SOCIAL IMPACTS OF THE KWENDA PROGRAM: A LOOK AT SOCIAL PROTECTION IN ANGOLA
REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11598261
Paulo Cabeto1
RESUMO
A proteção social é um pilar fundamental que objetiva, essencialmente, a garantia do bem-estar e a dignidade dos indivíduos. Por intermédio dela, o Governo e seus parceiros asseguram que as pessoas em situação de vulnerabilidade – desemprego, pobreza, doença, falta de habitação, etc. – adquiram meios necessários para a sua subsistência. O presente artigo analisa os reflexos sociais do Programa de Proteção Social Kwenda na vida das comunidades angolanas. O artigo baseia-se na exploração da literatura existente sobre a temática da proteção social em Angola, como um todo, e mais especificamente sobre o Programa Kwenda. Recorre-se aos relatórios oficiais do FAS – Instituto de Desenvolvimento Local –, do Banco Mundial, da OIT, da UNICEF e da ONU para a recolha dos dados empíricos sobre a emergência, operacionalização e impactos sociais do Programa Kwenda nas comunidades angolas. Além dos impactos transversais aos programas de proteção social, as estatísticas mostram que as consequências específicas do Kwenda se prendem, sobretudo, em duas categorias fundamentais: manifestas e latentes. Fazem parte da primeira categoria todos os benefícios que o programa proporciona às famílias em situação de vulnerabilidade. Por outro lado, os reflexos latentes perfazem a coesão social nas comunidades, inclusão social de grupos minoritários, criação de oportunidades de emprego a nível local, assim como aquisição de experiência profissional entre os recém-formados. O artigo discute ainda as limitações intrínsecas ao programa, que perfazem desafios relacionados à logística, a infraestrutura para o apoio social das famílias, à implementação dos serviços essenciais nas áreas de difícil acesso, dentre outras.
Palavras-chave: Proteção social; Inclusão Social; Programa Kwenda.
ABSTRACT
Social protection is a fundamental pillar that primarily aims to ensure the well-being and dignity of individuals. Through it, the government and its partners ensure that people in vulnerable situations – unemployment, poverty, illness, lack of housing, etc. – acquire the necessary means for their subsistence. This article analyzes the social impacts of the Kwenda Social Protection Program on the lives of Angolan communities. The article is based on the exploration of existing literature on the topic of social protection in Angola as a whole, and more specifically on the Kwenda Program. It draws on official reports from FAS – Instituto de Desenvolvimento Local –, the World Bank, the ILO, UNICEF, and the UN to gather empirical data on the emergence, operation, and social impacts of the Kwenda Program in Angolan communities. Beyond the cross-cutting impacts of social protection programs, statistics show that the specific consequences of Kwenda The impacts are grouped mainly into two fundamental categories: manifest and latent. The first category includes all the benefits the program provides to families in vulnerable situations. On the other hand, the latent effects encompass social cohesion in communities, social inclusion of minority groups, the creation of local employment opportunities, as well as the acquisition of professional experience among recent graduates. The article also discusses the intrinsic limitations of the program, which encompass challenges related to logistics, infrastructure for family social support, the implementation of essential services in hard-to-reach areas, among others.
Keywords: Social protection; Social inclusion; Kwenda Program.
INTRODUÇÃO
A proteção social é uma componente crucial para garantir o bem-estar e a dignidade dos indivíduos, fornecendo acesso a serviços sociais básicos, como saúde, educação, previdência, assistência e segurança social. Na África Subsaariana, a proteção social enfrenta desafios significativos devido a fatores como a alta taxa de pobreza, desigualdades sociais, desemprego, sistema de saúde deficitário, assim como fraco investimento no sistema de educação. Muitos países da região deparam-se com elevados obstáculos para estabelecerem sistemas de proteção social abrangentes e eficazes, com apenas uma pequena fração da população coberta pelas redes de segurança formal.
Segundo a OIT (2021), apenas cerca de 17,8% da população na África Subsaariana tem acesso a algum tipo de proteção social, em contraste com uma média global de 45,2%. Este déficit é agravado por desafios institucionais, falta de recursos financeiros e dificuldades logísticas na implementação de programas de proteção social nas áreas rurais e de difícil acesso.
À semelhança do que ocorre nos demais países da região, em Angola, as políticas de proteção social desempenham um papel vital na promoção da inclusão e na redução das desigualdades sociais, contribuindo significativamente para o desenvolvimento económico sustentável do país. Embora a proteção social possua contributos holísticos para o desenvolvimento do país, verifica-se uma ação tímida no que tange à implementação de políticas públicas voltadas à proteção social.
A história da proteção social no país é marcada por desafios contínuos para reconstruir e fortalecer o sistema de proteção social, especialmente após o fim da guerra civil em 2002. A Lei nº 7/04, de 15 de outubro, estabelece um marco legal abrangente para a proteção social em Angola, definindo três níveis distintos de proteção: básica, obrigatória e complementar. Apesar desses avanços, o país ainda enfrenta desafios significativos na garantia de cobertura abrangente e na qualidade dos serviços oferecidos.
Neste contexto, o Programa Kwenda foi instituído como uma resposta às necessidades urgentes das famílias em situação de vulnerabilidade nos dezoitos municípios do país. O programa, implementado pelo Decreto Presidencial nº 125/20, de 4 de junho, visa mitigar os principais problemas enfrentados pelas famílias mais necessitadas através de inclusão social, transferências sociais monetárias, inclusão produtiva e acesso a serviços básicos essenciais.
Proteção social em Angola
A literatura refere-se à proteção social como um conjunto de políticas e programas públicos que garantem aos cidadãos o acesso aos serviços sociais básicos, como saúde, educação, previdência, assistência e segurança social. Deste modo, a proteção social funciona como uma ferramenta de inclusão social que garante aos indivíduos, independentemente de sua condição socioeconômica, origem étnica, religião ou ideologia política, o acesso aos direitos sociais básicos (International Labour Organization, 2022).
A proteção social preocupa-se ainda com a promoção de políticas de âmbito nacional e internacional que assegurem o bem-estar e a dignidade humana. A efetivação dessas políticas exige esforços das autoridades governamentais locais e das agências/atores internacionais para o desenvolvimento de medidas protetivas que garantam a proteção social dos cidadãos, sobretudo de grupos em maior vulnerabilidade social (Organização Internacional do Trabalho, 2014).
Nesse contexto, entende-se que o Sistema Nacional de Proteção Social desempenha um papel crucial, pois, segundo a Lei nº7/04, de 15 de outubro – Lei de Bases da Proteção Social Angolana – a proteção social adotada por um estado tem reflexos no seu desenvolvimento social e contribui significativamente para o desenvolvimento económico sustentável.
Nesse contexto, o sistema nacional de proteção social desempenha um papel crucial na vida social, conforme destacado:
O sistema nacional de proteção social refere-se ao sistema legalmente estabelecido de provisão e de financiamento de transferências para pessoas com necessidades específicas – velhice, invalidez, sobrevivência, doença, maternidade, acidentes de trabalho, desemprego, apoio a famílias e prestação de cuidados de saúde. (Centro Internacional de Formação da OIT, 2013, p. 4)
O artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos refere ainda que “toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, mediante esforço e cooperação nacionais e internacionais, dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade” (Assembleia Geral da ONU, 1948).
Por outro lado, a Organização Internacional do Trabalho ressalta ainda que:
Social protection is a key factor in reducing poverty, exclusion, and inequality while enhancing political stability and social cohesion. (…) Social protection contributes to economic growth by supporting household income and domestic consumption and enhancing human capital and productivity and is therefore essential. (International Labour Organization, 2021, p. 9)
Em Angola, a história da proteção social caracteriza-se por diversos desafios que se instalaram no país desde a proclamação da independência, em 1975, até os dias atuais. Após o alcance da independência, a guerra civil que assolou o país por 27 anos teve um impacto devastador na população, levando à pobreza extrema, à fome e à falta de acesso a serviços básicos (Isidro, 2021).
De acordo com Manuel (2016), “no período entre 1975 e 2002 assiste-se à consolidação do sistema de proteção social em Angola. Nessa época, foram criadas as condições para um sistema de proteção de base formal, associado ao trabalho, para uma minoria de trabalhadores urbanos assalariados” (p. 28).
Após o fim da guerra, em 2002, o governo iniciou um processo de reconstrução do país e implementou as políticas públicas de proteção social no processo de reconstrução do país. No entanto, as políticas adotadas não foram capazes de responder às principais necessidades da população. Essa lacuna ocorreu por várias razões, nomeadamente, falta de cobertura da rede de proteção social, a baixa qualidade dos serviços e a má gestão dos recursos (Manuel, 2016).
Embora Angola esteja a avançar gradualmente na construção de um sistema de proteção social, ainda há obstáculos a serem superados para alcançar uma cobertura abrangente e eficaz. A este respeito, a UNICEF (2023) ressalta que “Angola tem um sistema de protecção social em desenvolvimento, mas ainda enfrenta desafios significativos para garantir a cobertura e a eficácia adequada” (p. 6).
As políticas de proteção social desempenham um papel fundamental na concretização do direito humano à segurança social, atuando como um elemento fundamental na redução da pobreza e das desigualdades sociais, na medida que apoiam o crescimento inclusivo, promovem o capital humano e a produtividade e facilitam a transformação estrutural das economias nacionais.
Tabela 1: Sistema de proteção social angolano
(Fonte: OIT, 2018)
Em Angola, a proteção social é regida pela Lei nº 7/04, de 15 de Outubro. O diploma assume um papel crucial na definição e organização da proteção social no país. A Lei nº 7/04, de 15 de Outubro, estabelece um marco legal abrangente que garante o acesso da população a serviços e benefícios essenciais para o seu bem-estar (OIT, 2018).
Um dos principais aspectos da Lei reside na estruturação da proteção social em três níveis distintos:
a) Proteção Social Básica: destinada à população em situação de extrema pobreza, de modo a oferecê-las um conjunto de medidas de apoio e acompanhamento para garantir a satisfação das necessidades básicas de subsistência;
b) Proteção Social Obrigatória: abrange os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria, assim como as suas famílias. A PSO assegurando-lhes proteção contra riscos sociais como doença, maternidade, velhice, invalidez, desemprego ou mesmo morte;
c) Proteção Social Complementar: visa complementar as prestações dos regimes obrigatórios, proporcionando maior segurança social aos indivíduos que aderirem a planos privados de pensões, saúde e outros benefícios.
A Lei da Proteção Social também define as instituições responsáveis pela gestão da proteção social e estabelece as competências e responsabilidades de cada órgão. Estabelece, igualmente, os critérios para a concessão de prestações adequadas, considerando as necessidades específicas de cada indivíduo ou família.
Para além dos pontos mencionados acima, a Lei da Proteção Social também aborda outros aspetos relevantes, como:
a) Financiamento da proteção social: define as fontes de recursos para o financiamento da proteção social, incluindo contribuições dos trabalhadores, empregadores e Estado;
b) Participação da sociedade civil: reconhece a importância da participação da sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento das políticas de proteção social;
c) Promoção da inclusão social: enfatiza a necessidade de promover a inclusão social dos grupos mais vulneráveis da população, como pessoas com deficiência, idosos e crianças.
Gráfico 1: Gastos em segurança social (Angola no contexto africano – 2018)
(Fonte: MINFIN and Beegle et al., 2018 in World Bank, 2018)
Gráfico 2: Proteção social e cobertura laboral (Angola no contexto africano – 2018)
(Fonte: IMF, 2023)
Embora Angola gaste consideravelmente em proteção social, conforme demonstrado no gráfico 1, sua posição em termos de cobertura e eficácia é relativamente baixa em comparação com outros países da região. Um dos principais motivos são os longos anos de conflitos civis prolongados também teve um impacto conjunturais, sobretudo na infraestrutura e nos serviços públicos, prejudicando o desenvolvimento social e económico do país.
A desigualdade regional é outro fator significativo, porquanto há cobertura insuficiente dos serviços sociais nas zonas rurais devido a desafios logísticos, falta de infraestrutura e menor capacidade institucional. Assiste-se, com frequência, a um crescimento desproporcional do espaço urbano em detrimento do rural. As desigualdades geográficas influenciam diretamente na fraca rede de proteção social existente no país.
Por outro lado, do ponto de vista laboral, o contexto angolano encontra-se devido entre as áreas da economia forma e informal. Entretanto, apenas os trabalhos vinculados ao setor formal têm seus direitos laborais assegurados pelo Estado. Portanto, o amplo desenvolvimento da economia informal dificulta a implementação eficaz de políticas de proteção social, na medida em que os trabalhadores informais não têm acesso a benefícios de segurança social e proteção laboral.
Gráfico 3: Evolução da despesa com proteção social no OGE (despesas nominais vs despesa reais)
(Fonte: Ministério das Finanças in UNICEF, 2023)
O Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2023 destinou Kz 689 mil milhões para a proteção social, o que representa 3,4% do total do orçamento. Por outro lado, em 2020, houve uma redução de 18% nas despesas com proteção social, atingindo o valor mais baixo do período analisado. Essa queda pode ser diretamente atribuída ao impacto da pandemia de Covid-19 e à subsequente crise econômica que o país tem enfrentado.
Apesar da recuperação gradual da economia a partir de 2022, o orçamento destinado à proteção social, tanto em 2022 quanto em 2023, não atingiu os níveis desejados e, por consequência, não respondeu às principais necessidades da população vulnerável. Essa lacuna orçamentária expõe a necessidade de investimentos mais robustos na área, a fim de garantir o acesso universal a serviços e benefícios essenciais para o bem-estar da população que se encontra em alguma situação de vulnerabilidade.
Tabela 2: Distribuição das despesas com proteção social no OGE
(Fonte: Ministério das Finanças, OGE 2019-2023 in UNICEF, 2023)
Gráfico 4: Despesa em proteção social por província (2023)
(Fonte: Ministério das Finanças, OGE 2019-2023 in UNICEF, 2023)
O gráfico acima mostra que a província de Luanda é a região do país que mais investe em proteção social, com aproximadamente 2,68 mil milhões de kwanzas. As províncias da Lunda Norte, Huíla e Malanje também ocupam posições elevadas em termos de despesas orçamentais com proteção social. No outro extremo do gráfico, estão as províncias que menos gastam em proteção social. Destacam-se as províncias de Cabinda, com 0,08 mil milhões de kwanzas, Cuanza Norte, com 0,03 mil milhões, Zaire, com o mesmo valor, e Bengo, com 0,02 mil milhões.
Emergência do Programa Kwenda
A proteção social é uma ferramenta essencial para reduzir a pobreza e promover a inclusão social, especialmente em países com altos índices de vulnerabilidade económica como é o caso de Angola. Nesta senda, o Programa KWENDA destaca-se como uma iniciativa para apoiar indivíduos não cobertos pelo sistema de segurança social contributiva.
O Relatório Anual do FAS – Instituto de Desenvolvimento Local – refere que “o Programa KWENDA é um programa integrado numa plataforma mais ampla de protecção social dirigido a uma população de elevado grau de vulnerabilidade e pobreza não coberta pelo sistema de segurança social contributiva” (FAS, 2022, p. 5).
O Programa de Fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção Social – Kwenda – foi instituído pelo Decreto Presidencial nº 125/20, de 04 de junho, e configura-se como um marco fundamental nas políticas públicas de proteção social em Angola. O programa foi implementado num contexto de crise socioeconómica e propunha-se a mitigar os principais problemas das famílias em situação de vulnerabilidade (Araújo, 2021).
O Programa de Fortalecimento da Proteção Social – Kwenda – foi aprovado a 16 de julho de 2019 e tornou-se efetivo em janeiro do ano seguinte, abrangendo todas as províncias do país. Na primeira fase, o programa cobriu um total de 59 municípios, 206 comunas e 8.819 aldeias/bairros. Do ponto de vista orçamental, o programa teve o financiamento total de US$ 420 milhões, repartidos entre o Banco Mundial (BIRD), com uma participação de US$ 320 milhões, e o Governo de Angola, com um incremento US$ 100 milhões (FAS, 2022).
A colaboração entre o Banco Mundial e o governo foi inicialmente estruturada para oferecer uma rede de segurança temporária, em antecipação a reformas económicas mais amplas, conforme refere o relatório do Banco Mundial “(…) The Bank-financed operation contributes to the larger, government-supported Kwenda program. The project was originally intended as a short-term compensatory cash transfer mechanism for a planned fuel subsidy reform. (…)” (The World Bank, 2019, p. 5).
De acordo com Araújo (2021), o programa Kwenda é constituído por quatro componentes principais – transferências sociais monetárias, inclusão produtiva, municipalização da ação social e cadastro social único. Estas componentes estão interligadas e colaboram para garantir a efetivação dos objetivos traçados pelo programa, fornecendo respostas abrangentes às necessidades das famílias vulneráveis.
As transferências sociais monetárias fornecem assistência financeira direta às famílias em situação de vulnerabilidade. Esta componente visa aumentar a renda familiar e melhorar o acesso a bens e serviços essenciais, como alimentação, saúde e educação. As transferências sociais ajudam, paralelamente, a reduzir a pobreza extrema e proporcionam uma base mínima de subsistência para as famílias beneficiadas.
A componente inclusão produtiva, por sua vez, é projetada para capacitar os beneficiários na criação de atividades geradoras de renda. Por intermédio da inclusão produtiva, oferece-se treinamento, apoio técnico e recursos para que as famílias possam iniciar e/ou expandir pequenas atividades econômicas. A componente promove, igualmente, a autonomia financeira das famílias, permitindo-lhes o desenvolvimento de habilidades que garante a sustentabilidade da produção.
Através da municipalização da ação social se descentraliza a gestão e a implementação das políticas de proteção social, trazendo-as para mais perto das comunidades locais. Este componente reforça a capacidade dos municípios de identificar e responder às necessidades específicas das populações. A efetivação desata componente ocorre mediante parcerias com governos locais, ONGs e outros stakeholders afins. A municipalização da ação social assegura que as intervenções sociais sejam mais eficazes, contextualmente relevantes e adaptadas às realidades locais.
A quarta componente do programa constitui-se numa base de dados integrada que permite a identificação precisa e o monitoramento das famílias em situação de vulnerabilidade. O cadastro social único é fundamental para garantir que os recursos e os benefícios do programa sejam direcionados corretamente para aqueles que mais necessitam. Desta forma, a componente melhora a eficiência na alocação de recursos, evita duplicações e fraudes, e facilita a coordenação entre diferentes programas sociais e agências governamentais.
Tabela 3: Gastos financeiros do Programa Kwenda (estimativas anuais)
(Fonte: The World Bank, 2019)
Reflexos sociais do Programa Kwenda – um olhar às estatísticas
O Programa Kwenda tem desempenhado um papel crucial na redução da pobreza extrema nas comunidades angolanas. A transferência de sociais monetárias direta para as famílias beneficiadas proporciona um aumento na renda familiar, permitindo o acesso a bens e serviços essenciais, como alimentação e saúde. Ademais, a componente de “Inclusão Produtiva” permite com que os agregados cadastrados desempenhem atividades geradoras que podem ser realizadas de forma individual ou coletiva.
Por outro lado, o Programa tem contribuído, igualmente, para o fortalecimento da coesão social nas comunidades angolanas. A garantia de um nível mínimo de renda para as famílias em situação de vulnerabilidade tem reduzido a tensão social e, por efeito, a coesão entre os diferentes grupos da população torna-se mais efetiva. Essa coesão influencia a autonomia económica das famílias, em particular, das mulheres.
Por intermédio dos Centro de Ação Social Integrado (CASI), o programa viabilizou a realização de ações de registo civil em diversas localidades do país, permitindo que muitos munícipes obtivessem pela primeira vez documentos essenciais para o exercício da cidadania e para o acesso a diversos serviços públicos e privados como certidões de nascimento, cédula pessoal e bilhete de identidade. A ausência de documentos básicos pode ocasionar diversos problemas, como dificuldade no acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à justiça.
Tabela 4: Número Bilhetes de Identidade emitidos
(Fonte: FAS, 2022)
A par da massificação do registo civil, a transferência de renda aos grupos minoritários, como os povos “san” e “vátua”, que historicamente enfrentam barreiras – quer por fatores exógenos ou endógenos – para aceder os principais serviços básicos configura-se com um dos impactos significativos do Programa. A participação social de grupos minoritários e excluídos desempenha um papel crucial na promoção da inclusão social e na redução das diferentes formas de desigualdades sociais.
Tabela 5: Grupos minoritários beneficiados
(Fonte: FAS, 2022)
Os reflexos sociais do Programa Kwenda não se limitam às transferências sociais monetárias. O programa combateu o desemprego, através da criação de oportunidades de trabalho, especialmente entre os jovens das aldeias e regiões menos desenvolvidas abrangidas pelo programa.
Ademais, a criação do Programa Nacional de Estágios possibilitou, até à presente data, que mais de quinhentos jovens recém-formados e/ou na fase final da sua formação tivessem uma experiência profissional remunerada. Essa oportunidade foi crucial para o desenvolvimento de habilidades e competências profissionais para melhor responderem os desafios do mercado de trabalho.
À semelhança dos estagiários, a participação dos Agentes de Desenvolvimento Comunitário e Sanitário (ADECOS) contribuiu para a criação de oportunidades de trabalho, assim como para o desenvolvimento social, económico e cultural das comunidades locais. O Programa integrou um número significativo de ADECOS oriundos dos diversos bairros e aldeias cadastrados. Importa ressaltar que além de a atividade desenvolvida pelos ADECOS refletir-se no desenvolvimento de suas comunidades, reflete-se, igualmente, na inclusão laboral do ADECOS, na melhoria da qualidade de vida e na redução dos níveis de pobreza a nível local.
Tabela 6: Número de ADECOS contratados
(Fonte: FAS, 2022)
Gráfico 5: Impactos do Kwenda na economia angolana
(Fonte: AfDB, 2019)
Principais limitações
Embora a emergência do programa tenha respondido a algumas necessidades das famílias vulneráveis, algumas limitações sistêmicas condicionam a sua ação na vida das famílias. Dentre elas, destacam-se desafios relacionados à logística, à infraestrutura para o apoio social das famílias e à implementação dos serviços essenciais nas áreas de difícil acesso. Além disso, a falta de recursos humanos qualificados em algumas regiões compromete a qualidade do atendimento e o acompanhamento dos beneficiários.
O valor monetário transferido às famílias, apesar de representar um importante apoio, mostra-se insuficiente para que os beneficiários possam dar passos substanciais na superação da pobreza. A quantia recebida limita a capacidade das famílias de investir em bens duráveis, na melhoria das condições de habitação, na educação dos filhos e na diversificação de suas fontes de renda.
Por outro lado, a irregularidade nos pagamentos das transferências sociais monetárias configura-se, igualmente, como um desafio significativo. Os longos intervalos entre os pagamentos dificultam a planificação financeira das famílias, gerando insegurança e instabilidade. Essa situação impede que os beneficiários façam investimentos de longo prazo e compromete, por efeito, a efetividade do programa em promover a inclusão social e o desenvolvimento sustentável.
Acresce-se àquelas limitações a fraca operação da inclusão produtiva – uma dos componentes mais importantes do programa. A falta de investimentos na componente de inclusão produtiva impede que os beneficiários adquiram recursos necessários para desenvolver atividades geradoras de renda. Essa limitação compromete a autonomia financeira das famílias e a sustentabilidade do programa a longo prazo.
Por fim, a inexistência do cadastro social único atualizado dificulta a identificação precisa das famílias em situação de vulnerabilidade, impedindo o direcionamento mais eficiente dos recursos do programa. Essa lacuna gera falhas na seleção dos beneficiários e leva à inclusão de famílias que não necessitam do auxílio e, paralelamente, à exclusão de famílias que realmente se encontram em situação de extrema pobreza.
As limitações que emergem da inexistência do cadastro social único de assumem proporções elevadas cujas consequências não se restringe exclusivamente ao FAS – instituto de Desenvolvimento Local –, às administrações municipais e/ou comunais, e ao Governo de Angola, mas às instituições internacionais e aos principais intervenientes diretos e indiretos do programa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa de Fortalecimento da Proteção Social – Kwenda – é uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento do sistema de proteção social em Angola. Os dados consultados reforçam a necessidade de o Estado angolano continuar a envidar esforços para melhorar o sistema de proteção social no país, de modo a responder adequadamente aos principais problemas enfrentados por famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Portanto, é crucial que os programas de proteção social estejam alinhados às necessidades específicas das comunidades, garantindo que sua aplicação seja contextualizada à realidade local.
As estatísticas nacionais e internacionais destacam que os impactos sociais do programa Kwenda incluem um conjunto de ações significativas, como a inclusão social, valorização de grupos minoritários, promoção da coesão social, criação de oportunidades de emprego a nível local e a aquisição de experiência profissional entre recém-formados.
Essas ações melhoram não apenas a qualidade de vida dos beneficiários imediatos, mas também contribuem para o desenvolvimento económico sustentável e a estabilidade social de Angola. Deste modo, a inclusão social e a valorização de grupos minoritários concorrerem para a criação de uma sociedade mais equitativa, ao passo que a criação de oportunidades de empregos locais impulsiona o crescimento económico das aldeias e municípios.
No entanto, o programa enfrenta várias limitações que precisam ser abordadas para maximizar sua eficácia. Entre os principais desafios destacam-se os problemas de âmbito logístico, falta de infraestrutura adequada para apoiar as famílias, e dificuldade na implementação de serviços essenciais nas áreas de difícil acesso.
Torna-se, portanto, necessário criar diferentes estratégias, a nível local e nacional, para a superação dos principais obstáculos que concorrem para a inoperação e/ou fraca ação do programa a fim de se garantir que o programa possa alcançar os objetivos propostos e proporcionar benefícios duradouros às comunidades angolanas em situação de vulnerabilidade.
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1 Docente do Instituto Politécnico da Universidade Rainha Njinga A Mbande (Angola). Mestrando em Sociologia na Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. Licenciado em Sociologia Comunitária pela Escola Superior Politécnica de Malanje. pjcoo@iscte-iul.pt.
1 ORCID: https://orcid.org/0009-0004-8111-3337