RECUSA FAMILIAR FRENTE À DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA ADULTO: REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10063143


Murichaine Francine Marques¹
Priscila de Souza Porto²


RESUMO:

Objetivo: Identificar na literatura os principais motivos de recusa familiar frente à doação de órgãos de paciente potencial doador de órgãos e tecidos em unidade de terapia intensiva adulto. Método: revisão integrativa da literatura realizada na base de dados BVS e Pubmed. Resultados: incluiu-se no estudo 13 artigos, que mostraram os seguintes motivos de recusa familiar: falta de apoio/ comunicação/ acordo entre os familiares; religião/ crença/ cultura; não aceitação do diagnóstico de morte encefálica; desconhecimento sobre o diagnóstico; paciente não doador em vida/ desconhecimento do familiar sobre a decisão do paciente em vida; vontade de deixar o corpo íntegro; familiar descontente com o atendimento; preocupação do familiar com o comércio de órgãos; ambientes de comunicação inadequado; falta de cuidado com os familiares; necessidade de mais tempo para se decidir; receio na demora da liberação do corpo; equipe de saúde não treinada especificamente para esse fim. Conclusão: O processo de doação de órgãos é complexo e depende de muitos fatores para que se tenha sucesso.

Descritores: Obtenção de tecidos e órgãos; cuidados críticos; cuidados de enfermagem; família.

ABSTRACT:

Objective: To identify in the literature the main reasons for family refusal to donate organs from a potential organ and tissue donor in adult intensive care unit. Method: integrative literature review in the databases BVS and Pubmed. Results: were included 13 articles in the study, which showed the reasons for family refusal: lack of support/ communication/ agreement between family members; religion/ belief/ culture; non-acceptance of the diagnosis of brain death; lack of knowledge about the diagnosis; non-donorpatient in life/ lack of knowledge of the family member about the patient’s decision in life; desire to leave the body whole; family member unhappy with the servide; family member’s concern with the organ trade; inadequate communication environments; lackofcare for family member’s; need more time to decide; fearofdelay in releasingthebody; health staff not specifically trained for this purpose. Conclusion: The organ donation processis complex and depends on many factors for its success. 

Descriptors: Tissue and organ procurement; critical care; nursing care; family.

INTRODUÇÃO

As Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) são unidades complexas, com perfis de pacientes que necessitam de tratamentos intensivos, destinado a tratamento de doenças graves, como acidente vascular cerebral, pós-cirúrgico, doenças neurológicas, infecções, insuficiência hepática, neoplasias, pancreatite, coma e intoxicação; podendo evoluir com disfunção neurológica, respiratória, cardiocirculatória, renal e hematológica1,2.  A maioria dos pacientes críticos internam por complicações cardiológicas, infecção/sepse, neurológica/psiquiátrica, respiratória, gastrointestinal, dentre outras. Em 2020, cerca de 22,2% dos pacientes críticos, necessitaram de ventilação mecânica; 6,3% de hemodiálise e 19,82% de drogas vasoativas. Nas UTIs brasileiras a taxa de mortalidade no ano de 2020 foi de 13,7% devido à gravidade desses pacientes²,³. 

Dependendo da gravidade e causa do coma, o paciente pode evoluir para um quadro de morte encefálica, conceituada como perda total e irreversível das funções encefálicas, caracterizada pela parada das atividades corticais e de tronco encefálico4. Todos os pacientes que apresentam coma não perceptivo, ausência de atividade supraespinhal e apneia persistente devem ser investigados para morte encefálica, procedimento descrito na Resolução n° 2173 de 2017 do Conselho Federal de Medicina4

Uma vez diagnosticada a morte encefálica, o paciente torna-se um potencial doador de órgãos,devendo ser mantida à estabilidade hemodinâmica e notificado à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO)5. Hospitais com mais de 80 leitos, devem possuir uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), que tem como atribuições: detectar os possíveis doadores de órgãos e tecidos no hospital; viabilizar o diagnóstico de morte encefálica; criar rotinas para oferecer às famílias de pacientes falecidos no hospital, a possibilidade de doação de córnea e outros tecidos; responsabilizar-se pela educação continuada dos profissionais; articular-se com unidades de recursos diagnósticos necessários; capacitar, em conjunto com a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Sistema Nacional de Transplantes, os profissionais responsáveis pela entrevista familiar de solicitação de doação de órgãos e tecidos6.

O processo de morrer é bem evidenciado nas UTI’s e envolve o profissional de saúde, familiares e paciente7.O médico, juntamente com a equipe multiprofissional, deve comunicar aos familiares sobre a morte encefálica, de forma efetiva, para que seja abordada sobre a captação e doação de órgãos. O cônjuge ou parente, maior de idade, de até segundo grau, são os responsáveis por autorizar a doação de órgãos no Brasil8. A comunicação inadequada com os familiares nesse processo pode levar à negação da doação de órgãos9.

Vários motivos podem levar à falha na doação de órgãos, tais como: falha em identificar a morte encefálica; instabilidade hemodinâmica do paciente comprometendo o órgão; negação do familiar para a doação; não compreensão sobre morte encefálica; discordância entre os familiares, não conhecimento da vontade do paciente que faleceu; desejo de manter o corpo íntegro; medo da demora na liberação do corpo; questões religiosas; insatisfação com a equipe hospitalar; desconfiança e medo com tráfico de órgãos10;11.

Para muitas pessoas, em qualquer idade, com doença crônica irreversível e em estágio final, o transplante de órgãos torna-se um tratamento que melhora sua qualidade de vida e pode ser a única opção de tratamento de suas doenças12. Assim, torna-se extremamente importante a análise dos fatores de negação do transplante de órgãos para que as instituições possam criar estratégias de para prevenção da negação.

OBJETIVO

Revisar na literatura as principais causas de recusa familiar frente a doação de órgãos de paciente potencial doador de órgãos e tecidos em unidade de terapia intensiva adulto.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo de revisão integrativa da literatura. A revisão integrativa da literatura é um método que utiliza vários estudos acerca de um tema, contribuindo assim, para a prática baseada em evidência. Esse tipo de estudo realiza uma síntese de um determinado tema, melhorando a prática clínica13,14.

Este estudo foi construído segundo os seis passos de Mendes, Silveira e Galvão14, que são: identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa. Conforme a prática clínica da pesquisadora, chegou-se ao seguinte questionamento: Quais são os motivos que levam os familiares dos pacientes a recusarem a doação de órgãos?; estabelecimento dos descritores; critérios de inclusão e exclusão dos estudos; e base de dados. O descritor utilizado na pesquisa foi: (obtenção de tecidos e órgãos) AND (família) na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); e (“tissueandorganprocurement”) AND (“family”) na Pubmed. Incluiu-se na pesquisa os artigos que abordavam sobrerecusa na doação de órgãos em pacientes de terapia intensiva adulta, de 2016 a 2021, nas línguas: português, inglês e espanhol. 

Excluiu-se os estudos repetidos, ou não disponíveis para download o texto completo.A definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados, foi feito através da leitura dos artigos, onde se levantou os seguintes dados: Título do estudo; autores; objetivo do estudo; resultados; e conclusões.

Em relação avaliação do nível de evidência dos artigos encontrados, seguiu-se de acordo com os seis níveis de evidências: Evidências resultantes da meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e randomizados; Evidências obtidas em estudos individuais com delineamento experimental; evidências de estudos quase-experimentais; evidências de estudos descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa;  evidências provenientes de relatos de caso ou de experiência;  evidências baseadas em opiniões de especialistas; Interpretação dos resultados; Apresentação da síntese do conhecimento.

RESULTADOS

Na base de dados Pubmed, foram selecionados 145 resultados;e após leitura dos títulos e conforme os critérios de inclusão e exclusão, excluiu-se 119 artigos. Após uma leitura criteriosa do resumo, excluiu-se mais 23 artigos, sendo incluso na pesquisa 3 artigos (estudos 1, 2 e 3). Na base de dados da BVS, foram selecionados 195 resultados; após leitura dos títulos, excluiu-se 150 artigos, ficando 45. Após leitura criteriosa do resumo, excluiu-se mais 35 artigos, sendo incluso na pesquisa 10 artigos (estudos 4 a 13).

Os resultados estão apresentados no quadro a seguir:

Quadro 1. Síntese dos artigos selecionados

Estudo/EvidênciaTítuloAutoriaObjetivoResultados/ Motivos de recusaConclusões
115/ Nível de evidência 3Factors influencing consent to organ donation after brain death certification: a survey of 29 Intensive Care Units.Piemonte et al.– Explorar os fatores organizacionais e ambientais da UTI envolvidos na recusa familiar para doação de órgãos e tecidos – Descrever as políticas de visitação, estrutura e modalidades de relações humanas nas UTIs da Região Toscana.A negação na doação de órgãos foi de 33,3%. Indivíduos mais jovens são mais propensos à doação de órgãos. A maior permanência na UTI e a indisponibilidade de equipe de UTI treinada para transplante de órgãos favoreceu a recusa familiar.A educação continuada foi o único fator modificável para diminuir a taxa de recusa familiar. 
216/ Nível de evidência 4Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos.Bertasi et al.– Caracterizar o perfil dos potenciais e dos efetivos doadores de órgãos- Identificar os fatores relacionados a não efetivação da doação.Os motivos da recusa familiar foram: outros (incluindo a opção de não informar o motivo); seguido de não era doador em vida; tempo para entregar o corpo; família não acredita em morte encefálica; e religião/crenças.Iniciativas de conscientização da população e discussão dentro da família sobre doação de órgãos contribuem para o aumento do índice de doadores efetivos.
317/ Nível de evidência 3 Request for organ donation without donor registration: a qualitative study of the perspectives of bereaved relatives.Groot et al.– Determinar os principais fatores na tomada de decisão de familiares na doação de órgãos de pacientes sem registro.Apenas uma família concordou com a doação. Os fatores mencionados como contribuintes para a recusa foram: precisar de mais tempo para se decidir; desinformação; falta de privacidade; falta de cuidados com os familiares; falta de informação sobre a morte encefálica e o processo de doação de órgãos; falta de apoio dos familiares ou profissionais de saúde.Os profissionais de saúde poderiam dar um melhor suporte aos familiares antes do pedido de doação, atender às suas necessidades de informação de forma clara. 
418/ Nível de evidência 4A experiência de famílias não doadoras frente à morte encefálica.Rossato GC, Giardon-Perlini NMO, Cogo SB, Nietsche EA, Dalmolin A.– Compreender a experiência vivenciada de famílias de adultos frente à morte encefálica e a opção pela não doação de órgãos.Os acontecimentos na qual as famílias precisam passar diante do adoecimento agudo, traz uma realidade inesperada, desconhecida e de incertezas, deixando seus membros desorientados e inseguros, necessitando de tempo para elaborar os fatos experenciados. Muitas vezes as famílias optam pela não doação por não entenderem a morte encefálica, já que o paciente apresente batimentos cardíacos e respiração, mesmo que controlada por aparelhos. Outras justificativas para a não doação dos órgãos são: falta de comunicação e desconhecimento da opinião do familiar sobre o assunto, a revolta frente à situação e a morte inesperada do familiar e a existência de posições prévias para não querer doar. O diagnóstico de morte encefálica desorganiza o status familiar que a impele de interagir com elementos simbólicos de um contexto de dor, sofrimento e morte, exigindo que, em um curto espaço de tempo, tome a decisão de doação de órgãos. 
519/ Nível de evidência 4A Multicenter Qualitative Investigation of the Experiences and Perspectives of Substitute Decision MakersWho Underwent Organ Donation Decisions.Sarti et al.– Registrar a experiência de familiares de doadores e não doadores.Os familiares enfatizaram a importância da interação do médico, principalmente quando é residente, com o paciente e familiares. A falta de informação ou de compreensão sobre morte encefálica dificultou o processo de decisão da doação. Ambientes escuros, apertados para dar a notícia também dificulta o processo de tomada de decisão. Deve haver um acompanhamento, um apoio, posterior à tomada de decisão, tanto para quem aceitou a doação, quanto para quem negou.
620/ Nível de evidência 4Doar ou não doar: a visão de familiares frente à doação de órgãos.Rossato GC, Girardon- Perlini NMO, Begnini D, Beuter M, Camponogara S, Flores CL.– Compreender as motivações que influenciam as famílias na decisão para doação ou não de um familiar adulto.Os motivos para recusa podem ser: desconhecimento sobre a vontade do paciente sobre doação; sensação de deixar o familiar “incompleto” ao doar o órgão; necessidade de um tempo para processar a informação e decidir sobre a doação; expectativa que o familiar melhore e o diagnóstico de morte encefálica não se confirme.O conceito de morte encefálica é difícil de ser entendido pelos familiares, mas demonstraram compreensão do seu significado. 
721/ Nível de evidência 4Doação de órgãos e tecidos e motivos de sua não efetivação.Bonetti CE, Boes AA, Lazzari DD, Busana JA, Maestri E, Bresolin P.– Descrever as características do processo de doação de órgãos e tecidos;- Identificar fatores determinantes para a sua não efetivação.Os motivos para a negação da doação estavam relacionados com: evento anterior traumatizante; abordagem à família em momento inadequado; família que desejavam o corpo íntegro; divergência entre os familiares.A não efetivação da doação de órgãos estava diretamente ligada a fatores modificáveis. Assim, é necessário ações educacionais. O enfermeiro deve estar qualificado e capacitado para prestar os cuidados ao potencial doador e aos familiares. 
822/ Nível de evidência 4Morte encefálica e doação de órgãos em hospital referência em urgência e trauma do estado de Goiás.Brito GA, Silva CB, Felipe LA. – Levantar dados sobre morte encefálica e doação de órgãos em um hospital de urgência e trauma do estado de Goiás;- Identificar os principais motivos de não efetivação da doação.Os motivos da negação da doação foram: desejo de manter o corpo do paciente íntegro; receio na demora da liberação do corpo; doador contrário à doação em vida; convicções religiosas; incompreensão de morte encefálica; familiares insatisfeitos com o atendimento; familiares indecisos.A principal causa de não efetivação da doação de órgãos é a recusa familiar (causa que pode ser evitada).
923/ Nível de evidência 4Factors influencing consent rates of deceased organ donation in Western Cape Province, South Africa.Bookholane et al. – Descrever a doação de órgãos na África do Sul e os fatores que influenciaram nesse contexto.Os motivos das famílias que recusaram foram (por ordem de prevalência): contra a religião; contra a cultura; não ter certeza do desejo do paciente; não aceitação do diagnóstico de morte encefálica; profanação do corpo; falecido havia expressado o desejo de não doar; outro familiar decisivo não estava presente; outros motivos.São necessárias intervenções para melhorar a taxa de doação de órgãos. Importante trazer a família para fazer parte do processo de cuidar.
1024/ Nível de evidência 4Challenges of organ donation: potential donors for transplantation in area of Brazil’s Northeast.Marinho et al.– Identificar as principais causas de não doação de órgãos e o perfil sociodemográfico e clínico dos doadores de uma área do nordeste brasileiro.As causas para a recusafamiliarforam (por ordem de prevalência): paciente não doador em vida; desacordo familiar; familiares não favoráveis; não informado o motivo; insatisfação com o serviço hospitalar; processo longo; integridade do corpo; outros motivos. A recusa familiar foi a maior barreira encontrada na doação de órgãos. Sugere-se a criação de novas estratégias políticas para o aumento na doação de órgãos.
1125/ Nível de evidência 4Organ donation: a comparison of donating and nondonating families in Turkey.Can F, Hovardaoglu S. -Entender a intenção e a decisão real na doação de órgãos.Os motivos que influenciam na não doação de órgãos são: não conhecimento do desejo do paciente; necessidade de maior tempo para tomar a decisão; contradição em relação aos valores morais e religiosos; suspeita sobre o conceito de morte encefálica; conduta inadequada dos profissionais de saúde.Deve ser elaborado um protocolo efetivo para a solicitação da doação de órgãos e os profissionais de saúde devem ser devidamente treinados para isso.
1226/ Nível de evidência 4Perfil e motivos de negativas de familiares para doação de órgãos e tecidos para transplante.Aranda RS, Zillmer JGV, Gonçalves KD, Porto AR, Soares ER, Geppert AK.– Descrever o perfil de familiares e de potenciais doadores e os motivos de negativas para doação de órgãos e tecidos para transplantes.Os motivos de negativa para doação foram: desconhecimento da vontade do paciente; convicção prévia de negação; desacordo familiar; falta de condições emocionais; dúvidas sobre a integridade do corpo; não quis decidir sozinho; atraso no funeral; causas religiosas.O estudo pode contribuir para o planejamento e intervenções orientadas aos motivos que podem ser modificados. 
1327/ Nível de evidência 4Update on causes of Family refusal for organ donation and the related factors: reporting the changes over 6 years.Mojtabaee M, Ghorbani F, Mohsenzadeh M, Beigee FS.– Comparar as causas de negação de doação de órgãos em 2009 e 2015/2016.Em 2015/2016 as causas de negação para doação foram: crenças religiosas; humor familiar instável; expectativa de um milagre; preocupação com o comércio de órgãos; negação de morte encefálica; crença no corpo íntegro após a morte; medo de objeção por outro membro da família.Devem ser realizadas atividades que encorajem as pessoas a doar órgãos de seus entes queridos após a morte, através da conscientização e informações concretas que deixem a família segura. 

DISCUSSÃO

O fundamento central do estudo foi evidenciar o sentimento dos familiares diante da doação de órgãos. O tema é complexo e ainda bastante pouco disseminado no Brasil e no mundo35

Deslumbrando a ampliação do conhecimento/conscientização social frente à importância da doação de órgãos, as organizações de procura de órgãos utilizam-se de uma linguagem que tende a sensibilização dos familiares na busca de possibilidades de aceite para doação de órgãos. Porém mesmo o processo de doação e captação de órgãos sendo integro, regulamentado e normatizado, percebemos uma inanidade no processo com relação aos desejos dos familiares de possíveis doadores36.

A partir dos estudos levantados podemos discutir as seguintes problemáticas: Falta de apoio/ comunicação/ acordo entre os familiares; Religião/ crença/ cultura; Não doador em vida; Desconhecimento sobre morte encefálica (ME); Revolta/ não aceitação do diagnóstico de ME; Manutenção do corpo integro após a morte; Equipe não treinada; Necessidade de mais tempo para decidir; Desconhecimento da vontade do paciente em vida; Falta de privacidade para decisão familiar; Falta de cuidado com os familiares; Ambientes inadequados;Preocupação com o comércio de órgãos. A falta de apoio/ comunicação/ acordo entre os familiares, foi um dos motivos mais citados nos artigos para a negação de doação de órgãos e tecidos; seguido da religião/ crença/ cultura. 

A comunicação está presente em todas as fases do cuidado, seja ela entre os profissionais de saúde;profissionais e pacientes/familiares e comunicação entre os próprios familiares. E essa comunicação para ser considerada adequada, precisa ser objetiva, sincera, clara e que compreenda a formação familiar28.

A comunicação de morte encefálica é considerada, muitas vezes, uma má notícia, embora deixar de ver alguém sofrer em um local cheio de tecnologias, como uma unidade de terapia intensiva, poderia ser considerado alívio para o paciente, mesmo trazendo sofrimento para a família29. E para que esse momento se torne o menos doloroso possível, é necessário que se tenha um ambiente acolhedor e que a equipe de saúde seja treinada para esse fim e que tenha habilidade de comunicação, seja ela verbal e não verbal29

A religião/ crença/ cultura dos familiares é um tema mais complexo por se tratar do que aquilo que a pessoa acredita. Esse tema foi fruto até mesmo de uma teoria de enfermagem, elaborada por Madeleine Leininbger, que formalizou a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural30. Para ela, existe uma diversidade e universalidade cultural que vai influenciar no cuidar do enfermeiro, e por isso, esse profissional precisa compreender esse fenômeno para que possa ser oferecido um cuidado mais humano, mesmo que isso signifique a negação da doação dos órgãos30.

A sociedade precisa ser bem esclarecida em vida sobre todo o processo de doação de órgãos, o que é morte encefálica, e quais são os benefícios para quem recebe esses órgãos, pois quando a família compreende bem sobre o diagnóstico de morte encefálica, o processo de doação tende a ser mais favorável31. Além disso, deve ser incentivado a discussão desse tema dentro do ambiente familiar e que todos conheçam a vontade de cada um sobre uma possível doação de órgãos31

O profissional de saúde é uma peça importante na participação na tomada de decisão do familiar, e deve estar preparado para todo o processo de dúvida e dor envolvidos nessa situação32. Para isso, o enfermeiro deve estar envolvido em ações educativas para se especializar nessa temática de doação de órgãos e tecidos32

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de doação de órgãos é complexo e depende de muitos fatores para que se tenha sucesso. Diante disso, podemos considerar que a não efetivação da doação de órgãos está correlacionada a fatores modificáveis21

Faz-se necessário que haja campanhas de conscientização com orientações sobre o tema para a sociedade, com objetivo de evidenciar a clareza do processo de doação de órgãos. Além disso, promover ações de incentivo aos doadores em vida a compartilhar seu desejo para seus entes queridos. Situações em que os familiares têm o conhecimento com relação ao consentimento da doação por parte do paciente, podem diminuir a possibilidade de recusa21.

No ambiente hospitalar, deve-se ter uma equipe de profissionais de saúde qualificada e capacitada para atuar durante todo o processo de doação. É importante desenvolver um relacionamento terapêutico e empático dos profissionais de saúde com os familiares, com foco na comunicação efetiva sobre o processo de cuidar21.

A atuação da equipe multiprofissional no processo de doação e captação de órgãos é crucial e essencial. As ações de planejamento, execução, e avaliação são peças-chaves para sua efetivação. Os profissionais de saúde são fundamentais para tomada de decisão dos familiares, pois são eles que estão preparados para esclarecimento de dúvidas sobre o tratamento oferecido21. Diante disso, é importante que se tenha um ambiente acolhedor para comunicação de más notícias, devendo ser oferecido todo suporte necessário aos familiares após a comunicação da notícia de morte encefálica, além de ofertar apoio emocional às famílias32,33,34.

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1 Doutoranda em Gestão de Terapia Intensiva, Mestre em Terapia Intensiva pelo IMBES- Instituto Multidisciplinar Brasileiro de Educação em Saúde, Especialista em Saúde Pública, Gestão hospitalar, Urgência e Emergência e Unidade de Terapia Intensiva, Graduação em Enfermagem pela Universidade Presidente Antônio Carlos –UNIPAC.

2 Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Assistência Integral de Enfermagem a Pessoas com Feridas pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas –HC, Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Goiás.