PROTOCOLOS TERAPÊUTICOS PARA O TRATAMENTO DA ESPOROTRICOSE FELINA REFRATÁRIA E INOVAÇÕES DECORRENTES DAS PESQUISAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410270928


Danielle de Sena Ribeiro Sméra1;
Fábio Rios Sméra2


RESUMO: 

A esporotricose em felinos se mostra muito mais patogênica do que em outros animais ou em humanos, mesmo que imunocompetentes, o que faz com que o tratamento seja um desafio na clínica médica, já que muitos deles se mostram refratários a terapêutica de eleição como o Itraconazol ou o Cetoconazol. Tal situação também decorre da própria administração oral e prolongada do medicamento, a relutância do animal em tomar o fármaco e o abandono da prescrição pelo tutor quando percebe uma melhora das lesões provocadas pela doença, o que gera recidivas e resistência aos antifúngicos existentes no mercado. O Itraconazol, assim como o Cetoconazol, atuam causando permeabilidade da membrana plasmática e necrose celular, contudo, possuem efeitos adversos como náuseas e vômito no primeiro e hepatopatia como relevância no segundo. A terbinafina atua interrompendo a síntese do ergosterol e como consequência há rompimento da membrana celular e morte, entretanto, também possui efeitos colaterais como problemas gastrointestinais e cutâneos. O Iodeto de potássio pode ser usado associado aos azólicos ou a Terbinafina, não obstante a literatura não seja acordante com a questão, já que nem todos os felinos respondem ao tratamento, os efeitos adversos são decorrentes do iodismo como depressão, anorexia, vômitos e diarreia. Existem ainda tratamentos alternativos que podem potencializar o medicamento oral como a laserterapia, a ozonioterapia, a crioterapia e a criocirurgia. Devido a questão de existirem felinos não responsivos, existem pesquisas sendo desenvolvidas visando propiciar novos horizontes terapêuticos a estes animais, como o uso de infusão intranasal de Clotrimazol em spray a 1% associado com Itraconazol, somado com o Iodeto de potássio ou não, com bons resultados, sem recidivas e sem efeitos colaterais. O NikZ, fruto de uma substância produzida pela bactéria Streptomyces tendae, chamada de Nikkomicina Z, também surge como um novo potencial terapêutico para tratamento do Sporotrix spp., com atuação bloqueadora da quitina sintase presente na parede celular dos fungos, a sua efetividade foi verificada em pesquisas com cães, ratos e encontra-se na Fase 1 de experimentos em humanos. O NikZ representa uma nova forma de prescrição, uma vez que pode ser colocado na água de beber dos animais, evitando a deserção dos responsáveis pelos felinos, não tem efeitos adversos observáveis nas análises realizadas e representa uma alternativa aos gatos refratários aos protocolos existentes na medicina veterinária.

Palavras-chave: Felinos refratários; Protocolos terapêuticos de eleição; Medicamentos; Tratamentos alternativos; Inovações.

ABSTRACT

Sporotrichosis in felines is much more pathogenic than in other animals or in humans, even if immunocompetent, which makes treatment a challenge in clinical medicine, as many of them are refractory to the preferred therapy such as Itraconazole or Ketoconazole. This situation also arises from the prolonged oral administration of the medication, the animal’s reluctance to take the drug and the guardian’s abandonment of the prescription when he notices an improvement in the lesions caused by the disease, which generates relapses and resistance to the antifungals available on the market. Itraconazole, as well as Ketoconazole, act by causing permeability of the plasma membrane and cell necrosis, however, they have adverse effects such as nausea and vomiting in the first and liver disease as relevance in the second. Terbinafine works by interrupting the synthesis of ergosterol and as a consequence the cell membrane ruptures and death, however, it also has side effects such as gastrointestinal and skin problems. Potassium iodide can be used in combination with azoles or Terbinafine, although the literature does not agree with the issue, as not all felines respond to treatment, adverse effects are due to iodism such as depression, anorexia, vomiting and diarrhea. There are also alternative treatments that can enhance oral medication, such as laser therapy, ozone therapy, cryotherapy and cryosurgery. Due to the issue of non-responsive felines, there is research being developed aiming to provide new therapeutic horizons for these animals, such as the use of intranasal infusion of 1% Clotrimazole spray associated with Itraconazole added with Potassium iodide or not, with good results, no relapses and no side effects. NikZ, the result of a substance produced by the bacterium Streptomyces tendae, called Nikkomycin Z, also appears as a new therapeutic potential for the treatment of Sporotrix spp., with a blocking effect on chitin synthase present in the cell wall of fungi, were maide research with dogs, rats and is in Phase 1 of experiments on humans. NikZ represents a new form of prescription, as it can be placed in the animals’ drinking water, avoiding the desertion of those responsible for the felines, it has no observable adverse effects in the analyzes carried out and represents an alternative for cats refractory to existing medical protocols in veterinary.

Keywords: Refractory felines; Therapeutic protocols of choice; Medicines; Alternative treatments; Innovations.

1. INTRODUÇÃO

A esporotricose é uma infecção fúngica emergente, causada principalmente pelo fungo termodimórfico do gênero Sporothrix spp., e dentre as espécies mais detectadas no cenário atual estão o Sporothrix chilensis, Sporothrix lurei, Sporothrix mexicana, Sporothrix pallida, Sporothrix schenckii, Sporothrix globosa e o Sporothrix brasiliensis, sendo estes três últimos os que possuem maior capacidade de transmissão, e o derradeiro, o que prevalece em países das Américas como o Brasil, apesar disto, é considerada uma doença cosmopolita, distribuindo-se geograficamente em vários locais do mundo (Silva, 2022).

Inicialmente a esporotricose restou reconhecida como uma doença entre trabalhadores rurais que lidavam com a terra, devido a transmissão ocorrer através de ferimentos com espinhos, farpas e materiais orgânicos em decomposição, razão pela qual foi denominada primordialmente como “doença do jardineiro” ou “doença da roseira” (Baptista; Mothé, 2023), contudo, a esporotricose agora é reconhecida como uma doença ocupacional, com capacidade de contaminar qualquer um que manipule animais e solo contaminado, como agricultores, jardineiros, médicos veterinários, protetores e tutores de animais (Neves, 2018).

O fungo apresenta-se ambientalmente sob a forma de micelas (filamentos) contendo os esporos e quando penetra no organismo assume uma forma de levedura que é seu aspecto patogênico. (Bisson, 2020).

Apesar de incidir em vários tipos de animais e também em humanos, o felino se mostra como o hospedeiro mais susceptível devido a sua forma de vida livre ou semi-domiciliada, o que facilita o contato do mesmo com a superfície contendo os esporos e a penetração dos mesmos por inoculação na pele através das brigas por território ou pelas fêmeas e até mesmo por meio de lambedura (Forlani, 2021).

Nestes, a doença assume forma clínica variada, podendo apresentar-se na maneira subclínica, clínica e sistêmica. Na forma subclínica os animais apresentam-se assintomáticos, mas servem como reservatório e fonte de infecção; a forma clínica pode ser caracterizada como lesão cutânea única ou múltiplas lesões que afetam o rosto, notadamente o nariz, pontas de orelhas e patas; já na forma sistêmica o fungo dissemina-se no organismo através do sistema linfático ou hematógeno, afetando diversos órgãos do trato gastrointestinal, além de atingir ossos, olhos, sistema nervoso central etc., também compromete o sistema respiratório, promovendo intensa secreção e espirros contendo alta carga fúngica contaminante. (Kauffman, 2007).

A sintomatologia apresenta-se de maneira variada com apresentação de nódulos vermelhos, feridas subcutâneas exsudativas, podendo evoluir para feridas profundas e purulentas; e quando atinge o trato respiratório, como acima já delineado, ocorre copiosa descarga secretória, espirros e dificuldade respiratória. (Bisson, 2020).

O diagnóstico deve ser feito através de cultura micológica pela retirada de um fragmento de lesão ou de swab nasal (Silva, 2022).

O tratamento de eleição consiste no uso do Itraconazol na dosagem de 100mg/dia, para felinos de mais de 3kg e de 50mg/dia para os filhotes e os que possuem menos de 3kg (Bisson, 2020) e, eventualmente a administração do Cetoconazol por via oral na dosagem de 5 a 27 mg/kg a cada 12 ou 24 horas, por pelo menos quatro semanas ou até ser observada a cura clínica da doença (Nobre et al., 2002).

 Contudo, existem felinos que se apresentam refratários ao tratamento antifúngico monoterápico convencional, razão pela qual nas formas mais graves e disseminadas da doença podem ser associados ao Iodeto de potássio, a Terbinafina e o complexo lipídico de Anfotericina B. (Bisson, 2020).

Ainda como forma de tratamento para os felinos que não respondem bem a terapia tradicional ou aos medicamentos existentes utilizados no combate ao fungo, podem ser usados como coadjuvantes a laserterapia, ozonioterapia, criocirurgia e crioterapia (Cavalcante, 2023).

Devido a não responsividade dos felinos, mesmo que imunocompetentes, pesquisas têm sido desenvolvidas com a finalidade de combate ao fungo e novas abordagens vem surgindo como forma de tratamento como o Clotrimazol em spray associado ao Itraconazol para combate a forma nasal do Sporothrix spp. e o NikZ.

Este trabalho tem o objetivo de retratar os diversos protocolos terapêuticos existentes para esporotricose felina, as terapias alternativas e as inovações pesquisadas e que se revelam promissoras como futuros medicamentos, tendo como objeto de abordagem os gatos que são refratários aos tratamentos de eleição.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 TRATAMENTO CONVENCIONAL DA SPOROTRICOSE COM ANTIFÚNGICOS AZÓLICOS, TERBINAFINA E SUA ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA COM O IODETO DE POTÁSSIO E ANFOTERICINA B ASSOCIADA OU NÃO COM ITRACONAZOL

Dentre as cepas existentes do fungo, o Sporothrix brasiliensis é o mais patogênico no Brasil, razão pela qual afeta um grande número de felinos e dentre estes muitos se mostram imunologicamente susceptíveis ao agente etiológico e desenvolvem a forma agressiva da doença, com infecções secundárias causadas por bactérias oportunistas, que se beneficiam da baixa imunidade e das lesões abertas provocadas pelo fungo (Silva, 2022).

O tratamento da esporotricose em felinos tem sido um desafio na rotina das clínicas veterinárias, uma vez que o tratamento convencional com os antifúngicos não tem alcançado a sua efetividade, já que muitos pacientes são refratários a atuação esperada do medicamento (Pereira, 2023).

O que faz com que a terapêutica não se concretize da forma preconizada se deve ao fato de que os cuidados do tutor para com o doente dependem de um longo período de administração das drogas recomendadas, por via oral, e um isolamento de outros contactantes, evitando o estilo de vida livre ou semi-domiciliada, com vistas a suprimir as recidivas (Pereira, 2023).

A não efetividade do tratamento, desta feita, ocorre pelo baixo nível de comprometimento do tutor, o abandono do protocolo terapêutico, que normalmente acontece quando não se percebe mais a presença das lesões e interrompe-se o uso do medicamento, gerando recorrências e causando resistência aos fármacos existentes no mercado, some-se ainda ao próprio sistema imunológico dos felinos, que se mostra mais sensível ao fungo do que o dos caninos, ocasionado falha terapêutica (Viana, 2020).

Os antifúngicos de eleição para o tratamento da esporotricose são o Itraconazol e o Cetoconazol, sendo o primeiro o mais utilizado no cotidiano médico por apresentar menos efeitos adversos e por sua efetividade ter sido comprovada no tratamento do Sporothrix spp. (Andrade Júnior et al., 2021).

O Itraconazol é um derivado tiazólico sintético, com efeito fungistático, e em altas doses com efeito fungicida; seu mecanismo de ação ocorre por inibição da síntese de ergosterol, substância presente na membrana celular do fungo. Este bloqueio interfere no citocromo P-450 e leva a inibição da enzima lanosterol-14-demetilase, e por consequência, permeabilidade na membrana plasmática e necrose celular (Rocha, 2014).

A biotransformação do Itraconazol, assim como o de todos os antifúngicos azólicos, ocorre no fígado, e seus efeitos colaterais são náuseas e vômitos (Nobre et al., 2002).

Possui apresentação via oral em forma de cápsulas de 25, 50 e 100 mg, sendo que felinos com esporotricose devem ser tratados com a dose de 100 mg/animal, com administração de 1 cápsula a cada 24 horas para felinos de mais de 3 kg e de 50 mg/dia para os filhotes e os que pesam menos de 3 kg, por pelo menos um mês ou até que a cura seja obtida para que recidivas não aconteçam, ressaltando que, mesmo nestes casos de protocolos estipulados, felinos refratários não respondem ao tratamento (Andrade Júnior et al., 2021).

O Cetoconazol é um composto imidazólico e age da mesma maneira que todos os azóis, como acima indicado, ou seja, pelo bloqueio do ergosterol levando a permeabilidade da membrana do fungo e necrose celular. A metabolização do medicamento ocorre de forma extensiva pelo fígado, o que pode ocasionar toxicidade hepática, razão pela qual testes bioquímicos devem ser realizados com frequência para que as enzimas hepáticas possam ser monitoradas (Rocha, 2014).

A administração do Cetoconazol é via oral para a esporotricose felina e a dose é de 5 a 27 mg/kg a cada 12 ou 24 horas, por pelo menos quatro semanas ou até que seja observada a cura clínica da doença (Nobre et al., 2002) e seus efeitos adversos além da hepatopatia, incluem anorexia, vômitos e diarreia (Pereira, 2023).

A Terbinafina é um antifúngico sintético pertencente ao grupo das alilaminas e com ação fungicida; sua atuação ocorre por meio do bloqueio da enzima esqualeno epoxidase com consequente interrupção da síntese do ergosterol, o que provoca rompimento da membrana celular e morte (Viana, 2020).

Diferentemente dos antifúngicos azólicos, a Terbinafina não se conecta às enzimas do citocromo P-450, o que diminui problemas de interações com outros medicamentos, não interferindo também na produção de hormônios esteroides, possuindo ação lipofílica e queratolítica (Viana, 2020).

A dosagem indicada para felinos é de 20 mg/kg a cada 24 ou 48 horas e os efeitos colaterais incluem problemas gastrointestinais ou reações cutâneas (Nobre et al., 2002).

O Iodeto de potássio é constituído de 76% de halogênio-iodo e 23% de metal alcalino potássio, sua absorção é intestinal e excretado pela via urinária. O seu mecanismo de ação não é conhecido, contudo, considera-se que este tenha ação anti-inflamatória, aumente o funcionamento do sistema imunológico, além de lesionar o fungo quando da sua biotransformação em iodo; a dose recomendada é de 20 a 40 mg/kg, a cada 12 ou 24 horas. (Reis, 2016).

A literatura não é uníssona com relação a utilização dos azólicos e a Terbinafina conjuntamente com o Iodeto de potássio, haja vista que os resultados terapêuticos não são satisfatórios em todos os felinos tratados, contudo, existem aqueles que respondem bem ao protocolo. Há que se enfatizar ainda a questão dos efeitos adversos do medicamento e dentre eles destaca-se os decorrentes do iodismo como depressão, anorexia, vômitos e diarreia (Rocha, 2014).

A Anfotericina B é produzida pelo actinomiceto Streptomyces nodosus, sendo um antifúngico poliênico que atua na síntese do ergosterol na membrana celular do fungo gerando a permeabilidade e morte, podendo ser fungistático ou fungicida a depender da concentração do medicamento e da susceptibilidade do fungo a sua atuação (Rosa et al., 2017).

A Anfotericina B pode ser usada no combate ao Sporotrix spp. em gatos refratários, contudo, a mesma se revela nefrotóxica aos felinos quando utilizada por via endovenosa, o que desincentiva a sua prescrição (Santos, 2019). A dosagem preconizada pela literatura é de uma dose total de 4 a 8 mg/kg, em infusão intravenosa vagarosa (4-6 horas), em dias alternados, não podendo exceder a 0,5 mg/kg/dia, com o uso de fluidoterapia prévia com solução de cloreto de sódio a 0,9% (Rosa et al., 2017).

As vias alternativas são aplicação intralesional e subcutânea, o que provoca absorção lenta do fármaco evitando os efeitos nocivos aos rins, podendo ser associada ou não ao Itraconazol (Santos, 2019).

2.2 TRATAMENTOS ALTERNATIVOS

2.2.1 LASERTERAPIA

O laser tem potencial biomodulador das células e tecidos, promovendo proliferação de células, aumento da vascularização da área afetada, diminuição de edemas e ampliação de permeabilidade vascular (Cavalcante, 2023).

Em pacientes diagnosticados com esporotricose, a laserterapia serve como coadjuvante aos tratamentos medicamentosos, auxiliando na cicatrização através da síntese de colágeno. Os lasers de baixa intensidade atuam estimulando fotorreceptores presentes nas mitocôndrias, estimulando a mitose e consequentemente aumento de oxigênio intracelular, potencializando a síntese de proteínas, some-se ainda a estimulação de citocinas inflamatórias que atuam no processo de cicatrização por promoção de migração celular (Cavalcante, 2023).

Em um estudo conduzido por Ribeiro et al. (2023), 8 felinos com esporotricose foram submetidos ao uso do laser do modelo Theraphy (DCM) com luz vermelha por spot, irradiando a borda e o interior das lesões, com a ponta do aparelho tocando a ferida em 90 graus. A intensidade da energia luminosa variou entre 1 e 6 joules (J) e o número de aplicações foi variado, entre 4 e 8 sessões, dependendo do caso, tipo de lesões e resposta do paciente. Os resultados obtidos foram satisfatórios uma vez que a laserterapia se mostrou eficiente na indução de cicatrização tecidual e morte do fungo.

Figura 1. Aplicação do laser em lesões de um felino com esporotricose com a ponta do laser no ângulo de 90 graus dentro da região afetada. Fonte: Ribeiro et al., 2023.

2.2.2 OZONIOTERAPIA

O ozônio é um gás incolor, de odor característico, instável e solúvel em água. É encontrado na estratosfera e tem como função filtrar os raios ultravioletas, é constituído de três átomos de oxigênio e se forma de maneira natural por descargas elétricas em tempestades que quebram as moléculas de oxigênio liberando átomos livres que se juntam formando ozônio e também quando raios ultravioletas com ondas de 180 a 200 nanômetros se comportam como descargas elétricas, além da formação na natureza, existem maneiras industriais de produção de ozônio para uso na medicina e que deve conter 95% de oxigênio e 5% de ozônio, que são os sistemas ultravioleta, descargas elétricas e plasma frio. O seu uso deve ser imediato, uma vez que, por ser um gás instável, retorna a forma de oxigênio em um período de 40 minutos a 20°C a 25ºC (Cavalcante, 2023).

O uso em animais ocorre com um sistema fechado em forma de bolsa resistente ao ozônio e que deve ser colocada na área em que o gás será liberado, por um tempo mínimo de 20 a 30 minutos e a quantidade de sessões de mostra variável a depender da resposta do paciente (Moura, 2020).

Figura 2. Insuflação de bag para administração de ozônio em felino acometido por esporotricose. Fonte: Moura, 2020.

Importante ainda detalhar que existe a possibilidade do uso tópico do óleo de girassol ozonizado e os dois métodos podem ser utilizados conjuntamente ou isoladamente de acordo com o tamanho, a localização e forma da lesão (Jorge et al., 2024).

O óleo ozonizado promove aumento da cicatrização em razão de um incremento na deposição de colágeno e carreamento de fibroblastos para o local tratado (Calheiros et al., 2023), já o gás ozonizado ativa o metabolismo das células, ampliando a síntese de enzimas antioxidantes, diminuindo o estresse oxidativo e propiciando suprimento de oxigenação na área lesionada, viabilizando aspectos tanto bactericidas como fungicidas, por promoção da destruição da camada fosfolipídica do fungo (Pires et al., 2020).

2.2.3 CRIOTERAPIA E CRIOCIRURGIA

Tanto a crioterapia como a criocirurgia são utilizadas como tratamentos auxiliares aos felinos acometidos pela esporotricose e refratários aos medicamentos, ambas utilizam o congelamento como forma de atuação, sendo a primeira menos invasiva que a segunda, sem destruição tecidual, já a criocirurgia promove cirurgicamente a destruição do tecido lesionado causando a morte celular por meio do nitrogênio líquido a uma temperatura de menos 20ºC por no mínimo 60 segundos e a resposta a terapêutica depende das lesões do paciente  (Cavalcante, 2023).

Com a criocirurgia o congelamento forma cristais de gelo no interior das células bloqueando a saída da água para o meio extracelular. Esses cristais fusionam-se tornando-se maiores à medida que ocorre descongelamento causando danos às organelas e, após esta fase, o gradiente osmótico muda, e o meio intracelular se torna hipertônico provocando entrada de água na célula que se distende até romper (Gage e Baust, 1998), em adição, a resistência das fibras colágenas e cartilaginosas ao dano provocado pelo congelamento estimulam a cicatrização (Erinjeri et al.2010).

Existem três formas de aplicação do nitrogênio líquido. Com jato aberto, através de spray, onde o material é colocado em uma garrafa de aço inoxidável com uma válvula de segurança e a saída do nitrogênio é refreada quanto a velocidade e quantidade, aplicando-se sobre a lesão de forma espiral, do centro para as bordas, com distância de 1 a 2 cm do ferimento e com angulação de 90 graus; sondas fechadas ou pontas fechadas que se apresentam congeladas e são comprimidas nas áreas lesionadas; e, por fim, na forma de sticks que são swabs aplicadores de contato. A escolha do tratamento adequado depende das formas da lesão e de seu tamanho (Cavalcante, 2023; Moraes, 2008).

2.3 INOVAÇÕES TERAPÊUTICAS

2.3.1 INFUSÃO INTRANASAL DE CLOTRIMAZOL “SPRAY” A 1% ASSOCIADO COM INTRACONAZOL ORAL

Um estudo com sete felinos foi conduzido por Santi et al. (2022) para o tratamento de esporotricose nasal em felinos refratários ao uso dos azólicos de eleição, associados ou não com o Iodeto de potássio, obtendo-se os seguintes resultados arrolados abaixo.

O uso do antifúngico em aerossol se deveu ao fato do fungo atacar a região nasal, invadindo tecidos ósseos e cartilagem, infectando osteoclastos, e, também, por ser uma área de pouca vascularização em felinos, não alcançada com a eficácia necessária pelos medicamentos sistêmicos.

Os gatos do estudo realizado foram diagnosticados por cultura fúngica sendo prescrito uma infusão intranasal em spray de Clotrimazol a 1% em solução de cloreto de sódio, sendo administrado 1 ml em cada narina associado ao Itraconazol na dose de 100 mg/gato uma vez ao dia.

A duração do tratamento foi de 2 a 6 meses e a remissão da doença ocorreu em 60 dias na maior parte dos pacientes. Após o fim do tratamento os animais foram acompanhados por mais 54 dias sem que houvessem recidivas da doença.

Como reações adversas apontou-se a ausência de náuseas, vômitos, inapetência ou anorexia, apenas a sialorreia foi descrita devido a administração oral do spray por parte do tutor em face da dificuldade do felino em aceitar o uso do aerossol.

O trabalho realizado por Santi et al. (2022) é de suma importância para pacientes com esporotricose nasal que são refratários aos tratamentos mais utilizados na rotina clínica e que sofrem com recidivas da doença.

2.3.2 NIKZ

Um estudo produzido por Larwood (2020) aborda acerca da Nikkomicina Z, e de seu derivado farmacêutico, o NikZ, de suas propriedades promissoras no tratamento de vários fungos que acometem humanos, além de suas possibilidades terapêuticas para o Sporotrix spp., como abaixo se elenca:

A Nikkomicina Z é uma substância produzida de forma secundária pela bactéria Streptomyces tendae com propriedades antifúngicas e patenteada pela Bayer com o nome de NiKZ.

Figura 3. Estrutura molecular do Nikkomycin Z (HCl) C20H25N5O10-HCl. Fonte: Larwood, 2020.

Para que a produção em escala farmacêutica fosse possível, trabalhos foram conduzidos e os resultados culminaram com a produção de uma cepa diferenciada de S. tendae programada para gerar NikZ com rendimento de purificação de 79% e mais de 98% de pureza.

O interesse na molécula ocorreu quando se percebeu a sua atividade contra uma variedade de fungos dimórficos, a exemplo da Candida Albicans, Histoplasma, Blastomyces e Aspergillus fumigatus, por sua atuação inibindo a quitina sintase presente na parede celular dos fungos, na primeira camada ao redor da bicamada lipídica, que é secundariamente composta por vários glucanos.

A quitina é importante para manter a estrutura esférica do fungo, de forma que havendo danos em sua parede celular a produção de quitina aumenta com a finalidade de reparação, o que não ocorre com a atuação do NiKZ, fazendo com que medicamentos equinocandina atuem de forma satisfatória contra a Candida Albicans e Aspergillus fumigatus.

Em estudos pré-clínicos realizados em cães com administração de dose oral única de 300 mg/kg (28 dias) e em ratos na dose oral de 1.000 mg/kg, uma vez por dia por seis meses, não foram observados efeitos adversos do medicamento, o que possibilitou o início dos testes da Fase 1 em humanos, ratificando ser seguro doses orais de 250 a 2.000 mg.

Com relação ao Sporotrix spp., estudos realizados para a S. globosa com o NikZ (MIC – concentração mínima inibitória de 6,3 a 12,5 g/ml) associado ao Itraconazol, apresentou um forte sinergismo (FIC – concentração inibitória fracionada de 0,37), já com relação a 10 cepas de S. brasiliensis obtiveram-se FICs variados, com duas cepas apresentado taxas menores ou iguais a 0,37 (forte sinergismo), duas indiferentes e o restante apresentando taxas de 0,50 a 0,56 (fraco sinergismo), razão pela qual são necessários mais estudos para a aplicação do NikZ para o fungo em questão.

Poester et al. (2023b) realizou uma pesquisa em que foi verificada a monoterapia com NikZ e sua associação com o Itraconazol na terapia normal adotada. A experiência foi realizada com ratos intencionalmente infectados com S. brasiliensis por via subcutânea e tratados oralmente por 30 dias. Os grupos foram divididos em um de controle, sem medicamentos, grupo tratado com Itraconazol (50 mg/kg/dia), três grupos medicados com NikZ (200 ou 400 mg/kg/dia) e um grupo tratado com o uso de NikZ (400 mg/kg/dia) e Itraconazol.

Os parâmetros avaliados na experiência foram ganho de peso, mortalidade e carga fúngica nos tecidos, obtendo resultados melhores nos tratamentos associados do que os com monoterapia, demonstrando de forma primacial a potencialidade do uso de NikZ para tratamento da cepa S. brasiliensis (Poester et al., 2023b).

Figura 4. Pesquisa mostrando a efetividade do NikZ para o combate do S. brasiliensis. Fonte: Poester at al., 2023a.

Em um outro estudo de Poester et al. 2023a, ressaltou-se que o S. brasiliensis, apesar de endêmico no Brasil e em países da América Latina, agora está acometendo felinos em outros locais do globo em virtude da importação de raças acometidas com o fungo, o que denota a importância do NickZ no tratamento, principalmente em gatos refratários a terapia convencional, uma vez que não possui efeitos colaterais descritos nas pesquisas realizadas, nenhuma toxicidade, além da possibilidade de sua dosagem ser oral e poder ser colocado na água de beber dos animais, dirimindo o abandono do tratamento pelo tutor como ocorre com os medicamentos tradicionais, contudo, mais estudos devem ser realizados para que a substância em comento seja comercializada, mas as perspectivas se revelam favoráveis ao protocolo em questão.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A esporotricose se tornou um problema de saúde pública devido a sua disseminação pelos felinos principalmente semi-domiciliados e de vida livre e que passam o fungo para outros animais e para o humano, sendo de difícil tratamento para gatos que se revelam refratários ao protocolo convencional, sendo necessário novas abordagens para que a cura seja alcançada.

O presente trabalho ilustra a importância da obtenção de uma medicação que seja efetiva nestes casos, mesmo que seja em associação com outros fármacos, assim como as pesquisas que estão sendo realizadas na área para conseguir gerar novas medicações que se apliquem de forma positiva contra o Sporothrix ssp., principalmente em felinos que são não responsivos aos tratamentos existentes e que retornam aos consultórios veterinários com recidivas da doença ou por abandono do tratamento por parte do tutor.

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1Graduação de bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes na cidade de Aracaju/SE. Pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Juspodivm na cidade de Feira de Santana/BA. Graduanda em Medicina Veterinária na Universidade Anísio Teixeira na cidade de Feira de Santana/BA. Email: daniellesmera@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0009-0006-3456-9440

2Graduação em Farmácia pela Universidade Tiradentes na cidade de Aracaju/SE. Graduando em Medicina Veterinária na Universidade Anísio Teixeira na cidade de Feira de Santana/Ba. Pós-graduando em Clínica e Reprodução de Equinos na Faculdade Rebouças na cidade de Feira de Santana/BA. ORCID: https://orcid.org/0009-0000-7212-4529