RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL: SUAS NULIDADES NA PRODUÇÃO DA PROVA E ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505132109


Juliana Vitória dos Reis Souza¹
Taynara Santos Castro²
Orientadora: Andreia Alves Almeida³


RESUMO: O reconhecimento fotográfico, no contexto legal brasileiro, refere-se à identificação de uma pessoa através de fotografias, geralmente utilizada como etapa inicial em investigações criminais previsto nos artigos 226 a 228 do Código de Processo Penal, esse procedimento visa identificar suspeitos e subsidiar a convicção de agentes policiais e autoridades judiciais. A problemática será analisar o porquê a identificação fotográfica acaba sendo apontada constantemente como eivada de vícios, gerando nulidade. Assim questiona-se como a atual jurisprudência das Cortes Superiores tem corrigido essa nulidade? Quanto ao objetivo geral é entender como o reconhecimento fotográfico é utilizado como meio de prova no Processo Penal e destacar as falhas e vícios que podem comprometer a eficácia e a validade da prova. Já os objetivos específicos é avaliar que a identificação por meio de fotografia não seja proferida como única prova central, em razão de sua vulnerabilidade, defender que quando aplicado isoladamente seja presumido como prova eivada de vício e explorar a legislação brasileira, para identificar os fundamentos e limitações referente ao reconhecimento fotográfico. Em relação à metodologia utilizando o método dedutivo e explicativo, com fundamentos teóricos e jurisprudenciais encontrados em pesquisas bibliográficas, doutrinas, artigos científicos, sites dos tribunais judiciais e dados da internet.

Palavras chaves: Processo Penal; Meio de Prova; Reconhecimento fotográfico; Nulidade; Julgados

ABSTRACT: In the Brazilian legal context, photographic identification refers to the identification of a person through photographs, generally used as an initial step in criminal investigations, as provided for in articles 226 to 228 of the Code of Criminal Procedure. This procedure aims to identify suspects and support the conviction of police officers and judicial authorities. The problem will be to analyze why photographic identification ends up being constantly pointed out as being flawed, generating nullity. Thus, the question is how the current jurisprudence of the Superior Courts has corrected this nullity? The general objective is to understand how photographic recognition is used as a means of evidence in Criminal Proceedings and highlight the flaws and flaws that can compromise the effectiveness and validity of the evidence. The specific objectives are to assess why identification through photography should not be given as the only central piece of evidence, due to its vulnerability, to argue that when applied in isolation it is presumed to be flawed evidence, and to explore Brazilian legislation to identify the grounds and limitations regarding photographic recognition. Regarding the methodology using the deductive and explanatory method, with theoretical and jurisprudential foundations found in bibliographic research, doctrines, scientific articles, court websites and internet data.

Keywords: Criminal Procedure; Means of Evidence; Photographic Recognition; Nullity; Judgments

INTRODUÇÃO

O reconhecimento fotográfico como meio de prova no Processo Penal tem sido um tema amplamente discutido no âmbito jurídico brasileiro, dada a sua frequente utilização e os questionamentos acerca da sua eficácia probatória. Previsto nos artigos 226 a 228 do Código de Processo Penal (CPP), esse procedimento visa identificar suspeitos e subsidiar a convicção de agentes policiais e autoridades judiciais. No entanto, sua aplicação inadequada pode resultar em violações a princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o contraditório e o devido processo legal. A utilização isolada do reconhecimento fotográfico como prova, tem sido alvo de críticas devido à sua vulnerabilidade a erros de identificação, indução por parte dos investigadores e influências de preconceitos estruturais, como o racismo.

Será discutido o entendimento dos tribunais e as jurisprudências recentes, como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm invalidado provas baseadas exclusivamente nesse método, reforçando a necessidade de sua utilização apenas em conjunto com outros elementos probatórios. Estudos nas áreas de epistemologia jurídica e psicologia do testemunho apontam que procedimentos como o “show-up”, onde apenas um suspeito é apresentado para reconhecimento, aumentam significativamente o risco de erros judiciários (STF).

Mediante ao exposto a atual pesquisa, possui um problema a ser abordado, será analisar o porquê a identificação fotográfica acaba sendo apontada constantemente como eivada de vícios, gerando nulidade. Assim questiona-se como a atual jurisprudência das Cortes Superiores tem corrigido essa nulidade?

Quanto ao objetivo geral é entender como o reconhecimento fotográfico é utilizado como meio de prova no Processo Penal e destacar as falhas e vícios que podem comprometer a eficácia e a validade da prova.

Já os objetivos específicos é avaliar que a identificação por meio de fotografia não seja proferida como única prova central, em razão de sua vulnerabilidade, defender que quando aplicado isoladamente seja presumido como prova eivada de vício e explorar a legislação brasileira, para identificar os fundamentos e limitações referente ao reconhecimento fotográfico.

Nesse contexto, a presente pesquisa busca analisar criticamente o reconhecimento fotográfico no Processo Penal, destacando suas falhas e os impactos negativos decorrentes de sua admissibilidade como prova central. A hipótese levantada é que a declaração da ineficácia probatória desse método garantiria maior lisura ao devido processo legal, prevenindo nulidades processuais e assegurando maior segurança jurídica.

Para tanto, a pesquisa se propõe a examinar a legislação brasileira referente ao tema, discutir as limitações do reconhecimento fotográfico e propor que esse meio de identificação não seja considerado prova determinante na condenação de um réu. A relevância deste estudo se fundamenta em levantamentos realizados por órgãos como o Condege e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que evidenciam um elevado número de erros relacionados ao reconhecimento fotográfico, impactando diretamente a vida de indivíduos que são presos injustamente (CONDEGE, 2019).

Assim, a pesquisa visa contribuir para o aprimoramento do Processo Penal brasileiro, incentivando a adoção de métodos mais seguros e equitativos para a identificação de suspeitos, a fim de reduzir a incidência de injustiças no sistema judiciário.

Dessa forma, o presente artigo está dividido em três partes, no primeiro capítulo será abordado os aspectos históricos e controversos do reconhecimento fotográfico, no segundo capítulo será discutido os aspectos inconstitucionais da sua aplicabilidade no processo penal e por fim no último capítulo será apresentado questões relativas à sua ineficácia probatória na fase pré processual, judicial e jurisprudências do tema.

Esta pesquisa utiliza o método dedutivo, partindo de princípios gerais do processo penal e da jurisprudência para analisar a ineficácia do reconhecimento fotográfico como meio de prova. A abordagem adotada é qualitativa, permitindo uma investigação aprofundada por meio da análise de jurisprudência, doutrinas, artigos acadêmicos e dados estatísticos. O estudo é de caráter explicativo e bibliográfico, com foco na identificação de erros judiciais decorrentes da falta de regulamentação específica para essa prática. Além disso, serão analisados casos concretos que ilustram as falhas e impactos jurídicos do reconhecimento fotográfico no ordenamento penal brasileiro.

2. OS ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTROVERSOS

O reconhecimento fotográfico tem suas raízes no século XIX, quando as forças policiais começaram a utilizar registros fotográficos para identificação de criminosos reincidentes. A técnica ganhou força com o desenvolvimento da fotografia e a criação de bancos de dados criminais, como o sistema Bertillon na França, que catalogava suspeitos com base em medidas antropométricas e imagens fotográficas (BERTILLON, 1893). No Brasil, o reconhecimento fotográfico passou a ser amplamente empregado a partir do século XX, especialmente com a institucionalização das delegacias de identificação criminal (CUNHA, 2004, p. 214).

Com o advento do Código de Processo Penal (CPP) de 1941, o reconhecimento pessoal foi formalmente regulamentado no artigo 226. Entretanto, a norma não trouxe disposições específicas sobre o reconhecimento fotográfico, permitindo sua aplicação de forma discricionária pelas autoridades policiais (BRASIL, 1941). Esse vazio normativo abriu margem para diversas interpretações jurisprudenciais, levando à insegurança jurídica na utilização da prova.

A partir da década de 1980, estudos da psicologia cognitiva começaram a demonstrar a vulnerabilidade da memória humana e os riscos de erros em reconhecimentos fotográficos. Nos Estados Unidos, casos emblemáticos, como os julgamentos analisados pelo Projeto Inocência (Innocence Project), evidenciaram que reconhecimentos equivocados foram responsáveis por diversas condenações injustas, muitas vezes revertidas com o avanço dos exames de DNA (GARRETT, 2011, p. 85). No Brasil, a discussão sobre a falibilidade do reconhecimento fotográfico ganhou força nos anos 2000, impulsionada por erros judiciários amplamente divulgados pela mídia e pela atuação de organizações de direitos humanos (RAMOS, 2018, p. 142).

São observados alguns aspectos controversos um deles é a fragilidade como meio de prova, a identificação fotográfica, constitui um mero indício, sendo dado como prova indireta, pois enfraquece as garantias de defesa, que já são vulneráveis em hipóteses de reconhecimento informal, quando o reconhecimento ocorre por uma tela de computador ou televisão, sem o contato direto entre a testemunha e o suposto criminoso, a segurança jurídica fica ainda mais comprometida, aumentando a fissura de erros judiciais.

Outra controvérsia é a falsa memória e erro judicial a falsa memória é um elemento que influencia nos erros judiciais acerca da identificação fotográfica, dessa forma, conceitua-se que as falsas memórias consistem no fenômeno de se lembrar de eventos que, em realidade, nunca ocorreram, ou que ocorreram apenas parcialmente da forma como se recorda. Portanto, a diferença entre as falsas memórias e as memórias verdadeiras está na correspondência entre seus conteúdos e a realidade, mas, no que cerne às suas bases cognitivas e neurofisiológicas, as duas formas de memórias aproximam-se (Kagueiama, 2021, p. 112).

Distorção da realidade também é uma controvérsia nesse sentido, a identificação de um autor ou de um fato por meio de uma simples fotografia pode distorcer a realidade dos acontecimentos, devido à possibilidade de falsa percepção tanto por parte da vítima quanto das testemunhas, o que pode resultar em equívocos e erros. O reconhecimento de uma pessoa apenas por meio de uma foto não deve ser considerado uma prova direta, mas sim uma prova indireta, ou seja, um simples indício.

Como enfatiza Frederico Marques, com a cautela que é própria desse tipo de análise, tudo depende das circunstâncias que envolvem a percepção dos erros nos dados fornecidos pela vítima ou pelo depoente, que sustentam suas afirmações (Nucci, 2024, p. 297).

Dependência excessiva da memória humana, ressalta-se que o estudo desenvolvido por Simons e Levin, no qual um estranho pedia informações a uma pessoa, passados 10 segundos do início do diálogo, duas pessoas passavam carregando uma porta entre eles, e, nesse exato ínterim no contexto que a visão da pessoa estava bloqueada, o estranho era substituído por outro indivíduo de estatura, voz e roupas diferentes do primeiro e surpreendentemente, 50% dos participantes do estudo não perceberam a substituição do estranho (Kagueiama, 2021, p. 101).

Com isso, falta de contraditório e ampla defesa é um aspecto controverso pois afirma-se que o reconhecimento fotográfico possui valor probatório frágil, pois está sujeito à interferência de falsas memórias, o que pode levar vítimas e testemunhas a cometerem erros ao identificarem o acusado. Além disso, se o procedimento não for conduzido de acordo com as normas do Código de Processo Penal, pode resultar no início de uma ação penal baseada em uma prova permeada por dúvidas, e até mesmo realizada de forma induzida no contexto pré-processual.

O caso Messi ilustra um erro judicial decorrente da utilização de elementos circunstanciais e da falta de provas concretas em uma condenação penal. O ocorrido começou quando um comerciante foi vítima de furto em seu estabelecimento, após perceber o furto, revisou as imagens da câmera de segurança e viu que o criminoso usava uma camiseta do Barcelona com o número 10, o mesmo número usado pelo famoso jogador Lionel Messi. Com essa informação, a polícia fez rondas e encontrou um homem com a camiseta, mas os bens furtados não foram recuperados. O suspeito alegou que havia encontrado a camiseta jogada na rua. Mesmo sem provas materiais que o ligassem diretamente ao crime, ele foi condenado com base na coincidência da roupa e no seu porte físico, características que foram associadas ao criminoso na gravação.

 Contudo, ao analisar o caso, o desembargador convocado Jesuíno Rissato, em seu parecer no HC 686.317, destacou que a condenação se baseou em um reconhecimento indireto, ou seja, na associação da roupa do acusado com o suspeito da gravação, sem qualquer perícia ou outras provas que confirmem sua participação no furto. O desembargador ressaltou ainda que a decisão judicial se fundamentou em elementos frágeis e não comprovados, como as imagens não periciadas e o uso de uma camiseta comum, o que levou à absolvição do réu. Vejamos:

EMENTA: Habeas corpus 686.317. Penal e processual penal. Roubo majorado. Reconhecimento de pessoa. Inobservância do artigo 226 do código de processo penal. Ausência de outras provas idôneas. Condenação fundada em reconhecimento questionável. Ordem concedida.

  1. A condenação do paciente baseou-se em reconhecimento de pessoa realizado sem a observância das formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal, notadamente a apresentação do suspeito ao lado de outras pessoas com características semelhantes.
  2. O reconhecimento foi realizado por meio de imagens de vídeo não periciadas e sem testemunhas presenciais dos fatos, o que compromete a confiabilidade da identificação.
  3. Ausência de outras provas idôneas que corroborem a autoria delitiva atribuída ao paciente.
  4. A jurisprudência desta Corte Superior tem se firmado no sentido de que o reconhecimento de pessoa realizado em desacordo com o artigo 226 do CPP não pode, por si só, embasar condenação penal.
  5. Ordem concedida para absolver o paciente, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 686.317 – SC (2021/0255611-2). Relator: Des. Convocado Jesuíno Rissato. Brasília, DF, 16 nov. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1263047678. Acesso em: 7 maio 2025.

Esse caso evidencia a vulnerabilidade do sistema de justiça penal ao uso de provas indiretas e a necessidade de garantias processuais adequadas, como a ampla defesa e o contraditório, para evitar condenações injustas (RISSATO, 2021).

Outro caso emblemático que evidencia as falhas no reconhecimento fotográfico como meio de prova no processo penal ocorreu em janeiro de 2022, a Polícia Civil do Ceará utilizou indevidamente uma foto do ator norte-americano Michael B. Jordan em um termo de reconhecimento fotográfico relacionado à investigação da chacina de Sapiranga, ocorrida em Fortaleza no Natal de 2021, que resultou em cinco mortes. A imagem do ator foi apresentada como uma das três opções para identificação de suspeitos, levando à apreensão de um adolescente de 17 anos. O caso gerou ampla repercussão e críticas quanto à confiabilidade e aos critérios utilizados nos procedimentos de reconhecimento fotográfico, especialmente no que tange à possibilidade de viés racial e à falta de rigor na seleção das imagens. Especialistas destacaram que o uso de fotos obtidas da internet, sem verificação adequada, evidencia falhas graves no sistema de identificação policial, podendo resultar em injustiças e violações de direitos fundamentais

Tal episódio escancara não apenas o descumprimento das formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal, que exige, por exemplo, a apresentação de pessoas com características semelhantes às do suspeito, mas também a influência de vieses raciais no processo de identificação. A associação errônea entre indivíduos negros, mesmo com traços visivelmente distintos, revela como o racismo estrutural pode contaminar procedimentos probatórios.

De acordo com dados levantados pela CartaCapital (2023), dos oito casos recentes de prisões indevidas baseadas em reconhecimento facial, todos os acusados eram negros, evidenciando uma tendência discriminatória no uso dessas tecnologias e práticas investigativas. Além disso, o reconhecimento foi utilizado de forma isolada, sem respaldo de outras provas que corroborassem a autoria delitiva, o que contraria os entendimentos mais recentes dos tribunais superiores brasileiros.

Nesse sentido dispõe a jurisprudência pátria:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. RÉUS SOLTOS. ROUBO MAJORADO ECORRUPÇÃODE MENORES. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO SUGESTIONADO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DE INQUÉRITO POLICIAL. RATIFICAÇÃO EM JUÍZO. INVALIDADE COMO PROVA PARA AMPARAR JUÍZO CONDENATÓRIO. SENTENÇA REFORMADA. ABSOLVIÇÃO DECRETADA.

Conforme é possível se depreender dos excertos reproduzidos da sentença hostilizada, a condenação está embasada, fundamentalmente, no reconhecimento fotográfico dos réus pela vítima, realizado em sede policial e posteriormente confirmado em juízo. (…)

No presente caso, diante do reconhecimento fotográfico positivo efetuado pela vítima, os ora apelantes foram denunciados e condenados, olvidando-se a julgadora monocrática que a Defesa trouxe aos autos diversos elementos de provas a evidenciar a robustez da afirmação de que não estariam configurados indícios mínimos de autoria delitiva para fundamentar um decreto condenatório. Efetivamente, da leitura da inicial acusatória e da análise do contexto fático nos autos permitem inferir que os recorrentes foram condenados, exclusivamente, com base em um único reconhecimento fotográfico sugestionado realizado em delegacia.

A autoridade policial não mostrou ao ofendido outras fotografias de indivíduos com características semelhantes às dos recorrentes, viciando não somente o ato, mas também a prova judicial dele decorrente, imprestável para sanar a dúvida sobre a autoria delitiva, principalmente porque não é possível emprestar credibilidade e força probatória à confirmação, em juízo, de reconhecimento formal eivado de irregularidades.

Com efeito, a fixação da imagem do reconhecido tende a substituir aquela memória do dia do crime. Assim, não serve como prova independente e idônea o reconhecimento posterior em juízo, após grave falha no reconhecimento inicial.

Ademais, da análise das fotos, é possível verificar a semelhança entre os apelantes com os verdadeiros autores do fato, apontados pelo menor infrator apreendido.

Com isso, fica claro que os recorrentes foram denunciados unicamente por reconhecimento feito através de fotos de redes sociais, além de terem sido confundidos com os verdadeiros roubadores de carga que estão sendo processados junto ao juízo de primeiro grau.

Sob tais premissas e condições, o ato de reconhecimento dos apelantes deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria dos crimes que lhes foram imputados. RECURSOPROVIDO. (TJRJ, Apelação Criminal no. 0028281-91.2019.8.19.0002, Rel. Desembargador JOAQUIM DOMINGOS DE ALMEIDA NETO, SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL, por unanimidade, julgado em 03/06/2022, DJe 07/06/2022, grifos nossos)

 Dessa forma, há nulidade da condenação fundada exclusivamente em reconhecimento fotográfico informal. Nesse contexto, destaca-se a necessidade de rigor na aplicação das normas processuais e de uma abordagem crítica quanto ao uso desse tipo de prova, visando garantir o devido processo legal e prevenir injustiças.

Além das falhas técnicas nos procedimentos de reconhecimento fotográfico, é fundamental destacar a dimensão do racismo estrutural presente no sistema de justiça penal brasileiro. Esse tipo de racismo se manifesta de forma sutil, porém constante, ao influenciar decisões judiciais e policiais a partir de estigmas sociais associados à cor da pele. Conforme alerta Silvio de Almeida, “o racismo é estruturante das relações sociais no Brasil, afetando diretamente a forma como instituições operam, inclusive no campo do direito penal” (ALMEIDA, 2019).

Isso se reflete no fato de que pessoas negras são, desproporcionalmente, vítimas de erros em reconhecimentos fotográficos, como mostram diversos estudos e decisões judiciais. Em um caso analisado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi reconhecida a nulidade da prova de reconhecimento fotográfico, justamente pela ausência de critérios objetivos e pela seletividade racial envolvida, destacando-se que a vítima havia sido induzida a reconhecer o suspeito negro em meio a um álbum de fotos composto majoritariamente por pessoas negras, revelando o viés implícito do procedimento.

3. OS ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DA SUA APLICABILIDADE NO PROCESSO PENAL

O reconhecimento fotográfico, quando utilizado como único meio de prova, apresenta diversas inconstitucionalidades que comprometem os direitos fundamentais do acusado. Dentre essas inconstitucionalidades, destacam-se a violação ao devido processo legal, à presunção de inocência, ao contraditório e à ampla defesa, além da fragilidade probatória que pode resultar em condenações injustas.

De acordo com o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988). No entanto, a prática do reconhecimento fotográfico, quando realizada sem critérios objetivos e científicos, compromete essa garantia, permitindo condenações baseadas unicamente na memória da vítima ou de testemunhas, sem a devida comprovação por outros meios de prova. Nesse sentido, Moraes (2021, p. 47) enfatiza que “a presunção de inocência não pode ser relativizada com base em prova isolada e de duvidosa confiabilidade, sob pena de flagrante afronta ao devido processo legal”.

Além disso, o reconhecimento fotográfico sem observância de protocolos rígidos ofende o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Lima (2020, p. 112) adverte que “a simples exibição de uma fotografia à vítima ou testemunha, sem o devido controle, pode induzir ao erro e comprometer a validade da prova”. Dessa forma, a ausência de critérios formais para a realização do reconhecimento fotográfico pode torná-lo um meio probatório inidôneo, inviabilizando seu uso como base exclusiva para condenações.

Outro ponto relevante é a potencial violação ao princípio da presunção de inocência, disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). No entanto, quando o reconhecimento fotográfico é conduzido sem a devida cautela, há uma inversão do ônus da prova, transformando um suspeito em culpado sem que haja provas concretas de sua participação no crime (NUCCI, 2021, p. 58).

A ausência de regulamentação específica sobre o reconhecimento fotográfico também contribui para sua inconstitucionalidade. O Projeto de Lei nº 676/21 propõe mudanças importantes nesse aspecto, estabelecendo critérios para a utilização desse meio probatório, como a necessidade de documentação detalhada do procedimento e a exigência de outros elementos de prova para corroborar a identificação por fotografia (BRASIL, 2021). Conforme destaca Vieira (2021, p. 23), “o reconhecimento fotográfico não pode ser feito de maneira arbitrária, sob pena de comprometer a confiabilidade das decisões judiciais”.

Ademais, há um viés discriminatório na aplicação do reconhecimento fotográfico, especialmente contra determinados grupos raciais, o que fere o princípio da igualdade previsto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Pesquisas apontam que erros judiciais decorrentes desse tipo de identificação afetam desproporcionalmente pessoas negras, evidenciando um problema estrutural no sistema penal brasileiro (NOBRE, 2022).

Portanto, a utilização indiscriminada do reconhecimento fotográfico no processo penal pode resultar em condenações injustas e violações a direitos fundamentais. O aprimoramento da legislação e a adoção de critérios técnicos e científicos mais rigorosos são essenciais para garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos dos acusados.

4. QUESTÕES RELATIVAS À SUA INEFICÁCIA PROBATÓRIA NA FASE PRÉ- PROCESSUAL, JUDICIAL E JURISPRUDENCIAIS DO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO

A jurisprudência tem demonstrado que condenações baseadas exclusivamente em reconhecimento fotográfico são passíveis de anulação.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que, sem a existência de outros elementos de prova, a condenação não pode ser mantida. Segundo o Ministro Ribeiro Dantas, “a ausência de outras provas que corroborem a identificação fotográfica torna essa técnica insuficiente para fundamentar uma decisão condenatória” (DANTAS, 2021, p. 86).

O reconhecimento fotográfico também é alvo de críticas no âmbito acadêmico. Para Guilherme de Souza Nucci, “a memória humana é falha e passível de influências externas, tornando o reconhecimento um meio probatório de credibilidade reduzida” (NUCCI, 2021, p. 58). Dessa forma, a ciência jurídica tem buscado meios para minimizar os riscos de erros judiciais decorrentes do uso inadequado dessa prova.

Casos de injustiças baseadas em reconhecimentos fotográficos têm ganhado destaque na mídia, como relatado no Podcast Improvável. No episódio 15, a professora Janaína Matida entrevista Ângelo Gustavo Pereira Nobre, que foi preso erroneamente devido a um reconhecimento fotográfico equivocado. Durante a entrevista, ele relata: “Passei meses preso injustamente, perdi momentos importantes com minha família, e tudo isso porque uma foto foi apresentada fora dos padrões corretos” (NOBRE, 2022).

Portanto, torna-se essencial que o reconhecimento fotográfico seja acompanhado de medidas garantidoras da segurança jurídica, como a documentação detalhada do procedimento e a exigência de provas adicionais para corroborar sua validade, aduz que tal prática, é eivado de vícios a qual traz consequências tanto para o indivíduo que configurar no polo passivo do procedimento investigatório ou da ação judicial penal, bem como causa insegurança jurídica, acarretando e comprometendo a licitude ou a validade probatória do aludido instituto.

Nesse sentido:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO, RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

1. A atual jurisprudência dos Tribunais Superiores vem caminhando na direção de extirpar do sistema aquelas condenações baseadas unicamente em reconhecimentos dos acusados, muitas das vezes realizadas sem a mínima observância dos procedimentos legais exigidos.

2. “A desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência.” (STF, RHC 206846, relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 22/2/2022, DJe 25/5/2022). Na mesma linha:

HC 652.284/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/2021, DJe 3/5/2021.

3. In casu, embora o Tribunal a quo tenha salientado que o reconhecimento por fotografia efetuado na fase de investigação preliminar pode constituir meio idôneo de prova, desde que corroborado por outros elementos de convicção carreados durante a instrução procedimental, não se observa a existência de outras provas para a condenação do paciente, que foi amparada exclusivamente no reconhecimento fotográfico realizado em solo policial por uma das vítimas.

4. Hipótese que traz uma peculiaridade que deve ser considerada: a alegação da vítima Viviane de que guardou “a foto que tirou da fotografia do réu mostrada na delegacia”, situação passível de caracterizar uma falsa memória induzida.

5. “A confirmação, em juízo, dos reconhecimentos fotográficos e pessoal extrajudiciais, por si só, não torna os atos seguros e isentos de erros involuntários, pois ‘uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto.’ (HC n. 712.781/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 22/3/2022; grifou-se).”(REsp n. 2.029.730/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023).

6. É nula a sentença condenatória baseada em um único elemento de prova – reconhecimento viciado realizado na fase policial -, diante da total inexistência de outros elementos probatórios.

7. Agravo regimental provido.

(AgRg no HC n. 780.534/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 8/9/2023.) (Grifei).

Discute-se, neste item, alguns aspectos jurisprudenciais relacionados ao reconhecimento fotográfico como meio de prova no processo penal, com base em julgados relevantes. O HC 686.317, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressalta a importância da cautela ao utilizar provas como o reconhecimento fotográfico, considerando as implicações no direito à ampla defesa e ao contraditório, elementos essenciais ao devido processo legal.

A jurisprudência enfatiza, ainda, que o uso exclusivo dessa prova pode comprometer a imparcialidade do julgamento, caso não seja acompanhada de outras evidências robustas. As decisões demonstram uma crescente preocupação com o uso isolado do reconhecimento fotográfico como prova central, especialmente diante da fragilidade dessa técnica e da ausência de outras evidências que vinculem o acusado ao crime. Como afirma Moraes (2024, p. 137), “a dependência excessiva de testemunhas para esse tipo de prova, associada ao contexto psicológico da capacidade memorativa humana, expõe as fraquezas desse instrumento como prova irrefutável no procedimento penal.”

Decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) é de que, já houve a suspensão de uma condenação em relação a essa prática, com base na decisão do ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, que determinou a revogação da prisão preventiva e a suspensão da condenação de um homem acusado de roubo majorado e extorsão majorada. Ao analisar o caso, o ministro destacou que a Justiça de Santa Catarina, ao proferir a sentença, se baseou principalmente na identificação fotográfica realizada pela vítima. Além disso, ao mencionar as demais provas apresentadas, ele ressaltou que os policiais não presenciaram o cometimento do crime nem encontraram evidências que vinculam diretamente o acusado à infração (CONJUR, 2024).

No julgamento do Habeas Corpus (HC) 243077, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, anular as provas, revogar a prisão e encerrar a ação penal contra um homem denunciado por roubo, cuja identificação baseou-se exclusivamente em reconhecimento fotográfico. A vítima reconheceu o suspeito “pela feição dos olhos”, pois o autor do crime usava capacete durante o assalto. O relator, ministro Edson Fachin, considerou que o reconhecimento não observou as formalidades legais e que a descrição física feita pela vítima não era plenamente compatível com a aparência do acusado. Fachin destacou que, conforme a jurisprudência do STF, o reconhecimento fotográfico só pode ser aceito como prova se for acompanhado de outras evidências e conduzido de acordo com as regras previstas no Código de Processo Penal (CPP). In verbis:

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE DO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. PACIENTE NEGRO IDENTIFICADO PELAS FEIÇÕES DOS OLHOS. AUSÊNCIA DE OUTROS INDÍCIOS DE AUTORIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I. CASO EM EXAME.

1. Habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do STJ que negou provimento ao Recurso em Habeas Corpus. O paciente, homem negro, foi denunciado por roubo circunstanciado após ser reconhecido pela vítima em um álbum fotográfico, mesmo estando de capacete no momento do crime. A defesa alega a nulidade do reconhecimento e a ausência de outros indícios de autoria, razão por que requer a revogação da prisão preventiva e o trancamento da ação penal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO.

2. Há duas questões em discussão: (i) se o reconhecimento fotográfico, no qual o paciente foi identificado apenas pelas feições dos olhos enquanto usava capacete, respeitou o art. 226 do CPP; (ii) se a ausência de outros indícios de autoria justifica a revogação da prisão preventiva e o trancamento da ação penal. III. RAZÕES DE DECIDIR.

3. Embora a jurisprudência desta Suprema Corte reconheça a fuga e a condição de foragido como fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva, isso não dispensa a necessidade de prévia comprovação de suficientes indícios de autoria.

4. No caso concreto, o indício de autoria atribuído ao paciente baseou-se em um reconhecimento fotográfico, feito por comparação das feições dos olhos, após a apresentação de um álbum com fotos de indivíduos já registrados pela polícia. Esse indício, por si só, é insuficiente para sustentar a prisão preventiva e deflagrar a ação penal.

5. A ausência de outros indícios de autoria, somada ao lapso temporal de mais de 13 anos desde o crime, compromete os fundamentos tanto da prisão preventiva quanto da própria ação penal.

6. O reconhecimento fotográfico, realizado sem observância das formalidades previstas no art. 226 do CPP, é nulo, especialmente quando envolve a identificação do paciente por meio de feições parcialmente ocultas por um capacete.

7. A fragilidade desse reconhecimento, agravada pela condição do paciente e pelas implicações raciais no processo de identificação, reforça a necessidade de assegurar o respeito às garantias processuais, justificando a revogação da prisão preventiva e o trancamento da ação penal. IV. DISPOSITIVO E TESE.

 8. Ordem concedida de ofício. Revogação da prisão preventiva. Trancamento da ação penal. Tese de julgamento: “1. O reconhecimento fotográfico realizado sem as formalidades do art. 226 do CPP é nulo, especialmente quando a identificação é baseada apenas na visualização de parte do rosto do agente. 2. A ausência de outros indícios de autoria justifica a revogação da prisão preventiva e o trancamento da ação penal.” Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 226; CPP, art. 386, V; CPP, art. 157, §1º. Jurisprudência relevante citada: STF, RHC 206846, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 22.02.2022.

(HC 243077, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 07-10-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 11-10-2024 PUBLIC 14-10-2024) (Grifei).

Este caso reforça a jurisprudência do STF de que o reconhecimento fotográfico, como meio de prova, pode servir para identificar o réu e fixar a autoria do crime somente quando for reforçado por outras provas e feito em observância aos procedimentos do CPP. Além disso, o Supremo Tribunal Federal vai decidir se o reconhecimento pessoal em processo penal tem validade de prova para definir a autoria de um crime quando o procedimento não seguir o Código de Processo Penal. A discussão, que teve repercussão geral admitida (Tema 1.380), busca esclarecer se a prática viola direitos constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa e a proibição de provas ilícitas.

O posicionamento do STF (Supremo Tribunal Federal) mediante ao exposto, nos diz que outro ponto relevante é que segundo o Ministro Alexandre de Moraes, “O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (art. 5º, LV)”, o que enfatiza que as práticas, mostram impactos causados pelo reconhecimento fotográfico na manutenção da imparcialidade do processo penal. A violação dos direitos fundamentais do acusado, como o direito à ampla defesa e ao contraditório, pode ocorrer quando o reconhecimento fotográfico é utilizado como a principal prova de acusação, sem que seja proporcionada ao réu o ensejo de refutá-la adequadamente.

A dependência excessiva de testemunhas para esse tipo de prova, associada ao contexto psicológico da capacidade memorativa humana, expõe as fraquezas desse instrumento como prova irrefutável no procedimento penal (Moraes, 2024, p. 137).

O reconhecimento fotográfico, embora amplamente utilizado na fase investigativa, tem sido alvo de crescentes críticas no âmbito jurídico por sua fragilidade como prova isolada. A jurisprudência recente, especialmente em julgados do Superior Tribunal de Justiça, tem destacado a necessidade de observar garantias constitucionais como o contraditório e a ampla defesa, alertando para os riscos de erros judiciais.

A seguir, são analisados os principais fatores que contribuem para a falha no reconhecimento fotográfico, conforme doutrina e decisões recentes:

Apresentação inadequada das fotografias: A forma como as fotografias são apresentadas pode comprometer a validade do reconhecimento. Quando o suspeito é exibido isoladamente ou em destaque em relação a outros, há grande risco de indução. Como ressalta Rissato (2021), “a apresentação enviesada das imagens pode direcionar psicologicamente a vítima a uma escolha não isenta, anulando o valor probatório da identificação”.

Falta de semelhança: Quando os demais indivíduos apresentados na fotografia não compartilham características físicas semelhantes ao suspeito, o reconhecimento torna-se falho. Essa falha foi reconhecida no HC 686.317, quando se constatou que “não havia outros elementos com traços compatíveis” (RISSATO, 2021), tornando o reconhecimento direcionado e comprometendo o contraditório.

Sugestão da polícia: A indução por parte da autoridade policial, seja de maneira verbal ou gestual, pode viciar o reconhecimento. Segundo Moraes (2024), “a sugestão da polícia, mesmo sutil, compromete a espontaneidade do ato de reconhecimento e gera nulidade processual”.

Falta de renovação em juízo: A jurisprudência do STJ tem reforçado que o reconhecimento realizado apenas na fase inquisitorial deve ser renovado em juízo, sob o crivo do contraditório. Rissato (2021) observa que “a ausência de confirmação judicial inviabiliza o uso do reconhecimento como prova principal para a condenação”.

Distúrbios de memória: A memória humana é suscetível a falhas, especialmente quando submetida ao trauma de um crime. Moraes (2024, p. 137) destaca que “a lembrança pode ser reconstruída com base em fatores externos, e não necessariamente na realidade dos fatos presenciados”, o que fragiliza o valor da prova testemunhal visual.

Efeitos da ansiedade: Vítimas de crimes geralmente estão sob intenso estresse emocional, o que interfere diretamente na capacidade de observação. De acordo com o STJ, “as emoções intensas podem distorcer a percepção, gerando reconhecimentos imprecisos” (RISSATO, 2021).

Influência de preconceitos: A formação de estereótipos, muitas vezes inconscientes, pode influenciar o reconhecimento e gerar injustiças. Moraes (2024) alerta que “preconceitos raciais ou sociais podem orientar a vítima a identificar o suspeito com base em estigmas e não em lembrança concreta do crime”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento fotográfico, embora amplamente utilizado no processo penal brasileiro, apresenta fragilidades estruturais que comprometem sua confiabilidade como meio de prova. A ausência de um procedimento normatizado e as recorrentes falhas associadas ao método evidenciam a necessidade urgente de revisão de sua admissibilidade quando utilizado isoladamente.

Esta pesquisa demonstrou que a identificação fotográfica é suscetível a influências externas, como falhas na memória, indução por autoridades e preconceitos estruturais, fatores que podem levar a erros judiciários e condenações injustas. Os estudos analisados e os precedentes jurisprudenciais do STF e do STJ deixam claro que essa prova, por si só, não é suficiente para sustentar uma condenação penal, sob pena de violação a princípios constitucionais como o devido processo legal, a ampla defesa e a presunção de inocência.

Diante desse cenário, é imprescindível que a regulamentação do reconhecimento fotográfico seja reformulada, estabelecendo critérios objetivos e protocolos rígidos para sua realização. Além disso, é fundamental que essa forma de prova nunca seja utilizada isoladamente, devendo ser corroborada por outros elementos probatórios robustos. A capacitação dos profissionais envolvidos no procedimento também se mostra essencial, garantindo que sejam adotadas práticas que reduzam a margem de erro e aumentem a segurança jurídica.

Portanto, este estudo contribui para o debate sobre a fragilidade do reconhecimento fotográfico no processo penal e reforça a necessidade de reformas que garantam maior precisão na produção da prova. Somente por meio de mudanças estruturais será possível prevenir injustiças e assegurar o respeito aos direitos fundamentais dos acusados, fortalecendo a credibilidade do sistema de justiça penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRANTES, Samuel. Análise acerca do reconhecimento fotográfico e os mecanismos para mitigação do erro judiciário no sistema de justiça penal.2024. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/53886/1/TCC%20%20SAMUEL%20D%20ANTAS%20DE%20ABRANTES%20%28resposit%C3%B3rio%29.pdf. Acesso em: 27 mar. 2025.

ABREU, Gabrielle. O reconhecimento fotográfico como meio de prova: uma análise diante da mudança jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. 2024. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/17751/1/GGAbreu.pdf. Acesso em: 27 mar. 2025.

BARBOSA, Biatriz de Melo. Falsas memórias no processo penal e direito a um julgamento justo. Paraíba, 2022. Disponível em: https://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/26397/1/PDF%20%20Biatri z%20de%20Melo%20Barbosa. Acesso em: 27 mar. 2025.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 27 mar. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 243.077/SP. Relator: Ministro Edson Fachin. Julgado em 4 out. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/2918541812. Acesso em: 10 maio 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 206846/SP. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Segunda Turma. Julgado em 22 fev. 2022. Publicado em 25 maio 2022. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jspdocTP=TP&docID=760929630. Acesso em: 27 mar. 2025.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9788553620821. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553620821/. Acesso em: 27 mar. 2025.

CARTA CAPITAL. Erros em série expõem fragilidade do reconhecimento facial como ferramenta de combate ao crime. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/tecnologia/erros-em-serie-expoem-fragilidade-do-reconhecimento-facial-como-ferramenta-de-combate-ao-crime/. Acesso em: 4 maio 2025.

CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Como o reconhecimento falho em delegacias leva negros e pobres para a prisão. Disponível em: https://www.conectas.org/noticias/como-o-reconhecimento-falho-em-delegacias-leva-negros-e-pobres-para-a-prisao/. Acesso em: 4 maio 2025.

CONDEGE. Relatório de erros em reconhecimento fotográfico. Disponível em: https://www.condege.org.br/arquivos/1029. Acesso em: 9 mar. 2025.

CORREIO BRAZILIENSE. Foto de Michael B. Jordan aparece entre suspeitos de chacina. 2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/01/4975929-foto-de-michael-b-jordan-aparece-entre-suspeitos-de-chacina.html. Acesso em: 4 maio 2025.

DI GESU, Cristina Carla. Prova penal e falsas memórias. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/4794/1/409724.pdf. Acesso em: 9 mar. 2025.

FERNANDES, Lara Teles de. Prova testemunhal no processo penal. 2. ed. Florianópolis: Emais, 2020. p. 155. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/194023/prova_testemunhal_processo_fernandes_2.ed.pdf. Acesso em: 9 mar. 2025.

MATIDA, Janaina; CECCONELLO, William W. Reconhecimento fotográfico e presunção de inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 409–440, jan./abr. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v7i1.506. Acesso em: 20 mar. 2025.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 591.

RISSATO, Jesuíno. Parecer no HC 686.317. Supremo Tribunal de Justiça, 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 4 maio 2025.

SENADO FEDERAL. Senado aprova mudanças em regras de reconhecimento de acusados, texto vai à Câmara. Relator: Alessandro Vieira. Brasília, 13 de out. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/13/senado-aprova-mudancas-em-regras-de-reconhecimento-de-acusados-texto-vai-a-camara. Acesso em: 20 mar. 2025.

STJ. HC 712.781-RJ, Relator: Min. Rogério Schietti Cruz. Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15 mar. 2022. DJe 22 mar. 2022. RSTJ, v. 265, p. 1010. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@CNOT=%27018901%27. Acesso em: 9 mar. 2025.

STJ. Pesquisa no STJ mostra ainda resistência à jurisprudência sobre reconhecimento de pessoas. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/17052024-Pesquisa-no-STJ-mostra-ainda-resistencias-a-jurisprudencia-sobre-reconhecimento-de-pessoas.aspx. Acesso em: 30 mar. 2025.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Reconhecimento de pessoas: um campo fértil para o erro judicial. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/06022022-Reconhecimento-de-pessoas-um-campo-fertil-para-o-erro-judicial.aspx. Acesso em: 4 maio 2025.


¹ Acadêmica de Direito. E-mail: Juliana2810reis@gmail.com. Artigo apresentado a UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO.
²Acadêmica de Direito. E-mail: taynaratsc115@gmail.com. Artigo apresentado a UNISAPIENS, como  requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO.
³Professora Orientadora. Doutora em Ciências Jurídicas DINTER entre FCR e UNIVALI/SC. Mestre em Direito pela UNIVEM/SP. Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pelo Verbo Jurídico/RJ E-mail: almeidatemis.adv@gmail.com.