THE LABOR REFORM: THE LOSSES FOR THE WORKER, THE CHALLENGES FOR THE ADVOCACY AND THE UNCONSTITUTIONALITIES ATTACKED BY ADI 5.766
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7772298
Tallis Monteiro Gomes1
Janay Garcia2
RESUMO
O direito do trabalho é visto por diferentes perspectivas pelo trabalhador e pelo empregador. Nesta mesma ótica, a reforma trabalhista trazida pela Lei 13.467/17 é cercada por diferentes olhares. Neste trabalho, a abordagem do tema será vista pela perspectiva do empregado e dos operadores do direito, avaliando as perdas para estas categorias e as inconstitucionalidades, através da imersão e análise de histórico, doutrina, leis e jurisprudências. O objetivo é demonstrar as perdas para o trabalhador brasileiro, os desafios para a advocacia trabalhista e as suas inconstitucionalidades, verificando o impacto das mudanças no cotidiano do trabalhador e do operador de direito no Brasil, estudando as jurisprudências referentes aos processos trabalhistas pós-reforma trabalhista e seus direcionamentos e, ainda, fazendo uma análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.766.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Inconstitucionalidade; Direito do Trabalho.
ABSTRACT
Labor law is seen from different perspectives by the worker and the employer. In this same perspective, the labor reform brought by Law 13.467/17 is surrounded by different perspectives. In this work, the theme approach will be seen from the perspective of the employee and the legal operators, evaluating the losses for these categories and the unconstitutionalities, through the immersion and analysis of history, doctrine, laws and jurisprudence. The objective is to demonstrate the losses for the Brazilian worker, the challenges for the labor law and its unconstitutionality, verifying the impact of the changes in the daily life of the worker and the legal operator in Brazil, studying the jurisprudence referring to the labor processes after the labor reform and its directions and, still, making an analysis of the Direct Action of Unconstitutionality of nº 5.766.
Keywords: Labor Reform; Unconstitutionality; Labor Law.
INTRODUÇÃO
A Lei 13.467, de 13 de Julho de 2017, conhecida como “Reforma Trabalhista” alterou mais de 100 pontos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), com o pretexto de aquecer o mercado de trabalho através da desburocratização das relações de emprego.
O discurso era de que as negociações empregado-empregador seriam mais diretas e facilitariam a geração de empregos no País. Sabemos, por meios fáticos, que não foi isso o que aconteceu. A revolução legislativa, na verdade, aprofundou as desigualdades sociais fazendo renascer um modelo de exclusão onde o capital oprime o social. Um retrocesso com o intuito de beneficiar a classe empregadora, disfarçada de modernização legislativa. Para compreender os impactos da reforma, é necessária uma compreensão da importância dos direitos trabalhistas no Brasil, suas raízes e origens.
Nesta senda, o presente artigo tem o objetivo de analisar os impactos da Reforma Trabalhista para o trabalhador e para o operador do direito, demonstrando os desafios impostos a estas classes no pós-reforma. Além disso, busca analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal frente às inconstitucionalidades presentes na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.766, de autoria da Procuradoria Geral da República.
O desenvolvimento do artigo está estruturado em 6 (seis) tópicos. No primeiro, o objetivo é inserir o leitor no tema da pesquisa, trazendo breve histórico do direito do trabalho. O segundo tópico é reservado ao papel da CLT como escudo dos trabalhadores na defesa de direitos fundamentais do trabalho. O terceiro tópico traz ao leitor o contexto político-social em torno da aprovação da Reforma Trabalhista.
Já no quarto tópico, são expostos os desafios nos quais a Advocacia Trabalhista foi imergida no pós-reforma, com análise de dados do TST. O quinto tópico é dedicado à análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.766. E, por fim, o sexto tópico é reservado às considerações finais.
1. BREVE HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO
O surgimento do direito do trabalhador coincide com a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII. Neste período começaram a surgir as primeiras indústrias, através da descoberta do vapor como fonte de propulsão de máquinas. Com isso, a demanda de mão de obra, os acidentes ocorridos e os abusos cometidos pelos donos da indústria levaram ao surgimento de ciências como a “Segurança do Trabalho” e o “Direito do Trabalho”.
No Brasil, o que delimita este marco é, inegavelmente, a transição da escravidão para a liberdade, a abolição da escravatura, sacramentada pela assinatura da Lei Áurea em 1888. No momento em que o trabalho forçado e sem remuneração passa a ser proibido, surgem então os primeiros direitos aos trabalhadores. É preciso, a partir de então, seguir várias regras que tornam o trabalho um contrato bilateral, com obrigação de empregado/empregador e não somente algo que beneficiava somente o empregador (senhor de escravo).
Além deste, existe outro marco importante na história do direito do trabalho brasileiro: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assinada por Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943. Foi neste decreto-lei que foram elencados praticamente todos os direitos e deveres dos trabalhadores brasileiros de que temos conhecimento.
A reforma desta consolidação ocorrida em 2017 é, enfim, o objeto de discussão desta pesquisa. Feita às pressas e para beneficiar a classe empregadora, trouxe várias perdas aos trabalhadores, levou ao enfraquecimento da justiça do trabalho e ao esvaziamento dos escritórios de advocacia trabalhista. A visão de que “direito do trabalho só serve para o trabalhador”, repetida por muito tempo por grandes empresários não existe mais.
Proteções constitucionais como a irredutibilidade salarial foram flexibilizadas. Hoje, basta cumprir os requisitos e ser de “comum acordo” empregado-empregador. Uma utopia no Brasil, considerando a necessidade do empregado alimentar sua família, enquanto o empregador tem ao seu favor uma fila de mais 10 milhões de desempregados no país.
Por estas razões é que decidi imergir nesta pesquisa. Tentar entender as raízes destas mudanças trazidas pela reforma trabalhista. Buscar explicar, embasado nas investigações realizadas, as causas, os benefícios, os malefícios e as possíveis consequências destas mudanças. Para quem é trabalhador, de classe média e/ou pretende atuar na advocacia trabalhista, é de fundamental importância entender este processo. E, através deste entendimento, criticar e questionar junto a autoridades, doutrinadores, legisladores e juristas.
2. A CLT COMO SALVAGUARDA DOS TRABALHADORES
A relação de trabalho pode ser compreendida como uma relação bilateral, de esforço mútuo, na busca por um resultado, produto deste trabalho, podendo ser um material, equipamento ou um serviço executado. Partindo desta ideia de bilateralidade, esta relação deve ser regida por acordos e legislações que busquem equiparar em direitos e deveres seus atores, permitindo que cada um deles atue com segurança, seja física, legal ou psicológica.
É preciso, porém, salvaguardar o polo mais frágil desta relação que, com o poder do capitalismo é, inegavelmente, o trabalhador. É na subordinação, condição indispensável para a relação trabalhista, que reside a grande vulnerabilidade desta.
Para Carlos Henrique Bezerra Leite:
O princípio da proteção é peculiar ao processo do trabalho. Ele busca compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto. O princípio da proteção deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral (LEITE, 2009, p. 76-77, grifos nossos).
Nota-se que há uma preocupação com a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, haja vista a fragilidade deste perante o empregador. Sempre se fez necessário, portanto, que a legislação desse subsídio a este tipo de pretensão, possibilitando que os trabalhadores lograssem tranquilidade na sua relação laboral.
Num país como o Brasil, onde a escravidão foi abolida a pouquíssimo tempo e a sociedade ainda carrega consigo heranças de exploração da mão de obra alheia, é imprescindível que se permita legislar em favor das minorias.
Foi neste contexto que nasceu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assinada por Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943. Neste decreto-lei é que foram elencados praticamente todos os direitos e deveres dos trabalhadores brasileiros de que temos conhecimento.
Porém, a reforma ocorrida em 2017 pela Lei 13.467 veio na direção contrária deste processo, excluindo direitos adquiridos por trabalhadores ao longo de décadas de lutas em favor da classe empregadora.
Para Godinho Delgado:
“A reforma trabalhista implementada no Brasil por meio da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, desponta por seu direcionamento claro em busca do retorno ao antigo papel do Direito na História como instrumento de exclusão, segregação e sedimentação da desigualdade entre as pessoas humanas e grupos sociais” (DELGADO, 2017, pág. 40).
A Lei 13.467/2017 desequilibrou novamente as forças no Direito do Trabalho. Todo o esforço gasto ao longo da história no sentido de tentar equilibrar as forças na relação de trabalho sofre um forte golpe. A reforma supracitada privilegia o viés econômico, colocando o detentor do capital econômico como soberano na relação trabalhista, causando a sua precarização, fazendo-se instrumento de aumento de lucratividade e rendimentos à mercê dos interesses minoritários.
Muitas destas alterações legais carregam consigo resquícios de inconstitucionalidades na medida em que excluem dos trabalhadores direitos e garantias fundamentais recepcionados pela Constituição Federal de 1988.
A reforma em comento traz, por exemplo, a imposição de pagamento de honorários sucumbenciais, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita. Ora, a própria Constituição em seu artigo 5º, inciso LXXIV, garante que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Deste modo, se a nossa Constituição assegura assistência jurídica integral e gratuita, não há o que se falar em ganhar ou perder a sua pretensão na seara do direito. Assim, não deve haver a necessidade de o trabalhador lograr êxito na sua demanda judicial.
3. O FRACASSO DA REFORMA TRABALHISTA COMO UM MARCO DE GERAÇÃO DE EMPREGO
Quem acompanhou o processo de discussão, muitíssimo breve, e aprovação da Reforma Trabalhista pelo Legislativo Brasileiro pode perceber o discurso ensaiado dos interlocutores em torno de um aquecimento do mercado de trabalho pós-reforma trabalhista.
Tal argumento, diga-se de passagem, muito defendido por economistas e liberalistas. Pela lógica imaginada, maior flexibilidade seria bom para ambos os lados. O empregado teria mais liberdade para negociar o seu contrato de trabalho, buscando situações empregatícias mais favoráveis. Enquanto o empregador poderia alçar novos desafios, com maior potencial de investimento e redução do temor do passivo trabalhista.
O tiro “saiu pela culatra”, se é que não fosse esta mesma a intenção. O projeto tinha a princípio, segundo Rogério Marinho, relator do projeto na Câmara de Deputados, o objetivo de:
“aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa, para promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, e atualizar a Lei n.º 6.019, de 1974, que trata do trabalho temporário”. (MARINHO, 2017, p. 02).
No entanto, transformações deste porte numa sociedade enraizada pela cultura de trabalho escravo, pela desigualdade entre homens e mulheres, entre brancos e negros, requerem muita cautela. Faltou diálogo e participação da classe trabalhadora nesta proposta.
Nesse contexto, Talita Marcon Dela Vedova Salvan, ao citar Vólia Bomfim entende que:
No âmbito do direito do trabalho, a flexibilização apresenta-se como solução à crise econômica vivida pelas empresas que estão à beira da falência, da quebra. Para evitar uma crise social mais grave, com o aumento do desemprego e consequente diminuição do mercado de trabalho a flexibilização responsável, sem abusos e sem a liberdade pretendida pela corrente neoliberal, é a resposta que mais harmoniza com os postulados constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao princípio fundamental ao trabalho. (BOMFIM, 2014, p. 46)
Dados do IBGE apontam que no último trimestre de 2017, quando entrou em vigor a Reforma Trabalhista, a taxa de desemprego era de 11,9%. No trimestre seguinte essa taxa aumentou para 13,2%. O que ocorreu, na verdade, foram demissões em massa e um aumento da precarização do trabalho no Brasil.
A relação empregado-empregador foi desequilibrada. Em que pese estes atores nunca terem estado em posição de igualdade, o empregado dispunha a seu favor de um aparato normativo que o protege das armadilhas do capitalismo. Estas, no entanto, perderam muita força com a Reforma Trabalhista prevalecendo, mais do que nunca, o poder econômico na relação de emprego.
Além disso, institutos de defesa dos trabalhadores e sites de notícias levantaram a hipótese de que a maior parte das emendas foram escritas por lobistas. Matéria do dia 27 de abril de 2017 no site da CUT, Central Única dos trabalhadores acusa:
“Lobistas de associações empresariais são os verdadeiros autores de uma em cada três propostas de mudanças apresentadas por parlamentares na discussão da Reforma Trabalhista. Os textos defendem interesses patronais, sem consenso com trabalhadores, e foram protocolados por 20 deputados como se tivessem sido elaborados por seus gabinetes. Mais da metade dessas propostas foi incorporada ao texto apoiado pelo Palácio do Planalto e que será votado a partir de hoje pelo plenário da Câmara.
The Intercept Brasil examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial da Reforma Trabalhista. Dessas propostas de “aperfeiçoamento”, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).”
Destarte, não se concretizou, como esperado por quem bem entendeu o intuito desta Reforma, a narrativa de que haveria um alavancamento da geração de empregos no País. O que houve, na verdade foi um aumento na informalidade. Além disso, passa-se a computar, por exemplo, o trabalho intermitente para fins de aferição da taxa de desemprego. Ainda que o trabalhador não seja convocado para o trabalho nenhuma vez durante todo o mês ou, ainda, que assine contrato com mais de um empregador, mesmo assim irá figurar como empregado, reduzindo os índices de desemprego.
Segundo Matheus Alves Stehling:
De fato, após a implementação da nova legislação trabalhista foi constatado aumento do número de empregos informais e do número de profissionais autônomos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O aumento de ambas as categorias somadas (empregos informais e autônomos) ultrapassou a quantidade de empregos formais, regidos pela CLT (KREIN; GIMENEZ; SANTOS, 2018).
Infere-se, portanto, ainda que sem uma análise perfunctória dos dados pós reforma, que a narrativa criada em torno de uma possível reviravolta no mercado de trabalho, com o aumento no número de postos de trabalho alavancado pela flexibilidade trazida pela reforma trabalhista fracassou.
4. OS DESAFIOS PARA A ADVOCACIA TRABALHISTA
A proposta inicial da Resposta Trabalhista feita pelo então Presidente da República, Michel Temer, alteraria somente 10 artigos da CLT. No entanto, alfim, foram alterados mais de 100 pontos da CLT.
Evidente que haveria drásticas mudanças no comportamento dos atores envolvidos. Para a advocacia não seria diferente. Iniciara-se, a partir de então, uma barreira ao acesso à justiça.
Para Mauro Capelletti, “um processo em que a parte fique na impossibilidade de participar efetivamente é um atentado contra aquilo que de mais essencial existe no processo jurisdicional”.
A reforma em comento cassou muitos direitos dos trabalhadores brasileiros. De todos, talvez o mais assustador tenha sido o direito de litigar. Não bastasse a imensa disparidade socioeconômica entre contratante e contratado, a reforma trouxe ainda um resquício de ressurreição do autoritarismo tradicional da época da exploração da mão-de-obra escrava. Uma verdadeira “lei da mordaça”.
Analisando dados do Tribunal Superior do Trabalho, é possível perceber o efeito imediato da Reforma Trabalhista no esvaziamento da Justiça do Trabalho. A queda no número de novos casos na Justiça do Trabalho do país inteiro após a reforma trabalhista é assustadora.
Fonte: Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2021 (elaboração própria)
A linha de tendência é de queda livre. Se compararmos 2017 e 2021, por exemplo, constata-se que houve uma queda de 41,50% no ajuizamento de novos casos nas Varas do Trabalho “Brasil a fora”.
Nesta senda, ao advogado trabalhista coube o papel de reinventar-se. Não somente do ponto de vista legislativo, mas também na seara do convencimento do seu cliente. O trabalhador, parte hipossuficiente da relação trabalhista, viu-se acuado pelo temor da sucumbência.
Não bastasse ter muitas vezes cerceado o seu direito durante a vigência do contrato de trabalho, como não pagamento de horas extras devidas, excesso de carga horária, entre outros tão comuns no dia a dia do trabalhador. Agora, também, vê ser “cerceado” o seu direito de reclamar.
A obrigação de pagamento de honorários sucumbenciais e periciais mesmo quando for a parte beneficiária da justiça gratuita é, sem dúvida, um dos marcos mais negativos desta reforma. É verdade que ela também tirou dos Tribunais grande parte da litigância de má fé que era, de certa maneira, protegida pelas benesses da antiga CLT.
Entretanto, analisando pela ótica da advocacia trabalhista, perde-se muito com o medo do trabalhador (seu cliente) de sucumbir, que se assusta com a possibilidade de ter de arcar com custas processuais e periciais. Este que, muitas das vezes, tem mal para o seu sustento. E, assim, opta por deixar de litigar por um direito seu que foi cerceado pelo empregador em detrimento de ter de arcar com as custas da Justiça, que se diz “para todos”.
5. UMA ANÁLISE DA A.D.I. 5.766 E SEUS IMPACTOS
O Supremo Tribunal Federal recepcionou, em agosto de 2017, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (A.D.I.) 5766. Proposta pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot.
O seu objetivo era a declaração de inconstitucionalidade de artigos da Reforma Trabalhista que suprimem ou limitam o direito constitucional de acesso à justiça, quais sejam: “(i) o pagamento de honorários periciais e sucumbenciais, quando tiverem obtido em juízo, inclusive em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa; e (ii) o pagamento de custas, caso tenham dado ensejo à extinção da ação, em virtude não comparecimento à audiência, condicionando a propositura de nova ação a tal pagamento.”
Nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, então relator da ADI no supremo (2017):
“Segundo o requerente, tais dispositivos geram ônus desproporcionais para que cidadãos vulneráveis e desassistidos busquem o Judiciário. Impõem a utilização de recursos obtidos em processos trabalhistas para custeio de honorários, sem considerar o possível caráter alimentar de tais valores ou a possibilidade de comprometimento de necessidades essenciais do trabalhador. Condicionam a propositura de nova ação ao pagamento de importância por quem sabidamente não dispõe de recursos, podendo constituir obstáculo definitivo de acesso ao Judiciário. Produzem tratamento desigual e geram impacto desproporcional sobre os mais pobres, na medida em que a exigência de pagamento de honorários periciais e sucumbenciais com valores conquistados em outros processos limita-se a causas em curso na Justiça Trabalhista, não se estendendo à Justiça comum ou aos Juizados Especiais Cíveis.”
Os artigos-alvo da ADI 5766 foram, especificamente, o 790-B, caput e § 4º; 791-A, § 4º, e 844, § 2º, todos da CLT. As matérias, como já dito alhures, pagamento de honorários periciais e sucumbenciais e pagamento de custas por beneficiários da justiça gratuita.
Destarte, surgiu como uma esperança de resgate de direitos constitucionais básicos aniquilados com a aprovação da Reforma.
Era de se esperar que o STF julgasse procedente o pleito da PGR, declarando inconstitucionais os dispositivos mencionados. Posto que, por ser o “guardião da Constituição” não se acovardaria diante de flagrante ferida aos ditames da Carta Magna.
Foram 4 (quatro) anos de discussão da matéria no Supremo Tribunal Federal. E finalmente, em outubro de 2021, foi publicado o acórdão da decisão. Analisaremos aqui dois votos divergentes em partes entre si, a fim de entender as argumentações que levam o julgador a formar o seu convencimento da matéria. A começar pelo relator, Ministro Luís Roberto Barroso.
O nobre relator assenta como teses de julgamento:
1) O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários;
2) a cobrança de honorários sucumbenciais poderá incidir: i) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais em sua integralidade; ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, quando pertinentes a verbas remuneratórias; iii) é legítima a cobrança de custas judiciais em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante sua prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.
Infere-se da argumentação do Ministro, que o seu entendimento versa em torno do freio para o excesso de litigiosidade na Justiça do Trabalho. Aduz-se que o pagamento de custas e honorários não seriam inconstitucionais ao limitarem o acesso à justiça, quando na verdade estariam funcionando como um controle de ajuizamento e demandas trabalhistas. Uma vez que a sobreutilização do poder judiciário pode, por si só, causar limitações do acesso á justiça, na medida em que comprometem a sua celeridade e eficiência.
Alerta, entretanto, que o Legislativo só enfrentou o problema do reclamante e que, o Reclamado contumaz e habitual deve ser penalizado, pois de alguma maneira, se beneficia da litigiosidade. Seja com o pagamento em outro momento, seja pelo lucro do não pagamento àqueles que não reclamarem judicialmente.
Em sentido oposto, o Ministro Alexandre de Moraes entende que a responsabilização “nua e crua” do hipossuficiente pelo pagamento de custas e honorários fere o seu direito de acesso à justiça. Justifica citando analogias com o Código Civil e com o Código Penal.
Transcrevo aqui parte das razões pelas quais Moraes formou seu convencimento:
“A deferência de tratamento permitida pela Constituição se baseia exatamente nessa admissão de hipossuficiência. Simplesmente entender que, por ser vencedor em um outro processo ou nesse, pode pagar a perícia, e, só por ser vencedor no processo, já o torna suficiente, autossuficiente, seria uma presunção absoluta da lei que, no meu entendimento, fere a razoabilidade e o art. 5º, XXIV.
Uma eventual vitória judicial em outro ambiente processual não descaracteriza, por si só, a condição de hipossuficiência. Não há nenhuma razão para entender que o proveito econômico apurado no outro processo seja suficiente para alterar a condição econômica do jurisdicionado, em vista da infinidade de situações a se verificar em cada caso. Nessa hipótese em que se pretende utilizar o proveito de uma ação para arcar com a sucumbência de outro processo – uma “compensação” -, o resultado prático é mitigar a sua vitória e manter a sua condição de hipossuficiência”. (grifos nossos)
O Ministro entende, então, não ser razoável a presunção absoluta do fim da hipossuficiência quando do recebimento de créditos provenientes de outra ação. Votando pela inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e o §4º, além do 791-A, §4º.
Entretanto, Moraes entende ser constitucional o artigo 844, § 2º, por entender que o dispositivo traz clara sanção para o hipossuficiente que pleiteia a tutela jurisdicional, porém, não guarda para com ela o cuidado e zelo requeridos. A sua ausência é, segundo ele “comportamento que frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais, tanto para o órgão judiciário quanto para a parte reclamada.”
Alfim, a ADI 5.766 foi julgada parcialmente procedente, nestes termos:
1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário.
2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese. (grifos nossos)
Em arremate, o STF, guardião da Constituição da República garantiu, ainda que numa discussão morosa, a vitória do acesso à justiça que havia sido tolhido pela Lei 13.467/17 num favorecimento à classe empregadora disfarçado de controle de litigância abusiva. Seus efeitos serão ex tunc, por não haverem sido modulados os efeitos e rejeitados os embargos de declaração opostos. Assim, deverá retroagir desde o início da norma tida por inconstitucional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto procurou, ao longo das temáticas apresentadas, trazer ao leitor um panorama geral sobre a Reforma Trabalhista de 2017. Abordou-se a temática do direito trabalhista desde o surgimento da discussão em torno desta, surgida ao final do século XVIII. O enfoque, é notório, foi dado aos pontos negativos que a Reforma trouxe.
Mas não cabe aqui fazer juízo de valor sobre o que vai ser melhorado ou piorado com as novas regras impostas pela reforma. O que ocorre no mundo fático é o que foi objeto de discussão. Os trabalhadores temem a perda de direitos fundamentais conquistados a duras penas. Além disso, a procura pela justiça quando da supressão de direitos trabalhistas é uma saída hesitosa, posto que os ditames da nova regra também suprimiram o direito de acesso à justiça quando da cobrança de honorários sucumbenciais e periciais e do pagamento de custas para os beneficiários da justiça gratuita.
Não obstante, à advocacia trabalhista coube se reinventar. Foi preciso que se reexaminasse o modelo de pretensão da tutela jurisdicional no direito do trabalho. Com o acesso à justiça sendo limitado pelo desincentivo trazido por meio das alterações da Lei 13.467/17, viu-se o número de processos na esfera trabalhista despencarem ano após ano, causando insegurança e dúvidas àqueles profissionais especializados nesta área.
Por fim, foi feita uma análise sobre a ADI 5766, proposta pela PGR e que surgiu como uma esperança de resgate da garantia constitucional do acesso à justiça. E os anseios da classe trabalhadora se sobressaíram, sendo declarados inconstitucionais os dispositivos que possibilitavam a cobrança de honorários periciais e sucumbenciais do beneficiário da justiça gratuita. Sendo mantido, somente, a obrigação ao pagamento de custas caso haja falta injustificada à audiência.
Conclui-se, portanto, que é indispensável que o legislador busque o aperfeiçoamento das normas ao longo do tempo, adaptando e amoldando-as à modernidade, aos novos meios e ferramentas disponíveis e aos novos hábitos e costumes. Não devem, porém, as reformas serem fruto de pretensões capitalistas, unilaterais e fundadas unicamente em aumento de lucratividade, onde direitos conquistados a muito custo e suor ao longo de décadas de luta, são soterrados em favor de benesses capitalistas.
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1Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS
2Orientadora: Profa. Me Janay Garcia. Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil. Pós-graduada em Ciência Políticas. Pós-graduada em Direito Previdenciário. Mestre em Políticas Públicas. Advogada. Professora Universitária.