QUMRAN AND THE ESSENES: FOUNDING POLITICAL-RELIGIOUS INFLUENCES
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10963229
Emerson Pedroso Borgonovi1
Resumo
A partir da segunda metade do século XX, após as descobertas dos Manuscritos do Mar Morto, nas cavernas adjacentes a Qumran, muito se logrou ao estudo bíblico e à compreensão da história primitiva de Israel. Dentre estes manuscritos, destaca-se a Regra da Comunidade que ilumina a emblemática vivência da comunidade essênia (sécs. II a.C. a I d.C.). O essenismo, ou a prática dos essênios, nasce e se desenvolve como resposta a um contexto histórico complexo com características pautadas por conflitos religiosos e sociais, as quais estão pontuadas neste artigo. Emblemático para seu tempo, este essenismo ascético, apocalíptico e messiânico, encontra-se em sua forma madura em Qumran, não apenas como uma comunidade que busca um retorno às origens de um judaísmo puro, e tampouco se reserva a algum tipo de resistência às influências ou inovações do paganismo. Esta comunidade considerava-se detenta das promessas veterotestamentárias, o Resto de Israel, que se manifestará no fim dos dias, após o purificador juízo de Deus.
Palavras-chave: qumran. essênios. essenismo. movimentos segundo templo.
Keywords: qumran. essenes. essenism. second temple movements.
Introdução
O objetivo deste artigo é pontuar, por meio da história de Israel, as mais importantes influências políticas e religiosas dos séculos II e I a.C. que marcaram a gênese dos grupos do judaísmo do período greco-romano, de modo particular o movimento essênio.
Flávio Josefo (37-95 d.C.), historiador judeu, atesta a presença dos essênios, ao lado dos fariseus e dos saduceus, como um terceiro grupo do judaísmo do Segundo Templo (Guerra dos Judeus II, 119-61; Antiguidades Judaicas XVIII, 18-22). Plínio, o velho, e Filon de Alexandria também confirmam sua existência.
O grupo nasce como uma resposta a um contexto particular do seu tempo, desenvolvendo-se por meio de influências políticas, religiosas e socioeconômicas e, possui uma gênese complexa com influências pautadas por conflitos.
Sua origem, muito provavelmente, está associada ao movimento dos assideus (do hebraico hassidim “os piedosos”) e de outros judeus conservadores, que agrupados se engajaram na luta junto aos Macabeus (168-142 a.C.) contra Antíoco Epífanes, rei dos selêucidas da Síria (1Mc 2,42-43). O motivo deste conflito deve-se ao amplo programa de helenização de Jerusalém e da Judeia imposto pelos selêucidas, logo após sua vitória sobre os ptolomeus do Egito.
O exercício da liderança macabeia e seu desenrolar político e religioso, trouxe uma sucessão de líderes que foram contestados pelos assideus. Esta postura levou-os à gênese dos essêniosde Qumran, que se retiram no deserto como forma de resistência à parte da cidade e do Templo, para eles maculados pela ilegitimidade de seus líderes. Esta conduta era, de certa forma, um modo profético de questionar a realidade, para eles já corrompida, assim tinham como objetivo criar uma ´edâh (comunidade) pura aos olhos de YHWH. (cf. Documento de Damasco 1,10-12).
Desde o seu nascimento, o essenismo de Qumran chega ao seu apogeu progressivamente, tornando-se uma comunidade de vida com partilha dos bens e liturgia própria. Possuirá um estatuto definido, ou normas documentadas, conforme o manuscrito Regra da Comunidade, pertencente ao grupo dos Manuscritos de Qumran.
1. Principais influências históricas na formação do essenismo
No período de 223 a 187 a.C., o império ptolomaico vai gradualmente perdendo o poder e, concomitantemente, ocorrerá o fortalecimento do império selêucida (Síria) sob o reinado de Antioco III. Derradeiramente por volta de 170 a.C., a Judeia é conquistada pelos selêucidas, sendo regida a partir de então pelo rei Antíoco IV Epífanes, que operará grandes transformações, estas influenciarão e transformarão intensamente o panorama contextual histórico judaico.
A princípio o regime selêucida parece contribuir positivamente para a economia judaica, promovendo a execução de construções em Jerusalém e a redução de impostos, além do mais, mantinha a sua semiautonomia e a Torá como constituição. Estes benefícios logo deixarão de existir, pois os selêucidas, derrotados pelo poder emergente de Roma, devem fazer imensos pagamentos em reparação.
Com a cooperação de judeus inclinados ao helenismo, os selêucidas promovem a helenização de Jerusalém e de Judá, que se torna factível por meio da facilidade de difusão da cultura helênica através do diálogo cultural. Entretanto, o processo de intercâmbio cultural encontrará oposições de grupos judaicos conservadores de Jerusalém.
As barreiras e resistências baseavam-se, principalmente, na fusão em âmbito religioso no que se refere à mistura de divindades. Porém, o processo de helenização tornou-se insustentável, quando houve a remoção da circuncisão e a proibição do culto a YHWH, e consequentemente o abandono dos preceitos da Torá.
Liderada pelos sacerdotes da periferia, contrários à helenização, nasce um contramovimento que se ampliará nacionalmente, a Revolta dos Macabeus. Esta será bem-sucedida, após diversas batalhas, com a conquista da independência religiosa e, depois, a política para Jerusalém e Judeia. No entanto, o governo dos Macabeus será marcado por disputas pelo poder político e religioso mantendo a ilegitimidade sumo sacerdotal. Tal conjuntura irá se conservar na dinastia hasmoneia que viria logo após o período de governo dos Macabeus.
Este cenário contextual servirá como força social motriz para o nascimento dos chamados grupos ou movimentos do Segundo Templo, ou do período greco-romano: fariseus, saduceus e essênios. Estes irão ao seu modo procurar um retorno a um judaísmo autêntico, ou de fidelização à Torá e aos preceitos da Lei.
As influências históricas, que serão pontuadas, foram as sementes da ideologia essênia e de suas características de resistência aos poderes políticos e religiosos nacionais. Estas mesmas influências, continuarão corroborando com a preservação do essenismo e seus ideais até seu desaparecimento completo em 69 d.C., por meio da destruição de Jerusalém pelos romanos.
1.1 A helenização e a usurpação do cargo de sumo sacerdote
Derrotado por Roma, Antíoco IV Epífanes precisa de recursos para manter as batalhas, por onde se inicia a subjugação financeira às nações dominadas pelos selêucidas. Consequentemente, Jerusalém está vivendo crises intensas. O sumo sacerdote Onias III, descendente dos oniadas, vai procurar, por meio de seu poder político e religioso, o equilíbrio para condução do Estado mantendo as tradições judaicas.
Por outro lado, Antíoco IV procurará a consolidação de seu reinado sobre a Judeia, por meio de medidas de helenização, que tratam de remodelar a estrutura social de Jerusalém e Judá aos moldes da cultura helenista.
Esta postura encontra contraposições pela política conservadora do sumo sacerdote Onias III, que é expulso de seu cargo sob a influência de seu irmão Jasão, que por sua vez, elege-se sumo sacerdote em seu lugar. Esta usurpação do cargo por Jasão dá-se por meio da proposta do aumento de impostos e a reforma do judaísmo, que beneficiarão os selêucidas (cf. 2Mc 4,7-10).2 Bright pondera os meandros da usurpação do cargo de sumo-sacerdote:
O sumo sacerdote legítimo, quando Antíoco subiu ao trono, era Onias III, um dos homens mais conservadores, que estivera em Antioquia procurando chamar a atenção de Seleuco IV para os interesses da paz, no exato momento em que este último foi assassinado (2Mc 4,1-6). Durante sua ausência, seu irmão Josué (que era conhecido pelo nome grego Jasão), ofereceu ao novo rei uma avultada soma de dinheiro em troca do cargo de sumo sacerdote, acrescentando ao suborno sua promessa de total cooperação com a política real (2Mc 4,7-9). Antíoco, encantado por encontrar alguém que agiria de acordo com seus desejos enquanto pagava pelo privilégio, concordou; e, então, Jasão apoderou-se do cargo e estabeleceu uma ativa política de helenização (1Mc 1,11-15; 2Mc 4,10-15)3.
1.2 Abertura do intercâmbio cultural e o templo em Leontópolis
Em vista da facilidade grega em estabelecer diálogo cultural com outros povos, Jasão, como sumo sacerdote, abrirá este processo de intercâmbio com o apoio dos nobres de Jerusalém. Estes estavam mais suscetíveis à cultura helênica, pois enviavam seus filhos para o estudo no exterior, abrindo-se à considerada cultura elevada de outras nações e, consequentemente, a uma pré-condição favorável à inculturação. Tal conceito de cultura superior é problemática, pois se trata de uma via por onde se pode dar a imposição da cultura que se considera superior, subjugando-se à local.
Alguns anos mais tarde, depois de ser expulso, Onias III morre assassinado em Antioquia. O legítimo sucessor ao sumo sacerdócio judaico Onias IV, filho de Onias III, foge em exílio para o Egito.
Em Leontópolis, com o auxílio dos ptolomeus, Onias IV erige um templo seguindo o modelo do templo de Jerusalém, onde será construído um altar ao Deus de Israel (cf Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, Livro I, Cap. 1). Este templo ganha legitimidade por causa da autenticidade sumo sacerdotal e pela profecia de Isaias sobre a edificação de um templo no Egito (cf. Is 19,19).
Desta forma, concomitantemente, haverá dois exercícios de sumo sacerdote: no templo de Jerusalém, liderado por Jasão, que mesmo sendo irmão de Onias III, é classificado pelos conservadores judeus como ilegítimo e o do templo estrangeiro, em Leontópolis, tendo à frente o autêntico sumo sacerdote Onias IV.
1.3 Abandono parcial da Torá e a remoção da circuncisão
Como sumo sacerdote, Jasão deseja estabelecer o modelo social helênico, por onde intenciona transformar Jerusalém em uma pólis, com conselho municipal eleito. Para chegar a isto, era preciso abandonar parcialmente a Torá como constituição social judaica.
Com o desejo de aproximação da população judaica ao ideal grego de educação, houve a construção de um ginásio, como escola de exercícios esportivos, acadêmicos e musicais (2Mc 4,12).
Com o avanço desta proposta de helenização, manda-se remover a circuncisão dos homens, em vista do consequente vexame na exposição sem roupas aos jogos esportivos. Entretanto, esta proibição ferirá frontalmente a aliança entre Abraão e sua descendência e YHWH (Gn 17,10) que possui a circuncisão como sinal de pertença4.
1.4 Interrupção da linhagem ministerial sacerdotal sadoquita
A família e linhagem sadoquita tinham os privilégios oriundos dos oníades, que possuem sua ancestralidade no sacerdote Sadoc. Estes, por esta hereditariedade, reivindicavam o ministério do sumo sacerdote. Entretanto, Menelau oferece uma maior cota de impostos que Jasão oferecia, comprando a dignidade sumo sacerdotal.
Menelau seria considerado ilegítimo, pois não pertencia a casta sacerdotal sadoquita, interrompendo com isto a linhagem ministerial. Esta interrupção promoveu um ambiente de desconfiança entre os judeus sobre a legitimidade dos ritos apresentados pelo sumo sacerdote, no Templo de Jerusalém.
1.5 A proibição do culto a YHWH e a profanação no Templo
Quando houve o boato que Antíoco IV havia sido derrotado no Egito, Jasão, por meio da violência, procura reconquistar forçosamente seu poder em Jerusalém. Entretanto, o rei, que havia instituído Menelau como sumo sacerdote, considerou esta tentativa de mudança de poder como alta traição à sua autoridade.
Tendo Menelau como principal idealizador, é promulgada a proibição de culto a YHWH, que se destinava aos judeus de Jerusalém e de Judá e, por onde se daria a imposição da cultura grega. Jerusalém é duramente castigada: milhares de judeus são mortos (2Mc 5,14), o Templo de Jerusalém é pilhado e o altar profanado (2Mc 5,15-16) e, junto com o Templo do monte Garizim, são dedicados à divindade grega Zeus (2 Mc 6,2.5), a circuncisão é punida com pena de morte (2Mc 6,10), é proibida a celebração das festas e do sábado (2Mc 6,6).
Com todas estas restrições, a Torá é anulada como constituição que regimenta Jerusalém e Judá.
1.6 A Revolta dos Macabeus e os assideus
Com o enfraquecimento do domínio selêucida no Oriente próximo, surge na Judeia e Jerusalém a Revolta dos Macabeus, que vai marcar a memória histórica judaica, pois reconquista a independência religiosa e, posteriormente, política para Judeia e Jerusalém. A revolta destinava-se contra os selêucidas e judeus simpatizantes com a reforma helenista, que por consequência abjuraram a Lei. A Revolta perdurará até a independência do regime selêucida, chegando a seu ápice no exercício de Simão Macabeu em 142 a 134 a.C. e é relatada, em pormenores, nos livros 1 e 2 dos Macabeus e nas fontes de Flávio Josefo5.
O conflito origina-se quando se fará impor a observância da proibição de culto a YHWH pelos sacerdotes e clãs de vilarejos rurais, que incitará o contramovimento popular, iniciado pelo sacerdote Matatias e pelos seus cinco filhos. Logo este conflito se desenvolverá e se tornará uma revolta de cunho nacional.
Com a destruição dos altares pagãos, e com a circuncisão forçosa dos meninos judeus incircuncisos, Matatias e seus adeptos avançam pelo país com objetivo de recuperar a validade da Torá em Jerusalém e na Judeia (1Mc 2,45-48). Entretanto, será sob a liderança de Judas, filho de Matatias, que tem como cognome de Macabeu, que o conflito será chamado de a Revolta dos Macabeus (1Mc 3,1-9).
Entre os judeus que se associaram à rebelião havia o grupo dos assideus (1Mc 2,42; 7,13ss; 2Mc 14,6) chamados piedosos, que consideravam as normas religiosas selêucidas uma abominação. É muito provável que serão estes, em união a outros judeus conservadores, que formarão o movimento essênio6.
Stegemann elucida que os assideus não formaram apenas um grupo coletivo que depois se esfacelou em diversas facções. Mas, destaca sua grande importância na gênese de outras tendências partidárias, que seriam promotores de correntes fundamentais que exerceram influência sobre o grupo dos essênios e fariseus.
“Na nossa opinião, dificilmente se poderá definir os asideus, em termos históricos-sociais, de modo mais preciso do que como movimento de resistência anti-helenista e fiel à Torá. Tampouco é plausível a suposição que eles tenham constituído uma seita ou um conventículo. O mesmo vale para as suposições amplamente propagadas de que os asideus originaram uma ou até mais tendências partidárias do judaísmo incipiente. Isso, no máximo, pode conferir no sentido mais global de que os círculos anti-helenistas e fiéis à Torá foram os promotores das correntes fundamentais que, no período macabeu, exerceram influência também sobre o grupo dos essênios e dos fariseus.”7
1.7 A dedicação do Templo (Chanuca) e retomada da independência religiosa
Será sob a liderança de Judas Macabeu (filho de Matatias), e por meio de diversas batalhas, que os combatentes fazem recuar os ocupantes helenistas, encerrando-os na fortaleza da colônia militar selêucida. Entram em Jerusalém e estabelecem o controle sobre o Templo em 164 a.C.
“Os seguidores de Judas purificam o Templo das influências helenistas e restabelecem o culto do Templo segundo a prescrição da Torá. A memória desse acontecimento ainda hoje é celebrada no judaísmo com a festa da Chanuca”. (PEETZ, 2022)
Depois da consolidação do poder em Judá e Jerusalém, Judas e seus seguidores, empreendem expedições militares em áreas adjacentes. A razão da insurreição macabeia logo será suprimida, quando ponderando os resultados negativos advindos da Revolta, os selêucidas iniciam diálogos. Procurando amenizar o conflito, concedem aos judeus a prática da religião desimpedidamente.
Além disso, para alcançar maior diplomacia, deporão Menelau, não quisto pelos judeus, substituindo-o por Alcimo, que mesmo não sendo sadoquita, era da família sacerdotal dos aaronitas e, até certo ponto, reconhecido pelos assideus.
Em contrapartida a estas concessões, os judeus devem continuar a reconhecer a supremacia dos selêucidas (1Mc 6,55-63).
1.8 O desejo de independência política
A força de combate contra Jerusalém e Judeia é enfraquecida principalmente quando Antioco IV morre em 164, em uma campanha contra os partos, por onde surgem disputas pela sucessão ao trono do império.
Mesmo com a satisfação por muitos dos judeus e assideus, pela conquista da independência religiosa, Judas e seus seguidores ainda desejam a supremacia política, o que promoveria a independência completa de dominação dos selêucidas. Para tanto, Judas expulsa de Jerusalém o sumo sacerdote Alcimo, reacendendo a disputa.
Foram nestas batalhas, em prol do reestabelecimento político, que em 160 a.C., Judas perde a vida. Jônatas, irmão de Judas Macabeu, assume a liderança de sublevação e Alcimo acaba, novamente, instituído sumo sacerdote em Jerusalém pelos selêucidas (cf. 1Mc 7,5-50; 9,1-22).
1.9 Jônatas mantém a ilegitimidade sumo sacerdotal
Jônatas é diplomático e, com uma hábil política de alternância, consegue fortalecer seu poder a ampliar sua área de domínio. Sendo promovido governador da Judeia, por se casar com uma filha dos selêucidas, Jônatas ganha prestígio político e estabelece diálogos com Roma, considerada a nova potência em ascensão no Ocidente e, também, com Esparta. Obterá o pleno poder quando se deixa instituir como sumo sacerdote por Alexandre Balas, um rei adversário do rei selêucida Demétrio I (1Mc 10,15-21).
Recebendo a dignidade sumo sacerdotal, Jônatas reacenderá a desaprovação por todos os judeus, por não pertencer à linhagem sacerdotal sadoquita. Além disso, as diversas guerras sangrentas empreendidas por ele, tornava-o inadequado ao cargo que exige, aos olhos dos judeus mais piedosos, a mais alta pureza. Assassinado por Diótodo Trifão, chega a um fim inglório em 143 a.C.
1.10 Libertação estrangeira e assentamento da economia judaica
Tendo como cenário a desagregação dos impérios selêucida e ptolomaico, será sob a liderança de Simão, irmão de Jônatas, que a Revolta dos Macabeus atingirá o seu ápice e estará livre o domínio estrangeiro.
Adquirindo a liderança política, administrativa, militar e religiosa, pois será eleito sumo sacerdote, Simão receberá todo poder necessário para restabelecer a economia da Judeia, libertando-a dos impostos e mandando cunhar algumas moedas judaicas. Por meio da conquista da cidade portuária de Jope, logra a participação portuária da Judeia no comércio internacional do Mediterrâneo, incluindo o trânsito nas rotas costeiras, proporcionando poder econômico aos judeus.
O filho de Simão, João Hircano, assumirá o poder na Judeia (1Mc 16,11-24) após o atentado sofrido por Simão por parte de seu genro Ptolomeu em 135 a.C.
1.11 A consolidação do essenismo durante a dinastia hasmoneia
Concomitantemente à dinastia hamoneia (134 a 64 a.C.) já havia, provavelmente, a presença do essenismo ou da prática essênia qumramita. A fundação do assentamento de Qumran dá-se na época de Jônatas ou, pouco tempo depois, no período de João Hircano, o seu pós-sucessor8.
Muito embora os objetivos de a Revolta Macabeia terem alcançado seus propósitos, “não se deve ignorar que, naquela época, os reis hasmoneus comportavam-se cada vez mais como governantes helenistas.”9
A destruição do templo de Garizim 128 a.C. e da Samaria 107 a.C., as diversas investidas militares para posse de terras, a rejeição de Alexandre Janeu como sumo sacerdote por parte dos fariseus, e as diversas disputas pelo poder, continuarão a corroborar para a conservação e consolidação do movimento essênio dentro de seus ideais.
Conclusão
As relações entre o assentamento de Qumran, as cavernas depositárias dos manuscritos e os essênios se darão progressivamente, a partir das deduções que se consideraram factíveis por meio dos achados arqueológicos. Atualmente, há teorias divergentes se as construções de Qumran foram realmente habitadas pelos essênios ou até mesmo se os manuscritos encontrados nas cavernas foram copiados por eles. O fato é que as escavações arqueológicas revelam que o assentamento de Qumran, não apresenta dormitórios ou condições para moradia, por onde nasceram suposições de que o local não poderia ser utilizado como habitação por uma comunidade10.
No entanto, mesmo que os frequentadores dos edifícios de Qumran pertencerem ou não ao grupo dos essênios, pode-se falar de um essenismo, a partir do texto Regra da Comunidade que faz parte do arcabouço dos Manuscritos do Mar Morto. Encontrado na gruta 1, próxima ao assentamento de Qumran, o documento testemunha uma comunidade de ideologia essênia que possui uma legislação madura, determinando as regras para o ingresso e permanência dos integrantes na comunidade.
O grupo essênio que nasce a partir dos assideus, e que se desenvolve ideologicamente pelo enfrentamento dos conflitos oriundos da crise político-religiosa de Israel, encontrará em Qumran sua forma madura.
Tipicamente ascético, apocalíptico e messiânico, o essenismo de Qumran não deseja apenas o retorno às origens de um judaísmo puro e, nem tampouco retira-se no deserto reservando-se a apenas algum tipo de resistência às influências ou inovações do paganismo. Mas, esta comunidade considera-se a detentora das promessas de YHWH a Israel, ou “aplicando-se a si própria uma promessa da profecia veterotestamentária, considera-se o Resto escolhido de Israel que se manifestará no fim dos dias, após o purificador juízo de Deus”11.
2PEETZ, M. O Israel bíblico: história, arqueologia, geografia. São Paulo: Paulinas, 2022. p. 243.
3BRIGHT, J. História de Israel. São Paulo: Paulus, 2018. p. 500.
4PEETZ, M. O Israel bíblico: história, arqueologia, geografia. São Paulo: Paulinas, 2022. p. 243. BRIGHT, J. História de Israel. São Paulo: Paulus, 2018. p. 500.
5JOSEFO, F. Jewish Antiquities. Harvard University Press, 1965. XII,237-XIII,226.
6STEGEMANN, E. W.; STEGEMANN, W. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2004. p. 176.
7Ibidem.
8BONHOMME. M. J. F. Os misteriosos habitantes do Deserto de Judá: sua vida, seus escritos. São Paulo: Verbo Divino, 1977. p. 38. As moedas mais antigas encontradas nas escavações arqueológicas datam de 136 a.C. demonstrando que o assentamento em Qumran já portava atividades.
9Ibidem. p. 252.
10Sobre esse assunto a literatura é vastíssima; cf. CROSS, F. M. The Ancient Library of Qumran. 3rd edition. England: Sheffield Academic Press, 1995. VERMES, G. Os Manuscritos do Mar Morto. 4ª edição. São Paulo: Mercuryo, 1997. Uma compilação de diversos artigos que tratam desse e outros assuntos atuais: VIEIRA, F. M. (Org.). Manuscritos do Mar Morto 70 anos da descoberta. São Paulo: Humanitas, 2017.
11SCHELKLE, K. H. A Comunidade de Qumran e a Igreja do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1972.p.77.
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1Mestrando em Teologia Bíblica pela PUCSP – Campus de Ipiranga. E-mail:peborgonovi@gmail.com