REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11377079
Ana Paula da S. Rodrigues de Almeida1
Camila Ansilieiro2
Shaiane Lima Moura3
Thiago Lobianco Viana4
RESUMO
Este projeto de intervenção visa constatar a utilidade e a viabilidade da implementação de prontuários eletrônicos no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS – de Vilhena/RO, notadamente ante a necessidade de controle do atendimento médico e medicamentoso dos pacientes recorrentemente atendidos. Para tanto, a metodologia de pesquisa aplicada é mista. Envolve uma breve revisão de literatura, aliada a um estudo exploratório de campo firmado em análises das experiências reais da unidade, relativamente ao nível de informatização, controle e relatórios dos atendimentos e insumos disponíveis. Por fim, buscou-se destacar os benefícios dos prontuários eletrônicos na otimização do atendimento, na redução de erros médicos e no aprimoramento da comunicação entre os profissionais de saúde, além de representar um passo significativo no avanço da saúde mental na região, o que, consequentemente, resultara em serviços prestados com mais eficiência, qualidade e rapidez.
Palavras-chave: CAPS; Medicina; Atendimento; Prontuários Eletrônicos.
1 INTRODUÇÃO
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é uma instituição que surgiu a partir da reforma psiquiátrica, respaldada pela Lei 10.216, com o propósito de ser uma alternativa à internação psiquiátrica. Seu principal objetivo é promover a reinserção social do indivíduo por meio de um atendimento multidisciplinar centrado na participação ativa do usuário. Desde sua implementação, o CAPS contribuiu significativamente para a redução do número de leitos hospitalares destinados a pacientes psiquiátricos. O serviço prestado pela unidade está pautado na lógica territorial, oferecendo cuidados clínicos, reabilitação psicossocial e apoio sócio-familiar. Além disso, busca incentivar a busca pela autonomia, fortalecer o exercício da cidadania e promover a inclusão social tanto dos usuários quanto de seus familiares. O atendimento é realizado em diferentes intensidades: intensivo, semi-intensivo e não intensivo, conforme a necessidade e o grau de desestruturação psíquica do indivíduo (LOPES et al., 2018).
Conforme dados do Portal da Saúde do Governo Federal, existem mais de mil CAPS espalhados pelo Brasil, divididos em diferentes categorias de acordo com a população atendida: CAPS I para municípios com população entre 20 mil e 70 mil habitantes (788 unidades); CAPS II para municípios com população entre 70 mil e 200 mil habitantes (424 unidades); CAPS III para municípios com população acima de 200 mil habitantes (56 unidades); CAPS ad, serviço especializado para usuários de álcool e drogas, para municípios com população entre 70 mil e 200 mil habitantes (268 unidades); e CAPS i, serviço especializado para crianças, adolescentes e jovens até 25 anos, para municípios com população acima de 200 mil habitantes (134 unidades) (BRASIL, 2023).
O tratamento oferecido pelo CAPS tem sido objeto de questionamentos e estudos, uma vez que não se resume a intervenções farmacológicas, mas sim engloba outros fatores essenciais para a recuperação do indivíduo. Nesse contexto, a família assume um papel fundamental na reabilitação psicossocial do paciente, sendo corresponsável pelo tratamento e cuidado. O envolvimento da família possibilita criar uma rede de apoio que favorece a melhoria do quadro psicológico do usuário.
Para garantir uma abordagem mais eficaz no atendimento, o prontuário eletrônico se destaca como uma ferramenta essencial. Ele facilita o compartilhamento de informações entre os profissionais envolvidos no tratamento, permitindo um acompanhamento mais completo e coerente do paciente. Além disso, o prontuário eletrônico contribui para a organização e segurança dos dados, garantindo a privacidade e confidencialidade das informações sensíveis dos pacientes.
A adoção do acolhimento e da escuta como estratégias para a inclusão da família no tratamento médico é de extrema importância, pois fortalece ações que promovem a saúde, criando espaços de interação, apoio e suporte. Dessa forma, a participação ativa da família no processo de desenvolvimento psicossocial do usuário é relevante para o prosseguimento do tratamento e para sua reintegração na sociedade.
Neste aspecto, o CAPS desempenha um papel essencial na reabilitação psicossocial de indivíduos com transtornos mentais, e o prontuário eletrônico é uma ferramenta fundamental para uma abordagem mais integrada e eficiente no cuidado de saúde mental. O envolvimento da família e o uso adequado da tecnologia são aspectos indispensáveis para o sucesso do tratamento e para a construção de uma sociedade mais inclusiva e atenta ao cuidado psicossocial.
Neste sentido, levando-se em consideração que o presente trabalho aborda sobre um projeto de intervenção realizado no CAPS de Vilhena em Rondônia, cumpre estabelecer critérios teóricos fundamentais para compreensão do assistente social sobre o papel do CAPS e a relevância da tecnologia no atendimento, através do Prontuário Eletrônico.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO
Ao discutirmos a temática da Reforma Psiquiátrica em um contexto global, é de fundamental importância contextualizar, de forma breve, a concepção da loucura e o surgimento das instituições psiquiátricas. A compreensão histórica da loucura revela que inicialmente ela foi interpretada como bruxaria e magia negra, para posteriormente ser associada a aspectos religiosos, considerada um pecado, “os pecados contra a carne e as faltas contra a razão” (FOUCAULT, 1972, p. 87).
Na Idade Média, o louco fazia parte da vida das pessoas e era integrado à sociedade, não sendo alvo de isolamento. No entanto, durante a Idade Moderna, caracterizada pela transição do feudalismo para o capitalismo, o louco foi redefinido e passou a ser marginalizado pela sociedade, tornando-se objeto de desumanização e ocupando a posição dos “inúteis” e pobres. Nesse período, a loucura foi associada à alienação e à inadaptação do indivíduo ao novo modo de produção (BRAGA, 2020).
As instituições psiquiátricas surgiram antes mesmo do advento do capitalismo, mas com o desenvolvimento deste sistema, elas se transformaram em instrumentos de correção e controle moral, um mecanismo disciplinador. Segundo Ferreira (2020), tais instituições não tinham o propósito de cura, mas sim a intenção de eliminar das cidades os mendigos e indivíduos considerados antissociais, priorizando a punição da ociosidade e a reeducação moral. Como resultado, tornaram-se depósitos de pessoas consideradas inaptas para o trabalho, principalmente constituídas por loucos, idosos, mendigos e deficientes mentais.
moral, um mecanismo disciplinador. Segundo Ferreira (2020), tais instituições não tinham o propósito de cura, mas sim a intenção de eliminar das cidades os mendigos e indivíduos considerados antissociais, priorizando a punição da ociosidade e a reeducação moral. Como resultado, tornaram-se depósitos de pessoas consideradas inaptas para o trabalho, principalmente constituídas por loucos, idosos, mendigos e deficientes mentais.
Gradella Jr. (2008) apud Cusinato (2016) ressalta que a exclusão desses indivíduos pelo Estado burguês é um subproduto das relações sociais, relações econômicas e ainda, as políticas do modo de produção capitalista. Heller (1989) apud Cusinato (2016) argumenta que a sociedade, ao subjugar o indivíduo à sua classe e à suposta ordem natural das leis econômicas, anulou a liberdade individual, transformando os seres humanos livres em escravos da alienação.
Dessa forma, fica evidente que a inserção produtiva, seja no trabalho ou na ausência dele, estabelecia os limites entre o que era considerado normal e anormal. Cusinato (2016) destaca que a estrutura econômica e a organização social estão sempre interligadas, e não é coincidência que os manicômios tenham sido estabelecidos no início da revolução industrial, atingindo seu auge institucionalizado quando se tornou necessário separar os indivíduos produtivos dos improdutivos.
Com o advento da era industrial, a relação passou a ser entre o homem e a produção, não mais entre o homem e a sociedade, criando-se, assim, uma nova forma discriminatória de classificar cada elemento, como anormalidade, enfermidade e inadaptação. Ressalta-se ainda, a existência de uma divisão clara nas instituições psiquiátricas entre os que possuem poder e os que não possuem, resultando em uma relação de opressão e violência que exclui os desprovidos de poder (BRAGA, 2020).
Essas instituições, portanto, foram concebidas como uma rede repressora destinada a conter a desordem, cuja função social era excluir aqueles que não se adequavam à ordem estabelecida pela burguesia. Como consequência, essas instituições foram marcadas pela brutalidade, tortura, maus-tratos, superlotação e violência. Além da opressão e da violência, a intervenção na vida do indivíduo e a rotulação deste como normal ou anormal representam uma afirmação do poder médico que se oculta sob a pretensa objetividade científica, mas, na realidade, revela-se uma imposição ideológica do modelo de racionalidade burguesa (FERREIRA, 2020).
Nesse contexto, o movimento da Reforma Psiquiátrica começou a surgir no início do século XX, mas suas raízes remontam ao final do século XIX, quando algumas iniciativas reformadoras foram tomadas em hospitais gerais, e as críticas ao modelo asilar ganharam força após a Segunda Guerra Mundial, período de crescimento econômico e reorganização social. Os movimentos de Reforma Psiquiátrica surgiram em diferentes países ao redor do mundo (BRAGA, 2020).
Nos Estados Unidos da América e Canadá, prevalecia a abordagem da Psiquiatria Preventiva, que propunha a possibilidade de cuidar e prevenir doenças mentais, deslocando o enfoque da doença para a saúde mental. Na França, surgiu a Psiquiatria Institucional de Setor; na Inglaterra, a Antipsiquiatria; e na Itália, a Psiquiatria Democrática. No Brasil, as críticas a esse modelo asilar emergiram tardiamente (CUSINATO, 2016).
Assim, a Reforma Psiquiátrica representou uma mudança crucial no tratamento e abordagem da saúde mental, buscando superar a lógica de exclusão e violência das antigas instituições psiquiátricas e promovendo a valorização da pessoa em sofrimento mental como sujeito de direitos, dignidade e cidadania. Cada país abordou a reforma de acordo com suas particularidades históricas, políticas e sociais, refletindo uma trajetória complexa e multifacetada para a transformação desse campo.
2.2 REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL E A INSERÇÃO DO CAPS
No Brasil, no início do século XIX, os indivíduos considerados loucos ou alienados viviam à margem da sociedade, frequentemente encontrados nas ruas, como indigentes. Por volta do meio do mesmo século, essa situação começou a mudar, e os loucos passaram a ser encaminhados para a Santa Casa de Misericórdia, em um esforço de higienização das ruas. Contudo, na instituição, eles eram relegados aos porões, sem receber assistência médica adequada (FIGUEIREDO, 2019).
Posteriormente, a construção dos primeiros hospitais psiquiátricos teve início em 1830, como resultado de denúncias acerca das condições na Santa Casa. Em 1852, o Hospício Pedro II foi inaugurado, adotando o modelo asilar proposto por Pinel na Europa. A psiquiatria, no Brasil, só veio a ser reconhecida como especialidade médica no começo do século XX. Nessa época, o louco ou alienado passou a ser visto como um doente suscetível a tratamento. Surgiram, então, as colônias agrícolas para abrigar aqueles condenados como loucos (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, 2019).
Porém, no final dos anos 1950, com o crescimento desmedido dos hospitais psiquiátricos e colônias, começaram a surgir denúncias de superlotação e maus tratos aos pacientes ali internados. Antes do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) e do Movimento da Reforma Psiquiátrica, o Brasil viu emergir o movimento da Psiquiatria Comunitária, que surgiu como uma alternativa ao sistema asilar e das colônias, com uma proposta de abordagem mais abrangente, capaz de atingir a comunidade e prevenir o adoecimento mental (FIGUEIREDO, 2019).
Essa abordagem tinha como objetivo não apenas identificar precocemente situações críticas para resolvê-las antes que levassem à internação, mas também organizar o espaço social para que este possa prevenir o adoecimento mental, priorizando a promoção da saúde mental em relação ao tratamento da doença, buscando evitar o estabelecimento desta última. Inspirado pelas ideias do italiano Franco Basaglia, o movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil teve início no final de 1970, e ainda, os avanços significativos entre os anos 1980 e 1990.
Por muito tempo, questões relacionadas à doença mental foram silenciadas no país, não se questionando os fundamentos dos asilos e da psiquiatria, mas sim seus abusos e excessos. A Reforma Psiquiátrica emergiu a partir dos questionamentos feitos pelos movimentos sociais em relação aos maus tratos, abusos e violência contra os doentes mentais (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, 2019).
A Reforma Psiquiátrica pode ser compreendida enquanto processo histórico de formulação crítica e prática, cujos objetivos e estratégias envolvem o questionamento e a proposição de transformações no modelo clássico e no paradigma da psiquiatria. No Brasil, esse processo ganhou forma de maneira mais concreta, especialmente a partir da conjuntura da redemocratização, no final da década de 1970 (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, 2019).
Sua fundamentação não se limitou apenas à crítica conjuntural do subsistema nacional que engloba a saúde mental, e ainda, abrangeu uma crítica estrutural ao conhecimento e às instituições psiquiátricas clássicas, impulsionada pelo contexto político-social da redemocratização. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) desempenhou um papel pioneiro na luta antimanicomial no Brasil, representando uma forte crítica ao conhecimento psiquiátrico predominante, caracterizado naquela época como o “saber da exclusão” (FIGUEIREDO, 2019).
A criação dos CAPS como serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos foi consolidada em 2002 pela Portaria n.º 336/02, que complementou a Portaria n° 224 de 1992. Essa iniciativa reforça o compromisso com a desconstrução do modelo hospitalocêntrico e a promoção da atenção psicossocial integrada, descentralizada e territorializada.
A estrutura física, os objetivos, o público-alvo, os profissionais envolvidos e os tipos de atendimentos realizados pelos CAPS estão detalhados em documentos oficiais da política pública de Saúde Mental (BRASIL, 2004). Em suma, a RAPS representa uma abordagem inovadora na atenção à saúde mental no Brasil, buscando proporcionar cuidados mais humanizados e integrados, e promover a reinserção social das pessoas com transtornos mentais. Os CAPS têm um papel fundamental nesse processo, atuando como substitutivos aos hospitais psiquiátricos e proporcionando uma atenção mais adequada e efetiva aos usuários de saúde mental. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2002), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são dispositivos fundamentais vinculados à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que visam atender pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, bem como aquelas com necessidades relacionadas ao uso de crack, álcool e outras drogas.
Existem cinco tipos de CAPS, cada um com atendimentos diferenciados para adultos, crianças/adolescentes e usuários de álcool/drogas. A implantação de um CAPS em um município depende do contingente populacional. Para que os CAPS alcancem seus objetivos, é essencial que funcionem como dispositivos interligados à rede de serviços de saúde e contem com o apoio de outras redes sociais e intersetoriais, garantindo a inclusão das pessoas excluídas da sociedade devido a transtornos mentais (BRASIL, 2004).
Cada CAPS é composto por uma equipe multiprofissional com abordagem interdisciplinar, sendo obrigatória a presença de um médico, com formação em saúde mental ou psiquiatria, além de outros profissionais de nível superior, como psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e pedagogos, entre outros, necessários ao projeto terapêutico singular. Além desses profissionais, outros do campo da saúde também podem integrar a equipe (BRASIL, 2002).
Dentre as atribuições dos CAPS estão:
oferecer atendimentos em regime de atenção diária; coordenar os projetos terapêuticos; promover a inserção social dos usuários por meio de ações intersetoriais que englobem educação, trabalho, esporte, cultura e lazer; organizar a rede de serviços de saúde mental em seu território; oferecer apoio e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica de saúde; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área; coordenar, em conjunto com o gestor local, as atividades de supervisão das unidades hospitalares psiquiátricas em seu território; e manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a saúde mental (BRASIL, 2004).
A individualização dos cuidados é uma prioridade nos CAPS, sendo essencial que cada usuário tenha um Projeto Terapêutico Singular (PTS) que respeite sua singularidade e personalize o atendimento, propondo atividades de acordo com suas necessidades durante sua permanência diária no serviço (BRASIL, 2002).
No contexto dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), é fundamental que cada usuário tenha um Projeto Terapêutico Singular (PTS), no qual conste a conduta de atendimento específica para suas necessidades. Essas condutas são estabelecidas de acordo com as diretrizes da Portaria GM 336/02 e são classificadas em três modalidades: Atendimento Intensivo, Atendimento Semi-Intensivo e Atendimento Não-Intensivo (BRASIL, 2004).
O Atendimento Intensivo é destinado a pessoas que se encontram em situação de grave sofrimento psíquico ou em crise, necessitando de atenção contínua para enfrentar dificuldades intensas no convívio social e familiar. Por sua vez, o Atendimento Semi-Intensivo é oferecido quando o usuário apresenta melhora significativa em suas relações interpessoais e desestruturação psíquica, mas ainda precisa de suporte direto da equipe para recuperar sua autonomia (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, 2019).
Já o Atendimento Não-Intensivo é indicado para aqueles que conseguem viver em seu território e realizar suas atividades familiares e/ou de trabalho sem necessidade de suporte contínuo da equipe do CAPS. As atividades no CAPS podem ser desenvolvidas em diferentes formatos, abrangendo atendimentos individuais e em grupo, destinados às famílias, e atividades comunitárias. Essas atividades são diversificadas, incluindo prescrição de medicamentos, psicoterapia, oficinas terapêuticas, atividades culturais, esportivas e de suporte social, entre outras (BRASIL, 2004).
O CAPS não é apenas um local físico de atendimento, mas uma estratégia de transformação da assistência, integrada a uma ampla rede de cuidados em saúde mental, que se estende além de suas instalações. O objetivo é promover a autonomia dos usuários, incentivar a participação da família e da comunidade, e realizar a reabilitação psicossocial e a reinserção social, possibilitando que o usuário desenvolva atividades em outros espaços, como na comunidade, no trabalho e na vida social (BRASIL, 2004).
Essa proposta de atendimento alinhada aos princípios da Reforma Psiquiátrica busca articular todas as frentes de cuidados em saúde mental, abrangendo desde a atenção básica até a rede de ambulatórios e hospitais. O intuito é que os serviços de atenção psicossocial ofereçam acolhimento e promovam o estabelecimento de vínculos afetivos e profissionais com os usuários, ouvindo suas dificuldades, medos e expectativas, a fim de proporcionar um cuidado integral e humanizado (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, 2019).
Assim, a implantação dos CAPS e a formação de equipes multiprofissionais comprometidas com o novo modelo assistencial marcam um importante avanço na superação das práticas manicomiais e na busca por uma assistência psiquiátrica mais adequada e centrada no usuário.
2.3 INSERÇÃO DA TECNOLOGIA NA SAÚDE ATRAVÉS DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO
Sobre a inserção da tecnologia na saúde através do prontuário eletrônico, cumpre destacar o período que antecede a tecnologia em que o controle de saúde era realizado predominantemente de forma manual, neste cenário, destaca-se Florence Nightingale, considerada a precursora da enfermagem, ressaltou a importância de buscar a verdade por meio de informações detalhadas durante o tratamento dos feridos na Guerra da Criméia. No entanto, ela enfatizou a dificuldade de obter registros hospitalares adequados para comparações e entender como o dinheiro era utilizado e quais benefícios reais eram proporcionados com os recursos disponíveis (SOUZA, 2017).
Esse cenário de escassez de registros hospitalares compreende a origem do prontuário médico, que posteriormente evoluiu para o Prontuário do Paciente com a intenção de proteger os direitos dos pacientes. A partir de congressos nos Estados Unidos em 1972, foram criados os primeiros prontuários eletrônicos, que gradualmente ganharam espaço no meio acadêmico e chegaram ao Brasil na década de 90 (TOLEDO, 2021).
O prontuário do paciente é considerado um documento de referência fundamental para acompanhar o histórico e garantir uma comunicação eficiente entre a equipe de saúde e o paciente. Ele contém informações que possibilitam a continuidade, a segurança, a eficácia e a qualidade do tratamento oferecido, além de detalhes relevantes para a gestão de hospitais e Unidades Básicas de Saúde (ANDRADE, 2020).
Em sua essência, o prontuário do paciente é um registro que concentra todas as informações sobre a saúde de uma pessoa, incluindo os cuidados e tratamentos dispensados, possibilitando um gerenciamento mais eficiente da patologia, com identificação de sintomas, causas e medicamentos utilizados (SOUZA, 2017). Além de seu valor clínico, o prontuário também possui importância administrativa, educacional, de pesquisa e aspectos legais (CUNHA, 2022).
Considerando sua relevância como fonte primária de informações, o prontuário do paciente se torna um elo essencial na comunicação entre os profissionais de saúde e com o próprio paciente. Sua utilização é vantajosa, especialmente diante da crescente demanda por novos procedimentos, o aumento de opções de tratamento e o envelhecimento da população, o que gera uma quantidade significativa de registros em papel e altos custos para o armazenamento a longo prazo (TOLEDO, 2021).
Nesse contexto, o uso do Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) se mostra como uma solução promissora. O PEP permite reunir todos os dados do paciente, provenientes de diferentes profissionais, épocas e locais, por meio de sistemas de informação, proporcionando maior acessibilidade, legibilidade, dinamicidade e segurança dos dados. Ele possibilita que informações relevantes sobre os cuidados em saúde do indivíduo estejam disponíveis em toda a rede, favorecendo a tomada de decisões pelos profissionais de saúde (TOLEDO, 2021).
No entanto, como qualquer sistema, o PEP também apresenta desafios e aspectos a serem aprimorados, motivo pelo qual continua sendo objeto de estudo e aprimoramento pela comunidade acadêmica. Em contrapartida, apesar das vantagens apresentadas pelo PEP, é importante considerar algumas desvantagens do uso dessa tecnologia em comparação ao prontuário de papel. O prontuário de papel é facilmente carregado, proporciona maior liberdade na redação e não exige um treinamento especial para sua utilização (FONTENELE, 2021).
No entanto, é notável uma tendência crescente em adotar os registros eletrônicos de saúde, como o PEP, devido à promessa de oferecer qualidade e segurança aos cuidados médicos. A adoção do PEP também contribui para o avanço da ciência e prática biomédica, possibilitando a reutilização de dados clínicos (FONTENELE, 2021). O investimento em softwares para o gerenciamento de informações dos pacientes proporciona uma base sólida para a melhoria do sistema de saúde, facilitando a pesquisa clínica, aprimorando a qualidade dos cuidados e orientando esforços para a promoção da saúde (LIMA et al., 2019).
O prontuário do paciente é concebido para desenvolver registros clínicos centrados no paciente, integrando todas as configurações de saúde e embasando a implementação de programas de cuidados no âmbito dos sistemas nacionais de saúde. Registros eletrônicos de boa qualidade colaboram para um melhor cuidado com o paciente, melhoram a coordenação entre cuidados primários e secundários e possibilitam o monitoramento eficiente da saúde da população (FONTENELE, 2021).
Contudo, é necessário abandonar a concepção simplista de que o PEP é apenas uma versão legível do prontuário de papel. A pesquisa realizada por Price e colaboradores (2013) apud Andrade (2020) revela que esse pensamento é um desafio na adoção do PEP, prejudicando a qualidade dos dados e a subutilização dos recursos dos sistemas operacionais. O prontuário eletrônico do paciente é muito mais do que uma simples transcrição do prontuário em papel; ele envolve uma gestão completa de informações clínicas e de cuidados.
O PEP abrange o passado e presente da vida clínica do paciente, as observações e achados clínicos registrados pela equipe, os resultados de testes e procedimentos, bem como informações resultantes da interação paciente-profissional. Essa riqueza de dados em formato eletrônico pode auxiliar, inclusive, na identificação de reações adversas não conhecidas anteriormente, proporcionando um entendimento mais completo da situação do paciente (TOLEDO, 2021).
Contudo, é preciso salientar que a pesquisa sobre o prontuário eletrônico do paciente (PEP) ainda está em estágios iniciais, e há muito a ser desvendado sobre o seu potencial no auxílio à detecção de novas reações adversas. A incorporação da tecnologia no gerenciamento de informações em saúde oferece inúmeros benefícios, incluindo retorno financeiro positivo sobre o investimento, melhor comunicação e coordenação de cuidados, bem como controle mais eficaz do diabetes e do processo de cuidados (TOLEDO, 2021).
Além da dinamicidade proporcionada pelo PEP, ele apresenta outras vantagens que abrangem desde o cuidado primário até o cuidado clínico integral. A facilidade de acesso a registros anteriores e a possibilidade de incorporar informações adicionais para alertar sobre potenciais problemas, como drogas incompatíveis, são apenas algumas delas. Além disso, o PEP permite que médicos e enfermeiros acessem os resultados de indivíduos ou grupos de pacientes para fins de pesquisa e estudos, uma tarefa que seria demorada e cansativa com prontuários de papel, especialmente em muitos entrevistados (FRASER et al, 2013 apud ANDRADE, 2020).
Estudos comparativos, como o conduzido por Cox (2013) apud Andrade (2020), comprovaram a superioridade do prontuário eletrônico em relação ao prontuário em papel. O PEP demonstrou conter informações mais completas e detalhadas, especialmente em relação a doses de medicamentos e tratamentos propostos. Profissionais de saúde relataram sentir-se mais à vontade e melhor assistidos ao utilizarem o prontuário eletrônico. Além disso, um registro codificado permite uma descrição mais precisa do cuidado fornecido, facilitando o faturamento após o atendimento e possibilitando análises estatísticas em grande escala, o que seria mais complexo com o texto livre do prontuário em papel.
O prontuário eletrônico do paciente possui uma vasta gama de utilidades, sendo utilizado para fixação de objetivos, planejamento de cuidados, documentação da prestação de cuidados e avaliação de resultados. Os dados contidos nos PEP são valiosos não apenas para o atendimento ao paciente, mas também para a realização de pesquisas acadêmicas. Eles desempenham um papel crucial na construção de diagnósticos e tratamentos de doenças, permitindo a inclusão de populações diversas e o estudo de doenças raras (SOUZA, 2017).
A implementação do PEP traz diversas vantagens, como o fornecimento de um registro seguro, confiável, eficiente, claro e estruturado de todos os dados do paciente, suas patologias e terapias. Além disso, ele complementa e reproduz os processos de registro e divulgação de informações, possibilita avaliações da situação clínica do paciente pelos profissionais, apoia ações relacionadas ao tratamento e à prevenção de saúde, e fornece evidências explícitas de cuidados e serviços de saúde (LOPES et al., 2018).
Assim, o grande diferencial do PEP está na sua capacidade de ser utilizado em larga escala, alimentando automaticamente a pesquisa clínica e contribuindo para a melhoria da qualidade da saúde pública. Entretanto, para que essa abordagem alcance todo o seu potencial, é essencial garantir a qualidade dos dados contidos nos PEP, um desafio que muitas vezes se apresenta nos prontuários eletrônicos atuais.
METODOLOGIA
A metodologia de pesquisa aplicada foi classificada como mista, considerando duas etapas distintas: a revisão bibliográfica e o relato de experiência e a intervenção em campo (MATTAR; RAMOS, 2021). O estudo foi conduzido durante o período de internato na graduação médica, especificamente no ciclo de Psiquiatria e Saúde Mental. As autoras deste artigo, que também são internas de medicina, foram responsáveis pela elaboração do mesmo em conjunto de seu preceptor e orientador.
A primeira etapa, a revisão bibliográfica, envolveu a busca e análise da literatura científica e outros materiais pertinentes relacionados à saúde mental, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e informatização em saúde. Para delimitar o escopo, foram selecionados trabalhos publicados no período de 2012 a 2023, no entanto como que na área de psiquiatria temos poucos trabalhos, fizemos busca de seu históricos em literaturas mais antigas, para agregar na pesquisa realizada.
Na segunda etapa, foi elaborado o relato de experiência que foi realizado com base nas percepções das internas de medicina durante o estágio no ciclo de saúde mental. Essas percepções foram adquiridas durante um período de cinco dias de atendimento no CAPS Vilhena, onde as autoras participaram de atendimentos em conjunto com a preceptora em serviço.
A terceira etapa consistiu na pesquisa de campo, que incluiu reuniões com os gestores e a identificação dos recursos necessários para viabilizar o projeto proposto, para tais reuniões foram marcados horários pertinentes as autoridades, e discutido o projeto proposto.
Dessa forma, essa metodologia proporcionou a obtenção de informações cruciais sobre a temática em estudo, fornecendo uma base sólida que contribuiu para o avanço do conhecimento científico e para o desenvolvimento de estratégias visando aprimorar o sistema de saúde no município de Vilhena/ RO.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
No mês de junho de 2023, as estudantes do curso de medicina da Universidade UNINASSAU em Vilhena participaram do estágio no ciclo de psiquiatria, onde realizaram um rodízio hospitalar. Durante esse período, permaneceram quinze dias no hospital público do município e também cinco dias consecutivos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) local. Neste local, as estudantes realizaram diversos tipos de atendimentos. Entre os casos mais comuns, destacam-se aqueles relacionados a pacientes com transtornos do humor, depressão, transtornos psicóticos como a esquizofrenia, além de transtornos de personalidade, como o transtorno borderline.
O fluxo de atendimento no CAPS é determinado por encaminhamentos provenientes das Unidades Básicas de Saúde, referências do hospital público para acompanhamento após a alta do paciente e também encaminhamentos da Unidade de Pronto Atendimento da cidade.
As instalações do CAPS em Vilhena se assemelham a uma casa, com salas específicas para cada tipo de profissional realizar suas abordagens, além de um espaço aberto para atividades em grupo. Na entrada, há uma sala de espera que não apenas oferece cadeiras para os pacientes, mas também serve como local para os profissionais administrativos coletarem as fichas de atendimento. Essas fichas são armazenadas fisicamente, organizadas por ordem de abertura.
Durante os atendimentos realizados pelas estudantes de medicina, foi observada em alguns momentos a dificuldade no manuseio dessas fichas. Por exemplo, houve demora na busca das fichas e, por vezes, algumas delas foram extraviadas. Isso levou à necessidade de abrir novas fichas, resultando na perda de informações desde o início do tratamento do paciente.
Através dessa experiência, as estudantes perceberam a importância da implementação de um sistema de informação para a atenção especializada, semelhante ao sistema ESUS/AB usado na atenção primária à saúde. Isso as motivou a iniciar um projeto de intervenção, que propõe a informatização do CAPS utilizando o sistema ESUS atualizado de julho de 2023 para atenção especializada. Além disso, o projeto inclui a capacitação dos profissionais da rede para o uso desse sistema.
O projeto teve início com o convite do orientador e a discussão da temática apresentada. O convite foi feito verbalmente ao médico Thiago Lobianco, especialista em psiquiatria, que também já havia trabalhado no CAPS. A partir desse ponto, um pré-projeto foi desenvolvido e apresentado aos gestores, ao coordenador do CAPS e ao secretário de saúde do município, todos demonstrando apoio à implantação do sistema.
Para viabilizar o projeto, foi solicitado apoio do especialista no sistema ESUS do município a fim de levantar os recursos necessários para a implantação. Os detalhes desses recursos, juntamente com os orçamentos correspondentes, estão apresentados na tabela abaixo.
Item | Quantidade | Valor |
Mini rack de parede 19 5u | 01 | 146,00 |
Cabo de rede CAT 5E | 150 metros | 176,36 |
Peças de RJ45 | 25 | 25,00 |
Peças de canaleta dupla face | 08 | 80,00 |
TOTAL | 427,36 |
CONCLUSÃO
O projeto de intervenção informatização do CAPS de Vilhena tem se mostrado um passo importante para melhorar a qualidade dos serviços e promover melhorias significativas na saúde mental da comunidade local. Ao validar o uso do prontuário eletrônico central e sua eficácia, constatou-se que a adoção dessa tecnologia pode proporcionar um atendimento mais flexível, integral e integrado aos pacientes.
A utilização do prontuário eletrônico auxilia na otimização do atendimento ao paciente e no controle da medicação, permitindo uma gestão mais eficiente das informações clínicas.
Por meio dessa ferramenta, o compartilhamento de dados entre os profissionais de saúde permite um acompanhamento mais completo e consistente dos usuários, facilitando a continuidade do tratamento e a reinserção social.
Além disso, o projeto enfatiza a importância da participação ativa da família no processo de recuperação psicossocial do paciente, enfatizando que o acolhimento e a escuta são estratégias essenciais para o engajamento da família no tratamento. A família tem um papel importante na construção de uma rede de apoio que favoreça a melhora do estado psicológico dos usuários.
A utilização do prontuário eletrônico também auxilia na redução de erros médicos, pois possibilita a organização e segurança dos dados, garantindo a privacidade e confidencialidade das informações sigilosas do paciente. Melhora-se a efetividade do cuidado, potencializam-se as ações de promoção da saúde e criam-se espaços para interação, apoio e apoio dos usuários.
O projeto de informatização do CAPS Vilhena representa um grande avanço em saúde mental para a região, resultando em melhor atendimento e melhoria do bem-estar dos usuários que atende. Aliar a tecnologia ao engajamento familiar tem se mostrado uma estratégia essencial para a melhoria da eficiência e eficácia dos CAPS, contribuindo positivamente para a construção de uma sociedade mais inclusiva e voltada para a atenção psicossocial.
Os resultados dessa intervenção destacam, portanto, a importância da continuidade e ampliação do uso do prontuário eletrônico no CAPS e a importância do papel da família no tratamento em saúde mental. Com esses avanços, espera-se que a atenção psicossocial continue avançando, proporcionando atendimento cada vez mais eficaz e humanizado aos indivíduos que necessitam desses serviços.
REFERÊNCIAS
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1Autora do trabalho em questão e Interna do curso de Medicina do 10° período da UNINASSAU Vilhena.
2Autora do trabalho em questão e Interna do curso de Medicina do 10° período da UNINASSAU Vilhena
3Autora do trabalho em questão e Interna do curso de Medicina do 10° período da UNINASSAU Vilhena
4Orientador do trabalho em questão, Médico, Pós-graduado em Psiquiatria pela Universidade Cândido Mendes. Mestre em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade Federal de Rondônia. Médico efetivo da Secretária Municipal de Saúde de Vilhena, atuando na Ala Psiquiátrica do Hospital Regional Adamastor Teixeira de Oliveira. É docente do curso de Medicina da Faculdade UNINASSAU/UNESC – Vilhena desde 2018. Tem experiência na área de Alergologia e Imunologia Clínica, Psiquiatria, Medicina de Família e Comunidade e Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem.