REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10122888
Felipe Augusto de Oliveira Pereira1;
Maria Fernanda Vianna Marvulo2
RESUMO
O tabagismo é a forma de consumo em massa de produtos tóxicos da atualidade e, apesar dos avanços das ações em saúde, outras formas de consumo de nicotina estão sendo desenvolvidas. O impacto do tabagismo está bem consolidado na literatura e tem-se aprofundado nos mecanismos fisiopatológicos e relações com outras condições atualmente. Em contraponto, os novos dispositivos de entrega de nicotina estão evidenciando impacto negativo na saúde, entretanto ainda há muito a ser esclarecido. Dessa forma, esse projeto busca revisar de forma integrativa as implicações desses produtos na saúde dos indivíduos. A revisão demonstrou que o cigarro comercial está diretamente relacionado com o risco de eventos cardiovasculares maiores, além de complicações metabólicas que secundariamente estão relacionadas com essas patologias, os cigarros eletrônicos não se relacionaram com esse grupo de doenças, apenas arritmias. As afecções respiratórias foram incidentes em todas formas de tabagismo, porém as complicações mais longínquas foram estabelecidas apenas no cigarro comercial pelas limitações de tempo dos estudos. Portanto, conclui-se que as condutas clínicas devem considerar os malefícios de ambas formas de tabagismo diante dessas complicações, sendo necessários estudos de maior duração e amostragem adequada para elucidação do risco da exposição.
Palavras-chave: Tabaco; Cigarros Eletrônicos.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil tem apresentado diminuição do número de tabagistas mediante a uma série histórica de ações governamentais, com queda na prevalência do tabagismo comercial, sendo de 12,2%, e identificado um crescimento da experimentação de outras formas de fumar, especialmente entre os jovens (MENEZES et al, 2022). Frente ao impacto na saúde pública do cigarro comercial foram implementados programas de educação em saúde e regulamentação desses produtos desde a década de 1970, diminuindo significativamente o tabagismo no cenário nacional (INCA, 2022). Com o grande impacto sobre essa indústria, surgiram novas alternativas de dispositivos de entrega de nicotina, como cigarros eletrônicos e narguilé, propagados como inofensivos, seguros e até saudáveis.
A grande quantidade de estudos sobre o uso do cigarro comercial tem mostrado como esse produto é prejudicial para os tabagistas e pessoas expostas à fumaça. O tabagismo é um dos fatores causais mais importantes para o desenvolvimento de doenças mundialmente, relacionado com a fisiopatologia de neoplasias malignas, doenças cardiovasculares, complicações pulmonares e diversas outras condições (MACKENBACH, DAMHUIS, BEEN, 2017). Além da menor longevidade, o tabagismo tem associação negativa com a qualidade de vida (GOLDENBERG, DANOVITCH, ISHAK, 2014).
Ademais, acompanhando o crescimento nos novos dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina, houve a preocupação da comunidade científica sobre as consequências nas condições de saúde-doença dos indivíduos. Apesar de não apresentar combustão, estudos mostram que os diversos compostos presentes na fumaça podem impactar prejudicialmente na saúde dos usuários. Todavia, os mecanismos de lesão pulmonar, toxicidade e repercussões clínicas ainda estão sendo estudados e não são completamente elucidados, especialmente em longo prazo (CALLAHAN-LYON, 201; BHATT, RAMPHUL, BUSH, 2020).
Considerando a ampla comercialização e uso dos produtos urge melhor entendimento dos impactos na saúde para a prática dos profissionais da saúde para assistência dos clientes, intervenções coletivas e regulamentação. Dessa forma, o presente estudo busca elucidar os impactos que esses produtos provocam no desenvolvimento ou no agravamento de condições de base desses sistemas nos indivíduos que são expostos.
2. OBJETIVO GERAL
Revisar de forma integrativa o impacto na saúde cardiovascular e respiratória da população exposta ao cigarro comercial e dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina.
2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Sintetizar dados atualizados sobre o tabagismo na morbimortalidade dos pacientes.
Avaliar evidências sobre as consequências dos dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina no desenvolvimento de doenças.
3. METODOLOGIA
3.1 Fontes de Busca
A base de dados utilizada para a pesquisa dos estudos foi a Pubmed e BVS. A escolha dos descritores foi baseada nos termos descritores MeSH (Medical Subject Headings) e Descritores em Ciências da Saúde (DECS).
3.2 Critérios de Seleção
Foram elegíveis para inclusão os estudos publicados nos últimos 10 anos, que abordam as consequências da exposição aos cigarros comerciais e dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina em pacientes com mais de 18 anos. A mostra da revisão excluiu os títulos de classificação editorial, carta-resposta, relato de experiência ou opinião de especialista.
4. DESENVOLVIMENTO
4.1 Cigarro Comercial
Os riscos estão expressos abaixo.
4.1.1. Cardiovascular
O tabagismo está intrinsecamente relacionado com doenças cardiovasculares, sendo que é o principal fator de risco independente modificável nesse contexto. O cigarro aumenta o risco de desenvolvimento e progressão de hipertensão, síndrome metabólica, insuficiência cardíaca, fibrilação atrial, doença cerebrovascular, tromboembolismo venoso e doenças arteriais isquêmicas, especialmente coronariana (KONDO et al, 2019). Revisões mostram que a carga tabágica influência no risco, todavia não existe dose segura de consumo (HACKSHAW et al, 2018).
A fisiopatologia da relação do cigarro com as DCV são multifatoriais, com o mecanismo de hipertensão, disfunção endotelial, arritmias, isquemias e tromboses venosas. Atua no endotélio através do aumento do estresse oxidativo e diminuição da ação do óxido nítrico, além dos danos diretos produzidos mediantes aos componentes sobre a parede do vaso. Esse efeito inflamatório também impacta sobre os lipídios, que quando danificados aumentam a deposição nas placas de aterosclerose. O efeito metabólico estende-se também sobre a resistência insulínica, o que pode levar a síndromes metabólicas e obesidade. Por fim, a hipertensão arterial é um produto do efeito sistêmico supracitado com a ativação simpática, a qual também está relacionada com o surgimento de fibrilação atrial nesse grupo (KONDO et al, 2019)
4.1.2. Respiratório
O tabagismo aumenta significativamente o risco de desenvolvimento e complicações relacionados ao sistema, incluindo as atopias – rinite, sinusite e asma – , doenças intersticiais pulmonares, doença pulmonar obstrutiva crônica, apneia do sono, infecções de vias aéreas, síndrome respiratórias agudas, tuberculose e neoplasia pulmonares malignas (JAYES et al, 2016).
As condições alérgicas respiratórias possuem diversos antígenos que podem desencadear as manifestações clínicas, pode ser primariamente o tabaco ou desenvolvem mais sintomas respiratórios quando expostos a outros antígenos (OR = 1,39-4,43) e sintomas de rinite (OR = 1,35)(WANG et al, 2020). O tabagismo também acarreta uma alteração intersticial inflamatória e enfisematosa progredindo dano intersticial que resultam em diversas alterações patológicas e fibrose pulmonar, caracterizando um fator de risco importante para a doença pulmonar intersticial (GOTARREDONA, 2022).
Além da incidência das infecções do trato respiratório, a síndrome do desconforto respiratório agudo apresentou mais prevalência e impacto em jovens saudáveis com tabagismo ativo (HSIEH, 2014). As complicações em paciente com sepse de foco pulmonar ou não pulmonares tiveram maior incidência de SDRA quando relacionados a tabagismo ativo mediante a biomarcadores, vale salientar que também apresentaram maiores níveis de marcadores inflamatórios sistêmicos (MOAZED, 2022).
As inúmeras micropartículas tóxicas que o pulmão durante a exposição ao tabagismo desencadeiam a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, sendo esse o principal fator de risco estabelecido, com o risco variando na literatura de 15-50% dos tabagistas desenvolvem DPOC (SALVI, 2014). A fisiopatologia envolve as relações de oxidantes e antioxidantes, proteases e antiproteases, o reparo inadequado e inflamação crônica, esses fatores corroboram a destruição do parênquima e hipersecreção de muco, além da alteração funcional, destruição de matrix extracelular e alteração histológica do brônquio com espessamento de submucosa, muscular e adventícia (HUANG et al, 2019).
4.2. Dispositivo Eletrônico de Entrega de Nicotina
O risco está expresso abaixo.
4.2.1. Cardiovascular
O narguilé tem um perfil tóxico/químico semelhante ao dos cigarros convencionais, todavia seu risco cardiovascular não está completamente elucidado. Os efeitos adrenérgicos de curto prazo demonstram aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e resistência periférica. Também causaram alteração do ciclo celular com produção de fatores oxidativos e diminuição do óxido nítrico. Agudamente, as partículas do carvão ativo mostraram um aumento do fluxo sanguíneo para o miocárdio. Por fim, os desfechos crônicos relacionados a eventos pró-trombóticos e aterosclerose, especialmente doenças arterial coronariana e cerebrovascular, também foram mais incidentes nesta população (QASIM et al, 2019).
Ademais, analisando o uso de dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina com uso para terapia de reposição de nicotina não demonstrou aumento de risco de eventos cardiovasculares maiores, todavia associados a casos de arritmias e palpitações (BENOWITZ et al, 2017). A utilização combinada de cigarros eletrônicos e cigarros tradicionais combustíveis teve uma maior incidência de eventos cardiovasculares quando comparados com uso isolado de cigarros comerciais (OSEI et al, 2019). A principal limitação dos estudos é o tempo de estudo curto, não avaliando as consequências em longo prazo, principalmente quando considerado a fisiopatologia de aterosclerose.
4.2.2. Respiratório
Apesar de não apresentar combustão os cigarros eletrônicos apresentam um resposta pulmonar inflamatória aguda que pode cursar com insuficiência respiratória, apresentada na literatura como EVALI – e-cigarette or vaping associated lung injury (BHATT et al, 2020).
Os mecanismos da lesão ainda estão em estudo, uma revisão incluindo evidências dos dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina in vitro e in vivo relataram impacto nos tecidos respiratórios em múltiplas regiões alterando diversas funções. A ventilação foi comprometida com a alteração do fluxo de ar através das vias aéreas condutoras, mediado por uma citotoxicidade direta, aumento do estresse oxidativo, hiper-reatividade de vias aéreas e diminuição da expansão alveolar. Interfere também sobre os mecanismos de defesa pulmonar, com disfunção mucociliar, alteração de receptores e da microbiota local, que se torna mais resistentes a fatores antimicrobianos, aumentando a suscetibilidade a patógenos bacterianos e virais (CHUN et al, 2017) (BHATT et al, 2020).
Apesar da semelhança com os danos biológicos causados pelo cigarro, o impacto em longo prazo especialmente sobre o câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica não vai ser esclarecido brevemente, frente à fisiopatologia de exposição crônica ao fator desencadeador, os cigarros eletrônicos (GOTTS et al, 2019)
5. RESULTADOS
Com base na revisão de literatura verificou-se que os cigarros eletrônicos apesar de seu objetivo inicial de uma saída saudável e ferramenta para cessação do tabagismo apresenta importantes riscos para a saúde, considerando os critérios revisados. Além disso, os estudos sobre os dispositivos eletrônicos para esse fim foram feitos de maneira controlada para cessação do tabagismo, assim, apresentam limitação dos resultados, ao passo que não representam sua aplicação na população geral em outro ambiente (BHATT et al, 2020).
Outrossim, os efeitos podem se potencializar com a dupla utilização, cigarro comercial somado aos dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina. Todavia, no que tange os efeitos cardiovasculares inicialmente os dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina não se correlacionaram com os eventos cardiovasculares maiores como o cigarro comercial.
As relações do tabagismo com doença pulmonar obstrutiva crônica e o câncer de pulmão estão concretamente estabelecidas na literatura, diante do curto tempo de exposição não é possível avaliar esse fator de risco no cigarro eletrônico. Nesse mesmo sistema, as complicações agudas foram notas em ambas formas de ingestão de nicotina, apesar de complicações distintas explicadas por sua composição.
6. CONCLUSÃO
Considerando as evidências disponíveis, os efeitos maléficos do cigarro comercial para o sistema cardiovascular e respiratório, destacados nessa revisão, são evidentes, apresentando hipóteses de fisiopatologia mais congruentes. Consequentemente, as práticas de cessação do tabagismo fazem parte de protocolos de promoção e prevenção em saúde, além de parte fundamental do tratamento de várias doenças.
No entanto, apesar de já destacado que devem-se atentar aos efeitos negativos dos dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina, a regulamentação e ações em saúde individual carecem de orientações das entidades competentes, mediante a escassez de evidências robustas. Dessarte, frente aos entraves encontrados na busca das consequências dos dispositivos supracitados, urge a realização de estudos e artigos científicos para melhor avaliação dos impactos na saúde integral dos indivíduos.
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1Estudande do curso de Medicina, Centro Universitário Max Planck;
2Orientadora e Docente do curso de Medicina, Centro Universitário Max Planck