RACISMO ESTRUTURAL NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO: INICIATIVAS INCLUSIVAS COMO FORMA DE COMBATE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10215216


Elisangela Bandeira1
Laura Braga Gotuzzo2


RESUMO: Partindo da conexão entre o mercado de trabalho, racismo estrutural e políticas inclusivas para o combate a desigualdade na esfera trabalhista, a pesquisa se justifica diante do índice ínfimo de pessoas negras em cargos de relevância ou de chefia. E para salientar  a dificuldade que é para a população negra brasileira ter acesso ao mercado de trabalho formal, sendo que toda a estrutura do sistema impossibilita o acesso à educação e a uma qualificação de qualidade para a concorrência em cargos formais. Apresentamos os resultados de uma pesquisa realizada no ano de 2022, com um olhar consciente no passado brasileiro e levando perspectivas para o futuro, através de pesquisas bibliográficas e notícias de sítios eletrônicos jornalísticos. Para tanto, será utilizado o método qualitativo e o dedutivo. Com isso temos como objetivo indagar sobre métodos a serem adotados para combater o racismo estrutural no mercado de trabalho brasileiro, saber como se caracteriza o racismo estrutural na sociedade brasileira; como ocorre a participação das pessoas negras no mercado de trabalho brasileiro; e, por fim,  especificar como é a realidade da acessibilidade da população negras e as medidas inclusivas que foram tomadas.

PALAVRAS CHAVE: Racismo estrutural. Mercado de trabalho. Reparação histórica. Inclusão.

ABSTRACT: Starting from the connection between the labor market, structural racism and inclusive policies to combat inequality in the labor sphere, the research is justified in the face of the absence of black people in positions of relevance or leadership and to even highlight the difficulty that is the Brazilian black population have access to the formal job market, and the entire structure of the system makes it impossible to access education and prepare for labor requirements. We present the results of a survey carried out in 2022, with a conscious look at the Brazilian past and taking perspectives for the future, through bibliographic research and news from electronic sites, the qualitative and inductive method used. With this, we aim to inquire about methods to be adopted to combat structural racism in the Brazilian labor market, to know how structural racism is characterized in Brazilian society; how the participation of black people in the Brazilian labor market occurs; and, finally, specify the reality of accessibility for the black population and the inclusive measures that have been taken.

KEYWORDS: Structural racism. Labor market. Historic Reparation, Inclusion

 INTRODUÇÃO

O presente artigo terá por finalidade analisar, por meio de análise bibliográfica e documental, as questões que permeiam as políticas inclusivas no mercado de trabalho brasileiro, com o foco centralizado nas ações exclusivas para população autodeclarada preta ou parda, e como tal iniciativa, seja oriunda de uma empresa privada ou de legislação de ações afirmativas, auxiliam no combate do racismo estrutural que permeia o mercado de trabalho brasileiro. 

Nossa área de concentração se dará no direito social ao trabalho, e de forma específica construiremos um pensamento crítico social e estrutural até atingir tal objetivo, a presente pesquisa baseia-se no método qualitativo e dedutivo, utilizando-se das técnicas de revisão de literatura sobre obras que tratam do tema. Para tanto, fez-se uma revisão bibliográfica baseada em autores que abordam a matéria e análise de reportagens de sítios eletrônicos jornalísticos.

Como objetivos específicos temos: (I) saber como se caracteriza o racismo estrutural na sociedade brasileira e se em seu ordenamento jurídico brasileiro existem formas de combate a prática; (II) saber sobre os dilemas da participação das pessoas autodeclaradas pretas ou pardas no mercado de trabalho brasileiro; e, por fim, (III) abordar qual a realidade que a população negra enfrenta para se inserir no mercado de trabalho.

A abordagem será feita nas seguintes divisões: no primeiro capítulo desenvolvemos sobre o racismo estrutural no brasil  e o ordenamento jurídico brasileiro:  enfrentamento e reparação social , no segundo capítulo será tratado sobre os dilemas enfrentados pela população negra no mercado de trabalho brasileiro, no capítulo seguinte abordaremos especificamente ao processo das seleções inclusivas e exclusivas para pessoas negras, e  finalizaremos a com as conclusões obtidas.

RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL  E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO:  ENFRENTAMENTO E REPARAÇÃO SOCIAL  

É um fato histórico que Brasil, Portugal, Inglaterra, Espanha, Congo, dentre outros Estados entrelaçam a construção da sua história como Estados, na rotas que foram traçadas via transatlântico, no sistema de exploração escravocrata, e a base da sua economia se deu via um dos capítulos mais violentos da humanidade. Nas palavras de Eugenio Raul Zaffaroni: “Estados se formaron en procesos  violentos en los que éstos dominaron a otros Estados o sociedades por medio de proceso análogos y lo que es más grave, lo siguen haciendo, o sea, se siguen cometiendo crímenes de Estado.” (Zaffaroni, p. 7, 2012)

No que diz respeito ao Brasil, em seu âmbito interno, este seguiu fomentando o crime e a segregação. Uma vez que após a abolição da escravidão, sua legislação servia como uma forma de exclusão da população negra, pois não houve na época nenhuma medida social que viesse a beneficiar política, econômica e socialmente a população negra recém libertada.

Dessa forma, é fundamental trazer a perspectiva histórica e começar pela relação entre escravidão e racismo, mapeando suas consequências. Deve-se pensar como esse sistema vem beneficiando economicamente por toda a história a população branca, ao passo que a negra, tratada como mercadoria, não teve acesso a direitos básicos e à distribuição de riquezas (Ribeiro, p. 3, 2019).

O Brasil é composto de classes, mas infelizmente para a população negra não foi possível transitar entre essas classes sociais, desde a abolição da escravidão essa população brasileira foi rechaçada a marginalidade e ironicamente a liberdade se transformou em manipulação das massas. Como nos esclarece Souza:

Assim entre as classe sociais que formam o Brasil moderno, foi a ”rale de novos escravos” que somam ainda hoje em dia, mais de um terço da população, agora de todas as cores de pele, mas herdando o desprezo social de todos que era devotado ao escravo negro (…) O Brasil passou de um mercado de trabalho escravocrata para um formalmente livre, mas manteve todas as virtualidades do escravismo na nova situação. (Souza, 2019, pág. 108)

Verificamos que houve uma incorporação na atualidade, das barbáries que eram cometidas contra a população negra, no período escravocrata porém, com uma roupagem mais moderna. Felizmente nosso ordenamento jurídico se mostra a cada dia mais aberto para as transformações antropológicas, a globalização e aos tratados internacionais, os quais ao serem ratificados pelo Brasil incorporam em seu ordenamento jurídico princípios igualitários e inclusivos. 

Depois das atrocidades vivenciadas durante a Segunda Guerra Mundial e Ditadura Militar Brasileira, nossa Constituição Federal de 1988 foi contemplada com ideais de igualdade e inclusão. Motivo pelo qual, muitos doutrinadores a denominam, carinhosamente, de “Constituição Cidadã”.  Dessa forma, nossa carta magna prevê o princípio da igualdade em seu artigo 5º, já em seu preâmbulo, quando versa: “todos são iguais perante a lei”. Mas com os estudos e as ponderações realizadas a cada caso concreto, tal entendimento é aplicado nos tribunais brasileiros de forma específica. Brilhantemente, Nélson Nery Júnior, versa sobre o tema: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.”

Portanto, um pouco antes e após a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve um aumento de conversas sobre a questão racial e toda a dificuldade enfrentada pela população negra brasileira, com tal iniciativa conseguimos ver que a temática foi inserida no campo social e começava a dar os primeiros passos para o reconhecimento de sua importância. Dessa forma, Mário Theodoro complementa:

As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por um contexto onde o debate era mobilizado pela questão da existência ou não da discriminação racial no país. A democracia racial ainda se colocava como um paradigma a ser questionado, e o reconhecimento das desigualdades raciais e a reflexão sobre suas causas precisava se consolidar. A partir de meados dos anos 90, entretanto, os termos do debate se transformaram. Reconhecida a injustificável desigualdade racial que, ao longo do século, marca a trajetória dos grupos negros  e brancos, assim como sua estabilidade ao correr do tempo, a discussão passa progressivamente a se concentrar nas iniciativas necessárias, em termos da ação pública, para o seu enfrentamento (Theodoro, 2008, pág. 11)

Seguindo o desenvolvimento social, podemos verificar na Lei 12.711/ 2012, vulgo Lei de Cotas nas Universidades, que gera oportunidade para pessoas negras, pardas, indígenas e  pessoas com deficiência, ingressarem em cursos superiores. A Lei de Cotas veio para ressignificar todo o sistema educacional brasileiro,  rompendo com o ciclo vicioso dentro das universidades brasileiras, onde só pessoas brancas tinham acesso à educação.  Destaca-se a pesquisa sobre a desigualdade social por cor ou raça no Brasil realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as matrículas realizadas por acadêmicos pretos ou pardos  ultrapassou as matrículas realizadas por universitários brancos, totalizando 50,3%.

Versa a Lei nº 12.990/14, denominada Lei de Cotas nos Concursos Públicos, o percentual de 20% das vagas para candidatos negros em concursos públicos, o que trás mais representatividade dentro da administração pública, refletindo em todos os aspectos no combate ao racismo  estrutural e a manutenção do poder pela elite, predominantemente branca. 

Da forma que explica Maria Rita Kehl, o esquecimento da tortura produz a naturalização da violência como grave sintoma social no Brasil (Kehl, 2010). Embora a autora tenha como estudo principal, a Ditadura Militar no Brasil, analogicamente, pode-se utilizar seus textos sobre violência como sintoma social, nos casos de racismo e racismo estrutural.

Salientamos que toda a luta racial,  reparação histórica, denúncias de abordagens racistas, todos os atos que a população negra reivindica  hoje, não é algo novo no cenário brasileiro, sempre esteve presente de diversas formas para que tal parte da história não caia no esquecimento e banalização do sofrimento. 

Dessa forma, não basta não ser racista, existe a necessidade de ser antirracista. Pois, o racismo como parte da estrutura social, necessita de uma postura de combate mais intolerante. Uma vez que o silêncio da população branca diante de situações racistas as tornaria responsáveis pela manutenção e perpetuação da prática criminosa.

DILEMAS ENFRENTADOS PELA POPULAÇÃO NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO

Temos enraizada a hierarquização de pessoas na construção da sociedade brasileira, o senhor versus os escravos, o empregador versus o empregado, o livre e o encarcerado, e nisso o racismo estrutural que está tão latente socialmente, cria subcategorias de brasileiros e a população negra sempre se encontra nas extremidades e no polo negativo dessas relações. 

Na medida em que nossa sociedade está restringindo toda e qualquer oportunidade e acessibilidade disfarçada de requisitos e qualificações, consciente que a maioria da população afrodescendente não desfruta de tais condições, estamos perpetuando a desigualdade racial no mercado de trabalho e, consequentemente, praticando racismo estrutural. 

Segundo dados do IBGE do ano de 2018,  a população negra é a maioria em termos de números de trabalhadores em subempregos ou na categoria informal, na região norte e nordeste do Brasil chegando no patamar de  60% dos trabalhadores, e essa se mantém quando consideramos o grau de instrução da população, e tudo isso influência diretamente o poder de aquisição, a renda familiar, a possibilidade de ter acesso a outros bens e serviços. Vejamos:

Em 2018, enquanto 34,6% das pessoas ocupadas de cor ou raça branca estavam em ocupações informais, entre as de cor ou raça preta ou parda esse percentual atingiu 47,3%. (…) Ao longo da série histórica e regionalmente, a população branca obtém vantagem também no tocante aos rendimentos do trabalho. Esse quesito é fundamental na medida em que compõe importante fonte de renda para a aquisição de bens e serviços e para o padrão de consumo alcançado pelos indivíduos e suas famílias.(IBGE, 2019)

Há uma discrepância de dados do IBGE no que diz respeito a proporção de cor ou raça de pessoas em cargos de gerência. Segundo o órgão estatístico, quanto maior o rendimento financeiro, menor é a incidência de pessoas pretas ou pardas na posição.

Inclusive, no ano de 2018, no que diz respeito a classe social de rendimentos mais altos, somente 11,9% das pessoas pretas ou pardas ocupavam cargos de gerência. Bem como, o rendimento médico domiciliar também apresentou diferenças, onde pessoas brancas em cargos de gerência possuíam rendimentos mais altos, cerca de 53,2%, contra os 45,3% de pessoas pretas ou pardas.

Algumas empresas privadas visando a rentabilidade que o mercado voltado para a população afrodescente movimenta na economia brasileira, inclui em suas estratégias de marketing cotas para pessoas negras, na tentativa de vender uma imagem inclusiva e respeitando a diversidade presente no Brasil, mas quando vai se analisar o quadro de funcionários, quando se verifica a hierarquia de poder dentro do executivo empresarial, na maioria das vezes encontramos o racismo estrutural, pois a inclusão de pessoas negras capacitadas para esses cargos é inexistente.

Podemos verificar que embora na promoção das campanhas e nos comerciais publicitários veiculados, haja a publicização da inclusão de pessoas negras e pardas nos cargos empresariais, na prática, isso não ocorre. Quando analisamos os quadros corporativos das empresas e, principalmente, quando falamos de cargos de liderança, existem pouquíssimas pessoas negras ou pardas nesses cargos, isso quando não são inexistentes.

Entendemos que o sistema capitalista é guiado por suas individualizações, mas a partir do momento em que toda uma margem da população brasileira, é escanteada para o sub trabalho ou a falta deste, não há que se imperar meritocracia ou capacidade produtiva, há sim a perpetuação de todos os valores que foram implementado no período escravocrata que atualmente se moldaram para o racismo existente no mercado de trabalho.

É importante destacar que algo simples como as entrevistas de emprego, que são uma etapa essencial para a contratação ou quando se fala em mercado de trabalho, que seja uma análise de experiências de trabalho anteriores e fluência em um segundo idioma, como geralmente é um pré-requisito. Quando mencionamos acessibilidade e a inclusão não queremos que a população negra se abstenha desses requisitos, mas em sua maioria das vezes uma simples entrevista por mais que tenha um currículo aceitável, torna-se um ataque a sua imagem pessoal, a sua autoestima e ancestralidade.

Quando falamos em contratações, para se tornar uma pessoa aceitável e apresentável dentro da empresa, se moldando ao “perfil exigido”, quase sempre são sugeridas modificações na aparência física da pessoa. Por exemplo, no caso das mulheres de que o cabelo esteja alinhado e preso ou que seja feito algum procedimento químico para alisar, e aos homens quase sempre é sugerido que esteja com o cabelo raspado, procedimento este que era feito nos escravos quando desembarcavam nos portos brasileiros. Outro exemplo importante é para que essas pessoas não utilizem cores e estampas que representam o continente africano.  Ocorre que muitas das sugestões na aparências das pessoas pretas ou pardas, são uma tentativa de amenizar características do fenótipo negro.

A seguir, Flauzina destaca o pensamento de Carneiro:

No Brasil, a estética branca ou de herança europeia é mais valorizada no mercado, tanto por valores eugênicos ainda presentes na nossa sociedade como pelo mito da democracia racial. Nos desafios colocados por Suely Carneiro “para enegrecer o movimento feminista brasileiro” (CARNEIRO, 2005, p.23), está incluído aquele de introduzir, na crítica “aos mecanismos de seleção no mercado de trabalho, o critério de boa presença como um mecanismo que mantém as desigualdades e os privilégios entre as mulheres brancas e negras” (Carneiro, 2005, p. 23).

O exercício do trabalho é uma condição essencial para a reprodução da cidadania e se esse exercício for negado para qualquer pessoa, ela não poderá exercer sua cidadania livremente. Tal ato, também, caracteriza-se como uma forma de exclusão social, pois o direito ao trabalho é fundamental para que as demais dimensões da vida em sociedade seja realizada de forma digna.

Dessa forma, é possível verificar-se a desvantagem historicamente construída que a população preta e parda, tem em relação a população branca. Tratam-se de anos de atrasos das iniciativas públicas e privadas, tanto para a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, quanto no que diz respeito ao meio acadêmico e político. 

SELEÇÕES INCLUSIVAS E EXCLUSIVAS PARA PESSOAS NEGRAS 

A necessidade de mecanismos, práticas e programas inclusivos é essencial para a reversão dessas desigualdades historicamente acumuladas. Reconhecer a existência dessas desigualdades e criar mecanismos sociais e políticos para o seu combate é essencial para assegurar o princípio da igualdade em sua forma mais ampla.

Diante de toda a problemática institucional instaurada, algumas empresas privadas tem voltado sua atenção exclusivamente para pessoas negras e pardas. Tal iniciativa que deveria ter sido abraçada socialmente e promovido uma reação em cadeia positiva de outras empresas privadas, teve que enfrentar duras críticas da população autodeclarada branca, que se sentiu excluída desse tipo de iniciativa inclusiva, gerando denúncias no Ministério Público do Trabalho de São Paulo, sendo que o qual reconheceu que se trata de uma ação afirmativa com o intuito de fazer uma reparação histórica. 

Dessa forma, graças ao apoio do Ministério Público, tal iniciativa segue o seu caminho com o passar dos anos,  na tentativa de inclusão e  reconhecimento de pessoas negras e pardas em vagas que durante toda a história do país foram preenchidas majoritariamente por candidatos brancos, os quais sempre beneficiaram-se do racismo estrutural e, por muitas vezes, seguiram ou ainda seguem o perpetuando.

Toda essa revolta social é fruto do esquecimento histórico, ou da falta de educação histórica da população, que dentre os argumentos utilizados tem-se que tal desigualdade provocava uma infração à Lei n. 7716/89, a qual tipifica  como crime  no seu artigo quarto, negar ou obstar emprego em empresa privada. Ocorre que em nenhum momento se negou a seguir contratando outros profissionais que não preenchiam os requisitos, pelo contrário, as contratações seguiram ocorrendo de maneira normal, apenas foi implementado uma seleção específica para tal público.

Lembrando que a partir da década de 1870, o Brasil se encontrava em  meio a transformações sociais em virtude da Lei do Ventre Livre (1871) e da Lei dos Sexagenários (1885), as quais anunciavam que o fim da escravidão estava próximo. Juntando tais fatos com a política do branqueamento, e as ideias de eugenia racial, o Brasil promoveu inúmeros incentivos para recepcionar imigrantes vindos da Europa, enquanto a população negra e parda simplesmente foi rechaçada à marginalidade, tendo extrema dificuldade para manutenção de sua sobrevivência.

Às pessoas negras foi dificultado o acesso à educação, as quais necessitaram trabalhar, em sua maioria, apenas com a força braçal. A dificuldade em manter-se nas escolas e concluir o nível básico de escolaridade, fez com que a população negra e parda trabalhasse em serviços informais ou, quando formais, em serviços precarizados.

Todas essas características foram sendo mantidas no decorrer dos anos pela elite dominante, uma vez que a mão de obra negra e parda era mais barata no mercado de trabalho, acarretando na perpetuação dessa violência simbólica, moldando a população negra. Maria Porto nos relata como funciona o processo de dominação:

Vale lembrar que o conceito de dominação, que também dá sentido e conteúdo à noção de violência simbólica, caracteriza-se pela possibilidade de exercer o domínio sobre o outrem pela imposição de conteúdos da fala, do discurso, da ação dos media e de outras práticas simbólicas, conteúdo imposto e justificado pela pretensão de legitimidade de seus enunciados, mesmo que arbitrários e tidos por ilegais (Porto,2010)

Diante o apresentado, as ações afirmativas com caráter inclusivo para população negra tem embasamento e amparo pela Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Igualdade Racial. Se a pouco tempo na nossa história, tínhamos essa estrutura de benefícios exclusivos para os imigrantes, que substituíram o trabalho escravo, esse estranhamento social é apenas um reflexo do racismo estrutural. Tal situação fica evidente quando políticas de inclusão são voltadas para o público negro, a população esquece de todo sofrimento causado a essa população e existem inúmeras críticas e denúncias com o intuito de derrubar essas políticas inclusiva.

O que a população brasileira deve entender é que toda a pessoa branca que vive hoje não é responsável pela escravidão, mas que colhe o fruto dela, assim como todos os afro-brasileiros atualmente no Brasil, mesmo sem vivenciarem na pele a escravidão, carregam as lutas por direitos básicos e as marcas de pouco mais de 132 de abolição.

O tráfico negreiro entre o continente africano e o Brasil articulou a distribuição do trabalho escravizado com base na noção de raça que foi moldada de modo a justificar um sistema de relações de poder pela suposta inferioridade natural de certas pessoas. Assim, pelo argumento de desenvolvimento e civilização, o conceito de raça foi utilizado para configurar relações de dominação determinantes para que certos indivíduos tivessem seu lugar social, de trabalho, nível hierárquico determinados pela raça a que pertenciam.(Flauzina, 2020, pág. 185/186)

De modo recente tal reparação histórica pode ter sido rechaçada pelos negacionistas do racismo estrutural, mas o princípio de inclusão e participação se ampliou e atualmente  algumas empresas  privadas, as quais têm demonstrado seguir o posicionamento inclusivo. Seja por iniciativa empresarial própria, ou por pressão social, os princípios norteadores implementados já se mostram ramificados, o que despertou o olhar da sociedade brasileira para o dilema que a população negra enfrenta no mercado de trabalho. 

Indo na contramão dos apelos sociais, viemos de um Governo Federal o qual dificultou o acesso aos direitos trabalhistas para as pessoas negras e pardas. Atualmente temos um governo negacionista (2019-2022) de tal problemática racial sobre mercado de trabalho, com a diminuição de direitos já consolidados para os trabalhadores, construirão uma tendência de dificultar ainda mais a acessibilidade da população negra de ascender econômica e socialmente em virtude do trabalho formal, ou seja, há um retrocesso no pouco avanço que se obteve e regredimos, tal situação é uma nova desumanização, conforme Ana Flauzina comentar:

É justo lembrar que não só na conjuntura atual, mas também em outros momentos políticos históricos, algumas categorias como raça, classe e sexualidade sofreram subjugação na pauta de criação de políticas públicas (…) Desse modo, uma análise sociológica mais comprometida necessita perceber que a distribuição dos ônus dessas reformas tem ocorrido de maneira desproporcional e desigual entre os diferentes grupos que compõem a população brasileira. Isto se dá em razão de processos não só econômicos ou políticos, mas também por particularidades históricas e sociais que direcionam esses impactos majoritariamente para determinados grupos étnicos, raciais e de classe. (Flauzina,2020, pág. 185 )

A necropolítica, que decide quem terá acesso ao mercado de trabalho ou não é apenas mais um retrato escancarado do sistema estrutural racista que impera no Brasil. Obviamente o ataque não é direito, a legislação aprovada não  é explicita em falar que a população negra não devem ocupar tais espaços, mas é algo velado e genérico. Carneiro (2011, pág. 50) nos relata que quando temos um mercado de trabalho que exige 11 anos no mínimo de estudos, sendo que a média da escolaridade para brancos é de 6,6 e para negros é de 4,4, a alocação da mão de obra funciona como um filtro de natureza racial , definindo os que preferencialmente serão alocados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O objetivo deste trabalho foi analisar e ver como o racismo permeia as relações de trabalho brasileiro, mas não podemos simplesmente mencionar o racismo sem entender a sua base fundamental. O comércio escravocrata é um marco histórico que carrega suas consequências até os dias atuais, com a duração de séculos, essas pessoas foram desumanizadas e sofreram inúmeras barbáries. É nítido que o Brasil foi construído com o suor e o sangue negro, felizmente a nova geração brasileira de negros já está sendo motivada e educada no sentido de reivindicar seus direitos e não se omitir diante das injustiças e massacres sociais. 

Na sociedade é nítida a comoção social através de denúncias e do repúdio moral aos crimes envolvendo raça. Já não existe o pensamento simplório de que não ser racista é o suficiente, hoje a sociedade vem se unindo e sendo antirracista. Grupos de pessoas saem às ruas e protestam, a veiculação de notícias gera grande comoção nacional e as pessoas querem reparação pelos crimes cometidos tanto pela sociedade, quanto pelo Estado através de suas omissões.

A mudança encontra-se acontecendo, as medidas inclusivas, as legislações com medidas de ações afirmativas demonstram resultados benéficos, porém ainda ocorrem de forma muito lenta, se levarmos em consideração todos os anos que essas pessoas foram esquecidas e marginalizadas pela sociedade.

É importante destacar que as mídias e a acessibilidade de informações pelos meios digitais permitem uma notoriedade e visibilidade dos casos de racismo, que em tempos passados não seria possível. Ongs, associações, a iniciativa privada, através de empresas que carregam princípios inclusivos estão auxiliando essa transformação social que tanto necessitamos como sociedade brasileira.

Somente vamos vencer as adversidades enfrentadas pelas pessoas negras e pardas no mercado de trabalho com iniciativas inclusivas pioneiras, que promovem ações afirmativas, na qual a  sociedade brasileira irá colher os frutos da inclusão participativa nesta e na geração futura. 

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1Aluna regular de Mestrado em Direito na Universidade Federal de Pelotas/RS (UFPel) Pós graduação em direitos Humanos Internacional pela faculdade UniBF. Pós graduação em Master of Business Administration (MBA) em Negócios Internacionais pela faculdade UniBF. Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Pelotas/RS (UFPel). Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pelotas/RS (UCPel).

2Advogada inscrita nos quadros da OAB/RS. Graduada em Direito pela Faculdade Meridional – IMED (2015), Pós-graduada em Direito Público pela Universidade de Caxias do Sul – UCS (2017), Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Verbo Educacional (2019), Pós-graduada em Direito Tributário pela Damásio Educacional (2019), Pós-graduanda em Direitos da Mulher pela Legale Educacional. Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel.