REFLEXOS DA TEORIA DIREITO PENAL DO INIMIGO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202502082302


Dra. Fabiana Orloski
OAB/PR 113.760


RESUMO

Este artigo versa sobre a Teoria do Direito Penal do Inimigo desenvolvida por Günther Jakobs, que postula o emprego de um Direito Penal diverso do comum para aqueles considerados inimigos (não-pessoas), ou seja, que não oferecem garantias mínimas de um comportamento pessoal, sendo a eles desacreditada uma possível reinserção em meio social. Para Jakobs, esse Direito Penal do Inimigo coexistiria com o Direito Penal do Cidadão. Por meio da análise das características do Direito Penal do Inimigo, este estudo compara as propostas estática e dinâmica de contenção do poder punitivo, bem como visa mostrar características e aplicação no cenário do direito contemporâneo. Tendo como objetivo o desenvolvimento de um tema atual e bastante difundido na sociedade, buscando-se fazer uma abordagem sobre alguns aspectos do direito penal do cidadão e do inimigo, sua abordagem e presença na sociedade, origem, características e aplicação

Palavras-chave: Direito Penal, Inimigo, crime, sanção e desigualdade

INTRODUÇÃO

As mudanças sociais tais como desemprego que ocasiona a desigualdade social trazidas com a realidade da globalização, num contexto de pós-industrialização, impuseram ao Poder Público, em âmbito mundial, uma reformulação das políticas sociais. De repente, o Estado passou a ser obrigado a defender e fiscalizar a aplicação dos direitos sociais e dos direitos humanos em geral, recebendo a responsabilidade de garantir o bem-estar social (os Estados democráticos passaram a ser também Estados de Bem-Estar Social, no qual o Estado é organizador da política e da economia, encarregando-se da promoção e defesa social, pelo menos ideologicamente).

Entretanto, nem todos os Estados conseguiram desenvolver de fato políticas públicas de inclusão e desenvolvimento que efetivamente respondessem à diversidade e infinidade das novas demandas trazidas com a globalização, de modo que uma parcela menos favorecida da população acabou por ser excluída das relações sociais, sendo colocada à margem do novo modelo social.

A partir desse contexto, com a desigualdade social gerada nos Estados, passou a existir dois grupos: de um lado pessoas economicamente estáveis, com seus direitos sociais e humanos garantidos e respeitados, enquanto que, de outro lado, há pessoas em situação de miséria, às quais era negado acesso aos direitos humanos e sociais, que em tese deviam ser viabilizados de maneira igualitária pois, conforme constante na Constituição Federal Brasileira, todos deveriam ser iguais perante a lei, sem qualquer tipo de distinção, o que gerou sentimento de injustiça e rejeição nesta parcela significativa da população.

Uma porção menos favorecida da população, por não conseguir sobreviver de outra forma, num panorama de completa ausência de auxílio Estatal em relação a inclusão no mercado de trabalho e porque continua a fazer parte de uma sociedade essencialmente capitalista, na qual a qualidade de vida está intimamente relacionada com o poder aquisitivo, desenvolvendo, por consequência, meios alternativos para garantir sua sobrevivência, num contexto de não-Estado. Assim, criam-se Estados Paralelos e proliferam-se os crimes que visam enriquecimento do agente como roubos, furtos, estelionatos e o tráfico de drogas, o que acarreta um aumento nos casos de homicídios. A sociedade passa a sentir “medo”, diante da massividade da criminalidade, da qual qualquer individuo passa a ser ‘vítima em potencial’. Instala-se o caos social.

Parte da população não consegue enxergar a responsabilidade do Estado na criação dos ‘marginais’ e deixa de observar a porcentagem periférica como seus semelhantes, passando a vê-los como entes perigosos, daninhos, asquerosos e, principalmente, inimigos.

A sociedade passa a clamar (não ilegitimamente) por segurança pública, culpando o Estado pela ocorrência de crimes, mas eximindo-o perigosamente da culpa pela criação dos criminosos. Desenvolvem-se discursos de guerra à “mega criminalidade”, guiados por “políticas de tolerância zero”, legitimados pela insegurança e pelo pavor dos cidadãos, com a finalidade de exterminação dos indesejáveis, em prol da coletividade, ao passo que ocorre uma eliminação ou sucateamento de políticas públicas de inclusão e desenvolvimento que deveriam ser direcionadas a esta classe segregada, entendendo-se mais conveniente a aplicação do ‘instrumento de controle’ denominado Direito Penal, que deveria ser o último recurso, diante de sua aparente ‘eficácia a curto prazo’.

Entretanto, com o direcionamento das forças Estatais ao aprimoramento do Poder de Polícia, é notável a falta de vontade dos governantes para o investimento nas políticas de inclusão e desenvolvimento da sociedade excluída, evidenciando uma falha, pois apesar de haverem programas direcionados à carência financeira dos marginalizados, não há uma oportunidade para que estes venham a fazer parte da população economicamente ativa, razão esta também que leva em conta uma desaprovação da sociedade até então contaminada pelos meios de comunicação, que trazem informações sensacionalistas e tendenciosas, sendo, aos olhos desta, os marginais comparados a uma doença transmissível, que deve ser eliminada para não contaminar o meio. A partir de então, dá-se início a um ciclo vicioso: a pena passa a ser aplicada com o fim de prevenção especial negativa (o indivíduo deve ficar preso porque enquanto estiver encarcerado, em teoria, não pode prejudicar a sociedade, em contrapartida pode afetar diretamente o sistema penitenciário, coordenar rebeliões, desrespeitar normas, lesar patrimônio público e cometer crimes contra agentes penitenciários) e, diante do rompimento da empatia do Estado e da sociedade com os excluídos, é guiada por uma ideologia de “menor elegibilidade” do cárcere, apesar do discurso de “reabilitação”.

Nesse contexto, quando a pena termina, o apenado é reinserido no mesmo contexto social de ausência de Estado no qual ele foi criado e por causa do qual ele foi preso. As condições de existência acabam por encarcerá-lo de novo e de novo, e mais uma vez, dando voltas e mais voltas sem de fato realizar uma ressocialização e dar oportunidade para que o indivíduo possa ter uma vida digna.

DESENVOLVIMENTO

O direito penal do inimigo tem raízes no fascismo, movimento político e filosófico estabelecido por Benito Mussolini na Itália no qual prevalecem os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e no nazismo, movimento político e social que surgiu na Alemanha logo após a primeira guerra mundial encabeçado por Adolf Hittler, tendo como características o nacionalismo extremado, exaltação da guerra como forma legítima de promover o desenvolvimento da nação, antissemitismo (aversão aos judeus), preconceito racial contra outras minorias, como os eslavos, entre outros.

Günter Jakobs, idealizador e doutrinador da teoria do direito penal do inimigo, professor de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha, se valendo destes movimentos, abordou a respeito do tema, em 1985, de maneira ampla, ao versar a respeito de delitos econômicos, relacionados ao Direito Penal da colocação em risco.

Em 1999, tratou sobre o fenômeno focado nos crimes de maior periculosidade praticadas contra bens jurídicos individuais, como exemplo o terrorismo. Nessas ocasiões, a visão de Jakobs sobre o Direito Penal do Inimigo era crítica e descritiva.

No entanto, atualmente, esse teórico adota uma postura mais ampla e legitimadora, sendo que propõe a coexistência de dois polos distintos dentro do Direito Penal: um destinado ao cidadão, sendo chamado Direito Penal do Cidadão e outro ao inimigo, sendo chamado Direito Penal do Inimigo, cada vez mais presente e evidente no âmbito jurídico.

Para a teoria desenvolvida, o doutrinador Jakobs valeu-se dos pensamentos de grandes filósofos como Rosseau, Hobbes, Kant e Fichte, sendo estes pensamentos a base para a sustentação de suas teorias, a seguir descritas:

Rousseau (2008 p. 25) afirma que “qualquer malfeitor que ataque o direito social deixa de ser membro do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor”. A consequência diz assim “… ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão”.

Do mesmo modo argumenta o filósofo Fichte (2008 p. 26):

Quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no voluntário ou por imprevisão, em sentido estrito perde todos os direitos como cidadão e como ser humano, e passa a um estado de ausência completa de direitos.

Fichte (2008 p. 27) atenua essa morte civil, “como regra mediante a construção de um contrato de penitência, mas não no caso de assassinato intencional e premeditado: neste âmbito, se mantém a privação de direitos ao condenado”

Para o filósofo Hobbes (2008, p. 32), “o contrato de submissão (no entendimento deste filósofo, os contratos são uma espécie de pacto de submissão, sendo um indivíduo submetido a um terceiro mediante acordo, podendo este terceiro ser homem ou assembleia) junto a qual aparece, em igualdade de direito a submissão por meio da violência não se deve entender tanto como um contrato, mas como uma metáfora de que os futuros cidadãos não perturbem o Estado em seu processo de auto-organização”. Sendo assim, Hobbes mantêm o delinquente em sua função de cidadão, pois o cidadão não pode eliminar, por si mesmo, seu status. É distinta a situação quando se trata de uma rebelião, ou seja, uma traição, em razão de que a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída no estado de natureza, sendo que, aos que incorrem este tipo de crime, cabe um castigo, não como subordinado mas como inimigo.

O filósofo Kant fez uso do Contratualismo como ideia reguladora na fundamentação e na limitação do poder do Estado, focando a problemática na passagem do estado de natureza (fictício) ao estado estatal. Na construção de Kant, toda pessoa está autorizada a obrigar a qualquer outra pessoa a entrar em uma constituição cidadã. Para este filósofo, quem não participa de uma vida em um estado comunitário legal, deve retirar-se, não devendo ser tratado como pessoa mas como inimigo, indivíduo expelido da sociedade, priorizando a segurança.

De uma forma geral, os filósofos vinculados a esta teoria entendem que o Direito Penal do Cidadão é o direito de todos, e o Direito Penal do Inimigo é uma exceção, aplicável àqueles que se colocam como inimigo, através de suas condutas e escolhas, cabendo, frente ao inimigo, a coação física, até chegar à guerra.

Os três pilares que fundamentam a Teoria de Jakobs são: antecipação da punição, desproporcionalidade das penas e relativização ou suspensão de certas garantias processuais e a criação de leis severas direcionadas aos que se enquadram como inimigos sociais (terroristas, lideres de facção criminosa, traficante, homem-bomba, etc).

Consiste na vigência simultânea de dois Direitos Penais no mesmo ordenamento jurídico, com regras distintas entre si e com finalidades e destinatários diversos, sendo um denominado Direito Penal dos Cidadãos (ou Direito Penal da Normalidade) e o outro denominado Direito Penal do Inimigo (ou Direito Penal de Oposição).

No Direito Penal do Cidadão, Jakobs argumenta que há dois tipos de indivíduos: aqueles que em regra se submetem às normas reitoras do Estado de Direito e aqueles que as negam por princípio, colocando-se num estado de natureza. O primeiro grupo, que age segundo a legalidade, e, portanto, oferece uma expectativa segura de comportamento, respeitando o pacto social, é denominado “cidadão”, enquanto que o segundo grupo, que nega o Estado de Direito e, portanto, age desvinculado da legalidade, não oferece uma expectativa segura de comportamento e coloca em risco aqueles que aceitaram se submeter ao pacto cidadão, é denominado “inimigo”.

Neste contexto, o Direito Penal do Cidadão é aquele que tem a finalidade de manter a estabilidade do sistema de coisas e cuja pena tem a função de Prevenção Geral Positiva. Destina-se a quem pratica crimes de maneira não reiterada, ou seja, àqueles que não delinquem de maneira persistente, acreditando, para estes, na possibilidade de reinserção na sociedade e ressocialização visto que não se enquadram no modelo de inimigo e possuem o discernimento para analisar suas condutas entendendo o que é certo e errado e tendo infringido as normas vigentes como um fato isolado. Trata-se de um Direito Penal mais garantista que destinado ao inimigo, mas, ainda assim, conforme assevera Jakobs, pressupõe uma certa defesa contra riscos futuros.

Já o Direito Penal do Inimigo busca combater perigos e anular riscos e o faz por meio da antecipação da tutela penal e pela incriminação de condutas prévias à lesão de bens jurídicos tendo como roteiro um modelo pré estabelecido de inimigo. Nele, abandona-se a expectativa normativa e preocupa-se com a expectativa cognitiva, ou seja, a segurança no comportamento do indivíduo não se baseia mais em uma expectativa de respeito ao Estado de Direito, mas na impossibilidade de afetar o mundo exterior, enquanto fisicamente contido

(num estabelecimento penal), aplicando a estes a prevenção geral negativa (podendo-se dizer que quer se matar o mensageiro que traz uma má notícia, em face da mensagem indecorosa).

Assim sendo, aqueles que não são capazes de prestar uma expectativa cognitiva suficiente de um comportamento pessoal aceitável, seguindo preceitos e respeitando normas jurídicas, não devem ser tratados como pessoas, nem o Estado deve assim tratá- las, visto que do contrário haveria vulnerabilidade do direito à segurança dos demais.

Na esfera da teoria das penas, ressaltando aqui mais uma diferença entre as duas vertentes do direito penal, vale evidenciar que, segundo Jakobs (Pj 47,1997 p. 163): “a pena não luta contra o inimigo, tampouco serve de estabelecimento de uma ordem desejável, mas só a manutenção da realidade social”, expondo assim que a teoria evidencia a prevenção geral negativa, de forma que a resposta penal não pretende significar algo, mas somente produzir algo, perdendo seu caráter de ressocialização e ganhando força de coação como medida de segurança, a fim de retirar do convívio social àqueles que não podem fornecer uma garantia plausível de seus atos e comportamento.

Em outro polo, ao observar a relação pena e o direito penal do cidadão percebe-se que para este o significado seria a natural privação de liberdade pautada na prevenção geral positiva, como uma maneira de reparação do dano causado com a conduta que veio a infringir a regra penal, utilizado como ultimo ratio, sendo a negação da vontade do agente ao violar a norma e a restituição da vigência desta ao autor da infração. O destinatário da pena não perde sua qualidade de pessoa, acreditando-se na ressocialização.

Para Jakobs o Direito Penal tem duas finalidades distintas, a depender do seu destinatário: ou atua para neutralizar perigos (Direito Penal do inimigo) ou age para reiterar vigência da norma infringida (Direito Penal do cidadão), sendo que no primeiro caso o faz por meio de combate penal, com a flexibilização ou supressão de direitos e garantias fundamentais, justificando-se sob o argumento de que seria impossível estabelecer um Direito Penal eficaz, na sociedade do medo, na qual o risco de ataques massivos a bens jurídicos diversos e difusos é tão onipresente e constante.

Jakobs argumenta que, antes que se fale em extinção do Estado de Direito, deve-se considerar que o Estado de Direito não é aquele que simplesmente se autodeclara como tal, através de postulações legais, mas aquele que garante a vigência real do ordenamento jurídico. Assim, não se pode chamar de ‘Estado de Direito’ uma situação em que a criminalidade atua a tal ponto em que o ordenamento jurídico se torna mera postulação, mero dever ser (e não ser de fato), e onde as instituições do Poder Público perdem a credibilidade frente a sociedade, propagando-se políticas de “punir com as ´próprias mão”

como exemplo através do linchamento, agressão de uma ou mais pessoas cometido por uma multidão com o objetivo de punir um suposto transgressor ou para intimidar, controlar ou manipular um setor específico da população, surgindo a “liga da justiça” para combate dos criminosos, frente a uma carência no controle dos crimes pelos órgãos públicos e na falta de medidas que acarretem uma ressocialização do inimigo social, levando em conta que se observa a prevenção geral negativa e o já citado ciclo vicioso. Estes justiceiros culpam o Estado pelos crimes e pela existência dos inimigos, criticando arduamente as medidas de progressão de regime e demais garantias constitucionais, devendo estas ser aplicadas, na visão deles, apenas aos cidadãos.

A expansão punitiva e – evidentemente –, certo grau de Direito Penal do Inimigo, tem sido preocupantemente incorporada nas leis dos Estados, resultando em sistemas repressivos anômalos e esquizofrênicos, desprovidos da mínima e necessária coerência teleológica consigo mesmos. Leis penais de caráter expansivo, com a antecipação da tutela penal, a criminalização exacerbada de condutas prévias à lesão de bens jurídicos, a imposição de penas desproporcionais à conduta apenada e a instituição de regras especiais na execução penal, bem como, no âmbito desta, a adoção de princípios como a less eligibility (ainda que de forma inconsciente) e o in dúbio pro societate, coisas que, justamente por serem inseridas no Direito sem uma análise prévia adequada, numa devassada tentativa de combater a criminalidade, e não o criminoso, têm propriamente desconstituído silenciosamente princípios e mandamentos sob os quais se talha o próprio Estado de Direito.

Rememora-se que a expansão punitiva, conforme observa Silva Sanchéz, não é algo necessariamente criado, de maneira consciente e reprovável, que deve ser eliminado do Direito mundial, mas de real tendência do Direito Penal da modernidade, que é obrigado a se adaptar frente aos novos interesses, os novos riscos, a institucionalização da insegurança, a identificação da maioria das pessoas como potencial vítima de delitos e o descrédito frente a outras instâncias de proteção.

O Direito Penal do Inimigo, como visto anteriormente, tem a finalidade principal de combater perigos, de forma que, sempre que pairar dúvida acerca da periculosidade de determinado indivíduo, deve atuar em nome da preservação da segurança social (in dubio pro societate), e deve fazer isso com a antecipação da tutela penal (prisões processuais, por exemplo), com a incriminação de condutas prévias à lesão de bens jurídicos (crimes de perigo e de mera conduta), com a imposição de uma pena severa (privação de liberdade por um longo tempo) e com a supressão ou relativização de garantias penais e processuais penais.

Entre as mais evidentes manifestações deste quadro, destaca-se a postura moderna adotada pelos Estados Unidos da América, principalmente a partir dos fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001, quando ocorreram ataques planejados e executados pelo grupo radical islâmico de vertente xiita autodenominado Al-Qaeda. Tratou-se do sequestro simultâneo de 04 aviões (voos 175, 11, 93 e 77) que posteriormente foram lançados dolosamente contra as duas torres do World Trade Center, no Estado de Nova York, na época, o maior centro comercial da América do Norte (dois aviões) e contra o Pentágono no Estado da Virgínia, um Símbolo do poderio militar (um avião). O quarto avião tinha como alvo a Casa Branca (residência oficial e principal local de trabalho do Chefe de Estado – Distrito de Washington – Capital Norte Americana), mas acabou caindo na zona rural do Estado da Pensilvânia, após os passageiros entrarem em luta com os terroristas. Estima- se que estes eventos tenham causado a morte de quase 3.000 pessoas, incluído os 10 sequestradores responsáveis, 157 passageiros e tripulantes, 60 policiais, 343 bombeiros, e 03 profissionais da área da saúde

Osama Bin Laden, líder do grupo extremista responsável pelos atentados, chegou a declarar que a motivação dos ataques foi o apoio do governo Norte Americano a Israel, “entre outras injustiças”, o que resultou em guerras no Iraque e no Afeganistão (há quem argumente que desde 1988 já haviam planos de um ataque massivo à potência do ocidente).

A partir daí, deu-se início a uma campanha mundial de “Guerra ao Terror”, liderada pelos Estados Unidos da América, com o objetivo de caçar, num contexto de guerra, todos aqueles que de alguma forma participam de grupos islâmicos classificados como “perigosos”, como a Al-Qaeda e mais recentemente o Estado Islâmico do Iraque, de forma que o Estado Norte-Americano colocou-se, de maneira permanente, sob suas regras de Estado de Exceção, com a publicação do Uniting and Srengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism (União e reforço da América por meio do providenciamento de ferramentas para interceptar e obstruir o terrorismo – USA PATRIOT).

Este Estado, guiado por políticas de exceção, participou de duas guerras contra seus inimigos, e tem restringido certas garantias e negado certos direitos aos seus próprios cidadãos, tudo isso em nome da segurança pública.

Com efeito, a realidade do Direito Penal atual dos Estados Unidos é, sem dúvidas, em muitos pontos um modelo de Direito Penal de Terceira Velocidade, que busca neutralizar perigos e traduzem com muita fidelidade uma das possibilidades de aplicação de Direito Penal do Inimigo, no âmbito da execução penal, mantendo pessoas presas por anos sem julgamento e, muitas vezes, sem qualquer acusação formal, em condições subumanas e sob tortura.

Outros países passaram, sob influência do Estado Norte-Americano, a legitimar certo combate ao terror, no seu âmbito interno e externo, frente esta ameaça terrorista sem precedentes que passou a assombrar o mundo, num primeiro momento após os atentados de 2001, mas com uma força ainda mais intensa a partir de 2014, quando se teve a notícia da proclamação de um Califado pelo grupo extremista de vertente sunita autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que tem ganhando massiva notoriedade midiática global ao publicar vídeos de execuções sumárias em massa e demais atrocidades.

No Brasil, um reflexo do direito penal do inimigo pode ser notado no início da década de 90, quando ocorreu uma explosão da criminalidade. O episódio conhecido como “massacre do Carandiru” (1992), execução de 111 presos por forças policiais, durante uma rebelião, ocorreu apenas um ano antes da fundação de uma das maiores organizações criminosas que atuam no país até os dias de hoje – O Primeiro Comando da Capital (fundado em 1993), cujo objetivo era combater os maus tratos no sistema prisional.

Com o passar do tempo, a organização ganhou força através, principalmente, do tráfico de drogas, estimando-se que controlem 90% do total da traficância em São Paulo e tem forte atuação em pelo menos 12 estados brasileiros, bem como no Distrito Federal, havendo ainda indícios da atuação da organização em países vizinhos ao Brasil, como Paraguai, Bolívia e Equador.

Desde então a população carcerária cresceu cerca de 471%, o que significa também um aumento considerável no número de criminosos. Obviamente, o PCC não é a única organização criminosa em atuação no Brasil, mas certamente representa uma fatia considerável da criminalidade no país

A lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro regras distintas para o tratamento de criminosos que tenham cometido certos tipos de delitos – os chamados hediondos – com a supressão de garantias processuais, sendo um exemplo destas a proibição da liberdade provisória, o regime inicial fechado e a demora na progressão de regime, além do endurecimento das regras da execução penal. Com efeito, além da supramencionada norma aumentar as penas em abstrato para os crimes que passaram a ser considerados hediondos, os autores destes crimes perderam o direito ao recebimento de anistia, graça ou indulto e ao pagamento de fiança além de serem obrigados a iniciar o cumprimento da pena imposta em regime fechado (relativização da individualização das penas e da proporcionalidade) e haver um endurecimento da execução penal, lhes sendo vetado benefícios de indulto e comutação de penas.

Considerando que a progressão de regimes, o livramento condicional, o indulto e a comutação de penas são benefícios que antecipam, de maneira direta ou indireta, a liberdade dos presos, pode-se dizer que estes, quando condenados pela prática de crime hediondo, estão sujeitos a penas mais longas que outros que tenham recebido penas iguais, mas que não ostentem condenação por crimes hediondos

Ainda neste espectro, a lei 11.343/06 que regulamentou a política de atuação em casos que envolvam drogas ilícitas, com a tipificação de crimes de perigo abstrato (lesividade da conduta questionável) e mera conduta, como o transporte ou a guarda de drogas (entre outras condutas), associação de duas ou mais pessoas para guardar ou transportar drogas, fabricar drogas, possuir equipamento para a produção de drogas e custear a produção de drogas, também proibiu a fiança e a suspensão processual, bem como a concessão de liberdade provisória aos acusados da prática destes crimes, além de vedar a conversão das penas aplicadas a restritivas de direitos (supressão do in dúbio pro reo, da presunção de inocência e relativização da proporcionalidade) e instituir regras de processamento penal diferenciadas, como a proibição de apelar em liberdade se o réu não for primário e de bons antecedentes.

Há também a lei n.º 12.850/13, que define, de maneira elástica, o conceito de “organizações criminosas” e dispõe sobre a investigação, a obtenção de provas e o processamento criminal daqueles que tenham qualquer envolvimento nelas, com a criminalização de participação em organização criminosa (crime de perigo abstrato, com pena maior do que a de muitos crimes materiais, aplicável também a quem de qualquer forma embaraça investigação sobre infração penal praticada por organização criminosa), que permite a violação de sigilo telefônico ou telemático (computadores, celulares) e a quebra de sigilo de bancos de dados públicos ou particulares, como informações financeiras, bancárias ou fiscais, instituindo a figura do “juiz investigador” e do “flagrante retardado”.

CONCLUSÃO

O Direito Penal do Inimigo é uma teoria político-criminal inovadora, que atrai simpatizantes e críticos onde quer que seja mencionada. Seu discurso rígido é compreensível, dada a situação caótica de megacriminalidade que a maioria dos países experimenta nos dias de hoje. Com efeito, a sociedade, atacada brutalmente e constantemente pelos marginais, passou naturalmente a discursar pela promoção da segurança efetiva

Entretanto, ao invés do Estado recorrer ao desenvolvimento de políticas públicas de inclusão, desenvolvimento e recuperação, acaba por transferir toda a responsabilidade para o Direito Penal, diante da conveniência do efeito preventivo especial negativo da pena produzido a curto prazo (com a explosão das prisões processuais, nem é necessário aguardar o julgamento para afastar o acusado da sociedade), ou seja, o Estado prefere investir seus recursos nos sistemas policiais, em vez de financiar medidas de prevenção da criminalidade através do desenvolvimento da sociedade, gerando um problema social cataclísmico: se os ‘berços do crime’ não receberem a atenção do Estado, para seu desenvolvimento e descriminalização, continuarão sua produção desordenada de criminosos, ao passo em que, quando os criminosos já contidos cumprem suas penas, retornam para o mesmo contexto caótico de não-Estado no qual eles foram criados e por causa do qual acabaram presos, ou seja, nestes Estados não há como acabar com a criminalidade, além de que, ao preferirem o Estado Policial como resposta ao crime (ao invés do Estado de Bem-Estar Social), acabam declarando uma guerra ilegítima à criminalidade, eis que são os próprios responsáveis pela criação dos seus ‘inimigos’, diante da sua sistemática omissão e negligência.

O Direito Penal do inimigo não é simplesmente uma proposta de mudança de paradigmas penais, mas verdadeira tendência que vem sendo aplicada de maneira desordenada nas legislações do mundo todo, misturando-se reprovavelmente os conceitos de inimigo e cidadão, o que acaba por contaminar todo o contexto penal, desconstituindo- se silenciosamente direitos e garantias previstos nas Constituições Federais, tanto para os cidadãos quanto para os inimigos, num contexto em que o Direito Penal deixa de ser eficiente tanto para um quanto para o outro. Desse quadro resulta a própria ausência de legalidade do estado de natureza, e a sucumbência do Estado de Direito. Nesta linha, segundo Jakobs, ainda que o inimigo seja excluído do Direito ordinário, é mais seguro que seja submetido a uma jurisdição, tanto quanto o possa representar, enquadrando-se na teoria tema deste artigo.

Ao passo que, ao criar-se duas vertentes no ordenamento jurídico criminal, ocorreria uma violação da Constituição Federal pois ao ser adotado, haveria uma separação entre o código penal do fato e do autor, se tornando um juízo de exceção, o qual fere diretamente o princípio do juízo natural, que garante um julgamento justo aos cidadãos por órgãos independentes e imparciais, ou seja, garante que os direitos sejam assegurados em sua totalidade de maneira igualitária.

A questão principal parece ser a limitação entre o que pode ser feito e o que é necessário que seja feito, assim como as formas de fiscalização e contenção da atuação

do Poder Público contra os desviados do comportamento dentro da legalidade, pois o Direito Penal mundial, com maior ou menor velocidade a depender de cada país, resulta em um sistema incoerente, havendo guerra ideológica entre a despreocupada rigidez dos punitivistas, àqueles que delegam castigos, e da perigosa atenção dos laxistas, àqueles que buscam suavizar as punições, gerando sistemas nacionais que violam sistematicamente os direitos dos seus cidadãos com o propósito de extermínio dos seus inimigos.

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