RELAÇÃO DOS RIBEIRINHOS COM OS RECURSOS NATURAIS E LAGOS NA VÁRZEA AMAZÔNICA: ESTUDO DE GEOECOLOGIA DA PAISAGEM NO MUNICÍPIO DE PARINTINS-AM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10995157


João D’Anuzio Menezes de Azevedo Filho1,
Edson Vicente da Silva2,
Deyse Pereira da Costa3


RESUMO

Os povos ribeirinhos da Amazônia são dotados de saberes tradicionais e produtores de uma relação socioambiental estabelecida na luta pela proteção e preservação dos recursos naturais da região e são reconhecidos pelas ações desenvolvidas que minimizam a destruição da floresta, garantindo a reprodução de novas espécies da flora e fauna do ecossistema de várzea. O presente trabalho foi realizado na ilha do Paraná de Parintins pertencente a zona rural do município de Parintins, Amazonas, tendo como objetivo principal, compreender a relação dos ribeirinhos das comunidades locais com os lagos fluviais da ilha. Utilizou-se o método da Geoecologia da Paisagem que leva em consideração a relação sistêmica existente entre os diversos elementos que compõem a paisagem e a atuação da população local, buscando compreender cada parte de seu objeto de estudo, sua análise, até que se revele seus mecanismos e complexidade. Além da pesquisa bibliográfica, foi utilizada a técnica da pesquisa de campo, para o contato direto do pesquisador com objeto estudado, quando o pesquisador conhece a realidade pesquisada. Na pesquisa foram entrevistados dez moradores, sendo sete homens e três mulheres, com questionários abertos e fechados, além do diálogo descontraído, onde o pesquisador registra as informações, sem interferir, possibilitando ao pesquisador perceber o que os sujeitos pesquisados pensam, sabem, representam, fazem e argumentam. Na interpretação e identificação dos lagos foi utilizado a metodologia do mapa mental. A partir dessas informações foi elaborado um mapa do lugar com uso de software de GIS (sistema de informação geográfica). Dessa forma buscou-se compreender a relação que os moradores do Paraná de Parintins têm com os lagos da área de estudo, verificando os problemas decorrentes dessa relação.

Palavras-chaves: Parintins; Várzea Amazônica; Ribeirinho; Lagos fluviais; Comunidade

INTRODUÇÃO

A Amazônica guarda em seu complexo natural diferentes unidades fitogeográficas bastante singular, composta por uma diversidade de vegetais e animais distribuídas ao longo do seu território, condicionada pelos fatores fisiográficos, que juntos contribuem para o estabelecimento de diferentes ecossistemas terrestres e aquáticos.

Por outro lado, a Amazônia apresenta em seu território o ecossistema de várzea, constituídos por uma paisagem biodiversa adaptável a sazonalidade do rio Amazonas (enchente e vazante), porém composta por uma diversidade humana, estabelecida de relações sociais bastante significativa no cotidiano ribeirinho.

A singularidade do povo ribeirinho dotado de saberes tradicionais, mas produtores de uma relação socioambiental estabelecida na luta pela proteção e preservação dos recursos naturais, inserido na ilha do Paraná de Parintins, especialmente a comunidade do “Menino Deus”, reconhecem a importância das ações desenvolvidas que minimizassem a destruição da floresta, garantindo a reprodução das espécies da flora e fauna.

Compreender a relação dos ribeirinhos da comunidade do “Menino Deus” com o meio ambiente, ressaltando a importância dos lagos como fornecedor de alimento, é tentar conhecer as diversas atividades desenvolvidas na busca de um bem comum, que é a luta contra a depredação nos lagos, pois é preciso garantir o pescado.

Este trabalho procurou articular com autores que contribuem com o delineamento da pesquisa, como: Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2010); Ross (2011); Bohrer e Gonçalves (1991); Carvalho (2006); Albuquerque (2012); Azevedo Filho (2013); Souza (2015); Albarado (2016); Silva e Noda (2016) entre outros que contribuíram com as discussões do tema proposto.

A pesquisa teve como objetivo compreender a relação dos ribeirinhos da comunidade do paraná de Parintins, no município de Parintins, Amazonas, com o meio ambiente amazônico, principalmente com os lagos da ilha. Para tanto, buscou-se conhecer os aspectos geoambientais da ilha e as atividades socioeconômicas dos ribeirinhos da comunidade do Paraná de Parintins no uso dos bens naturais; apontar os fatores de degradação ambiental em função da presença humana na ilha do Paraná de Parintins e identificar as ações de conservação mantida entre os moradores da comunidade com os lagos.

Optou-se pela análise da paisagem como metodologia para conhecer e apreender o ambiente da ilha do paraná de Parintins e a relação entre os diversos elementos que compõem a paisagem, inclusive a sociedade (Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2010); Albuquerque (2012).

LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo está localizada a margem direita do rio Amazonas. A ilha do Paraná de Parintins, pertencente ao município de Parintins, próximo à divisa entre os estados do Amazonas e Pará. No interior da ilha, está inserida a comunidade do “Menino Deus”, “conhecida localmente como “Paraná do Meio” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 136), como mostra a Figura1.

Distante da sede do município de Parintins a 21 km, “hoje situada no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE)” (ALBARADO, 2016, p. 98), a ilha do Paraná de Parintins, possui várias formações lacustre, com destaque para o lago Comprido, que na enchente e na vazante torna-se a principal fonte de alimentos para os moradores.

Atualmente, a comunidade possui energia elétrica fornecida pelo programa governamental, porém o consumo de água ainda é proveniente do rio, pois na comunidade ainda não existe distribuição de água tratada e alguns moradores possuem motor-bomba para facilitar a coleta da água (ALBUQUERQUE, 2012).

Verificou-se que na comunidade Menino Deus residem vinte e duas famílias e dispõe de uma escola de ensino fundamental que atende alunos de primeiro ao quinto ano com turmas multisseriadas, uma sede comunitária, campo de futebol e uma igreja católica (figura 2).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a ciência geográfica, a produção e reprodução do espaço geográfico tem a ver com o modo como a natureza se dispõe no ambiente e como o homem intervém na mesma para seu benefício. No tocante a Geografia Física, os métodos utilizados refletem a maneira como o pesquisador observa a paisagem e como a interpreta. Vários métodos vêm sendo empregado no estudo da natureza desde Humboldt. O próprio conceito de paisagem varia ao longo do tempo. Passa da apreensão do espaço visto pelos olhos, o sensível, para a percepção dos objetivos concretos do espaço mais os valores que são dados a esses objetos pela sociedade. Não basta apenas observar e descrever a paisagem é necessário, interpretá-la, e aí a complexidade do estudo geográfico da paisagem.

Para possibilitar o entendimento da relação dos moradores da ilha com os recursos naturais da ilha usou-se a metodologia da Geoecologia da Paisagem.

Para Rodriguez e Silva (2009), a concepção do estudo das paisagens, a partir de uma visão sistêmica, visa garantir os fundamentos conceituais, sobre os quais deveria estar inserida a análise sobre a sustentabilidade. Ainda afirmam que a sustentabilidade é vista como um paradigma no sentido de rever as interações da sociedade com a natureza, que deveria converter-se na bússola para a implementação dos processos de planejamento e gestão ambiental e territorial.

O termo paisagem é usado em vários campos de conhecimento, dentre os quais se destaca a ciência geográfica.  Na geografia, a paisagem é um conceito-chave capaz de fornecer unidade e identidade à própria ciência, estabelecendo um elo de união da dualidade dos campos de análise dos elementos naturais e humanos.

Passarge, foi o primeiro a usar o termo “geografia da paisagem” (SCHIER, 2003). Foi ele que propôs, considerando sua inserção na análise  e discussão sobre paisagem, uma base teórica que partisse de um processo genético e estruturador das paisagens naturais que, junto com a cartografia, permitiria criar uma ordem ou hierarquia entre as paisagens, indo do local ao regional, para explicá-la (ALBUQUERQUE, 2012).

Para Albuquerque (2012) a paisagem na geografia física adquiriu novas concepções de análise a partir da Teoria Geral dos Sistemas (TGS) influenciando numa abordagem que relaciona o quadro natural e a ação antrópica na produção do espaço, estabelecendo a base da pesquisa geossistêmica.

Para o estudo da paisagem,  como objeto da ciência geográfica, Rodriguez et al. (2010) argumentam que a sua análise se refere a um conjunto de métodos e procedimentos técnico-analíticos que permitem conhecer e explicar a própria estrutura, estudar suas propriedades, os índices e parâmetros referentes à sua dinâmica, à história de seu desenvolvimento, ao seu estado, aos processos de formação e transformação da paisagem como sistemas manejáveis e administráveis.

Na visão dos autores, as unidades geoecológicas representam a base na interação e articulação dialética entre as paisagens naturais e antrópica, pois refletem as percepções e capacidades sociais de grupos que a compõem e usam (RODRIGUEZ et al., 2010).

Para este trabalho foram realizadas pesquisas de campo, metodologia adequada para a coleta de informações sobre o lugar e sua paisagem; a entrevista, com questionário de perguntas fechadas e abertas, aplicada aos moradores do Paraná de Parintins. Foi realizado, também, levantamento fotográfico das peculiaridades do lugar e as atividades desenvolvidas pelos moradores.

Durante o percurso da pesquisa, foram entrevistados 10 (dez) moradores, sendo sete homens e três mulheres, com questionários abertos e fechados, além do diálogo descontraído, onde o pesquisador registra as informações, sem interferir, técnica de coleta de dados denominada por Severino (2007) de entrevista não-diretiva.

Esta técnica de coleta de dados possibilitou ao pesquisador “apreender o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam” (SEVERINO, 2007, p. 124).

Na interpretação e identificação dos lagos foi utilizado a metodologia do mapa mental. O mapa mental, na cartografia, refere-se ao conhecimento que todo indivíduo possui do espaço vivido. Alguns moradores se propuseram a elaborá-lo indicando a localização e o nome deles. A partir dessas informações foi elaborado um mapa do lugar com uso de software de GIS (sistema de informação geográfica).

Dessa forma buscou-se compreender a relação que os moradores do Paraná de Parintins têm com os lagos da área de estudo, verificando os problemas decorrentes dessa relação.

ASPECTO FISIOGRÁFICO DA AMAZÔNIA

Conhecer os elementos naturais que constituem a Amazônia ainda é desafiador aos pesquisadores, principalmente aos pesquisadores locais que necessitam de instrumentos que possam ajudar no desenvolvimento dos seus trabalhos. Porém, os aspectos fisiográficos da Amazônia não são estáticos, apresentam uma dinâmica própria e complexa, sendo que, tais elementos são pesquisados próximos às principais cidades ribeirinhas da Amazônia.

Neste contexto serão abordados alguns aspectos físicos amazônicos com destaque para o clima; a vegetação; a hidrografia; a geologia e a geomorfologia; solos; o próprio rio Amazonas e a várzea amazônica (figura 3).

Figura 3: Mapas temáticos de Parintins – AM

O Clima da Região

A Amazônia apresenta uma diversidade espacial e sazonal de quantidade de chuvas, com destaque para o litoral do Amapá e o setor ocidental da região. Marengo e Nobre (2009) descrevem quatros núcleos de precipitação para a Amazônia, a saber: Noroeste da Amazônia, apresenta chuvas entre os meses de abril, maio e junho, com chuvas acima de 3.000 mm/ano; parte central da Amazônia com precipitação de 2.500 mm/ano entre março, abril e maio; parte sul da Amazônia, ocorre entre janeiro, fevereiro e março; a parte leste da Amazônia tem sua máxima de precipitação entre os meses de fevereiro, março e abril com chuvas acima de 4.000 mm.

De modo geral, no estado do Amazonas predominam o clima equatorial (quente e úmido) com temperaturas médias entre 22,0 e 31,7ºC e umidade relativa do ar variando entre 76 e 89%, apresentando duas estações bem marcantes, sendo o inverno (período das chuvas) e o verão (seca ou período menos chuvoso) (OLIVEIRA e ANDRADE, 2010).

Em Parintins, segundo Albuquerque (2012) baseado na classificação de Koppen (1940), apresenta o tipo climático A (tropical chuvoso), do tipo Amw (monção) com precipitação superior a 2.000 mm/ano e “se caracteriza por apresentar uma estação seca de pequena duração, a ação das chuvas de verão sobre a área e o mês mais frio têm temperatura média superior a 18° C” (Albuquerque, 2012, p. 62).

As chuvas são extremamente importantes para entendermos os processos de reciclagem de energia e matéria na região. A água ativa os diversos processos transformantes na região, ao mesmo tempo que transportam os sedimentos para outros lugares da imensa bacia. A reciclagem da água da chuva, ao longo de sua circulação no interior da bacia, também é de extrema importância para a formação de novas chuvas na região e em outras, como o Centro Oeste e Sudeste (SALATI, 1983).

A Hidrografia

Boa parte da população amazônida habita o entorno dos grandes rios, na planície amazônica das terras baixas e alagáveis, sujeitas ao regime pluviométrico de enchente e vazante, e que nos interessa nesse estudo. No estado do Amazonas, dos sessenta e dois municípios, apenas duas sedes municipais não guardam relação direta com os rios. Parintins é um município “anfíbio”. Boa parte de seu território é alagável, tendo sua sede localizada em uma ilha de formação terciária-quaternária (Alter do Chão) de altitude superior aos níveis máximos de alagação.

Outro fator importante na bacia Amazônica é o regime pluvial dos rios, pois sofrem influências da distribuição das chuvas entre os hemisférios Norte e Sul, “nos quais as estações chuvosas se alternam, devido ao deslocamento anual da massa Equatorial Continental de um Hemisfério para o outro” (SOARES, 1991, p. 84).

O gráfico da figura 4 mostra a relação da precipitação e o nível do rio Amazonas. A enchente e a vazante são caracterizadas pela dinâmica de subida ou descida do rio, enquanto a cheia e a seca referem-se ao período de estabilidade após atingir a quota de máxima ou mínima do rio. Quando começa o período de chuvas na região no mês de novembro, termina o período de seca e inicia o período de enchente que se prolonga até o início do mês de maio. As chuvas tendem a reduzir, mas as águas que drenam pelos afluentes da margem esquerda e direita do grande rio, demoram ainda vários dias mantendo o período de cheia, quando então, no mês de agosto começa a baixar.

Figura 4 – Relação entre precipitação e nível do rio na Amazônia Central

A ilha do Paraná de Parintins, lócus da pesquisa, é banhada praticamente pelo rio Amazonas, sendo que na parte sul é circundado pelo paraná (termo que significa braço de rio, em torno de uma ilha), nela está inserida a Comunidade Menino Deus (figura 1).

A Vegetação

Em relação aos diferentes tipos de vegetação existentes, Bohrer e Gonçalves (1991) reconhecem dez tipos de vegetação ou região fitoecológica na Amazônia brasileira, cada ecossistema com suas características particulares, com ênfase para as florestas Ombrófila Densa e Aberta; Floresta Estacional Semidecidual e Decidual; Savana (Cerrado); Savana Estépica; Campinarana; Formações Pioneiras; Tensão Ecológica e Refúgios Ecológicos. “Essa grande variedade de tipos de vegetação encontrada no espaço amazônico pode ser explicada pela interação dos parâmetros ecológicos do ambiente físico, com a vida vegetal que nele existe” (BOHRER e GONÇALVES, 1991, p. 139).

Nesse sentido, Pandolfo (1978 apud Albuquerque, 2012, p. 72) ressalta que a cobertura florestal amazônica “apresenta vários tipos de grupos vegetais, contudo dois grupos destacam-se quando é observado o critério fisionômico: a floresta existente na planície fluvial e as formações de floresta de terra firme”.

Os dois grandes conjuntos de vegetação, matas de terra firme, matas de várzea e igapó, são resultados das variações locais de interações entre o clima, o solo e o relevo, sendo que a primeira abrange um total de 80% de floresta, além de abrigar milhares de espécies de vegetais e animais, importantes economicamente. A vegetação de várzea e de igapó sofrem influências dos rios, sendo que, “a primeira sofre influência da inundação sazonal e a segunda caracteriza-se por ser constantemente inundada” (MARINHO, 2008 apud Albuquerque, 2012, p. 72).

A vegetação encontrada na ilha do paraná de Parintins, segundo Albuquerque (2012), não é representativa para a economia da comunidade, mas são extremamente importantes para manter o equilíbrio local, abrigo para animais e peixes, além de algumas oferecerem seus frutos para manutenção e atração de peixes para os lagos.

Geologia e Geomorfologia

O território brasileiro apresenta três grandes estruturas geológicas antigas, porém com formações de relevos recentes, tais como as bacias de sedimentação recentes, “a do Pantanal mato-grossense, parte ocidental da bacia amazônica e trechos do litoral nordeste e sul, que são do Terciário e do Quaternário (Cenozoico)” (ROSS, 2011, p. 45). Porém, as demais formações têm idades geológicas que vão do Paleozoico ao Mesozoico, para as grandes bacias sedimentares, e ao Pré-cambriano (Arqueozoico e Proterozoica), para os terrenos cristalinos, com destaque para três grandes macrocompartimentos de relevo encontrados no Brasil: plataformas ou crátons, cinturões orogênicos e bacias sedimentares (ROSS, 2011).

Ressalta-se, neste trabalho, as bacias sedimentares, como a Amazônica, Parnaíba ou Maranhão e Paraná. São estruturas que se desenvolveram ao longo do Fanerozoico (nos últimos 600 milhões de anos). Todavia, “os sedimentos mais antigos são do Paleozoico, os intermediários do Mesozoico e os mais recentes do Cenozoico (ROSS, 2011, p. 50).

O estado do Amazonas foi dividido por Dantas e Maia (2010) em nove domínios geomorfológicos com destaque neste trabalho para a Planície Amazônica, tal domínio geomorfológico é constituído, na sua maior parte, por terras baixas bem drenadas e por “tabuleiros nas bacias sedimentares do Solimões e do Amazonas quanto pelas superfícies aplainadas dos escudos cristalinos adjacentes” (dantas; MAIA, 2010, p. 32).

Esta pesquisa destaca a bacia sedimentar Amazônica por conter em seu interior a planície amazônica, que apresenta relevo de forma plana e alongada no sentido do canal do rio Amazonas (ROSS, 1995 apud ALBUQUERQUE, 2012), conhecida por Ab’Saber como um grande anfiteatro, “enclausurado entre a grande barreiras impostas pelas terras cisadinas e pelas bordas dos planaltos brasileiro e guianense” (Ab’saber, 2003, p. 63), tendo como objeto da pesquisa os moradores que habitam a ilha do Paraná de Parintins.

Souza (1991) descreve a origem das terras altas como componente do relevo amazônico:

As terras altas, também denominadas de terras firmes, constituem-se de terras de origem pediplanadas, dissecadas, do período Cretáceo e Terciário, denominadas como Formação Alter do Chão (leste) e Solimões (mais a oeste). O solo característico dessas formações é o latossolo, solo ferruginoso, profundo, pouco fértil e pouco resistente ao intemperismo (SOUZA, 1991 apud AZEVEDO FILHO, 2013, p. 134-135).

Por outro lado, Dantas e Maia ressaltam que:

As planícies aluviais, normalmente recobertas por vegetação de igapó e matas de várzea adaptadas a ambientes inundáveis, são constituídas por depósitos sedimentares atuais ou subatuais; os terraços fluviais são correlatos ao Pleistoceno Superior e as planícies de inundação, ao Holoceno. As várzeas amazônicas apresentam notável diversidade morfológica, reflexo dos distintos tipos de sedimentação aluvial desenvolvidos por uma rede de drenagem de padrão meândrico de alta sinuosidade (tais como os rios Purus e Juruá) ou de padrão anastomosado ou anabranching (tais como os rios Solimões e Negro) (DANTAS; MAIA, 2010, p. 34).

Na ilha do Paraná de Parintins, objeto de pesquisa, localizado dentro dos depósitos aluvionares, na margem direita do rio Amazonas, encaixado na parte central da bacia sedimentar do Amazonas, exibe um diversificado conjunto de morfologias, podendo ser encontrado na paisagem (figura 5): “canais fluviais, lagos de diversas conformações, restingas alta e baixa que registram a migração lateral do rio, estendendo-se por dezenas de quilômetros de largura e de extensão, tanto na margem direita quanto na esquerda do rio Amazonas” (Albuquerque, 2012, p. 50)

Figura 5: Estrutura geomorfológica da área da ilha do Paraná de Parintins
Fonte: organizado por Pereira e Azevedo Filho (2019)

Solos

Segundo Albuquerque (2012, p. 57) “a maior parte dos estudos sobre o solo na Amazônia se concentram nas áreas de terra firme”. Porém, a diversidade geológicas, geomorfológicas, edáficas, climáticas e de vegetação encontrada na Amazônia associada a esses fatores, como o material de origem, relevo e o clima, os solos da Amazônia apresentam as seguintes particularidades, como a extrema pobreza em fósforo; acidez elevada; saturação por alumínio alta; pobreza em macro e micronutrientes; reduzida fixação de fósforo; lençol freático elevado na grande maioria dos solos; densidade do solo elevada (VALE JUNIOR et al, 2011).

No estado Amazonas, Teixeira et al (2010) apresentam as principais classes de solos dominantes, a saber: Argissolos (45%), Latossolos (26%), Gleissolos Háplicos e Neossolos Flúvicos (9%), Espodossolos (7%) e Plintossolos (3,5%). E ainda adverte “as demais classes ocorrem em menor proporção em relação à área total do estado” (TEIXEIRA et al, 2010, p. 74).

Baseado em pesquisas realizado pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) (2007), reconhece-se no município de Parintins a classe de solo do tipo Gleissolo Háplico Eutrófico, que é o solo da ilha do paraná de Parintins, e tem como característica fertilidade de moderada a alta e textura siltosa, apresentando “relevo de forma plana, com cobertura vegetal composta por floresta equatorial higrófila de várzea e risco de inundação” (Albuquerque, 2012, p. 57).

O rio Amazonas

A bacia do rio Amazonas abriga a maior massa líquida e o mais complexo sistema hidrográfico do mundo, além de possuir uma alta densidade pluviométrica e um sistema de drenagem que se estende por vários países (ALBUQUERQUE, 2012). Como ressalta Carvalho (2006, p. 23) “a bacia hidrográfica do rio Amazonas, […] não é apenas a maior bacia hidrográfica da Terra, mas possivelmente um dos mais complexos sistemas fluvial e lacustre, notadamente na sua calha principal”.

O canal coletor (rio Amazonas) se destaca pela extensão de 6.992,06 km, e apresenta em média 4 a 5 km de largura, porém em alguns trechos passa a ter de 20 a 100 km de largura devido a formação da planície aluvial ou a chamada várzea (ALBUQUERQUE, 2012).

Por outro lado, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) em estudos comparativos ao longo do rio Amazonas, apontaram que o rio Apurimac (Peru) é o principal formador do rio Amazonas. “Com essa definição do local da nascente do rio Amazonas, sua extensão até a foz foi medida em 7.100 km, passando a ser o maior rio do mundo, não só em volume, mas também em extensão” (CARVALHO, 2006, p. 36).

Considerado como um rio de água branca, o rio Amazonas possui uma vazão de mais de 200 mil m³/s-¹ que deságuam no oceano Atlântico. Isso representa em torno de 15% de toda a água doce despejada nos oceanos pelos rios (MMA, 2006).

No município de Parintins, o rio Amazonas divide o território de oeste para leste.  Na parte norte predominam terras inundáveis, com a presença de lagos, furos e paranás. Enquanto na parte sul, percebe-se uma grande extensão de terras altas, da formação Alter do Chão. A influência do regime fluvial sazonal determina a vida ribeirinha em torno do grande rio,  implicando uma adaptação ao período da enchente e da vazante.

A várzea amazônica

A várzea amazônica são áreas inundáveis que cobrem mais de 300.000 km² de superfície, exibindo um complexo ecossistema de diversidade biológica, servindo de apropriação pelas populações tradicionais da Amazônia (surgik, 2005), sendo “formada por uma faixa de largura, variável ao longo do rio Amazonas, podendo alcançar 16 km de largura, em Itacoatiara, 50 km em Parintins, 33 km em Óbidos e 24 km em Santarém” (MOREIRA, 1997 apud BENATTI, 2005, p. 78).

Para Albuquerque (2012) corresponde a um domínio paisagístico periodicamente alagado ou inundado pelos rios de água branca composto por uma diversidade de elementos que fazem dela um mosaico de ecossistemas distintos, sujeito a dinâmica e o processo de deposição do rio, onde é capaz de conduzir grande quantidade de sedimentos e de regular os ecossistemas terrestre e aquático.

O rio Solimões/Amazonas tem papel de destaque na dinâmica entre a água e a terra, de modo que, nesse ciclo de perdas (terras caídas) e ganhos (novas terras) o rio vai modelando o relevo fluvial, promovendo modificações nas paisagens de várzeas, ora erodindo-as ora sedimentando-as. Vale lembrar que, “por meio dessa dinâmica o processo fluvial do rio vai deixando bancos dentríticos podendo formar ilhas fluviais, ecossistemas de várzeas, onde os seres humanos passam a interagir com seu sistema ambiental” (SILVA; NODA, 2016, p. 379).

É importante salientar, que as várzeas amazônicas são lugares dotados de características naturais, como a “fertilidade do solo, grande riqueza fitoplâncta e elevada diversidade piscosa dos rios, são qualidades inerentes das planícies de inundação banhadas pelos rios de água branca” (BRASIL, 2015, p. 16).

A riqueza dos ecossistemas de várzea, leva o ribeirinho a cuidar dos recursos naturais existentes, pois em cada parte desse ecossistema há um pedaço de terra fértil, propício a agricultura de curta duração e diversos lagos, ricos em diferentes espécies de peixes.

No entanto, os ribeirinhos que habitam nas várzeas, convivem com o período sazonal das águas, sujeitos a alagações anuais, onde as plantações e casas são muitas vezes afetadas pelas enchentes, sendo assim “o ritmo da vida na várzea segue a variação do nível da água” (LIMA, 2005, p. 12).

Geralmente, a planície fluvial é formada por um complexo sistema de deposição aluvial, restingas, lagos permanentes e lagos perenes. O ciclo de enchente e vazante permite perceber o processo de alagamento desse vale, considerando a intensidade da enchente. Em períodos normais ela não chega a cobrir toda a área de várzea, o que ocorre somente no pico das enchentes ou nas cheias extraordinárias (figura 6).

A RELAÇÃO DOS RIBEIRINHOS COM O MEIO NATURAL: A COMUNIDADE MENINO DEUS

Visitar a ilha do Paraná de Parintins, na comunidade do Menino Deus, é conhecer a dinâmica que os ribeirinhos vivenciam no dia a dia deste lugar. Conhecer as dificuldades que enfrentam na comunidade, mas também adentrar na realidade desse povo acolhedor e solidário, como relata Albarado (2016) sobre os ribeirinhos da comunidade:

[…] é encontrar um povo acolhedor, solidário, amigo e extrovertido que trata o estranho, inicialmente, com um ar de desconfiança, mas, “conversa vai conversa vem” o ribeirinho começa a se interessar pela conversa e passa a falar da vida na comunidade, dos problemas que enfrentam: falta de políticas públicas, descaso do poder público com as comunidades ribeirinhas enfim, a conversa se a longa, o (a) ribeirinho (a) oferece um café e procura saber sobre a intenção do visitante e que está fazendo na comunidade (ALBARADO, 2016, p. 103-104).

Conforme a conversa vai fluindo, o visitante e o ribeirinho vão tornando amigos do diálogo, de modo que, a conversa vai ficando engraçada, um tirando brincadeira com o outro, esse é o modo de vida do ribeirinho, acolhedor e solidário, muito perceptível durante o trabalho de pesquisa.

Por outro lado, durante a semana, mais precisamente de segunda a sábado, os ribeirinhos trabalham na agricultura e pescam nos lagos para sobreviver, pois nos domingos é comum a prática de atividades de lazer e religiosas.

Nesse aspecto, busca-se entender o protagonismo dos moradores da ilha do Paraná de Parintins, situada numa área de várzea a margem direita do rio Amazonas, tendo como palco principal os ribeirinhos que vivem na Comunidade do Menino Deus, onde procuram manter uma relação de sustentabilidade dos recursos naturais, principalmente os retirados dos lagos, situados no interior da ilha.

Nesse sentido, Albarado salienta que:

Os (as) ribeirinhos (as) têm a consciência de que só cuidando dos recursos naturais, que existem na ilha do Paraná de Parintins, será possível garantir a permanência daquele povo ali e de seus descendentes, como já ocorreu no passado e a geração mais nova que vivem nessa localidade são frutos da resistência iniciada na década de 1970 (ALBARADO, 2016, p. 101).

É perceptível a prática e a criatividades dos ribeirinhos cuidando dos recursos naturais, principalmente dos lagos, pois além de se adequar à sazonalidade da várzea eles buscam sobreviver não somente da pesca, mas também da criação de galinhas e da agricultura, bem como da plantação de melancia, cebolinha, macaxeira e couve ou da produção de mel de abelha, mas atualmente um dos entrevistados cria abelha sem ferrão em locais favoráveis para a produção.

Por sua vez, Pantoja (2005) observa que a agricultura de várzea existe nas comunidades, embora na maioria das vezes esses produtos seja para o autoconsumo dos ribeirinhos, com destaque para jerimum, maxixe, melancia, feijão, macaxeira e frutas como mari-mari e maracujá. Ainda ressalta que “as possibilidades de comercialização dos produtos agrícolas e também de pequenas criações (galinhas, patos, porcos) também são diferenciadas, o que tem relação direta com o mercado consumidor urbano” (PANTOJA, 2005, p. 162).

Compreender os ribeirinhos que habitam as margens dos rios, devido a dinâmica da enchente e vazante do rio Amazonas, é conhecer como eles se adaptam aos períodos de inundações e os diversos impactos causados pela natureza ou pela ação antrópica que ocorrem durante o ano.

Dessa forma, os ribeirinhos da comunidade do Menino Deus conseguem viver em harmonia com a dinâmica imposta pela natureza e vão muito além, cuidam dos recursos naturais existentes na ilha, sabendo que futuramente servirá para as novas gerações de ribeirinhos.

Dentre os recursos naturais preservados por esses ribeirinhos, destacam-se as inúmeras formações lacustres existentes na ilha, pois segundo os ribeirinhos, a principal base alimentar do dia a dia é o peixe, oriundo desses lagos, além de se alimentar de outras fontes, como a caça e o frango congelado.

Os ribeirinhos da ilha do Paraná de Parintins, sobretudo os que habitam a comunidade do Menino Deus são “exemplo de conservação da natureza, ao seu modo, a sua maneira de se relacionar com a mãe terra, se servindo dela, mas permitindo que ela se regenere e se transforme gerando vida, por meio de uma convivência comunitária” (ALBARADO, 2016, p. 102)

Assim sendo, os ribeirinhos que habitam às margens dos rios da Amazônia, apesar de enfrentarem as mudanças ambientais locais decorrentes das mudanças climáticas globais, são pessoas criativas, pois aprendem a conviver em harmonia com a natureza, criando uma relação de proteção dos recursos naturais, como a água, a terra e a floresta (ALBUQUERQUE, 2012, p. 136).

Do ponto de vista socioeconômico, os ribeirinhos da comunidade do Menino Deus, os sujeitos da pesquisa, ressaltam a importância do trabalho na agricultura de subsistência e da pesca nos lagos no interior da ilha, que utilizam para o autoconsumo, apesar de, em muitos casos, ele venderem esses produtos. Como ressalta Pantoja (2005) em seu trabalho intitulado “A Várzea do Médio Amazonas e a sustentabilidade de um modo de vida”, especificamente para os municípios de Parintins, Maués, Silves e Itacoatiara:

Em todas as comunidades dos municípios visitados a principal finalidade da pesca é para o autoconsumo, mas também encontramos em todas as localidades moradores pescando para a venda, em maior ou menor intensidade (PANTOJA, 2005, p. 164).

Outra atividade socioeconômica, destacada pelos ribeirinhos da comunidade, é a prática da agricultura, com a plantação de cebolinha e melancia que servem para o consumo e, muitas vezes, como renda, visto que, durante a semana, os ribeirinhos comercializam o pescado e esses produtos agrícolas (cebolinha e melancia) nas feiras da cidade de Parintins, sede do município.

Segundo os moradores, a relação do ribeirinho da várzea com a natureza, resulta em algumas atividades sustentáveis desenvolvidas próximas aos lagos, principalmente a pesca e a agricultura, pois consideram inadmissível destruir os recursos naturais.

Na comunidade do Menino Deus, entre os dez sujeitos entrevistados a renda familiar ainda é proveniente dos homens. As mulheres contribuem com as despesas, ainda de maneira tímida.

Conforme os sujeitos entrevistados, de alguma forma contribuem na composição da renda familiar, pois a partir dos questionários aplicados, a maior contribuição ainda deriva do homem. Sendo que, dos 7 (sete) homens ribeirinhos entrevistados, 4 (quatro) possuem um salário-mínimo com renda; 1 (um) possui dois salários; 1 (um) vive com três salários e outro procura de alguma forma ganhar dinheiro, pois não possui salário. Por outro lado, as três mulheres ribeirinhas entrevistadas são donas de casas, mas contribuem com a renda familiar. Porém, os ribeirinhos ainda procuram complementar a renda através da pesca e da agricultura de modo sustentável, sem causar danos ao ecossistema de várzea.

Nesse sentido, a preservação dos lagos e da floresta é entendido como herança que os ribeirinhos mais antigos querem deixar para os jovens da comunidade, pois nessa relação de respeito com o uso dos recursos naturais que o ribeirinho vai criando e recriando seu modo de vida coletivo, fortalecendo essa prática de geração a geração.

A relação dos ribeirinhos da comunidade local com os lagos

Nas margens do grande rio (Amazonas) é possível avistar inúmeras comunidades ou núcleos de ocupações populacionais, cada uma com seu jeito de ser ribeirinho, com seu modo de vida e realidade social distinta, além de apresentar sujeitos polivalentes no seu cotidiano (Souza; Almeida, 2010).

Esse mistério e encanto do ribeirinho amazônico, com notável presença do sujeito ribeirinho da comunidade do “Menino Deus”, vem ser indispensável para o trabalho, pois “neste jogo da biodiversidade amazônica, há também a diversidade humana, produtora de relações socioculturais, econômicas e ambientais” (BRASIL, 2015, p. 13), de modo que, os ribeirinhos da referida comunidade vivenciam uma relação de reciprocidade com a natureza, principalmente com os lagos, preservando-os para as futuras gerações.

Souza e Almeida argumentam que:

[…] o caboclo-ribeirinho ao manter estas formas de adaptação amazônica fortalece a preservação de seus meios de subsistência, fazendo um equilíbrio da história a qual liga a manutenção do equilíbrio dos recursos naturais, ou seja, do recurso existentes nos lagos e rios (peixes) ao recurso florestal (Souza; Almeida, 2010, p. 5).

Por outro lado, Lira e Chaves comentam que:

Nas comunidades ribeirinhas na Amazônia, prevalece uma relação de respeito entre homem-natureza, tendo em vista que os ribeirinhos não dissociam o homem da natureza, o que permite o manejo do ambiente sem a degradação dos recursos naturais, possibilitando uma gestão sustentável dos recursos naturais a partir do etnoconhecimento (LIRA; CHAVES, 2016, p. 77).

Essa relação de preservação dos recursos naturais existentes na ilha do Paraná de Parintins que os ribeirinhos da comunidade do Menino Deus mantêm, são bastante significativos, pois segundo os sujeitos da pesquisa, um dos recursos importantes e muito procurado por pescadores locais e de outros estados da federação, é o lago do Comprido, que por vez, proporcionam alimentação para os ribeirinhos, além de facilitar a navegação.

Albuquerque salienta que:

As comunidades fixadas no paraná têm buscado estabelecer nas últimas décadas ações de fomento econômico, proteção dos recursos naturais em especial aos usos dos lagos e a posse da terra para sua sustentabilidade na várzea (ALBUQUERQUE, 2012, p. 136).

De tal modo que, uma proposta de desenvolvimento sustentável dos recursos naturais da várzea, utilizados pelos ribeirinhos requer participação coletiva de metodologia e ações integradoras, “que tenham por foco envolver esses atores sociais ao ponto de estabelecer suas prioridades, os problemas, as causas, as potencialidades e as possíveis limitações” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 136).

A ilha do Paraná de Parintins, se destaca pela fertilidade do solo e pela grande piscosidade de seus lagos, onde se manifesta entre os ribeirinhos a vontade de manter preservado esse imenso recurso natural existente e muito cobiçado pela população, e que serve de fonte de alimento para os ribeirinhos.

Nesse sentido, compreende-se que os ribeirinhos locais tratam os lagos com respeito e têm a pesca como principal fonte de alimento. Neles é permitido o manejo sustentável dos recursos deles oriundos. Por outro lado, para pescadores vindos de outros lugares, o lago é uma simples fonte de renda, e são tratados de maneira predatória, o que leva ao seu esgotamento.

Pereira (2004) salienta que a pesca dos ribeirinhos é praticada de forma artesanal, utilizando de instrumentos como caniços, flechas e zagaias, principalmente próximas as suas residências.

Souza e Almeida ressaltam que os lagos amazônicos possuem várias espécies de peixes, sendo que:

Estes lagos são cuidados pelos moradores, os quais por acordo de pesca classificaram em: lago de preservação (onde os peixes se reproduzem); lago de manutenção (lago em que os moradores pescam para seu sustento, tirando apenas o que lhe é permitido pelo acordo e, pescam apenas de forma artesanal); lago de comercialização (onde praticam a pesca comercial de acordo com a lei ambiental e com as regras estabelecidas no acordo de pesca, onde podem pescar até 300 kg de peixe por semana. Não podendo fazer pesca de arrastão). Esta dinâmica de pesca e controle não acontece em todos os lagos da Amazônia (Souza; Almeida, 2010, p. 3).

Na ilha do Paraná de Parintins, é perceptível o interesse dos ribeirinhos em cuidar dos recursos naturais existentes no ecossistema de várzea, pois traz consigo uma relação de respeito e proteção com a natureza. O sujeito ribeirinho compreende que “se usar irracionalmente, os recursos pesqueiros e demais recursos naturais podem se esgotar, e o ribeirinho de várzea será extremamente prejudicado pelas perdas irreparáveis e, muitas das vezes, irreversíveis” (SOUZA, 2015, p. 113).

Os diferentes ecossistemas terrestres e aquáticos existentes na ilha do Paraná de Parintins, com destaque para os lagos que apresentam várias dimensões e conhecidos pelos nomes que os ribeirinhos lhe atribuem, como exemplo: lago do Comprido, Laguinho, Pato, Preto, Celso, Budeco, Curralinho e Mureru (figura 7).

Nesse sentido, Albuquerque (2012, p. 161) destaca que “os lagos são considerados os mais importantes fornecedores de pescado voltado à subsistência dos ribeirinhos”. Pois, a pesca é a principal atividade desenvolvida pelos ribeirinhos que ainda permanecem na várzea, sendo que no período da cheia são capturados o jaraqui, o tucunaré, o acará-açu, a sulamba, a traíra, o bodó e o mapará. No período da seca, essa fartura de peixes nos lagos, aumenta, pois são capturados a curimatá, o pirarucu, o tambaqui, o surubim, a pirarara, o jandiá, o cuiú, o filhote, a piramutaba, o pacu, o aracu, o charuto, a sardinha, o bodó e o tamuatá, além dos cardumes de dourada e ovos de tracajá. Sendo que, a pesca “é praticado com instrumentos artesanais como a tarrafa, o arpão, o espinhel e o anzol” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 161).

Nesse sentido, os ribeirinhos da comunidade Menino Deus, mantém uma afinidade com o lago de reciprocidade, pois o lago fornece alimento para sua sobrevivência e os ribeirinhos tentam preservar os recursos ainda existentes. Todavia, morar na várzea faz o ribeirinho conhecedor dos diversos meandros ocultos entre a floresta e o rio, além de fortalecer o bem viver coletivo entre homem e natureza.

Implicações Antrópicas nos lagos da ilha

É preciso considerar as mudanças na relação da sociedade com o meio natural. Busca-se uma elevada exploração dos recursos naturais com fins lucrativos, ameaçando os ecossistemas, nem sempre resilientes. Na várzea amazônica, o acesso intenso aos lagos e a exploração das suas terras para a pecuária tem colocado esse ecossistema em situação de insustentabilidade.

Diante do exposto, Silva e Noda ressaltam que:

Águas, terras, vegetações e seres humanos em conexão contribuem para a formação das paisagens amazônicas. Os seres antrópicos com suas interferências no ambiente, como o desmatamento, as queimadas, criações de áreas de agricultura e pecuária, de moradias, tem transformado substancialmente a estrutura do sistema ambiental amazônico (SILVA; NODA, 2016, p. 379).

Nesse contexto, a fauna aquática e silvestre existente nos lagos da ilha do Paraná de Parintins vêm sofrendo diversas interferências antrópicas, principalmente o lago do Comprido que sofre consequências da pesca predatória, aumentando a depredação dos recursos naturais.

Com base na abundância e na facilidade da retirada dos peixes e animais silvestre, os lagos da ilha do Paraná de Parintins tornaram-se atração para pescadores, como alerta Albarado:

A abundância e a facilidade para a captura do pescado nos lagos da ilha atraiu pescadores profissionais. Esses pescadores comerciais transitavam por lugares muitos distantes das localidades de origem à procura de peixe. Sem a existência de orientações ou fiscalizações de órgãos responsáveis, por isso capturavam os peixes de determinados lagos até exauri-los para, em seguida, navegar a procura de outros lagos, utilizando-se da mesma prática (ALBARADO, 2016, p. 67).

De acordo com Albuquerque (2012) os ribeirinhos relatam que os conflitos existentes em relação aos recursos pesqueiros são oriundos da entrada de barcos de pesca vindos de várias regiões dos estados do Amazonas, Pará e Amapá com intuito de realizar a pesca comercial nos lagos. Fazem pesca predatória com utilização do arrastão, causando prejuízo ao meio ambiente, pois capturam todos os tipos de peixes e quelônios, além da retirada de produtos madeireiros e não madeireiros.

Entre os anos de 1980 e 1990, o lago do Comprido passou a ser o lugar onde os ribeirinhos buscavam alimento para as famílias, sendo considerado “o mercado do povo ribeirinho que vivia na ilha do Paraná de Parintins. Então, não podiam deixar destruí-lo, nem depredar a principal fonte de alimentos, o peixe” (ALBARADO, 2016, p. 70).

Diante da situação, o alimento principal dos ribeirinhos começa a ficar ameaçado pela invasão dos pescadores comerciais, pois se utilizam de instrumentos que impedem a reprodução dos peixes (ALBUQUERQUE, 2012).

Nesse sentido, os ribeirinhos locais têm observado o potencial de destruição dos recursos naturais e começaram a se organizar no sentido de fazer a vigilância dos lagos da ilha, principalmente no lago do Comprido.

Albarado (2016) relata que as decisões eram feitas por meio da coletividade dos ribeirinhos, pois esta atitude de fiscalizar o lago era feita pelos próprios, na entrada do lago, significando uma forma de interromper a circulação e entrada de invasores.

O impacto da pesca no lago do Comprido deixa marcas nas famílias, pois a grande abundância de pescado já não é mais encontrada com muita facilidade como antigamente. De modo geral, entre os entrevistados (homens e mulheres), o grande impacto se deve a presença humana na região dos lagos, pois entre as atividades desenvolvidas que causam algum dano à flora e a fauna são assoreamento, pecuária e o desmatamento. Alguns entrevistados enfatizam que exista outros tipos de problemas nas proximidades dos lagos e há quem diga que não existem problemas próximos aos lagos (figura 8).

Assim, dos setes homens, sujeitos da pesquisa, enfatizam assoreamento, a pecuária e outros problemas próximos ao lago, além do desmatamento. Entre as três mulheres entrevistadas, o desmatamento e as demais advertem que existem outros tipos de problemas, que de alguma forma contribuem negativamente na dinâmica do ecossistema.

A realidade na comunidade investigada mostra que a agricultura de ciclo rápido nas terras de várzea é uma alternativa, pois dispõe de solo bastante fértil e traz vantagem para os ribeirinhos produzirem durante o período da vazante/seca, porém, do ponto de vista negativo, a derrubada da floresta para dar lugar ao roçado influencia na destruição parcial ou total dos recursos naturais.

Outra cultura que precisa de um manuseio adequado por parte dos ribeirinhos e fazendeiro locais é a pecuária extensiva na ilha do Paraná de Parintins, pois esta atividade é praticada durante a vazante e seca do Amazonas entre os meses de agosto a dezembro, utilizando de “pastagem nativa resultante da vegetação espontânea localizadas nas áreas de colmatação dos lagos e nas áreas de floresta que foram desmatados” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 157).

No caso da pecuária, a destruição desses ecossistemas, além de causar dano à vegetação rasteira e a floresta, deixa prejuízos aos lagos, furos e igarapés inseridos no interior da ilha, causando o assoreamento dessas formações lacustres. Os moradores buscam práticas menos predatórias aos ecossistemas locais.

PROTEÇÃO AMBIENTAL DOS LAGOS: ATUAÇÃO DO GRANAV

Dessa maneira, os próprios ribeirinhos da ilha são os primeiros a desejarem preservar os recursos naturais ainda existente, principalmente os lagos com sua riqueza de espécies, que são muito cobiçados por pescadores locais e de outros estados. Isso vem causando um intenso embate contra os “invasores” dos lagos da ilha.

Com o intuito de proteger os lagos da ilha do Paraná de Parintins e garantir um dos principais alimentos, o peixe na mesa do ribeirinho, surge na década de 1990 o GRANAV (Grupo Ambiental Natureza Viva), movimento organizado por jovens que participavam das vigílias dos lagos (ALBARADO, 2016).

Albuquerque (2012) ressalta a importante iniciativa dos ribeirinhos da ilha do Paraná de Parintins, com o objetivo de criar uma organização não governamental para a proteção do meio ambiente comum. O autor expõe:

O Grupo Ambiental Natureza Viva (GRANAV) é uma organização não governamental voltada à proteção dos lagos na região da Ilha do Paraná de Parintins, em especial do lago do Cumprido, local que serve de abastecimento alimentar para os moradores. Esse grupo foi criado a partir de iniciativa de alguns comunitários preocupados com a degradação da área. Atualmente a ação do grupo se estende a outros lagos próximos, incluindo outras comunidades, sempre mantendo o trabalho voluntário (ALBUQUERQUE, 2012, p. 149).

Essa importante iniciativa foi protagonizada por ribeirinhos moradores da ilha do Paraná de Parintins, “uma juventude com baixa escolaridade, mas consciente de seu pertencimento aquele ambiente que dava o alimento necessário para viver bem e sobreviver mantendo seu modo de vida” (ALBARADO, 2016, p. 78).

A organização do GRANAV, possibilitou diversas parcerias e atividades culturais. Uma das parcerias foi em 1998 com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), incentivando e acompanhando o manejo de quelônios no município de Parintins; promovendo a capacitação de Agentes Ambientais Voluntários. Foi nesse período que foi definido e criado o Projeto de Assentamento Agroextrativista nas comunidades de várzea, além de executar o Projeto Integrado de produção “Terra e Água” (ALBARADO, 2016).

Por outro lado, as diversas manifestações culturais desenvolvidas pelo GRANAV, a fim de sensibilizar os ribeirinhos na luta a favor da preservação e conservação da natureza e fortalecer a união de muitas lutas coletivas entre os membros de várias comunidades (ALBARADO, 2016).

Atualmente, apesar das dificuldades de organização e de apoio, a entidade está presente em algumas comunidades na busca de sensibilizar novas ações que possam retomar a luta em favor da proteção do meio ambiente, promovendo reuniões com os membros e líderes de comunidades, mas sem deixar de lado a luta dos ribeirinhos na busca de reivindicações por melhorias na habitação, assistência técnica, educação, entre outras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Amazônia contém uma grande diversidade natural, formada por sua geomorfologia, sua imensa rede hidrográfica, seu clima e sua gente (cultura). São populações adaptadas os meios de vida e às condições naturais da região, que interagem e interferem em vários processos, e são capazes de construir novos sistemas, novos ciclos de subsistência. São povos capazes de reagir às interferências externas e às alterações impostas no seu modo de vida.

Nesse contexto, analisar como funciona as relações de pertencimento dos recursos naturais entre o ribeirinho e a floresta, pode causar de imediato impacto para quem não conhece sua luta e principalmente seu modo de vida. Compreender esta relação vivenciada entre esses protagonistas, requer um olhar aguçado do pesquisador, pois permite conhecer a realidade social, ambiental e cultural, integrados.

Navegar na realidade vivenciada pelos ribeirinhos, é conhecer as diversidades enfrentadas no cotidiano, são experiência construída de geração a geração, são povos que vivenciam os eventos naturais e a sazonalidade do rio Amazonas. Somente com o resultado do trabalho que se tem o conhecimento da polivalência dos moradores na luta diária em busca de melhores condições socioambientais.

O estudo permitiu o conhecimento e a valorização dos recursos naturais existentes, pois as práticas sustentáveis são transmitidas de geração a geração, conservando-se entre os sujeitos da pesquisa, assim garantindo a permanência e sobrevivência das espécies da ictiofauna, animais, vegetais e do próprio ribeirinho na comunidade.

A comunidade é percebida como um lugar de pertencimento e identidade, valorizado em suas várias dimensões, que transcorrem os laços familiares para além dos cuidados com os recursos naturais.

Percebe-se que a participação dos ribeirinhos na busca da conservação e preservação dos lagos, particularmente o lago do Comprido, fornecedor de alimentos para os moradores, demonstram que reconhecem os principais problemas causados pela agricultura e pecuária extensiva, já que o assoreamento e a depredação dos lagos é uma realidade dentro das formações lacustre existentes na ilha do Paraná de Parintins, sendo muito discutidas nas rodas de conversas.

É necessário que se mantenha a política de proteção dos lagos, não só para as espécies da ictiofauna, mas, também, para as espécies de animais e vegetais existentes no interior da ilha. Isso precisa ser reforçado para além do GRANAV, fazendo parcerias com as escolas locais e membros religiosos, envolvendo os fazendeiros da região. Porém, deve ser levado em consideração que todos devem fazer a sua parte na conservação e proteção do meio ambiente.

Por fim, é preciso haver uma sensibilização de todos em contribuir com a questão socioambiental, para impedir o esgotamento dos recursos naturais e possibilitando a reprodução das espécies e a recomposição da vegetação natural no entorno dos rios, lagos, furos e igarapés.

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1Professor Assistente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail jdazevedo@uea.edu.br.

2Professor Titular da Universidade Federal do Ceará (UFC).

3Graduada em Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail