REFLECTIONS ON PRACTICE AND TEACHING THROUGH ART
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502061539
Katia Cruz da Silva Vitorino
Luciane Izabel Ferreira Henckemaier
Rachel Scheffer
Ricardo Osvaldo da Conceição
RESUMO: Educar através da arte é uma proposição instigante, frente às novas formas tecnológicas e o processo de globalização. Os meios de comunicação e as novas mídias em todo seu contexto, promovem uma gama de expressões a partir das ações humanas em interação com os meios tecnológicos. A educação perpassa esses espaços de aprendizagem, sendo protagonista no seu contexto, de forma transformadora a partir da realidade dos sujeitos principalmente na visão de Vigotski, a partir da mediação do conhecimento. Sendo assim, o espaço da escola se projeta como uma das instâncias mais significativas em referência às práticas sociais e artísticas, pois é o espaço de apreensão da cultura sistematizada.
Palavras chave: educação, práxis, arte, ação criadora.
ABSTRACT: Educating through art is an intriguing proposition, given new technological forms and the process of globalization. The media and new media in their entire context promote a range of expressions based on human actions in interaction with technological media. Education permeates these learning spaces, being a protagonist in their context, in a transformative way based on the reality of the subjects, mainly in Vygotsky’s view, based on the mediation of knowledge. Therefore, the school space is projected as one of the most significant instances in reference to social and artistic practices, as it is the space for apprehension of systematized culture.
Keywords: education, praxis, art, creative action.
REFLEXIONES SOBRE LA PRÁCTICA Y LA ENSEÑANZA A TRAVÉS DEL ARTE
RESUMEN: Educar a través del arte es una propuesta intrigante, dadas las nuevas formas tecnológicas y el proceso de globalización. Los medios de comunicación y los nuevos medios en todo su contexto promueven una gama de expresiones basadas en las acciones humanas en interacción con los medios tecnológicos. La educación permea estos espacios de aprendizaje, siendo protagonista en su contexto, de manera transformadora a partir de la realidad de los sujetos, principalmente en la visión de Vygotsky, a partir de la mediación del conocimiento. Por lo tanto, el espacio escolar se proyecta como una de las instancias más significativas en referencia a las prácticas sociales y artísticas, en tanto es el espacio de aprehensión de la cultura sistematizada.
Palabras clave: educación, praxis, arte, acción creativa.
1 INTRODUÇÃO
Na concepção de Vigotski (1989), a aprendizagem ocorre a partir das relações e interações sociais, sendo que o desenvolvimento se dá a partir das relações dos sujeitos com o mundo e das pessoas com as quais ele se relaciona. Transformações psicológicas e cognitivas existentes são identificadas para que hajam modificações no meio social e nas experiências adquiridas, conforme a teoria da aprendizagem de Vigotski (1989), são necessárias interações sociais, e dessa forma o desenvolvimento dos sujeitos resulta das relações com o mundo e com outros sujeitos com os quais ele se relaciona. Dentro do processo educativo através das linguagens da arte, pode-se ter em mente que essas interações podem ocorrer de forma mais integrada e conectada, efetivando os processos de fruição e compartilhamento de idéias, fortalecendo suas redes de aprendizagem, tornando-as mas produtivas. Os sujeitos integrados podem socializar e interagir de forma mais crítica, despertando seu olhar acerca do que é relevante para sua aprendizagem e do que não é importante para o seu crescimento pessoal. Dessa forma, seu repertório criativo, cultural e social pode ser ampliado de forma significativa a partir de suas interações.
2 PRÁXIS A PARTIR DA AÇÃO HUMANA
Partindo da compreensão de que são as ações humanas que caracterizam o homem como agente transformador da realidade, do seu contexto, percebe-se que elas definem escolhas, decisões e projeções para o futuro. A ação do homem é reflexiva, e pode permitir suas escolhas diante de situações cotidianas. As ações humanas, são caracterizadas por atitudes conscientes, que possuem dimensão moral fundamentada na liberdade de escolha.
Em face da diversidade de ações praticadas pelo homem, a palavra ação está intrinsecamente ligada a muitos significados. Numa concepção pedagógica, são elencadas dois tipos de ações: as voluntárias e as involuntárias. As ações voluntárias são aquelas que, refletidas, premeditadas e projetadas, requerem uma escolha. Supostamente com intenção definida, propõem um fim, têm um propósito determinado. E por outro lado, as ações involuntárias são aquelas que não implicam uma intencionalidade por parte do sujeito: são realizadas por reflexo instintivo, ações impensadas ou acidentais em meio a situações em que o sujeito não tem poder de controle. (VIGOTSKI, 2009). Fundamentalmente para os gregos a práxis tem relação com a realização de alguma coisa pelo homem. Esse termo serviu também para designar ação moral ou o conjunto das ações que o homem pode realizar. Nesta premissa, a práxis é a união dialética da teoria e da ação. Na concepção dos gregos, teoria e prática não se dissociam.
Num sentido marxista, a expressão diz respeito à atividade livre, criativa ou autocriativa, por meio da qual o homem cria, produz, transforma o mundo e a si mesmo. O conceito de prática se refere a uma dimensão da práxis: a atividade de caráter utilitário-pragmático, vinculada às necessidades imediatas. Nesta perspectiva, em nosso cotidiano, tomamos as atividades práticas como dadas em si mesmas, sem questionarmos, para além das formas, como elas aparecem, aquilo que constitui sua essência. Na concepção de Vázquez, a consciência comum pensa os atos práticos, mas não faz da práxis – como atividade social transformadora – seu objeto; não produz – nem pode produzir, como veremos uma teoria da práxis. (VÁZQUEZ, 2007, p. 10).
A partir de uma atividade transformadora, com base em Vázquez, entende-se que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis.” (1977, p. 185). Considerando essa premissa, ela é uma atividade conscientemente orientada, o que implica não apenas em dimensões objetivas, mas na subjetividade da atividade.
Por outro lado, podemos pensar que práxis não é apenas uma atividade social transformadora em relação à natureza, à criação de objetos, instrumentos e tecnologias; é uma atividade transformadora relativa ao próprio sujeito, que de certa forma atua na natureza, modificando-a. Como resultado, em contrapartida, ao produzir, também se transforma. No entanto, se a atividade prática por si só não é práxis, também a atividade teórica, por ela mesma, não corresponde à práxis. Sendo assim, a atividade teórica proporciona um conhecimento indispensável para transformar a realidade, ou traça finalidades que antecipam idealmente sua transformação, mas num e noutro caso, fica intacta à realidade. (Ibidem, p. 203). Nesta premissa, esta teoria não transforma o mundo, caso não siga certo desenvolvimento para que tome forma […] pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar com seus atos reais, efetivos, tal transformação. (Ibidem, p. 207).
Concebida como prática social transformadora, a práxis não se reduz à prática, ou mesmo à teorização. Até mesmo porque teoria e prática são indissociáveis. A partir da compreensão da realidade, sustentada na reflexão teórica, é condição para a prática transformadora, ou seja, a práxis: resultado desta ligação. Propõem-se em pauta, posições rotineiramente afirmadas em nível de senso comum, da refutação da teoria e da centralidade da prática, ou seja, de contraposição teoria prática. Dentro desta perspectiva, constata Vázquez:
Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação. (Ibidem, p. 207).
As conexões entre teoria e prática oscilam entre esses dois planos e a atividade prática sujeita-se, conforma-se à teoria, do mesmo modo que a teoria modifica-se em função das exigências e necessidades do próprio real. Sendo que se a consciência se mostrar ativa, pode possibilitar essa alternância entre teoria e prática. Em virtude disto, a atividade prática, acima disso como práxis individual, conforme Vázquez (1977), é inseparável dos fins que a consciência traça, pois: estes fins não se apresentam como produtos acabados, mas sim num processo que só termina quando a finalidade ou resultado ideal, depois de sofrer as mudanças impostas pelo processo prático, já é um produto real. (Ibidem, p. 243).
A partir deste ponto de vista, percebe-se uma ampliação do conceito de prática e sua unidade com a teoria, relativamente interdependente e autônoma. Considerando estas características, a consciência da práxis poderá ser alcançada, pois, como atividade teórico-prática, tem um lado ideal – teórico – e um lado material – prático. Por isso, só é possível separar um do outro parcialmente, por abstração.
Relacionando estética e práxis, Vázquez (ibidem) postula, com base nos critérios de consciência e criatividade do sujeito, que, por um lado, existe a práxis criadora e a reiterativa ou imitativa, e, por outro, a práxis reflexiva e espontânea. Ele acredita que: a prática é uma dimensão do homem como ser ativo, criador, e, por isso, o fundamento mesmo da práxis artística deve ser buscado na prática originária e profunda que fundamenta a consciência e a existência do homem. (VÁZQUEZ, 2010, p. 46).
Com a abordagem no campo de reflexão deste estudo é a arte enquanto ação humana, a práxis criadora será o item articulador entre as demais concepções que a modelam. Na abordagem de Vázquez, a partir de Marx, há uma postulação sobre a práxis como proveniente de uma relação entre o homem e natureza, refere-se à ação real, efetiva, do primeiro sobre segunda. Na concepção dialética de Marx, a produção material é a que adquire maior importância. Transformação da natureza dada, a ação não é exigida pura e simplesmente pela necessidade de subsistência, mas antes de tudo pela autoafirmação do homem. Nesse sentido, a práxis, como atitude criadora determinante, possibilita ao sujeito enfrentar novas situações e encontrar soluções. Algumas transformações empreendidas pelo homem sobre o mundo, criam um duplo: no sentido da alternância entre ação criadora e a permanência, onde há o convívio constante com a imitação e a reiteração; e também em uma íntima relação entre as dimensões subjetivas e objetivas, entre o planejado e o realizado. Vázquez (2010, p. 47) ressalta: “o poder de criação do homem explicita-se na criação de objetos humanizados e de sua própria natureza.” E complementa que o homem já é criador desde que produz objetos que satisfaçam as necessidades humanas, isto é, desde que emerja de seu trabalho um produto novo, humano ou humanizado, que só exista por e para ele. (Ibidem, loc. cit.).
Compreende-se que o ato de criar significa idealizar e realizar o que foi pensado, refletido. Na práxis criadora, reflexão e ação ocorrem de maneira simultânea em constantes mudanças, pois “o homem encontra-se numa relação múltipla, mediata e livre.” (Ibidem, loc. cit.). Com isso, o teórico evidencia a riqueza do contato entre homem e natureza na apropriação da realidade sob as mais variadas formas.
A práxis artística pressupõe a capacidade de expressão e objetivação: é um tipo de experiência humana que se concretiza em forma de artefatos as necessidades de expressão da humanidade. Fischer (1971) avalia que o sujeito tende a considerar o fenômeno da arte como sendo cultural, surpreendente, divertido e relaxante. O que leva o indivíduo ao identificar-se com uma pintura, uma música, a leitura de um romance, um filme ou uma peça de teatro e perguntar: “por que nossa existência não nos basta?”
A resposta obtida por Fischer ao contemplar a capacidade de atração da arte diz que o homem busca nela a plenitude, em um mundo mais compreensível, mais justo; “um mundo que tenha significação.” (FISCHER, 1976, p. 12). Assim, o homem quer ser mais que ele mesmo. Quer estabelecer-se na sua totalidade; não mais como um sujeito separado, anseia sua plenitude de vida. E se tenta alcançá-la, de certa forma encontra algumas dificuldades, fraudadas pela individualidade e pelas suas limitações. Ao direcionar-se a este espaço alheio, tenta integrar-se ao mundo que o circunda. Nesse sentido, a tensão e contradição dialética são inerentes à arte, pois ela não precisa somente derivar de uma intensa experiência da realidade, como precisa ser construída e tomar forma por meio da objetividade.
3 AÇÃO CRIADORA E IMAGINAÇÃO
O processo da criação humana não surge do nada. É no contexto social, baseado no trabalho e em outras ideias dos sujeitos, que se pode produzir algo novo. A peculiaridade da criação individual implica sempre um modo de pertinência e participação na cultura e na história. Isto significa que são muitas condições e possibilidades para a criação humana, perpassando pelas relações de uma consciência social, ambiental, tecendo assim uma construção histórica. O desenvolvimento do sujeito não é espontâneo, linear e natural. Em vez disto, compreende um trabalho de construção do homem que vive em sociedade.
Vigotski (2009, p. 11) aponta a atividade criadora do homem como aquela de onde nasce algo novo, seja um objeto do mundo externo ou algo que é possibilitado a partir de uma “construção da mente ou do sentimento” de forma unilateral. Estão envolvidas neste sistema a singularidade, que dá vida a ideias inovadoras diante do acervo cultural e das percepções estéticas do sujeito. Para o autor, a atividade criadora e as manifestações artísticas não podem ser consideradas somente “como meio de expressão das emoções, o que significa considerá-las como modo de objetivação da experiência humana.” (ZANELLA et al., 2005, p. 192).
É comum a criatividade ser explorada por sujeitos com acervo de conhecimentos abertos aos contextos complexos e com senso de autonomia, além de pouco convencionais. Vigotski (2009) diferencia o comportamento humano, em relação à criação em atividades cotidianas. Conforme Vigotski, esta ação está conectada de modo íntimo à memória, onde sua essência consiste em reproduzir ou repetir meios de conduta anteriormente criados e elaborados ou ressuscitar marcas de impressões precedentes. (Ibidem, loc. cit.). Isso quer dizer que tudo o que foi assimilado previamente pelo sujeito, sejam rememorações de infância ou viagens, sejam outras observações e vivências, pode ser incluído no ato criativo. Experiências anteriores estabelecem contato entre significados que permitem a adaptação do homem ao mundo que o cerca. Nesta perspectiva, assumimos a distinção entre o pensamento criativo e o pensamento criador. No primeiro, o sujeito busca uma ideia nova e nela aplica conhecimentos anteriores. A mente que usa deste modelo é capaz de gerar novas ideias a partir de experiências e 42 conhecimentos prévios. São eles, aliados a estímulos e ao exercício do pensamento, que determinam o criar – que, diga-se, não tem relação com algo divino. Estabelecendo significações, portanto, qualquer pessoa pode ser o centro desta epifania, que ocorre de variadas maneiras. Na premissa de Vigotski (Idem, p. 13-14) a atividade criadora é resultado da criação de novas imagens ou ações, e não a reprodução de impressões ou ações anteriores de sua experiência, pertence a esse segundo gênero de comportamento criador ou combinatório. (Ibidem, loc. cit.).
O cérebro é o órgão que, além de conservar e reproduzir nossa experiência anterior, também combina e reelabora elementos dela, aumentando as possibilidades de influência nas atividades consequentes. Para Vigotski, se a atividade do homem se restringisse à mera reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente para o passado, adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse aquele. (Ibidem, p. 14).
Vigotski (1999) pensa na atividade abstrata do homem como algo que o permite refletir acerca do passado, modificar o presente e projetar o futuro, de forma diferente dos animais. Prevista na psicologia vigotskiana, a capacidade de imaginação ou fantasia também vem das combinações elaboradas pelo cérebro mediadas pelo contexto históricocultural.
A imaginação representa não somente um traço inerente ao ser humano, mas também a essência do processo criador. Vigotski esclarece que no cotidiano, ela é tudo que não é real, nem apresenta significado prático. Na verdade, a imaginação, base de toda a atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando também possível a criação artística, a científica e a técnica. (Idem, 2009, loc. cit.). Compreende-se, nesse sentido, que tudo o que foi produzido pelas mãos do homem, no âmbito da cultura, diferenciando-se da natureza, é produto da imaginação e da criação dele, que nela se baseia. Deste princípio a ação transformadora se concretiza, modificando as estruturas postas, imprimindo-lhes novo sentido. A ação criadora torna-se, a partir daí, um ato subversivo porque imaginar é pensar, vincular ideias e sentimentos para conceber novas situações, organizando no plano das ideias o que se pretende concretizar.
Vigotski (2009, p. 15) destaca que “a imaginação sempre permanece por si só, quer se manifeste numa pessoa ou coletivamente.” A imaginação, como essência da criatividade, articula sentimentos. Desta relação, trilha a trajetória de uma práxis criadora/transformadora, em um caminho onde figuram variadas possibilidades a serem aproveitadas na esfera social, pessoal ou ambiental. Fruto dessa práxis é o desenvolvimento de um ciclo de interação e aprendizagem – permeado pela interação de novos conceitos. Com a imaginação e a subjetividade do pensamento, alcança-se o real e controi-se o mundo objetivo.
Geralmente, subjetividade é entendida como aquilo que diz respeito ao indivíduo, ao psiquismo ou a sua formação, ou seja, algo que é interno, numa relação dialética com a objetividade, que se refere ao que é externo. É compreendida como processo e resultado, algo que é amplo e que constitui a singularidade de cada pessoa. […] O fenômeno psicológico deve ser entendido como construção no nível individual do mundo simbólico que é social. O fenômeno deve ser visto como subjetividade, concebida como algo que se constituiu na relação com o mundo material e social, mundo este que só existe pela atividade humana. Subjetividade e objetividade se constituem uma à outra sem se confundirem. (BOCK, 2004, p. 6 apud SILVA, 2009).
É nesse contexto que a escola tem um papel importante na tarefa de mediar e ir além do ensino objetivo, que prepara os sujeitos para aprenderem o exigido ao encaixe nas alienadas e alienantes relações sociais que presidem as engrenagens do capitalismo contemporâneo (ARSLAN, 2009).
As experiências culturais vivenciadas no desenvolvimento dos grafites na escola viabilizam a socialização do saber objetivo historicamente produzido. Assim, a imaginação origina-se exatamente desse acúmulo de experiência. Sendo as demais circunstâncias as mesmas, quanto mais rica a experiência, mais rica deve ser também a imaginação. (Ibidem, p. 22).
Não se trata de defender uma educação intelectualista nem de reduzir a luta educacional a uma questão de quantidade maior ou menor de conteúdos escolares, mas de promover uma educação estética(1), que possa vir ao encontro dos anseios dos
sujeitos, ampliando seu horizonte cultural a partir de suas vivências e ao mesmo tempo distribuindo os conhecimentos historicamente sistematizados.
1“Vigotski (2001) inicia seu escrito afirmando que a questão ‘da natureza, do sentido e dos métodos da educação estética’ […], debatida entre a psicologia e a pedagogia, ainda não havia sido resolvida. Apresenta as posições da psicologia e da pedagogia, oscilando entre a negação do sentido educativo das vivências estéticas, a tendência de ver nelas a solução de ‘todos os problemas difíceis e complexos da educação’ […] e o sentido da estética como ‘distração e satisfação’ […]. Para Vigotski, em todas essas posições, a estética aparece subordinada a cumprir funções alheias, especialmente ‘educar o conhecimento, o sentimento ou a vontade moral’ […]”. (WEDEKIN; ZANELLA, 2016).
A escola, nesta perspectiva, tem a função de permitir o acesso aos conhecimentos que, tendo sido produzidos por seres humanos concretos em momentos históricos específicos, são legitimados. Então, torna-se mediadora indispensável na compreensão da realidade social e natural, intervindo para a formação crítica do sujeito.
Nesse sentido, contra uma educação centrada na cultura presente no cotidiano imediato dos alunos, que se constitui, na maioria dos casos, em resultado da alienante cultura de massas, a intenção é lutar por um ensino emancipador, que amplie os horizontes culturais desses alunos (BENJAMIN, 2013). Com a mesma veemência, pensar e agir contra uma educação voltada ao imediatismo pragmático imposto pelo cotidiano alienado dos alunos – onde o “vencer os conteúdos” tem mais peso na pauta que os reflexos do estímulo ao pensamento crítico.
Inserir os sujeitos, viabilizando o acesso ao conhecimento produzido e sua participação na produção histórico-cultural permite a eles serem conscientes de si próprios, do outro como um semelhante na busca pelo esclarecimento, e da sociedade como um local de trocas constantes de experiência. O trabalho com o grafite na escola possibilitou, a partir do processo criador, conceber significativas implicações educativas no ambiente estudantil e no espaço público onde se realizaram as pinturas. Vigotski (2009) reitera que, de uma proposta pedagógica, o ponto de partida é a necessidade de ampliação da experiência do sujeito, para promover bases sólidas na sua atividade de criação. Pensando desta forma, o grafite pode ser uma alternativa criativa e educativa. A escola é o espaço privilegiado de negociações e de produção de novos sentidos e significados. Isso acontece em uma rede interativa complexa em que se tornam presentes e se atualizam a história de vida, as experiências e vivências de professores e alunos, além do próprio conhecimento formal.
O papel de mediador do professor consiste em compreender e negociar os diferentes processos de significação que envolvem as situações de aprendizagem. Os conteúdos escolares somente estarão a serviço do desenvolvimento dos alunos se forem operados tendo em conta que a função primordial da educação é a de nutrir possibilidades e delinear perspectivas. (ALMEIDA, 2009).
Com estas particularidades, integram-se inúmeras experiências e histórias de vida – presentes na subjetividade. Contudo, isto não significa que os que ensinam e os que aprendem percebam, a cada instante, o impacto que sofrem e causam um no outro. O educador planeja ações cujos objetivos estão direcionados ao estudante. Porém, de certa forma, há um intercâmbio, refletindo modificações no processo, influenciando o modo de ver, perceber e de transformar do educador.
4 A ESSENCIALIDADE E NECESSIDADE DA ARTE
O espaço da escola é uma das instâncias mais significativas à análise das práticas sociais e artísticas, porque é lá que ocorre a apreensão da cultura sistematizada. Relevante, também, porque abre caminhos para que os sujeitos reflitam criticamente sobre seus modos de agir e pensar e sobre o funcionamento da sociedade.
A possibilidade de questionamento empenhada pela instituição de ensino é reafirmada quando ela permite aos alunos o acesso a uma educação estética, aproveitando os recursos fornecidos pelos bens culturais produzidos ao longo do tempo. Dentro deste acervo global, há uma variedade de grupos sociais, de espaços de representatividade, com os quais o estudante se identifica conforme entra em contato com o conhecimento.
O ensino exige uma condição de apropriação de sentidos através de uma permanente aprendizagem, na qual fruam conhecimentos que, ao darem respostas, induzam a outras perguntas significativas. Conforme argumenta Fischer (1971, p. 16), quando fala sobre a verdadeira razão de ser da arte, ela “nunca permanece inteiramente a mesma.” E complementa: “a função da arte, em que a luta de classes se aguça, difere, em muitos aspectos, da função original da arte.” (Ibidem, loc. cit.).
Isso possibilita a nós, que vivemos no período contemporâneo, sensibilizarmo-nos com pinturas pré-históricas ou com outro tipo de arte como a música, que perpassa gerações. O autor ainda aponta algumas questões para ampliar essa reflexão ao dizer que toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as ideias e aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histórica particular. (Ibidem, p. 17).
Mas, ao mesmo tempo, dialogicamente, a arte supera essa limitação e dentro do momento histórico, cria também, segundo Fischer, um “momento de humanidade que promete constância no desenvolvimento.” (Ibidem, loc. cit.). Isso quer dizer que a história da humanidade não é apenas uma contraditória descontinuidade, mas, também, o contrário:
Para que uma pessoa se constitua em quem ela é, ou seja, para que se torne um sujeito específico, é necessário vivenciar a dialética da objetivação/subjetivação (Maheirie, 2002), apropriando-se dos significados que são coletivos, tornando-os singulares para que possa objetivá-los em forma de ação, pensamento e emoções. Segundo Sartre (1984), este processo de tornar subjetivo o contexto coletivo e, em seguida, objetivar a subjetividade em um movimento de afirmação e negação do momento vivido é o que caracteriza o humano [sic] (ZANELLA et al., 2005, p. 192).
De acordo com Zanella et al. (Idem), o eu e o outro são, ao mesmo tempo, um só e diferentes. Apontam para a dimensão da existência humana onde, como diz Vigotski (1987, p. 162), o homem, ainda que “…a sós consigo mesmo, segue funcionando em comunicação”. É um movimento “pelo qual culturas se instituem, cristalizam-se, transmutam.” [sic] (ZANELLA et al., 2005, p. 191-192).
[…] quando falo, ao mesmo tempo que eu, falamos “nós”; nós, a comunidade cálida da qual somos parte. Mas não há somente o “nós”; no “eu falo” também está o “se fala”. Fala-se, algo anônimo, algo que é a coletividade fria. Em cada “eu” humano há algo do “nós” e do “se”. Pois o eu não é puro e não está só, nem é único. Se não existisse o se, o eu não poderia falar (MORIN, 1996, p. 54 apud ibidem, p. 191).
Acerca desta proposta também trabalha Bakhtin (1990 apud FURTADO, 2012), quando aponta que toda enunciação é apenas uma parte de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta maior, que “não pode ser separada do curso histórico das enunciações e na qual estão as marcas da subjetividade que caracterizam a linguagem em uso.”
Portanto, o autor argumenta que a multiplicidade de vozes e consciências independentes que aparecem no mesmo texto, deve-se “justamente ao fato de o discurso ser dialógico e nele o sujeito carregar o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo e a materialidade histórica e social em que está inserido.” (FURTADO, 2012).
De certa forma, tratar desta multiplicidade de vozes entrelaçada às condições sociais presume tornar a arte acessível por meio da humanização. Fischer, discorrendo sobre este processo e sua perpetuação para os sentidos, quanto à existência dos sujeitos produtores de cultura, diz:
O homem que se tornou homem pelo trabalho, que superou os limites da animalidade transformando o natural em artificial, o homem, que se tornou um mágico, o criador da realidade social, será sempre o mágico supremo, será sempre Prometeu trazendo fogo do céu para a terra, será sempre Orfeu enfeitiçando a natureza com sua música. Enquanto a própria humanidade não morrer, a arte não morrerá. (Idem, 1976, p. 254).
O homem tem construído sua existência localizando-se como ser essencialmente social, sendo a arte um fenômeno comum a todas as culturas, desde os tempos das cavernas. Passando por comunidades primitivas, antiguidade clássica, o mundo medieval e o moderno, até os tempos contemporâneos.
Usando o próprio corpo, ou os primeiros objetos que funcionaram como instrumentos para representações musicais, de rituais mágicos ou, ainda, quando começou a deixar seus grafismos pintados no interior das cavernas, o homem esperava marcar sua presença como sujeito produtor de cultura.
Para satisfazer as suas necessidades práticas, produziu ferramentas para cavar a terra e os utensílios de cozinha. Com a sobrevivência básica suprida, pode tentar atribuir novos usos a uma infinidade de objetos com os quais tinha contato ou criava. Assim, cria a arte como meio de vida.
Independente de seu grau de sofisticação, ela está presente nas mais diversas manifestações humanas. Permanece na vida do homem e é fruto do seu esforço para organizar e dar sentido ao mundo circundante. A capacidade cerebral que o permite projetar imagens mentais possibilitou a ação criadora de gravar o mundo através dos artefatos inventados. A arte como uma ação significativa, iniciada pelos primitivos é, sem dúvida, trabalho, seja ele espiritual ou material.
Fischer (1971, p. 19) traz evidências do caráter mágico da arte, originalmente atribuído à sua origem. Ele sinaliza questões que permeiam a dominação de um mundo real e inexplorado, onde “a religião, a ciência e a arte eram combinadas, fundidas, em uma forma primitiva de magia, na qual existia um estado latente, em germe.”
Em síntese, o fascínio da arte foi progressivamente cedendo lugar ao papel evidente das relações sociais, de iluminação dos homens em sociedades que se tornavam segundo Fischer, opacas.
Uma sociedade complexa, tomada por contradições sociais, já não pode ser representada à maneira dos mitos. Depende também do estágio alcançado pela sociedade, em momentos em que pode haver o predomínio de um dos dois elementos, ou da magia ou da racionalidade. Como afirma Fischer (1971), a função essencial da arte para uma classe determinada a transformar o mundo não é de fazer mágica e sim a de esclarecer e incitar à ação; mas é igualmente verdade que um resíduo mágico na arte não pode ser inteiramente eliminado. (FISCHER, 1971, p. 20, grifos do autor). O autor reitera ainda que “de vez que sem esse resíduo provindo de sua naturalidade original deixa de ser arte.” Considera-se que é na complexidade de seu desenvolvimento, na persuasão e na exageração, na significação e no absurdo, na fantasia e na realidade, que a arte tem sempre um pouco de mágica.
Ela se faz necessária para que o homem tenha capacidade de conhecer e transformar suas ações, para modificar o mundo, porque, afinal, “a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente.” (Ibidem, p. 20). O autor é categórico quando considera que “a arte é quase tão antiga quanto o homem.” (Ibidem, loc. cit).
O homem tornou-se homem através da utilização de ferramentas. Ele se fez, se produziu a si mesmo, fazendo e produzindo ferramentas. A indagação quanto ao que teria existido antes, se o homem ou a ferramenta, é, portanto, puramente acadêmica. Não há ferramenta sem homem, nem homem sem a ferramenta: os dois passaram a existir simultaneamente e sempre se acharam indissociavelmente ligados um ao outro. (Idem, 1996, p. 21-22).
2 “A predominância de um dos dois elementos da arte em um momento particular depende do estágio alcançado pela sociedade: algumas vezes predominará a sugestão mágica, outras a racionalidade, o esclarecimento; algumas vezes predominará a intuição, o sonho, outras o desejo de aguçar a percepção.” (FISCHER, 1971, p. 19).
Porém, este caminho historicamente percorrido não ocorreu de forma repentina. A instrumentalização, que permitiu, a princípio, o manuseio da matéria sobre a qual exerce o trabalho, transformou o homem, pelas próprias mãos, em condutor de suas atividades. O ser pré-humano que se desenvolveu e se tornou humano “só foi capaz de tal desenvolvimento porque possuía um órgão especial […] diretamente decisivo”, responsável pelo ato de apanhar e segurar objetos: “a mão é o órgão essencial da cultura, o iniciador da humanização.” (Idem, 1971, p. 22-23).
Deste cenário houve o progresso do ser humano, dentro de variáveis que também condicionaram o ocorrido. A reciprocidade entre o olfato, a visão ampliada, a liberdade dos membros, o crescimento do cérebro devido à postura ereta do corpo e a mudança alimentar, com o consumo de proteínas, além de outros fatores ambientais, contribuíram para que o homem se desenvolvesse como é.
A capacidade adaptativa de relação entre os objetos e suas possibilidades, de certa forma, colaborou na criação de ferramentas que facilitaram e instrumentalizaram a ação humana. Por meio desses instrumentos o homem deu extensão à mão, ao braço.
Em uma série de tentativas e repetições para realizar seus propósitos, ele descobre que pode experimentar o que encontra na natureza: a partir daí, opta pelo critério da eficiência, vindo da observação – que o permite explorar oportunidades antes inalcançadas. Assim, “conquistou-se uma nova força sobre a natureza e esta nova força é potencialmente ilimitada.” (Ibidem, p. 26). Essa descoberta caracteriza-se, então, como uma das raízes da mágica, e, respectivamente da arte.
As novas relações estabelecidas pelo homem, fazem-no ocupar um lugar da natureza, criando objetos que antes não existiam ali. Lapidou e diversificou materiais ao ponto das ferramentas se desassemelharem daquilo que a natureza oferecia originalmente. Escolhendo, comparando e copiando instrumentos, o homem chegou ao mais crescente nível de abstração.
E é o trabalho que o fez utilizar seu principal recurso: a mente. Fischer (ibidem, p. 42) comenta o pensamento humano: “o ser que trabalha se eleva pelo trabalho a um ser que pensa.” Portanto, o pensamento “é o resultado necessário do metabolismo mediatizado que é a relação do homem com a natureza.” (Ibidem, loc. cit.). Fischer acredita que a partir do trabalho o homem pode transformar o mundo como um mágico. Esse poder de construir instrumentos transformadores do meio externo despertou no ser primitivo também a possibilidade de, por meio dessa mágica, possuir outros domínios sobre a vida cotidiana.
A arte ajudou o homem a obter domínio da natureza e a desenvolver as suas relações. O poder essencialmente denominado à arte denota o fortalecimento da coletividade humana […] nos alvores da humanidade, a arte pouco tinha a ver com a beleza e nada tinha a ver com a contemplação estética, com o desfrute estético: era um instrumento mágico, uma arma da coletividade humana em luta pela sobrevivência. (Ibidem, p. 45, grifos do autor).
O mesmo autor trata da necessidade do fazer artístico argumentando que o elemento mágico da arte é encontrado nas próprias raízes da existência da humanidade. Com ele, para Fischer, cria-se um senso de fraqueza à mesma medida que surge uma consciência de força, assim como o medo e a habilidade de controlar a natureza.
O primeiro homem a dar forma a uma pedra transformando-a em um instrumento; o primeiro a nomear um objeto, individualizando-o em meio à diversidade de artefatos naturais e imprimir-lhe um signo; o primeiro a criar um ritmo sincronizado para aumentar a força do trabalho através do canto ritmado; o primeiro caçador a se disfarçar para aumentar a eficácia da técnica da caça; e tantos outros que criaram artifícios para obter êxito nas próprias atividades, foram os pioneiros, os pais deste conhecimento, segundo Fischer.
Um saber que promoveu desenvolvimento na vida do homem e potencializou seu poder de domínio sobre sua existência: através dos seus ritos, danças tribais que precediam a caça, com as pinturas e os gritos de guerra em preparação ao combate, com as cerimônias religiosas como estruturação dos indivíduos em sociedade – estas e outras formas mágicas/artísticas, com o decorrer do tempo foram gradualmente se diferenciando em ciência, religião e arte, nas relações cotidianas contemporâneas (FISCHER, 1971).
Em todas as suas formas, representada pela linguagem da dança, cantos rítmicos, cerimônias mágicas, era a atividade por excelência, comumente elevando os seres humanos acima da natureza e do mundo animal. Para Fischer, a arte nunca perdeu inteiramente esse caráter coletivo, mesmo muito depois da quebra da comunidade primitiva e da sua substituição por uma sociedade dividida em classes. (Ibidem, p. 47).
Gradativamente, estratificando-se e separando-se da natureza, com a unidade tribal se destruindo em decorrência da divisão do trabalho, tem lugar novas dinâmicas, surgidas com o advento da propriedade privada, o intercâmbio comercial, o patriarcado, a divisão das classes sociais e o aparecimento do Estado.
Este panorama renovado desencadeou sério desequilíbrio entre o homem e o mundo exterior, provocando a individualização. As sociedades foram divididas em classes, a arte manteve o caráter de coletividade. Nessa divisão, “as classes procuram recrutar a arte – a poderosa voz da coletividade – a serviço de seus propósitos particulares.” (Ibidem, p. 50). Representações envolviam frequentemente elementos contraditórios entre a atualidade e, sobretudo, naqueles períodos em que o antigo senso de coletividade ainda não se tinha tornado tão remoto e continuava a existir na consciência do povo.
Na divisão da sociedade recém-estabelecida em classes, o papel do feiticeiro era distribuído entre o do artista e o do sacerdote, aos quais se acrescentaram mais tarde o médico, o cientista e o filósofo. O íntimo vínculo entre a arte e o culto veio a ser rompido gradativamente. Conforme Fischer, mesmo depois desse rompimento, “o artista continuou a ser o representante e porta-voz da sociedade.” (Ibidem, loc. cit.).
Seria papel do artista, então, desvendar as complexas e enigmáticas relações que se configuravam nas emergentes sociedades de classes, devolvendo a vida individual de volta à existência coletiva. A partir deste período, a arte tem exercido o papel de elevar o homem fragmentado a um estado de totalidade perdida em seu passado primitivo.
Como a arte representa uma realidade social, somente ela, por si própria, pode ser determinante, no sentido de elevar o homem em estado de desintegração a um ser totalmente íntegro, capacitando-o a compreender a realidade, transformando-a.
Uma sociedade tem a necessidade do artista, este feiticeiro, que tem o direito de exercer sua consciência social, representando e moldando o espaço em que vive. Fischer lembra que este poder “nunca foi discutido numa sociedade em ascensão, ao contrário do que ocorre nas sociedades em decadência.” (Ibidem, p. 57).
Normalmente, o artista da sociedade primitiva-tribal reconhecia a duplicidade de sua missão: a imposta pela cidade ou grupo social, ou a que vinha de uma experiência coletiva assumida por ele. De acordo com o tema em evidência, o artista atendia aos interesses internos por meio da “sua habilidade para captar os traços essenciais de seu tempo e para desvendar as novas realidades. […]” (Ibidem, p. 58).
Vale ressaltar que, como ser místico, também expressava sua individualidade, indiretamente, através de suas experiências coletivas.
Para produzir obras de arte, considera-se um grau elevado e considerável do trabalho humano. Para Vázquez (2011), ninguém põe em dúvida relações de associação entre a arte e a magia no período paleolítico superior. Ele aborda que na aurora da criação artística, no paleolítico superior, já encontramos essa irmandade da arte e do trabalho que, nas sociedades modernas, particularmente na sociedade industrial capitalista, tende a desaparecer. (Ibidem, p. 64).
Isso significa que com a profundidade da divisão do trabalho há uma separação mais radical entre o projeto e a execução, a finalidade e sua materialização. Sendo dessa forma o trabalho perde seu caráter criador, enquanto há uma elevação da arte como atividade própria, na sua essência, como capacidade criadora do homem, tornando-se insuperável, após ter esquecido suas remotas e humildes origens.
Para Vázquez, esquece-se que a criação artística é fruto, justamente, do trabalho por meio do qual o homem humaniza e transforma a matéria, com atos conscientes. (Ibidem, loc. cit.). O trabalho, mais antigo, criou as condições necessárias para tornar a arte possível. Conforme aponta Vázquez,
3 “O feiticeiro na sociedade primitiva tribal era, no mais profundo sentido, um representante, um servidor do coletivo; e seu poder mágico acarretava o risco de leválo à morte no caso de repetidos fracassos em corresponder às esperanças da comunidade.” (FISCHER, 1971, p. 51).
o homem pré-histórico passa assim do trabalho para a arte, do útil para o estético; depois, convertida a arte numa técnica peculiar, dotada de um poder mágico, integra-se no mundo da produção justamente para suprir a impotência do trabalho humano e da técnica material […]. (Ibidem, p. 70).
Para ilustrar mais claramente esta discussão, indicando que o trabalho elaborado é uma característica tipicamente do homem, é interessante resgatar o diálogo que Netto e Braz (2008, p. 31) traçam com Marx para deliberar o trabalho como “um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, média, regula e controla seu metabolismo com a natureza.” Assim, é pertinente afirmar que a ação produzida para suprir essas necessidades tem como objetivo principal a existência humana.
Deste modo, o trabalho é uma atividade especificamente humana, não podendo ser produzida a não ser como um ato de consciência sendo para arte entre outros complexos, fonte de desenvolvimento. O trabalho é antes de qualquer coisa, o ponto de partida da humanização do homem e do refinamento de suas capacidades; fazendo com que a arte, em seu desenvolvimento, cultive o humano no homem (FISCHER, 1967). Deste ponto de vista, o trabalho foi a primeira condição para a humanização do homem, ocasionando, posteriormente, a modificação do cérebro, dos sentidos e de todo o corpo. O trabalho, então, se relaciona à arte pelo seu caráter mágico, conforme afirma Vázquez, “a magia não engendra a arte, mas que se serve dela; e que, ademais, a função mágico-utilitária, longe de excluir a natureza estética específica da arte, a pressupõe (Ibidem, p. 71)”.
Partindo deste ponto de vista, a magia pode servir-se da arte, pois o homem, a partir do trabalho, promoveu condições necessárias à superação do marco entre a praticidade do objeto. Desse modo, faz emergir primeiramente o objeto útil, belo e posteriormente, o objeto fundamental e primariamente belo.
O objeto fundamentalmente belo só foi obtido a partir da divisão de classes sociais. Após essa divisão se pode então observar a constituição da arte numa especificidade da atividade humana onde o objeto artístico é apreciado por suas qualidades e, além disso, “por sua capacidade de expressar e objetivar o homem, uma vez que se tenha libertado a utilidade estreita, unilateral, para deixar lugar a uma utilidade universalmente humana. (Ibidem, loc. cit)”.
Pontualmente nesse âmbito, a arte se assemelha ao trabalho, a partir de seu caráter criador, revelando-se a intimidade da sua origem explícita no início da criação artística. Essencialmente, a arte é uma necessidade na vida dos homens. Fischer (1971) argumenta que o homem busca constantemente o gérmen da vida em seu desenvolvimento, e, portanto, “sempre se revoltará contra as limitações da natureza, sempre lutará pela imortalidade. Se alguma vez se desvanecesse o anseio de tudo conhecer e tudo poder, o homem não seria mais homem. (FISCHER, 1971, p. 247-48)”.
Esta luta estará sempre amparada na ciência e na arte: a primeira para desvendar e dominar a natureza e da última para se familiarizar “com a sua própria vida e com aquela parte do real que a sua imaginação lhe diz ainda não ter sido devastada.” (Ibidem, loc. cit.).
A arte possibilitou ao homem desenvolver estados psíquicos que atingissem níveis elevados do pensamento de abstração e racionalização. Eles podem ser percebidos através das criações que redimensionam a forma como ele atua no mundo.
O homem é um ser natural humano, ou, o que é o mesmo, um fragmento da natureza que se humaniza, sem romper com ela, superando-a em duas direções: fora de si mesmo, atuando sobre o mundo natural exterior, criando uma realidade humanizada. (VÁZQUEZ, 2010, p. 53).
Em decorrência disso, a humanização da natureza, em ascensão sobre sua vida e seu instinto animal, promove a uma transformação. A objetivação do ser humano mediante o trabalho trouxe uma consequência, provando que a degradação do ser humano consiste na alienação – que leva o homem a percorrer esta mesma direção em sentido oposto. (Ibidem, loc. cit.).
Nos princípios das relações econômico-sociais que se fundamentam na propriedade privada capitalista, o homem não mais se reconhece em seu trabalho, em sua atividade, nem em si mesmo. As criações humanas assentam os juízos de valor circulantes na sociedade porque elas se tornam uma forma de expressão. Representam condições sociais e intelectuais predominantes de um determinando momento histórico.
Aquilo que é produzido na vida real denomina os elementos que compõem a história e o contato homem-natureza. Da mesma forma, a produção de mercadorias e a soma do trabalho social. Toda esta produção é determinada pela criação humana e pode ser compreendida por ela.
Os instrumentos, objetos e mercadorias são elementos que possuem na sua essência o significado da sociedade. A arte, neste sentido, como criação humana que apresenta a realidade material, pode auxiliar o homem a compreender a si mesmo, porque nela está incorporada a essência humana. Sendo assim, a criação artística é representada pelas ações humanas a partir da vivência e da interpretação do ser social.
A partir das proposições de Vigotski (2009), Fischer (1971) e Vázquez (2011), é possível considerar o ato criador como algo essencialmente humano que dá forma ao que se reconhece como arte, baseado na recriação da experiência dos sujeitos. Em uma troca entre eles, o mecanismo de criação pode ser aproveitado sem mais entraves, quando vir a tornar a expressão humana mais livre, capaz de renovar os modos de ver o mundo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise apresentada destacou a relação intrínseca entre ação, prática e práxis como dimensões fundamentais da existência humana, projetadas pela capacidade transformadora do homem em relação à realidade e a si mesmo. A práxis, entendida como a síntese dialética entre teoria e prática, emerge como uma atividade criativa e deliberada, capaz de produzir mudanças concretas e significativas. Essa perspectiva evidencia que a transformação do mundo exige a articulação entre compreensão teórica e ações efetivas, reafirmando a centralidade da práxis como elemento essencial para a humanização e o desenvolvimento social.
No campo educacional, a práxis desempenha um papel crucial ao integrar a formação teórica e a prática docente, promovendo uma educação emancipadora e criativa. A escola é apontada como mediadora desse processo, especialmente ao estimular a imaginação e a sensibilidade estética dos estudantes, aspectos fundamentais para a criação de novos significados e para o enfrentamento das demandas de uma sociedade complexa. A arte, por sua vez, transcende o caráter importante, assumindo uma dimensão humanizadora e transformadora, que possibilita ao indivíduo estabelecer uma relação enriquecida com o mundo.
Dessa forma, a práxis, a criação humana, a arte e a educação se entrelaçam, configurando-se como elementos indispensáveis para o desenvolvimento de assuntos críticos, criativos e capazes de atuar na construção de uma realidade mais justa e significativa. A superação das limitações impostas por uma visão reducionista da prática educativa exige a valorização da subjetividade, da imaginação e da interação dialética entre teoria e prática, reafirmando a educação como um espaço de transformação social e individual.
6 REFERÊNCIAS
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ARSLAN, Luciana Mourão. Ensino de arte. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre – RS: L&PM, 2013.
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Tradução de Leandro Konder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. __________. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. __________. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: Uma introdução Crítica. São Paulo: Cortez, 2008.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
VIGOTSKI, Lev Semenovicth. A imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. Apresentação: Ana Luiza Smolka. Tradução: Zóia Prestes. São Paulo: Ática, 2009.
__________. Psicologia da Arte. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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