QUALIDADE DO SONO EM ESTUDANTES DE MEDICINA

SLEEP QUALITY IN MEDICAL STUDENTS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11406663


Raquel Torres da Graça1
Maria Helena Rosa da Silva2


Resumo

A má qualidade do sono é um fator que pode interferir diretamente no comportamento social e nos aspectos que envolvem a saúde de uma determinada pessoa. Nesse contexto, diversos alunos sofrem impactos na saúde e na sua vida social, em decorrência das exigências da formação profissional em cursos de ensino. Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar textos acadêmicos que abordem sobre a qualidade do sono de alunos do curso de Medicina. Metodologicamente, utiliza-se a Revisão Integrativa, onde se utilizaram as bases de dados BDTD, LILCAS, MEDLINE e SCIELO para a busca de trabalhos acadêmicos voltados ao tema. Foram encontrados 43 textos com os descritores: sono; medicina; exaustão dos estudantes; saúde dos estudantes. Após os critérios de exclusão e inclusão, 7 textos acadêmicos foram selecionados, de modo a terem sido publicados entre os anos de 2018 e 2023. Após a análise dos textos selecionados concluiu-se que estudantes do curso de Medicina constituem um grupo de risco para desenvolvimento de agravos de saúde relacionados a transtornos do sono, bem como apresentam tendência para agravamento do quadro da saúde mental.

Palavras-chave: estudantes, exaustão, medicina, saúde mental, sono.

1  INTRODUÇÃO

O ato de dormir é uma ordem humana e fisiológica, que se faz necessário para o funcionamento ideal de diversas funções vitais do corpo. Nesse sentido, intrinsecamente o sono, quando realizado de modo adequado às necessidades do seu portador, exerce melhoras no funcionamento cerebral e psico-cognitivo, restabelecendo processos homeostáticos, tais como a restauração física e a conexão sináptica, além de consolidar e fortalecer a memória e promover o aprendizado (SILVA; ROMÃO, 2018).

De acordo com Fernandes (2006), o sono é um estado fisiológico composto por 5 estágios, sendo que cada um deles possui função primordial no funcionamento do corpo humano, ocorrendo nas fases: 1) adormecimento; 2) sono mais leve; 3) introdução ao sono profundo; 4) sono profundo; 5) sono REM, com movimentos oculares rápidos. Ainda segundo a autora, tais fases são compreendidas com base em três exames essenciais para o estadiamento do sono: o eletrencefalograma (EEG), eletro-oculograma (EOG) e o eletromiograma submentoniano (EMG).

A ausência de sono, por sua vez, tende a causar diversos tipos de danos à saúde e ao bem-estar de uma pessoa, gerando doenças cardiovasculares, obesidade, aumento do estresse e ansiedade. Isto decorre enquanto reflexo do descumprimento de uma necessidade vital do ser humano, o ato de dormir. É durante o sono que o corpo descansa e desenvolve diversas e importantes funções restauradoras em múltiplos órgãos, entre eles o cérebro (KLOSTER et al., 2013).

Mesmo diante de tais circunstâncias que evidenciam a importância do sono e as consequências a saúde física e social que a ausência dele pode causar, é comum que alunos do curso de Medicina não possuam uma rotina saudável de descanso, tendo em vista a alta carga horária para formação, juntamente com os estágios que ocorrem no médio e fim de curso.

Autores como Mello et al. (2018), Silva e Romão (2018), Perrota (2018), Ferreira (2019), Júnior et al. (2020), Rocha (2021) e Azevedo et al. (2023) têm se debruçado na compreensão dos motivos e dos impactos que acometem os alunos de Medicina. Para complementar o debate e acrescentar reflexões ao tema, constitui-se a fonte de inspiração para a discussão deste Trabalho de Conclusão de Curso.

2  JUSTIFICATIVA

A justificativa que envolve a pertinência para a escrita deste trabalho direciona-se à possibilidade de melhor compreender o perfil do estudante do curso de Medicina, especialmente no que tange à qualidade do seu sono. Isto torna-se relevante porque pode contribuir na vida e atuação profissional, em um momento futuro, bem como conscientizar e exercer com um maior índice de saúde e bem-estar durante o processo de aprendizagem, além dos afazeres do cotidiano.

Ao levantar informações teóricas e conceituais a respeito da qualidade do sono de alunos de medicina, organiza-se um agrupamento de informações e referências que podem ser utilizados por demais pesquisadores futuramente, de modo a tecer construtivamente contribuições científicas para o tema em análise.

3  OBJETIVOS

Geral:

● Analisar a qualidade de sono dos estudantes de Graduação em Medicina e seus impactos na saúde e bem-estar desses indivíduos.

Específicos:

● Identificar os perfis dos alunos de Medicina em seus mais distintos níveis de qualidade de sono;

● Comparar a qualidade do sono dos alunos de Medicina em diversos períodos do curso;

● Compreender as principais consequências à saúde e ao bem-estar dos alunos de medicina que possuem baixa qualidade de sono.

4  METODOLOGIA

O presente trabalho trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura, cujas buscas foram realizadas nas bases de dados que compreendem o Banco de Teses e Dissertações (BDTD), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILCAS), Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE) e Scientific Electronic Library Online (SCIELO).

Nas buscas, foram utilizados os operadores booleanos AND e OR nos descritores “sono”, “medicina”, “estudante”, “exaustão”, “saúde mental”, fato que possibilitou a identificação inicial de 43 textos. Foram utilizados os critérios de exclusão: a) filtro de tempo, considerando apenas publicações entre os anos de 2018 e 2023; b) formatação acadêmica, onde não foram descartados os textos em formato de resumo, apresentação e que não estavam nas regras ABNT; c) idioma, onde foram apenas considerados textos em português.

Ao passo que os critérios de exclusão e inclusão foram utilizados, 7 textos foram selecionados. Os dados que informam o quantitativo de artigos incluídos e excluídos por plataforma virtual se encontram mais bem descritos na Tabela 01 a seguir.

Tabela 1: Distribuição dos artigos encontrados.

Elaboração: Própria autora

Os 7 textos selecionados serão apresentados no Quadro 01 de maneira subsequente. Ao elencá-los, busca-se uma melhor visualização, com intuito de facilitar a comparação entre os mesmos no que diz respeito às informações relevantes voltadas à sua: origem; ano de publicação (em ordem cronológica crescente); a fonte e/ou banco de dados; autores; e por fim, o título.

Quadro 1: Caracterização dos artigos selecionados de acordo com a revista, ano, fonte, autor(es) e título.

Elaboração: Própria autora

5  RESULTADOS E DISCUSSÕES

A esse respeito, Mello et al. (2018) direcionou sua análise para alunos do curso de medicina que se encontram no primeiro ano de formação. No que tange perfil cronobiológico dos 31 alunos participantes, 18 acadêmicos analisados, 8 deles mostraram-se com tendência à vespertinidade, 6 moderadamente vespertinos e 4 indiferentes. Já no que se refere a qualidade do sono, 61% apresentaram uma qualidade ruim de descanso através do sono, isto gerando impactos diretos aos aspectos físicos, psicológicos e cognitivos destes estudantes. O autor finaliza seu trabalho refletindo sobre a necessidade de intervenções que amenizem essa problemática.

Por sua vez, Silva e Romão (2018), apontam que os distúrbios provenientes da má qualidade do sono, estão entre os maiores problemas que acometem a saúde pública no mundo. Isto serve como pressuposto para investigar e compreender o vínculo entre alunos do curso de medicina e suas rotinas de estudos e estágios, tendo, enquanto consequência a Sonolência Diurna Excessiva (SDE). Este problema foi identificado por meio de análise do Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP) e da Escala de Sonolência Diurna de Epworth (ESE).

Ainda no que se refere a pesquisa de Silva e Romão (2018), os resultados obtidos com uma amostra de 216 acadêmicos do curso de medicina, apontaram que 36,2% da amostra apresentaram má qualidade do sono e 65,6% possuem indícios de SDE, de modo que houve maior ocorrência em estudantes do sexo feminino. Além dessas informações, averiguou-se também uma média de apenas 6h20min de sono por noite, ocasionando que 37% dos alunos apresentaram sono ruim ou muito ruim.

Perotta (2018), discorre acerca de que se tornou um fato corriqueiro diminuição das horas de sono na rotina dos estudantes de medicina, ocasionando, entre outros fatores, sonolência excessiva. Tal fato decorre da carga horária curricular excessiva, sobrecarga de atividades e responsabilidades, estresse e a rotina em período integral, sendo que por vezes, a noite também é comprometida com estágios. Essa gama de fatores implica negativamente, não apenas na qualidade do sono dos estudantes, mas também em sua qualidade de vida, seja no âmbito social, seja no âmbito cognitivo.

Ainda considerando o autor supracitado, destaca-se que da sua amostra de 1.650 alunos de medicina, averiguou-se que o problema relacionado a falta de sono, ocorreu com discentes de todos os períodos, havendo, tal como apontado nos estudos de Silva e Romão (2018), maior prevalência entre as mulheres. As informações foram analisadas com base nas escalas ESE, IQSP, na autoavaliação da qualidade de vida do The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL), no Questionário para Avaliar a Qualidade de Vida do Estudante e Residente da Área da Saúde e no Dundee Ready Education Environment Measure (DREEM), e apontaram que a sonolência diurna interfere negativamente na percepção na qualidade de vida e no ambiente de ensino.

A análise realizada por Ferreira (2019), foi voltada não somente para os alunos de medicina, mas também para aqueles que fazem parte do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Maranhão, de modo que a amostra foi de 1140 alunos de um total de 2892. Os estudantes integravam os cursos de Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Medicina, Nutrição, Oceanografia e Odontologia. Como parâmetros de análise foram utilizados o Questionário Sócio Demográfico (QSD), IQSP, a ESE, e por fim o Diário de Sono. Evidenciou-se que 75% desses alunos possuem má qualidade de sono e que os estudantes que possuem uma pior qualidade de sono, são justamente os estudantes de Medicina.

Por sua vez Júnior (2020), identificou a presença da sonolência diurna excessiva em estudantes que cursam Medicina entre o primeiro e o quarto ano. No que se refere a metodologia de análise, foram utilizados o IQSP a ESE em uma amostra de 112 alunos, sendo que em torno de 65% da amostra qualidade do sono comprometida e 47% apresentaram sonolência diurna excessiva. Assim, considerou-se que ser um aluno de Medicina do ciclo básico aumenta a probabilidade de baixa qualidade do sono em até 3 vezes, além de que alunos com má qualidade do sono têm aproximadamente 2,5 vezes mais chances de terem SDE.

Rocha (2021), no que lhe concerne ao tema, investigou as inter relações entre o Burnout, a qualidade do sono e o uso de hipnóticos de estudantes de medicina. Metodologicamente, utilizou-se o Maslach Burnout Inventory-Student Survey e o IQSP, além, de modo complementar, de um QSD, no qual se identificou que 9,3% dos 523 alunos apresentaram diagnóstico da Síndrome de Burnout em decorrência do uso frequente de hipnóticos. Tal aspecto, de forma consequente, gerou nestes alunos esgotamento psicológico e cognitivo, distúrbios do sono no início e na manutenção, bem como problemas secundários, tais como lapsos de memória, taquicardias e perda de noção espacial.

Por fim, Azevedo (2023), bem como Rocha (2021), tece suas reflexões associando a má qualidade do sono dos alunos de Medicina com o uso de substâncias, neste caso em específico, no que tange ao uso não prescrito de nootrópicos, estes que são drogas que potencializam a capacidades mentais. Para a compreensão da qualidade sono, utilizou-se o IQSP que foi aplicado a 362 alunos. Houve uma proporcionalidade entre os alunos que utilizavam e não utilizavam nootrópicos na má qualidade do sono, o diferencial entre eles é que os usuários, especialmente, aqueles que recorriam ao uso com maior frequência, apresentavam sintomas como insônia, ansiedade, problemas gastrointestinais e cefaleia.

6  CONCLUSÃO

As amostras dos 7 textos selecionados contam com um grande quantitativo de alunos de Medicina, fornecendo informações acerca da qualidade de seu sono em meio ao cotidiano de estudos para a formação profissional na área. Assim, o tema se encontra em discussão há longa data, e por tal motivo, além de possuir profusa reflexão teórica e conceitual, aponta que a atenção para com problemas oriundos da ausência de sono de alunos de Medicina não é algo atual e, portanto, continua a carecer de estudos.

Identificou-se que os principais parâmetros utilizados para analisar a qualidade do sono dos estudantes de medicina foram o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh e a Escala de Sonolência de Epworth. Destarte, identificou-se inclusive que a má qualidade do sono afeta um maior quantitativo de estudantes de medicina do sexo feminino.

Os alunos de Medicina, mesmo quando analisados juntamente com outros cursos, apresentam os piores índices referentes à qualidade do sono. Além da própria rotina que causa a má qualidade do sono nos alunos de medicina, o uso de substâncias, a exemplo dos nootrópicos e hipnóticos, sem prescrição e acompanhamento, impacta negativamente nesse problema.

Entre os problemas mais recorrentes que acometem os estudantes com má qualidade de sono encontram-se os lapsos de memória, taquicardias, perda de noção espacial, doenças cardiovasculares, obesidade, aumento do estresse, ansiedade, insônia, problemas gastrointestinais e dores de cabeça. Isto corrobora com que o menor índice de alunos de medicina com má qualidade de sono foi 61%, ou seja, sempre, no mínimo, mais da metade das amostras são acometidas com esse problema. A má qualidade do sono é tão acentuada que se transforma na Síndrome de Burnout, gerando assim problemas de ordem física. Os estudantes que sofrem com a má qualidade do sono também relatam problemas de ordem social.

Por fim, diante dos resultados apresentados é de fundamental importância que medidas haja uma maior flexibilização da carga horária dos estudantes de Medicina, em todas as suas responsabilidades durante o processo de formação, visando o bem-estar físico, mental, cognitivo e social dos mesmos, para que tais problemas não se potencializam e se transformem em adversidades maiores, tais como a Síndrome de Burnout.

REFERÊNCIAS

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1 Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário de Maceió- UNIMA/Afya. E-mail: raqueltorres-@hotmail.com.
2 Terapeuta Ocupacional e especialista em Saúde da Família pela Residência Multiprofissional em Saúde da Família pela Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas- UNCISAL. Mestre pelo Programa de Mestrado Ensino na Saúde pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL. Docente do Curso Curso de Medicina do Centro Universitário de Maceió- UNIMA/Afya. E-mail: mariahelena.to@hotmail.com