas, mostram-se vitais.
Palavras-chave: Organizações; Cultura organizacional; Comunicação integrada; Relações Públicas
ABSTRACT
This research focuses on culture and communication in the business environment. The main objective of the work is to show how the behavior of members of an organization influences the construction of its culture. The opposite is also valid, as there are crossovers and parallels between the symbols, values and policies adopted and the actions of the professionals involved. Focusing on two interviews carried out with communication professionals from important institutions (Sesc and Organizações Globo), in addition to concepts and authors in the area, we intend to point out the need for a constant and transparent dialogue between the different audiences that compose an organization, especially in times of internet, in which users assume the role of senders and receivers of content, increasing the possibility of interaction. To this end, the good performance of a public relations person as a mediator for these audiences, in order to maintain an open relationship, and the communication area, with its countless tools, are vital.
Keywords: Organizations; Organizational culture; Integrated communication; Public Relations
INTRODUÇÃO
Mais do que nunca, as organizações precisam ser abertas, transparentes e criar diferentes canais de comunicação para manter um diálogo com seus públicos estratégicos, prestando contas a ele. Em tempos de evolução constante da internet e das mídias sociais, não basta mais o que as próprias organizações digam sobre si mesmas, como acontecia no passado. Segundo Terra (2011), “a reputação é cada vez mais terceirizada nas percepções que os públicos têm e expressam por meio de diversas ferramentas tanto on-line quanto off-line”.
A comunicação que se estabelece, portanto, é a de mão-dupla, em que os usuários assumem o papel de emissores e receptores de conteúdo, aumentando sua capacidade de interação, participação e colaboração. Esse aumento da capacidade de interação também é observado nas organizações, uma vez que o público interno pode ser visto como construtor de significados. Ele ajuda a moldar a cultura organizacional, mas, em um processo de mão dupla, também é afetado por ela e pelo comportamento de seus semelhantes durante momentos de atividades em conjunto e de interação social, ou seja, quando o processo comunicativo se faz presente.
Segundo Baldissera (2008), cultura e comunicação constituem um processo de construção no qual a cultura deve ser, para não se cristalizar, continuamente compartilhada pelo grupo de indivíduos. Com isso, a comunicação faz com que a cultura de uma organização seja atualizada de maneira constante.
Ao longo deste artigo, pretende-se apontar a importância do relações-públicas para o bom funcionamento das organizações, uma vez que este profissional é capaz de conciliar os interesses de todos os públicos em prol do desenvolvimento da missão organizacional. Junto à gestão dos processos comunicativos, pode propor ideias para fazer com que os funcionários se sintam parte integrante do todo, mantendo intactos a cultura e a imagem organizacional.
No Brasil, é importante ressaltar que a atuação de um profissional da área ainda é mal compreendida por muitos setores, sobretudo pelo vínculo mantido à época da Ditadura Militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985, quando os departamentos de Relações Públicas eram utilizados para promover as ações militares, repassando e reforçando a ideia de “milagre econômico”.
Visto que a maioria dos trabalhos acadêmicos na área debate os paradigmas teóricos que norteiam a profissão, é fundamental discutir, também, a atuação do profissional nas organizações contemporâneas e de que forma ele assume o papel de mediador de públicos, mantendo com eles um diálogo constante e transparente, algo fundamental para o bom funcionamento das citadas organizações.
O objetivo geral deste trabalho é mostrar como o comportamento dos profissionais de uma organização influencia a construção da cultura da mesma, ao passo que os objetivos específicos são: explicitar as funções desempenhadas por um relações-públicas e o contexto histórico do surgimento da profissão tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil; enumerar as principais características das organizações do século XXI; esclarecer a importância do planejamento estratégico da área de comunicação, fundamental para a mediação das relações com os diversos públicos, e apontar o papel que o profissional de Relações Públicas desempenha na construção e manutenção da imagem e da cultura organizacional.
Este artigo será desenvolvido com base na pesquisa exploratória com técnica de pesquisa bibliográfica e documental. Para isso, alguns autores e conceitos são importantes, entre os quais as quatro teorias de Ehling, White e Grunig para o gerenciamento de Relações Públicas nas organizações: interorganizacional, de gerenciamento, da comunicação e de conflitos-resoluções; a definição da atividade de um profissional da área de Relações Públicas proposta pela Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP); a origem e a evolução do conceito de cultura propostas por Eagleton (2000); a origem e a evolução do conceito de cultura participativa propostas por Jenkins (2006); a origem e a evolução do conceito de comunicação propostaspor Bordenave (1982); a origem e a evolução do conceito de comunicação digital propostas por Saad Corrêa (2008); a Teoria dos Sistemas Complexos, proposta por Regis e Gonçalves (2009) e o conceito de Comunicação Integrada de Kunsch (2003).
Também serão utilizadas entrevistas feitas com duas profissionais da área de Comunicação: Aline Ferreira, das Organizações Globo, e Patrícia Vidal, do Serviço Social do Comércio (Sesc). O objetivo destas entrevistas é apontar a importância estratégica da área de Comunicação para o bom funcionamento das respectivas organizações, tanto interna quanto externamente.
Por fim, será analisado, ainda que brevemente, o contexto histórico do desenvolvimento das Relações Públicas tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, para se pensar, em um momento de crise da política, do sujeito e da opinião pública, a real importância de um profissional de Relações Públicas para as organizações inseridas no atual sistema social global. Quando atua de maneira a manter um diálogo aberto e transparente com os diversos tipos de público, a partir de um processo comunicativo elaborado e liderado por ele, é um profissional eficaz para o bom funcionamento das organizações.
CONCEITOS DE CULTURA
As origens da palavra cultura, do latim colere, explicitam um modo específico de ação, de início muito relacionada à natureza e aos trabalhos manuais de cultivo da terra. Tal significado foi transposto para o âmbito espiritual à medida que os avanços tecnológicos provocavam mudanças na existência humana, como proposto por Eagleton (2000, p.12). “A palavra cartografa, assim, no âmbito do seu desdobramento semântico, a própria transição da humanidade de uma existência rural para uma existência urbana, da suinicultura para Picasso, da lavoura do solo para a divisão do átomo”.
A palavra se relaciona a diversos campos do saber. Na Antropologia, ganha a conotação conhecida atualmente, a de um conjunto de significados compartilhado por determinado grupo, o que faz com que seus membros possam compreender e modificar o ambiente no qual estão inseridos. Esta interação faz surgir os valores e crenças que norteiam a vida em sociedade.
Segundo o conceito original, a “cultura” seria um agente da mudança do status quo, e não de sua preservação; ou, mais precisamente, um instrumento de navegação para orientar a evolução social rumo a uma condição humana universal. O propósito inicial do conceito de “cultura” não era servir como registro de descrições, inventários e codificações da situação corrente, mas apontar um objetivo e uma direção para futuros esforços. (BAUMAN, 2013, p.12)
Mais recentemente, com o progresso tecnológico transformando todo o mundo e encurtando as distâncias, reduzindo-as às proporções de uma aldeia, como já afirmou Marshall McLuhan em algumas ocasiões, as novas mídias empoderaram os públicos, dando-lhes as ferramentas necessárias não apenas para receber um volume enorme de informações, mas também para produzi-las a seu bel-prazer.
À medida que os meios de comunicação convergem, importantes transformações acontecem, sobretudo no âmbito da cultura, que se torna participativa. É o que explica Henry Jenkins (2006), um dos estudiosos de mídia mais respeitados dos Estados Unidos.
Bem-vindo à cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis […]. A circulação de conteúdos depende fortemente da participação ativa dos consumidores. A convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos. A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras. (Ibid., p.29-30)
A partir destes conceitos, é possível pensar se o comportamento dos profissionais de uma instituição afeta a construção da cultura da mesma. Estas visões se assemelham a das entrevistadas que dão base ao presente artigo: Aline Ferreira, Assistente de Relações com a Imprensa das Organizações Globo, e Patrícia Vidal, Analista de Comunicação Interna do Serviço Social do Comércio (Sesc).
Para a primeira, “cultura é toda criação de um indivíduo ou grupo de indivíduos que represente sua realidade e interfira na sociedade ao redor. Toda criação que expressa a condição humana – valores, anseios e vivências – deve ser considerada manifestação cultural”. Para a segunda, por sua vez, cultura é “o conjunto de valores, hábitos e gostos de um indivíduo ou uma comunidade, expressos pelas mais diversas formas”.
O PAPEL DA CULTURA NAS ORGANIZAÇÕES
Antes de relacionar a cultura ao âmbito organizacional, porém, é preciso entender o que o conceito de organização representa. Os estudiosos da área costumam levar em consideração dois aspectos principais, como destaca Kunsch (2003, p.23): “o ato e efeito de ‘organizar’, que é uma das funções da administração, e o uso do termo como expressão de um agrupamento planejado de pessoas que desempenham funções e trabalham conjuntamente para atingir objetivos comuns”.
Quando relacionada às organizações, Mintzberg (2001, p.73) afirma que “a cultura concentra-se no interesse coletivo e na formação de uma organização unificada através de sistemas compartilhados, crenças, hábitos e tradições”. Ou seja, a cultura passa a ser entendida como a expressão da identidade das organizações, que viabilizam a vida em sociedade idealizada no sentido antropológico. Através da missão, visão e valores, a cultura atua como elo entre o passado e o presente da organização, contribuindo para que ela realize suas atividades de maneira coerente, aliando o discurso à prática.
Para Aline, este conjunto de valores norteia tanto a conduta da empresa quanto a de seus funcionários. “No caso da Globo, fazemos reuniões semanalmente para discutir os problemas e reconhecer os grandes feitos. É fundamental que todos se sintam como uma equipe jogando junto, e não indivíduos isolados”, pondera a profissional, que diz perceber a formação de subculturas onde trabalha.
“Há diversas subculturas na sala onde trabalho. Observo que pessoas que moram mais próximas tendem a se unir, possibilitando um vínculo no trajeto Casa x Trabalho. Existem grupos das Zonas Sul e Oeste, além da Barra e da Tijuca. Isso acontece muito, mas não é uma divisão declarada e nem cria desconfianças ou divergências, e sim proximidade entre indivíduos com um cotidiano semelhante”.
Tanto para Aline quanto para Patrícia, alguns pontos precisam ser respeitados para garantir uma boa cultura organizacional. Para a analista do Sesc, transparência na administração, boas práticas de comunicação e um canal eficiente de diálogo entre os funcionários e a alta diretoria devem ser implementados através de pesquisa de clima para detectar a impressão do público interno quanto ao ambiente de trabalho; análise dos resultados, que auxiliam a formulação de políticas que visem a solução de possíveis problemas envolvendo a cultura organizacional e, por fim, de fato executar as políticas estabelecidas, com monitoramento constante para avaliar a eficácia das ações e o retorno dos funcionários.
Assim, uma organização como a Globo, por exemplo, que se diz preocupada com as questões ambientais, deve tomar atitudes que sejam condizentes com o seu discurso, de modo transparente, a fim de manter a credibilidade e incentivar seus funcionários a fazerem o mesmo. Do contrário, ela, que é referência no campo da comunicação, teria sua reputação abalada.
“O Projac promove a reciclagem do lixo. Além disso, temos um sistema de reutilização da água. Para atingir uma boa cultura organizacional é preciso, acima de tudo, ouvir, valorizar e reconhecer o bom profissional, para que ele fique cada vez mais estimulado e satisfeito em integrar esse time de funcionários. Um bom gestor que alinhe planos e práticas não deve tratá-los como uma simples peça para alcançar o lucro, mas como indivíduos cheios de aspirações e que sonham crescer na empresa”, diz Aline.
O Sesc, como a Globo, também preza pela sustentabilidade, promovendo a minimização da fome e do desperdício através da iniciativa Mesa Brasil Sesc, que recolhe alimentos em perfeitas condições de consumo e os distribui a diversas instituições sociais da cidade, além de disponibilizar em seu site receitas que aproveitam integralmente os alimentos, como um pudim de casca de tangerina; a coleta seletiva do lixo e utilizando materiais recicláveis em suas campanhas internas, tais como camisetas que têm na garrafa pet sua principal matéria-prima e ecobags feitas a partir da fibra do bambu.
“Hoje em dia, a sustentabilidade é critério primordial no estabelecimento dos valores e, consequentemente, da cultura organizacional. É importante que esse conceito – em suas acepções ambiental, social e econômica – esteja ampla e claramente difundido junto ao público interno. Assim, todos se sentem, mais que funcionários, agentes que atuam pelo bem da comunidade e do planeta”, comenta a funcionária da casa, para em seguida, destacar outro ponto importante em relação à cultura organizacional: a unidade interna que ela promove.
“Independentemente de diferenças pessoais, culturais, sociais e econômicas que possa haver entre os colaboradores, a cultura organizacional pauta-se, principalmente, por aquilo que é comum a todos, isto é, os valores comuns. São pessoas diferentes, cada uma com sua história de vida e trajetória profissional, mas trabalhando pelos mesmos objetivos. Isso deve ser sempre lembrado nas ações de comunicação interna: o sentimento de pertencimento à organização e de orgulho em trabalhar por esses objetivos. Um fator que contribui para essa unidade é o funcionário sentir que a empresa trata a todos com o mesmo respeito e promove, entre eles, a igualdade de oportunidades”.
Tema relevante quando o assunto é cultura organizacional, os referenciais simbólicos que ajudam na sua construção também foram citados pelas entrevistadas. “Acredito que tais referenciais sejam os grandes líderes e pessoas inspiradoras de dentro e de fora da organização”, aponta Patrícia. Já Aline cita um exemplo que ilustra a importância dessas figuras, que são reconhecidas, muitas vezes, como lendas vivas pelos colegas de trabalho. “Posso citar uma colega que entrou como estagiária, cargo que ocupou por dois anos. Em seguida, virou atendimento júnior e, recentemente, foi promovida para atendimento pleno. É um exemplo de que é possível crescer na empresa e que o esforço traz o reconhecimento”.
CONCEITO DE COMUNICAÇÃO
Marques de Melo (1975) lembra que o termo comunicação, deriva do latim communis, o que explicita uma de suas principais funções: a ideia de comunhão, de partilhar algo, a fim de torná-lo comum a todos, em um fenômeno inerente à relação que os seres vivos mantêm quando se encontram em grupo. Através da emissão de sinais, sons, gestos ou palavras que devem ser entendidos e interpretados, para, em seguida, serem respondidos, eles conseguem se comunicar e trocar informações entre si.
Este processo é descrito por Bordenave (1982) como “uma necessidade básica da pessoa humana, do homem social”, para a garantia do bom funcionamento das organizações. A história mostra que, entre os homens, a comunicação surgiu a partir da associação de determinados sons ou gestos (signos) a objetos e ações específicos (significados). “A atribuição de significados a determinados signos é precisamente a base da comunicação em geral e da linguagem em particular. De posse de repertórios de signos e de regras para combiná-los, o homem criou a linguagem”, completa Bordenave (1982).
O sistema de signos que o homem criou para sua comunicação não é um conjunto mecânico de peças que se armam como um quebra-cabeças seguindo normas de engenharia da linguagem. A comunicação é um produto funcional da necessidade humana de expressão e relacionamento. Por conseguinte, ela satisfaz uma série de funções, entre as quais as que se seguem: função instrumental; função informativa; função regulatória; função interacional; função de expressão pessoal; função heurística ou explicativa e função imaginativa. (Ibid., p.46)
A EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO EM TEMPOS DE INTERNET
As mídias sociais estão aí e fazem parte do dia a dia de milhões de brasileiros, interferindo, inclusive, em seus trabalhos, sobretudo nas áreas de comunicação e marketing. Com isso, as organizações não podem atentar somente ao que se diz sobre elas nos meios de comunicação clássicos, como o jornal, o rádio e a televisão. É preciso voltar sua atenção para as redes sociais, que oferecem aos usuários infinitos canais, multiplicando o poder de disseminação das opiniões pessoais de cada um.
As mídias sociais estão em constante evolução e mudança, mas a essência que se extrai disso é a comunicação em mão dupla, a possibilidade de interação, participação e colaboração de diversas vozes, a capacidade de resposta e retorno e a oportunidade de estabelecermos de fato relacionamentos e diálogos com os públicos aos quais visamos, e isso independe de ferramental. (TERRA, 2011, p.14)
Com a evolução da internet, os usuários e consumidores se tornaram mais exigentes em relação às organizações. Com apenas um clique, conseguem examinar minuciosamente todo seu histórico de informações. Não importa tanto o que elas dizem sobre si mesmas, em uma comunicação unilateral, como a que acontecia no passado, e sim o que dizem dela. Hoje em dia, a opinião de cada um desses usuários conta e muito para construir a reputação de uma organização e qualquer deslize pode ser fatal. Por isso, as empresas precisam criar canais de comunicação com a sociedade, inclusive os digitais, a fim de manter um diálogo transparente e aberto mesmo e, sobretudo, em momentos de crise.
A comunicação digital e os conteúdos criados a partir dela, exclusivamente no ambiente tecnológico e se utilizando de ferramentas colaborativas, tem sete de suas características principais enumeradas por Saad Corrêa (2008): presença ubíqua, estabelecimento de conversações como meio de troca social, uso de formas expressivas imagéticas, configuração de processos de produção cada vez mais interligados, simetria das comunicações, conversações participativas e integração midiático-informativa. A mesma autora elenca, ainda, os elementos comuns à comunicação digital: conversações, trocas, interações entre usuários conectados à rede e equilíbrio ou simetria dessas conversações.
Atualmente é possível dizer, até mesmo, que a relação entre comunicação e tecnologia é indissolúvel, irreversível e não passível de ser negligenciada, o que coloca o comunicador contemporâneo em constante exercício de correlação entre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e a tradicional arte de comunicar. A comunicação digital, com seu potencial de geração de fluxos informativos e multidirecionais, faz com que as relações sociais se desverticalizem nos diferentes ambientes, sobretudo nas empresas, daí a importância de estudarmos os impactos da ambiência digital na sociedade e no mundo corporativo. (TERRA, 2011, p.20)
É nesse contexto que se insere a comunicação organizacional integrada, que, como explica Terra (Ibid., p.15) “se aplica ao cuidar não só do relacionamento puro e simples, mas também da administração estratégica da comunicação com os públicos, resguardando seus interesses e se empenhando para atingir o ápice da troca entre a organização e estes, preocupando-se com o equilíbrio e a harmonização nas relações”.
Para funcionar em sintonia com os diferentes tipos de público, este modelo, que se aplica a qualquer tipo de organização – ONGs, sem fins lucrativos, pública, privada etc – não se restringe ao âmbito empresarial e se integra a um mix comunicacional que engloba as áreas de comunicação institucional, mercadológica, interna e administrativa, que se complementam, como mostra a figura a seguir.
Para Saad Corrêa (2003), a junção desses quatro componentes que formam a comunicação organizacional integrada é o cenário no qual está inserida a comunicação digital que se faz presente, de forma estratégica e integrada, nas organizações.
A comunicação organizacional tem por objetivo analisar tendências, prever suas consequências, assessorar a direção, assim como estabelecer programas de ação que sirvam tanto aos interesses da empresa ou instituição, quanto aos de seus acionistas, suas entidades bancárias, seu pessoal interno, seus clientes, seus fornecedores, suas organizações oficiais e outros públicos. (TERRA, 2011, p.18)
O atual modelo de comunicação adotado pelas principais instituições do país, que mistura alguns conceitos da escola americana de Relações Públicas com o jornalismo brasileiro, é apontado por Kunsch (2003) como o ideal.
Entendemos por comunicação integrada uma filosofia que direciona a convergência das diversas áreas, permitindo uma atuação sinérgica. Pressupõe uma junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica, da comunicação interna e da comunicação administrativa, que formam o mix, o composto da comunicação organizacional. Esta deve constituir uma unidade harmoniosa, apesar das diferenças e das peculiaridades de cada área e das respectivas subáreas. A convergência de todas as atividades, com base numa política global, claramente definida, e nos objetivos gerais da organização, possibilitará as ações estratégicas e táticas de comunicação mais pensadas e trabalhadas com vistas na eficácia. (Ibid., p.150)
Pelo discurso das duas entrevistadas, Aline e Patrícia, fica clara a importância da comunicação. “A comunicação permite uma proximidade e intimidade com o profissional, que por sua vez percebe a preocupação da empresa em manter um canal aberto com cada um. No Projac, por exemplo, há uma TV que conta as novidades da emissora em todas os ambientes. Entre as novidades compartilhadas, estão programação, informes de novos diretores e, o que acho de maior relevância, fotos das equipes que ficam atrás das câmeras, como figurinistas e maquiadores. Isso reforça neles a sensação de pertencimento”, defende a primeira.
Patrícia aponta as funções da comunicação que considera mais importantes. “Sem uma cultura organizacional claramente estabelecida, amparada por práticas eficientes de comunicação, o funcionário pode facilmente ser comparado a uma máquina, no sentido de que trabalha em modo automático, isto é, não reflete sobre o real impacto social de seu trabalho. Empresas e organizações são, também, feitas de máquinas, mas são feitas, principalmente, de gente. Isso significa que elas precisam olhar para seu público interno, conhecer sua história, entender suas expectativas e desenvolver suas potencialidades”.
Hoje, é preciso transformar colaboradores em empreendedores e sócios do negócio. Para formar essa nova mentalidade é preciso desenvolver consciências e competências para a cultura do permanente diálogo na empresa. Nesse aspecto, destacamos a função estratégica da comunicação em favorecer o aperfeiçoamento das relações humanas e a consolidação de um bom ambiente de trabalho. (MATOS, 2007, p.81)
O RELAÇÕES-PÚBLICAS
A Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP) define a atividade de um profissional da área como um “esforço deliberado, planejado e contínuo para estabelecer e manter a compreensão mútua entre uma instituição pública ou privada e os grupos de pessoas a que esteja direta ou indiretamente ligadas”.
O site do Conselho Federal dos Profissionais de Relações Públicas (Conferp) atenta para as múltiplas definições que foram criadas na tentativa de demonstrar a importância do papel deste profissional e para o fato de que nenhuma delas satisfaz completamente. “Ainda está longe de se encontrar uma significação pacífica para a expressão. Não há escassez de definições – 987 nos Estados Unidos da América em 1952, catalogadas por Gilbert Delcros para a revista Vente et Publicité –, mas nenhuma delas parece satisfazer completamente, seja no campo erudito ou no campo popular”.
Nassar (2007) aponta que, ao longo da história no Brasil, as atividades de um relações-públicas se confundem com a própria comunicação, o que contribui para a dificuldade que se tem ao tentar definir a identidade deste profissional. “O importante é entender que relações públicas e comunicação não são exatamente a mesma coisa. Mas a comunicação é um componente fundamental das relações públicas, sendo certo que seu pensamento e sua operação dificilmente serão excelentes se deslocados das políticas, dos planejamentos e das ações de Relações Públicas”.
Kunsch (2003) partilha de opinião semelhante. Para ela, quando se trata de uma instituição, o relações-públicas é fundamental para administrar estrategicamente a comunicação desta com seus públicos, atuando de maneira harmoniosa com os demais campos comunicacionais. O conceito de estratégia, portanto, parece essencial para compreender melhor a atuação deste profissional.
Originalmente, a palavra estratégia, do latim strategos, era usada para fazer referência a um general grego no comando de seu exército. Do alto das montanhas, ele se baseava em habilidades comportamentais e psicológicas para estabelecer as táticas que deveriam ser seguidas por seus soldados. Hoje, o conceito de estratégia está intrinsecamente relacionado a prognósticos, à visão geral de determinadas situações e à concretização da missão e dos objetivos de uma organização, buscando sempre o equilíbrio dos interesses dos atores envolvidos.
Na área de Relações Públicas, a estratégia é indispensável para a garantia da qualidade do relacionamento da organização com seus públicos e para a criação de valores a serem incorporados pelos funcionários, clientes, fornecedores e acionistas, que resultem, entre outras vantagens, na maximização de seus negócios. (FERRARI, 2003, p. 2)
De acordo com Ferrari (2003), para que a atividade de Relações Públicas possa ser exercida como uma função estratégica e eficaz é preciso que ela seja reconhecida em quatro níveis da estrutura organizacional: a alta administração, responsável pelas estratégias voltadas para os acionistas; os especialistas, que negociam com os mercados; o nível funcional ou de apoio, composto pelos gerentes de produtos e pelas áreas geográficas, e o nível institucional, que envolve, sobretudo, profissionais de comunicação, responsáveis por estabelecer as políticas internas e externas da organização, bem como seu posicionamento público.
O quarto nível, do ponto de vista das Relações Públicas, é o mais importante, pois ele lida não apenas com a normalidade como o esforço de desenvolver ações de legitimação da marca e da identidade corporativa, mas também com as situações de crises geradas a partir de ocorrências como derrames de produtos químicos no meio ambiente, ou também no esforço de desenvolver ações de legitimação de marcas e da identidade corporativa. Tais fatos, normalmente, evoluem para problemas institucionais de graves consequências porque são encarados pela alta administração somente sob o aspecto técnico, mas por ela são ignorados sob o ponto de vista da percepção dos públicos. (Ibid., p. 3)
Quando reconhecidas pela estrutura organizacional, duas etapas configuram as principais estratégias de um plano de Relações Públicas: a mensagem-chave (o que o profissional quer dizer) e o público-alvo (quem ele quer atingir). A primeira está diretamente associada à imagem da organização que se pretende construir, dependendo de fatores como interesses, ambiente organizacional, mercado e objetivos que se almejam alcançar. O segundo, por sua vez, precisa ser cuidadosamente mapeado para que nenhum grupo considerado indispensável, como os acionistas, os funcionários e os formadores de opinião, por exemplo, fiquem de fora.
Terra (2011) cita o estudo Public Relations: communications in the Age of Personal Media, de Edelman e Technorati (2006), para fazer um comparativo entre a prática das Relações Públicas antigamente, durante boa parte do século XX, e a emergente, que se estabelece no tempo das mídias sociais, com o público ganhando vez e voz, sem mediadores, e influenciando diretamente, através das opiniões emitidas na rede, a reputação das organizações. O quadro abaixo sintetiza este comparativo:
Aproximação estabelecida | Modelo emergente |
Modelo “empurra”: envio de press release para a imprensa para atingir o máximo possível de audiência. Follow-up para conseguir entrevistas. Na maioria dos casos, os e-mails são deletados pelos jornalistas. | Caminhando para o modelo “puxe” (solicitado): uso de feeds RSS para que blogueiros, jornalistas e outros clientes recebam informações de interesse. |
Mensagens controladas: preparar porta-vozes para todas as questões e ter posicionamento rígido. | Conversação: interação contínua e conversações de acordo com as necessidades dos stakeholders. |
Voz autoritária e cínica em crises: centralização no contato com a mídia. | Engajar em níveis múltiplos: ser transparente com todos os níveis organizacionais. |
Elites são informadas primeiro: depois é que consumidores, funcionários e mídia local são avisados. | Empoderar funcionários e permitir cocriação dos consumidores. |
Falar para – e não com – a audiência: comunicação de mão única. | Paradoxo da transparência: informar com transparência mesmo em momentos de crise. |
Cauda de cachorro: relações públicas são apenas um suporte a marketing, ao administrar as relações com a mídia para que a propaganda realize o seu trabalho. | Sentar-se sobre a mesa: relações públicas como disciplina de gerenciamento de construção de relacionamentos entre companhias e seus stakeholders. |
Companhia sabe melhor: é a melhor fonte de informações. | Sabedoria das multidões: stakeholders colaboram com ou sem os inputs dados pelas organizações. A oportunidade para empresas é ouvir, aprender e participar. |
Fonte: Terra (2011, p. 26)
Além das atividades citadas anteriormente, o relações-públicas deve assessorar os gestores na tomada de decisões e fazer com que a organização concretize sua missão e seus objetivos, buscando equilibrar os interesses dos atores envolvidos.
No que se refere à esfera de Relações Públicas, tem-se que o processo contém o fenômeno da interação no sistema organização-públicos. Por sua vez, o programa corresponde à tecnologia de diagnosticar e prognosticar esse processo, assessorar as lideranças organizacionais sobre o devir do processo e implementar projetos de comunicação, intervindo no processo. O objetivo é obter a cooperação dos atores, possibilitando, assim, a consecução da missão organizacional, sustentada na satisfação dos interesses das partes. (SIMÕES, 2001, p. 18)
De modo geral, como enfatiza Kunsch (2003, p. 95), as atividades de um relações-públicas nas organizações podem ser resumidas em:
- Identificar os públicos, suas reações, percepções e pensar em estratégias comunicacionais de relacionamentos de acordo com as demandas sociais e o ambiente organizacional;
- Supervisionar e coordenar programas de comunicação com públicos – grupos de pessoas que se auto-organizam quando uma organização os afeta ou vice-versa;
- Prever e gerenciar conflitos e crises que porventura passam as organizações e podem despontar dentro de muitas categorias: empregados, consumidores, governos, sindicatos, grupos de pressão etc.
Para Ehling, White e Grunig (1992, p. 384), o gerenciamento de Relações Públicas nas organizações tem como base quatro teorias: interorganizacional; de gerenciamento; da comunicação e de conflitos-resoluções. A teoria interorganizacional se refere às interações existentes nas organizações, ao passo que a teoria de gerenciamento lida com as decisões que devem ser tomadas para implantar os planos de ação. Já a teoria da comunicação diz respeito aos conteúdos e correntes de pensamento que se dedicam às mediações entre público e organização. Por fim, a teoria de conflitos-resoluções faz referência aos problemas, crises e conflitos e os impactos causados na sociedade.
Podemos, na nossa percepção, aproveitar as quatro teorias mencionadas para indicar, como possíveis funções essenciais para o processo de planejamento e gestão das Relações Públicas nas organizações, as seguintes: a função administrativa (teoria interorganizacional), a função estratégica (teoria de gerenciamento), a função mediadora (teoria da comunicação) e a função política (teoria de conflitos-resoluções). (KUNSCH, 2003, p. 100)
CONTEXTO HISTÓRICO EM QUE A PROFISSÃO SE DESENVOLVEU
O contexto histórico em que a atuação dos relações-públicas está inserida é considerado conturbado e começou a ser delineado entre o final do século XIX e o início do século XX, quando estava em vigor nos Estados Unidos um processo de industrialização que alavancou o desenvolvimento do capitalismo monopolista, a luta de classes e o movimento sindical, fora alguns episódios isolados, como depressões econômicas e greve de mineiros, trabalhadores da estrada de ferro, mecânicos e trabalhadores do aço.
Segundo Pinho (2008, p. 26), “tais acontecimentos abalaram toda a economia da nação americana, acirrando ainda mais as diferenças sociais de classe, o que, por sua vez, acabou por consolidar a militância dos sindicatos”.
A classe patronal, por outro lado, também se fortalecia com as transformações nas relações de trabalho, auxiliadas pela implementação da Teoria da Administração Científica de Frederick Winslow Taylor, ou taylorismo.
O taylorismo representou um duro golpe nos êxitos sindicais logrados até então. Tal método destituía o trabalhador daquilo que lhe era mais caro: seu conhecimento e habilidade profissional, fazendo-o perder o controle técnico do processo de produção. De fato, o objetivo maior do taylorismo era fazer com que as tarefas laborais fossem planejadas, classificadas e sistematizadas […]. O processo de trabalho era agora administrado cientificamente, segundo procedimentos de tempos e movimentos, que eram capazes de estipular, sob a égide da linha ou cadeia de montagem, um movimento a ser desenvolvido num tempo ideal, devidamente cronometrado. (Ibid., p. 28)
A partir deste momento, então, tanto sindicalistas quanto patrões das indústrias procuraram lançar publicações de diferentes manifestações ideológicas, a fim de conseguir o apoio da opinião pública para suas respectivas causas. “Surge, assim, a necessidade de desenvolver um trabalho profissional direcionado aos meios de comunicação de massa”, afirma Pinho (Ibid., p. 27).
Não é possível relembrar o contexto histórico da profissão sem citar o trabalho pioneiro desenvolvido pelo jornalista e publicitário Ivy Lee no início do século XX, que passou a ser considerado por muitos como o “pai das Relações Públicas”, preocupado, como afirma Fonseca (1989, p. 68), em “aplacar a fúria da opinião pública contra os grandes capitalistas”. John Rockefeller Jr. e a Standard Oil foram os primeiros clientes de Lee, em 1914. Foi ele que nomeou a atividade conhecida hoje como assessoria de imprensa ou assessoria de comunicação, segundo Chaparro (2003, pp. 33 e 34). “[…] Ivy Lee conquistou, por direito ou mérito, na história moderna da Comunicação Social, o título de fundador das relações públicas, berço da assessoria de imprensa”.
A partir dessa preocupação de aplacar a fúria da opinião pública, criou-se o primeiro escritório de relações públicas de que se tem notícia, em Nova York. As atividades de assessoria de imprensa, comunicação institucional e comunicação dirigida surgiram a partir dessa concepção inicial.
Também em 1914, no Brasil, a Light and Power Co. iniciava suas atividades no país, a fim de estruturar os serviços de energia e transporte. Como seus padrões de trabalho e modos de produção seguiam a lógica norte-americana e canadense, a empresa sentiu que era necessário criar um departamento de comunicação que estreitasse o diálogo com o novo público, buscando sempre a construção de uma identidade e de uma imagem positiva.
O engenheiro Eduardo Pinheiro Lobo foi o escolhido para assumir o departamento de Relações Públicas da Light e manter o público informado, cargo que ocupou durante 19 anos. No mesmo ano em que a empresa de energia se instalava no país era instituído o Dia Nacional do Relações Públicas, segundo a lei nº 7197, com Lobo sendo declarado Patrono das Relações Públicas e, em 1975, pai das Relações Públicas no Brasil.
Outro momento marcante para a atividade no país aconteceu em 1952, quando foi criada a Companhia Nacional de Relações Públicas, depois rebatizada como Assessoria Nacional de Comunicação Ltda, a primeira agência brasileira a oferecer serviços especializados de Relações Públicas, estudos de formação de opinião pública e de propaganda, sob a liderança de Jorge Ignácio Penteado da Silva Telles e Romildo Fernandes.
Somente em 1962 surgiria, em São Paulo, a primeira escola de formação profissional da área, fundada por José Rolim Valença e José Carlos Fonseca Ferreira. Um ano depois, em outubro de 1963, era definido, oficialmente, o conceito de Relações Públicas, aprovado pela Federação Interamericana de Associações de Relações Públicas (FIARP), ao passo que, em 1967, surgia o primeiro curso superior de Relações Públicas, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), com duração de quatro anos.
França (2003) explica que, no Brasil, “as primeiras noções sobre a atividade foram recebidas do exterior”. Até meados da década de 1970, tanto no Brasil quanto em outros países latino-americanos, as Relações Públicas foram muito influenciadas por modelos importados. As atividades desenvolvidas nas empresas eram tipicamente norte-americanas, como o open house e o house organ, como resume Ferrari (2003). “Assim, as Relações Públicas chegaram ao Brasil como um ‘modelo importado’, de forma unilateral, pelas mãos das multinacionais. Boa parte de sua trajetória no Brasil e na América Latina foi baseada nos conceitos e práticas originárias, especialmente, dos Estados Unidos”. A atividade completou 100 anos no Brasil em dezembro de 2014, ultrapassando a marca de 700 agências no país.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS QUE NORTEIAM A PROFISSÃO
Para Fonseca (1989, p. 67), a ausência de um método racional nos primórdios das atividades de Relações Públicas retardou seu desenvolvimento teórico e prejudicou seu campo de ação. “A evolução teórica ocorreu à medida que estudos oriundos de diversas disciplinas passaram a fazer parte de um corpo teórico de Relações Públicas, tornando-o passível de identificação e de classificação”. A autora destaca a “origem intuitiva” que marcou a profissão.
As formulações teóricas surgiram numa fase posterior às primeiras atividades de Relações Públicas, pois os interesses capitalistas imediatistas que deram origem a estas atividades, nos Estados Unidos da América, no início do século, não permitiam disponibilidade de tempo para formulações teóricas. Relações Públicas partiram de experiências práticas que careciam de formulação científica que as justificassem. Isto trouxe consequências para as transmissões dos conhecimentos de Relações Públicas. A difusão das técnicas aplicadas dava-se, inicialmente, de forma mais intuitiva do que racional. (Ibid., p. 70)
Este pensamento intuitivo inicial tende a ser, segundo Capra (1979, p. 35), “sintetizador, holístico e não-linear, baseando-se na experiência direta, não-intelectual da realidade”. Foi somente com o passar das décadas que estudiosos começaram, aos poucos, a legitimar teoricamente a profissão, buscando respaldo em diversos campos do saber, entre os quais a própria Comunicação, a Sociologia, a Psicologia, a Administração e as Ciências Políticas, tornando a multidisciplinaridade uma das características das Relações Públicas.
Entre as teorias que se destacam neste primeiro momento estão as sociais que, em geral, como explica Fonseca (1989, p. 70), “são concebidas nos termos de quatro paradigmas principais que se fundamentam em diferentes abordagens metateóricas sobre a natureza da ciência social e a natureza da sociedade: funcionalista […], humanista radical e interpretativo”.
No paradigma funcionalista, a instituição faz parte de um sistema que, para sobreviver, precisa de ações corretas de comunicação. O profissional de Relações Públicas, dentro deste paradigma, atua como coordenador do processo de comunicação, buscando a interação e a cooperação entre a instituição e seus públicos para que a missão organizacional seja executada.
O paradigma funcionalista funciona através de quatro pilares: o realismo (a realidade é externa ao indivíduo); o positivismo (a ciência como principal forma de conhecimento auxiliando a manutenção da ordem); o determinismo (o indivíduo não influencia o curso da História) e os princípios nomotéticos (a importância da pesquisa). Cabe ao relações-públicas a coordenação do sistema instituição, cuidando de eventuais “doenças” que possam surgir, prezando pela manutenção do status quo.
Os funcionalistas, de um modo geral, adotam como ponto de referência a preocupação com a continuidade das regras e padrões que regulamentam as relações sociais. Fundamentam-se na proposta da racionalidade científica, objetiva, para explicar e prever as relações sociais. Para eles, as ciências representam uma ferramenta para impor ordem e regulamentos ao mundo social. (FONSECA, 1989, p. 70)
Nos paradigmas humanista radical e interpretativo, por sua vez, o profissional de Relações Públicas precisa estar inserido na realidade a fim de modificá-la, libertando os trabalhadores da opressão. O relações-públicas é o representante dos trabalhadores oprimidos, das entidades de classe e do terceiro setor. Também precisa lutar contra a alienação dos trabalhadores, pois as empresas, na verdade não visam a promoção do bem-estar social, e sim o lucro. Somente através da conscientização é que os trabalhadores podem, de fato, ser livres. E é esse o papel do relações-públicas, o de agente de transformações sociais.
Ao contrário do funcionalismo, influenciado pelo positivismo e pelo idealismo germânico, que prega a manutenção da ordem, os dialéticos ou humanistas radicais, sob a influência do marxismo, pregam a ruptura e a mudança da sociedade. Este paradigma apresenta pilares diferentes dos do funcionalismo, como o voluntarismo (o indivíduo é ator de sua realidade, exercendo influência sobre ela e podendo modificá-la); o anti-positivismo (o conhecimento, para concretizar-se, precisa de prática e de experimentação, da vivência diária) e o nominalismo (o indivíduo dá nomes a objetos e situações marcantes, mas estes não são imutáveis).
A consciência do oprimido e a realidade mantida pelo opressor são elementos fundamentais que se relacionam na estrutura social de forma dialética. As relações de dominação, que ocorrem entre opressor e oprimido, caracterizam-se pela desigualdade, alienação e exploração. A relação dialética entre opressor e oprimido gera a contradição dessa situação, quando a conscientização do oprimido passa a opor-se à opressão. O princípio dialético, como princípio universal, possibilita, assim, a emancipação humana. (FONSECA, 1989, p. 72)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um paradigma teórico mais recente é o da teoria dos sistemas complexos, proposto para se pensar a comunicação interna nas organizações. Com as intensas mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas, surgem novas questões que interferem o cenário profissional, as quais os paradigmas funcionalista e dialético, muito simplistas, não conseguem resolver.
Para uma organização elaborar estratégias de gestão de comunicação interna (e de gestão de um modo geral) compatíveis com os desafios da atualidade, é crucial que ela compreenda a principal lição ensinada pelos sistemas complexos: sua capacidade de adaptar-se às mudanças incessantes do ambiente externo, por meio da auto organização de suas estruturas […]. No meio do prazo delimitado para se alcançar um objetivo, pode ocorrer mudanças no sistema que tornem o objetivo obsoleto, por exemplo. É preciso abandonar o tipo de gerência centralizadora, linear e hierárquica e criar estratégias para dar ouvidos a propostas criativas e inovadoras provenientes de todos os integrantes do grupo, capazes de lidar com um panorama de transformações profundas e incessantes. (REGIS e GONÇALVES, 2009, p. 79)
Tanto Aline Ferreira, das Organizações Globo, quanto Patrícia Vidal, do Sesc, reconhecem que promover alterações na cultura de uma organização pode ser um processo demorado. “Estamos falando de pessoas e, justamente por isso, mudanças requerem tempo e disposição. Em ambientes de cultura organizacional já estabelecida, é possível que o público interno, ou mesmo a alta diretoria, não esteja aberto a mudanças. Detectada a real necessidade de ajustes nessa cultura organizacional, eles devem ser implantados por meio de uma estratégia que destaque não necessariamente a mudança em si, mas seus benefícios e sua relevância para o funcionário, para os clientes e para a organização como um todo”, acredita Patrícia.
Aline complementa o raciocínio. “É preciso reconhecer as falhas para implantar a mudança. Não adianta tentar promover uma reformulação estrutural sem ter um modelo a ser alcançado. Pode exigir mais trabalho, mas tudo requer planejamento. Esse planejamento deve incluir as expectativas que a empresa tem de cada funcionário e vice-versa”.
Assim, como este artigo procurou esclarecer, um relações-públicas deve agir junto aos setores da organização, propondo ideias para fazer com que os funcionários se sintam parte integrante do todo, mantendo intactos a cultura e o clima organizacional, como acredita Patrícia. “A partir da cultura organizacional, observam-se aspectos do clima de uma organização, ou seja, o clima seja uma espécie de consequência da cultura. Pode haver, por exemplo, em uma organização cuja cultura seja positiva, forte e há tempos estabelecida, momentos de turbulência financeira, administrativa ou política que instaurem um clima negativo entre os colaboradores. No entanto, o clima é uma situação passageira que pode ser contornada com menos dificuldade, desde que se tenha uma cultura forte e positiva”, afirma.
Quando perguntadas se este fortalecimento da cultura organizacional pode promover uma inovação da realidade empresarial, Aline e Patrícia discordam pela primeira vez. “Não necessariamente. Se o funcionário não se sentir à vontade com os preceitos da empresa, ele poderá se sentir compelido a expor suas ideias. Neste caso, por exemplo, acredito que a comunicação seja fundamental para reforçar o papel e a importância do funcionário na organização”, pondera Aline.
Já Patrícia concorda totalmente com o cenário proposto, mantendo a discussão em aberto. “Sempre. Quando o funcionário se sente, realmente, parte da empresa e tem orgulho disso, trabalhando em um ambiente positivo e produtivo, ele se sente estimulado a fazer mais e melhor, isto é, a ser criativo e propor soluções inovadoras para questões do dia a dia de trabalho. Em uma organização culturalmente forte, o público interno tem mais vontade de trabalhar para melhorar as ações da organização do que de sair dela para fazer isso em outro lugar”.
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1Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Especialista em Comunicação Empresarial pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Marketing Digital pela Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), E-mail: danielleverassouza@gmail.com