REDESIGN REGENERATIVO NO CARNAVAL: REAPROVEITAMENTO TÊXTIL E CULTURA POPULAR COMO ESTRATÉGIA DE SUSTENTABILIDADE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202509111328


Gabriela Blume Amorim de Araújo
Orientadora: Profa. Dra. Francisca Dantas Mendes


Resumo 

O presente artigo analisa o potencial do redesign regenerativo como estratégia aplicada ao reaproveitamento de resíduos têxteis e plásticos oriundos da cadeia produtiva carnavalesca em São Paulo. Com base em revisão bibliográfica e documental, o estudo propõe diretrizes conceituais para o desenvolvimento de práticas sustentáveis no vestuário de uso único, associadas à lógica da economia circular e ao engajamento de comunidades criativas. A abordagem do design regenerativo é adotada como estrutura teórica para ampliar a compreensão do redesign não apenas como técnica de reaproveitamento, mas como ferramenta de regeneração estética, simbólica e socioprodutiva. Os resultados apontam para caminhos metodológicos replicáveis que conectam moda sustentável, cultura popular e gestão de resíduos em contextos de moda de uso único. 

Palavras-chave: Redesign regenerativo; Moda sustentável; Economia circular; Carnaval; Reaproveitamento têxtil. 

Abstract 

This article analyzes the potential of regenerative redesign as a strategy applied to the reuse of textile and plastic waste from the carnival production chain in São Paulo. Based on bibliographic and documentary review, the study proposes conceptual guidelines for the development of sustainable practices in single-use fashion, aligned with circular economy principles and the engagement of creative communities. Regenerative design is adopted as the theoretical framework to expand the understanding of redesign not merely as a reuse technique, but as a tool for aesthetic, symbolic, and socioproductive regeneration. The findings point to replicable methodological pathways that connect sustainable fashion, popular culture, and waste management in ephemeral fashion contexts. 

Keywords: Regenerative redesign; Sustainable fashion; Circular economy; Carnival; Textile reuse. 

1. INTRODUÇÃO 

O Carnaval brasileiro, além de ser uma das maiores manifestações culturais do país, configura-se como um evento de intensa atividade econômica e produtiva.  

Na cidade de São Paulo, o desfile das escolas de samba movimenta milhões de reais anualmente e envolve milhares de profissionais em cadeias produtivas formais e informais, sobretudo nos setores de moda, adereçaria e cenografia.  

Por trás do espetáculo visual e performático, há uma problemática frequentemente invisibilizada: a geração massiva de resíduos sólidos, especialmente têxteis e plásticos, decorrentes da produção e do descarte de fantasias e alegorias após os desfiles. 

Segundo dados da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB), no Carnaval de 2020, mais de 663 toneladas de resíduos foram recolhidas apenas na cidade de São Paulo, grande parte composta por tecidos, espumas e componentes plásticos de difícil reciclagem (AMLURB, 2020). 

Esse volume, associado ao uso único das peças produzidas, evidencia uma lacuna crítica na gestão de resíduos da cadeia produtiva carnavalesca — que, apesar de altamente criativa, ainda opera sob uma lógica linear de produção e descarte. 

Em resposta a esse cenário, o presente artigo propõe uma reflexão sobre o papel do redesign como estratégia técnica, estética e simbólica para o reaproveitamento criativo de resíduos sólidos oriundos da produção de fantasias carnavalescas.  

O redesign, enquanto prática de reformulação de produtos existentes, tem sido amplamente explorado no campo da moda sustentável, especialmente por designers que buscam estender o ciclo de vida de materiais têxteis através do upcycling e de técnicas de reconstrução. No entanto, sua aplicação sistemática no contexto da moda pontual, como as fantasias de Carnaval, ainda carece de aprofundamento acadêmico e metodológico. 

Neste artigo, pretende-se ampliar o conceito de redesign a partir do referencial do design regenerativo, abordagem que propõe não apenas a redução de impactos negativos, mas a criação de processos que promovam benefícios sociais, ambientais e culturais (Fletcher, 2014; Manzini, 2017).  

Aplicar os princípios regenerativos ao Carnaval implica em pensar a moda como um instrumento de regeneração simbólica e inclusão produtiva, especialmente ao envolver comunidades criativas e cooperativas locais no processo de criação, coleta e revalorização de materiais. 

A pesquisa dialoga diretamente com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em especial o ODS 12 (Consumo e Produção Sustentáveis) e o ODS 13 (Ação contra a Mudança Climática), bem como com os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), que estabelece a responsabilidade compartilhada sobre o ciclo de vida dos produtos.  

O estudo busca contribuir para o desenvolvimento de metodologias sustentáveis no setor têxtil sazonal, com foco em soluções replicáveis e adaptáveis a outros contextos da economia criativa nacional. 

A partir de uma abordagem qualitativa e exploratória, fundamentada em revisão bibliográfica, análise documental e dados empíricos provenientes de experiências práticas este artigo propõe-se a analisar como o redesign, quando articulado a princípios regenerativos, pode ser um vetor de inovação estética, valorização cultural e fortalecimento de redes produtivas locais.  

Pretende-se, assim, oferecer uma base teórica e metodológica para futuras iniciativas de economia circular no Carnaval e em outros segmentos da moda e da cultura. 

1.1 Objetivos 

Objetivo Geral 

Investigar o potencial do redesign aplicado ao reaproveitamento de resíduos sólidos têxteis e plásticos no contexto do Carnaval paulistano, com base em uma abordagem de design regenerativo, visando a sustentabilidade ambiental, a inclusão produtiva de comunidades criativas e a valorização simbólica das fantasias carnavalescas. 

Objetivos Específicos 

  1. Analisar os conceitos de redesign e design regenerativo no campo da moda sustentável e suas implicações para o desenvolvimento de produtos de moda efêmera. 
  2. Identificar os desafios e oportunidades associados à reutilização de materiais descartados nas fantasias de Carnaval, considerando aspectos técnicos, estéticos e simbólicos. 
  3. Mapear práticas colaborativas de cocriação com foco na inclusão de artesãos, costureiras e cooperativas locais na cadeia produtiva carnavalesca. 
  4. Propor diretrizes metodológicas iniciais para a aplicação do redesign regenerativo como ferramenta estratégica na cadeia têxtil do Carnaval. 
  5. Discutir a viabilidade de replicação dessas práticas em outros segmentos da moda e da economia criativa. 

2. METODOLOGIA 

Este artigo adota uma abordagem qualitativa de caráter exploratório, com o objetivo de investigar, por meio de revisão bibliográfica e análise documental, os fundamentos conceituais e aplicabilidades do redesign e do design regenerativo no contexto da moda performática, com foco no Carnaval brasileiro.  

A pesquisa é estruturada como um ensaio teórico, orientado pela identificação de convergências entre os campos da moda sustentável, da economia circular cultural e do design social. 

Segundo Gil (2008), pesquisas exploratórias são particularmente indicadas para o aprofundamento de temas ainda pouco sistematizados ou que requerem uma base teórica sólida antes da aplicação empírica.  

Dado o caráter ainda embrionário das práticas de reaproveitamento têxtil no Carnaval sob o viés regenerativo, a escolha por um estudo exploratório permite compreender os desafios conceituais, operacionais e simbólicos que envolvem o tema. 

A principal técnica de coleta de dados utilizada foi a revisão bibliográfica, conduzida a partir de obras de referência nos campos do design sustentável (Fletcher, 2014), design social (Manzini, 2017), economia circular (Braungart & McDonough, 2013), reciclagem têxtil (Hawley, 2006) e sustentabilidade em moda (Chapman, 2005). Complementarmente, foram analisados relatórios institucionais e experiências documentadas de boas práticas no setor cultural e carnavalesco, como os projetos Costurando Sonhos Brasil, Trashin + Liga-SP, e Carnaval Sustentável da Águia de Ouro

A análise seguiu uma lógica de triangulação teórica (Denzin, 1978), integrando diferentes abordagens e autores a partir de um eixo comum: o potencial do redesign regenerativo como ferramenta para práticas sustentáveis e inclusivas em cadeias produtivas de moda de uso único.  

O cruzamento dessas fontes permitiu elaborar proposições metodológicas preliminares, com vistas à futura aplicação em contextos empíricos e validação técnica. 

Por fim, a construção do argumento central foi guiada pela metodologia do ensaio acadêmico estruturado, tal como descrita por Meneghetti (2011), em que a sistematização crítica da literatura é utilizada para construir novas perspectivas teóricas e apontar lacunas de investigação.  

Dessa forma, o artigo pretende contribuir não apenas para a fundamentação conceitual do tema, mas também para a abertura de caminhos futuros de pesquisa aplicada. 

3. REFERENCIAL TEÓRICO 

3.1 Redesign em moda sustentável 

O conceito de redesign é amplamente utilizado no campo do design de produto e do design de moda como estratégia para prolongar o ciclo de vida de produtos por meio da reconfiguração criativa de materiais pré-existentes (Chapman, 2005). 

Na prática, isso significa reaproveitar elementos anteriormente descartados — tecidos, aviamentos, componentes estruturais — para gerar novas peças com valor estético, funcional e simbólico.  

No contexto da moda, especialmente a de caráter efêmero como a carnavalesca, o redesign surge como uma alternativa viável para enfrentar a alta rotatividade de materiais e a consequente geração de resíduos. 

Fletcher (2014) define o redesign como uma abordagem dentro do campo da moda sustentável que não apenas reduz impactos ambientais, mas que também repensa as relações entre produto, processo e consumidor. A autora destaca o potencial do redesign como prática de engajamento ético, em que o designer assume o papel de mediador entre estética, função e responsabilidade socioambiental. O conceito se aproxima das práticas de upcycling, zero waste design e reconstrução (reconstruction), frequentemente aplicadas em coleções de moda autoral e experimental. 

No caso específico das fantasias carnavalescas, o redesign demanda não apenas soluções técnicas, mas sensibilidade aos códigos simbólicos e performáticos das escolas de samba. Como aponta Dantas (2020), os elementos visuais e materiais das fantasias carregam significados que estão profundamente enraizados na identidade das agremiações e de suas comunidades. O redesenho de fantasias, portanto, exige um equilíbrio entre inovação estética, respeito cultural e viabilidade técnica de reaproveitamento. 

3.2 Design regenerativo: além da sustentabilidade 

Embora o redesign já represente um avanço frente às práticas tradicionais da moda linear, ele pode ser ampliado e aprofundado por meio da perspectiva do design regenerativo. Este campo teórico, emergente nas discussões sobre sustentabilidade, propõe um deslocamento da lógica de “redução de impactos” para uma abordagem de “criação de impactos positivos” nos sistemas ecológicos e sociais (Fletcher, 2014).  

O design regenerativo busca restaurar, revitalizar e regenerar — e não apenas conservar —, promovendo transformações estruturais nos modos de produção, uso e descarte. 

Manzini (2017) sustenta que o design regenerativo deve ser orientado por valores de colaboração, diversidade e proximidade. Em vez de soluções isoladas ou top-down, esse modelo propõe a construção de redes de coautoria, especialmente com comunidades locais, valorizando saberes tradicionais e estimulando práticas econômicas inclusivas. O autor defende o “design difuso”, que reconhece a capacidade criativa distribuída entre diferentes atores da sociedade. 

Quando aplicado ao contexto do Carnaval, o design regenerativo propõe não apenas o reaproveitamento dos resíduos materiais, mas também a regeneração simbólica e produtiva de redes sociais — como cooperativas de costura, ateliês comunitários, blocos culturais e núcleos de adereçaria.  

Dessa forma, o reaproveitamento criativo dos materiais passa a ser uma prática de transformação coletiva, cultural e econômica, com potencial de gerar impactos duradouros em territórios vulnerabilizados. 

3.3 Economia circular no setor cultural 

A economia circular, segundo a Fundação Ellen MacArthur (2017), é um modelo produtivo que visa desacoplar o crescimento econômico da extração de recursos finitos, ao propor ciclos contínuos de uso, reuso e reintegração de materiais.  

Esse modelo representa uma ruptura com a lógica linear do “extrair, produzir, descartar”, predominante nas cadeias industriais contemporâneas. No setor têxtil, a economia circular se traduz na adoção de estratégias como redesign, remanufatura, reciclagem têxtil e uso de materiais biodegradáveis ou recicláveis. 

Entretanto, no setor cultural — especialmente em eventos de grande porte como o Carnaval —, a aplicação da economia circular ainda é incipiente.  

Embora existam iniciativas pontuais de reciclagem e reaproveitamento de materiais, faltam metodologias sistematizadas que considerem as especificidades simbólicas e funcionais das produções culturais efêmeras. Além disso, os desafios de gestão de resíduos nesses contextos estão frequentemente associados à informalidade das relações de trabalho e à ausência de políticas públicas específicas para o setor. 

No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, incluindo fabricantes, comerciantes, consumidores e o poder público. A logística reversa, prevista pela lei, ainda é pouco aplicada na cadeia produtiva do Carnaval. Contudo, a crescente preocupação com a sustentabilidade nos eventos culturais abre espaço para a experimentação de modelos de circularidade mais sensíveis às dinâmicas locais e simbólicas. 

Experiências como o projeto Costurando Sonhos Brasil, a parceria entre a Liga-SP e a Trashin, e a iniciativa Carnaval Sustentável da Águia de Ouro demonstram que é possível implementar práticas circulares em eventos culturais por meio da articulação entre organizações comunitárias, cooperativas e instituições de ensino (CEMPRE, 2022; Trashin, 2023).  

Tais modelos podem inspirar metodologias específicas para o reaproveitamento criativo no Carnaval, contribuindo para o fortalecimento da economia criativa sustentável no Brasil. 

4. REVISÃO E ANÁLISE DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE REDESIGN E SUSTENTABILIDADE NA MODA 

4.1 Gestão e Reaproveitamento de Resíduos na Indústria Têxtil Brasileira (Zonatti et al., 2016) 

O estudo de Zonatti et al. (2016) mapeia o panorama nacional da gestão de resíduos têxteis, destacando a ausência de políticas públicas estruturadas e incentivos fiscais para reaproveitamento de materiais.  

A pesquisa ressalta que, embora existam experiências pontuais em reaproveitamento, ainda falta uma abordagem sistêmica que articule indústria, cooperativas e consumidores.  

Este cenário reforça a relevância de iniciativas como o redesign regenerativo, que atuam em escalas menores e colaborativas, promovendo soluções práticas diante da ineficiência do modelo industrial linear (Zonatti et al., 2016). 

4.2 Logística Reversa e Consciência do Consumidor no Setor do Vestuário (Garcia et al., 2019) 

Garcia et al. (2019) discutem os limites da implementação da manufatura reversa no setor têxtil brasileiro. O artigo revela uma lacuna entre os preceitos da Política Nacional de Resíduos Sólidos e sua efetivação, principalmente pela ausência de campanhas de conscientização e pela infraestrutura precária de coleta seletiva.  

A pesquisa aponta que tanto empresas quanto consumidores desconhecem suas responsabilidades no ciclo reverso dos produtos. 

Nesse contexto, o carnaval — com seu apelo visual e engajamento coletivo — pode ser um espaço privilegiado para introduzir ações educativas e simbólicas de redesenho regenerativo (Garcia et al., 2019). 

4.3 Economia Circular e Inovação Social no Design de Moda (Francisco et al., 2018) 

O projeto Banco de Tecidos, analisado por Francisco et al. (2018), representa uma prática concreta de economia circular aplicada à moda, com foco em inovação social.  

A iniciativa promove o intercâmbio de sobras têxteis entre empresas e designers independentes, incentivando o redesenho e o reaproveitamento criativo sem intermediários industriais.  

A lógica colaborativa e horizontal do projeto oferece inspiração direta para práticas semelhantes no contexto carnavalesco, onde o reaproveitamento pode ser estruturado em redes locais de costureiras, aderecistas e cooperativas culturais (Francisco et al., 2018). 

4.4 Redesign como Crítica Estética e Política no Contexto Urbano (Franzò & Salomè, 2025) 

Franzò e Salomè (2025) abordam a prática do “textile hacking” como ferramenta de redesenho estético e posicionamento político. O artigo mostra como designers independentes se apropriam de resíduos têxteis para construir narrativas críticas sobre consumo, excesso e identidade.  

Embora situado em outro contexto, o estudo oferece uma leitura provocativa para o redesenho de fantasias carnavalescas, que podem funcionar não apenas como reaproveitamento material, mas também como discurso performativo e regenerador de vínculos comunitários (Franzò & Salomè, 2025). 

4.5 Resíduos em Eventos Culturais e Desafios Logísticos no Carnaval (Gomes et al., 2007) 

Gomes et al. (2007) analisam a gestão de resíduos sólidos durante o carnaval de Recife, revelando uma estrutura precária de coleta e quase inexistente reaproveitamento de materiais.  

O estudo mostra que, apesar da magnitude do evento, faltam planos integrados entre poder público, organizações culturais e cooperativas. Este diagnóstico confirma a urgência de estratégias baseadas no reaproveitamento criativo, como o redesign, que possam ser implementadas por redes comunitárias mesmo à margem da formalidade institucional (Gomes et al., 2007). 

5. SÍNTESE E DISCUSSÃO 

5.1 Convergências entre os Estudos 

A análise dos artigos selecionados revela um conjunto expressivo de convergências em torno das temáticas de sustentabilidade, reaproveitamento têxtil e inovação social.  

A maioria dos estudos identificados reconhece a necessidade de repensar os sistemas produtivos da moda sob uma lógica circular, seja por meio da logística reversa, da economia colaborativa ou do redesenho de materiais. Além disso, destaca-se a ênfase em soluções descentralizadas e comunitárias, que se contrapõem aos modelos industriais lineares e de grande escala. 

Tais convergências dialogam diretamente com os conceitos de redesign e design regenerativo abordados no referencial teórico deste artigo.  

Há um consenso entre os autores sobre a centralidade do resíduo como matéria-prima para a inovação — não apenas técnica, mas também estética e simbólica.  

O reaproveitamento criativo dos materiais é compreendido como vetor de transformação sistêmica, com potencial para impactar positivamente o meio ambiente, as relações sociais e a produção de sentido cultural. 

5.2 A Relevância do Conhecimento Cultural e Simbólico 

Um dos aspectos pouco abordados de forma direta nos artigos, mas essencial para o presente trabalho, é a dimensão simbólica dos materiais e sua relação com o conhecimento cultural. No contexto do carnaval brasileiro, os resíduos têxteis não são apenas sobras de produção: eles carregam histórias, identidades, narrativas visuais e afetivas que são parte integrante do espetáculo e da memória coletiva das comunidades envolvidas. 

Nesse sentido, o redesign aplicado às fantasias carnavalescas exige mais do que técnica e funcionalidade. Ele demanda sensibilidade ao valor simbólico dos elementos, respeito à estética das agremiações e compreensão das dinâmicas culturais que operam na criação dos figurinos.  

A prática regenerativa, portanto, é também uma prática de escuta, de diálogo com tradições e de valorização dos saberes locais. 

A preservação e ressignificação desses elementos por meio do redesenho pode se tornar uma estratégia poderosa de resistência e regeneração cultural, especialmente em territórios vulnerabilizados que veem na cultura popular uma forma de expressão e sustento. A regeneração, nesse caso, é simultaneamente material, simbólica e social. 

5.3 Lacunas e Possibilidades de Avanço 

Apesar dos avanços observados, a literatura analisada ainda apresenta lacunas relevantes.  

Poucos estudos tratam diretamente das possibilidades de aplicação do redesign regenerativo em setores culturais de espetáculo, como o carnaval.  

Não há metodologias consolidadas para integrar resíduos têxteis, estética performática e inclusão produtiva em uma abordagem unificada. Além disso, a articulação entre sustentabilidade e cultura popular permanece incipiente na academia, apesar da potência dessa intersecção. 

Este artigo propõe justamente preencher parte dessa lacuna, ao indicar caminhos metodológicos para um design de moda regenerativo e sensível ao contexto simbólico do carnaval. Ao reunir conceitos de sustentabilidade, práticas de redesenho e princípios da economia circular, o presente trabalho contribui para a construção de um campo emergente e necessário: o da moda cultural regenerativa. 

6. CONCLUSÕES 

Este artigo teve como objetivo explorar as possibilidades conceituais e operacionais do redesign regenerativo como estratégia para o reaproveitamento de resíduos têxteis no contexto da moda de uso único do carnaval brasileiro.  

A partir de um referencial teórico que integra princípios de sustentabilidade, economia circular e design social, e da análise crítica de artigos de acesso aberto, foram identificadas direções promissoras e lacunas relevantes na literatura atual. 

Constatou-se que o reaproveitamento criativo de resíduos têxteis, embora amplamente debatido no campo da moda sustentável, ainda carece de sistematizações aplicáveis ao universo simbólico e performático de eventos culturais como o carnaval.  

A análise demonstrou que os resíduos não devem ser entendidos apenas como materiais excedentes, mas como portadores de significados identitários e potenciais agentes de regeneração sociocultural. 

A proposta do redesign regenerativo se apresenta, assim, como uma alternativa potente para enfrentar os desafios ambientais e sociais da cadeia têxtil, ao mesmo tempo em que respeita e valoriza os saberes locais, os códigos culturais e as redes produtivas informais que sustentam a criatividade popular brasileira.  

Ao transformar resíduos em artefatos de valor simbólico, funcional e coletivo, o redesenho carnavalesco pode constituir-se como prática estética e política de regeneração de territórios. 

Como desdobramento futuro, recomenda-se o aprofundamento desta proposta por meio de estudos de caso, desenvolvimento de diretrizes metodológicas e mapeamento de experiências existentes nas comunidades ligadas à cadeia produtiva do carnaval. A articulação entre universidades, escolas de samba, cooperativas e instituições públicas pode ser fundamental para transformar o redesenho regenerativo em política cultural e ambiental de base comunitária. 

Este artigo, portanto, não encerra a discussão, mas propõe sua abertura.  

Ao propor uma abordagem integrada entre moda, cultura e regeneração, convida-se pesquisadores, designers, gestores públicos e fazedores de cultura a repensarem o futuro do carnaval — e da moda brasileira — a partir do que sobra, do que pulsa, do que se reinventa. 

REFERÊNCIAS 

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