PRODUÇÃO MUSICAL NA ESCOLA NO CONTEXTO AMAZÔNICO – REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO E ATUAÇÃO ARTÍSTICA, EXPERIÊNCIA EM MÃE DO RIO NO PARÁ.

MUSICAL PRODUCTION AT SCHOOL IN THE AMAZON CONTEXT – REFLECTIONS ON ARTISTIC PRODUCTION AND PERFORMANCE, EXPERIENCE IN MÃE DO RIO, PARÁ.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10963222


Luis Gustavo Rodrigues Saldanha¹


RESUMO

Este artigo apresenta reflexões epistemológicas e práticas sobre a atuação artística nas escolas de ensino fundamental com que trabalhamos no município de Mãe do Rio, estado do Pará, região amazônica do Brasil. Traz consigo experiência da produção de um musical produzido na escola intitulado: Histórias de Mãe do Rio: Conto-cantado pela Rodovia Belém – Brasília, musical que conta a história da fundação da cidade de Mãe do Rio, e que envolve na sua produção: pesquisa histórica e bibliográfica, composição e arranjos para voz, coro e orquestra, encenação, danças, coreografias, figurinos, cenários físicos e audiovisuais. Da construção deste musical numa perspectiva tecnicamente mais elaborada, artigo reflete sobre a atuação artística no âmbito escolar, em face das leis educacionais vigentes, em detrimento da imposição pacífica das sugestões curriculares da nova BNCC para o ensino das artes; e do caráter conteudista de muitos professores de artes, ora pela ignorância didático-pedagógica, ora pela carga horária da disciplina e do professor.

Palavras-chave: Ensino de Artes, Educação Musical, Produção Musical, Artes na Amazônia.

ABSTRACT

This article presents epistemological and practical reflections on artistic performance in the elementary schools we work with in the municipality of Mãe do Rio, state of Pará, in the Amazon region of Brazil. It brings with it the experience of producing a musical at the school entitled: Histórias de Mãe do Rio: Conto-cantado pela Rodovia Belém – Brasília, a musical that tells the story of the founding of the town of Mãe do Rio, and which involves in its production: historical and bibliographical research, composition and arrangements for voice, choir and orchestra, staging, dances, choreography, costumes, physical and audiovisual sets. From the construction of this musical in a more technically elaborate perspective, the article reflects on artistic performance in the school environment, in the face of current educational laws, to the detriment of the peaceful imposition of the curricular suggestions of the new BNCC for the teaching of the arts; and the content-oriented nature of many arts teachers, sometimes due to didactic-pedagogical ignorance, sometimes due to the workload of the subject and the teacher.

Keywords: Arts Teaching, Music Education, Music Production, Arts in the Amazon.

INTRODUÇÃO     

Mãe do Rio é um pequeno município da Amazônia no nordeste do Pará, distante 96 quilômetros da capital, Belém, localizada às margens da rodovia BR 010. Com aproximadamente 39.000 habitantes, (IBGE, 2021). A cidade nasceu em decorrência da construção desta rodovia que liga Belém a Brasília que ficou conhecida como rodovia Belém – Brasília.    

Pegando uma carona nesta história… em 2022, a Secretaria de Educação deste município convidou-me para coordenar uma equipe de professores para realizar um trabalho de musicalização com os alunos do ensino fundamental. Diante desta proposta, provoquei estes professores a realizarmos um trabalho, que, partindo da atuação artística dos alunos pudéssemos extrair conhecimentos, não só da área musical, mas de outras linguagens artísticas e que, pela sua tipologia, acabou trazendo consigo conhecimentos de outros campos dos saberes: literatura, história, geografia, por exemplo.  Lançado o desafio, sugeri a criação de um musical no qual pudéssemos trabalhar o ensino musical em consonância com cada área do saber supracitado. Criamos, assim, um espetáculo musical infanto-juvenil intitulado Histórias de Mãe do Rio: Conto-cantado pela Rodovia Belém – Brasília, musical que conta a história da fundação da cidade de Mãe do Rio, e que envolve na sua produção: pesquisa histórica e bibliográfica, composição e arranjos para voz, coro e orquestra, encenação, danças, coreografias, figurinos, cenários físicos e audiovisuais.

Da construção deste musical numa perspectiva tecnicamente mais elaborada, artigo reflete sobre a atuação artística no âmbito escolar, em face das leis educacionais vigentes em detrimento da imposição pacífica das sugestões curriculares da nova BNCC² para o ensino das artes; e do caráter conteúdista de muitos professores de artes, ora pela ignorância didáticopedagógica, ora pela carga horária da disciplina e do professor. 

BNCC e as Artes

A nova BNCC sugere para o ensino de Arte no Ensino Fundamental II, unidades temáticas denominadas: Artes Visuais, Dança, Música, Teatro e Artes Integradas, distribuídas em Objetos de Conhecimento e Habilidades.  Estas dimensões, relacionadas ao ensino de Arte, consideram o desenvolvimento do aluno, de acordo com as linguagens, práticas e representações artísticas e a arte como possibilidade educativa de entendimento do mundo em suas dimensões social e cultural.  

No Ensino Fundamental, o componente curricular Arte está centrado nas seguintes linguagens: as Artes visuais, a Dança, a Música e o Teatro. Essas linguagens articulam saberes referentes a produtos e fenômenos artísticos e envolvem as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas. A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em Arte. (BRASIL. Ministério da Educação, 2018, p. 193).

E ainda:

A BNCC propõe que a abordagem das linguagens articule seis dimensões do conhecimento que, de forma indissociável e simultânea, caracterizam a singularidade da experiência artística. Tais dimensões perpassam os conhecimentos das Artes visuais, da Dança, da Música e do Teatro e as aprendizagens dos alunos em cada contexto social e cultural. Não se trata de eixos temáticos ou categorias, mas de linhas maleáveis que se interpenetram, constituindo a especificidade da construção do conhecimento em Arte na escola. Não há nenhuma hierarquia entre essas dimensões, tampouco uma ordem para se trabalhar com cada uma no campo pedagógico. (BRASIL. Ministério da Educação, 2018, p. 194).

Analisando na íntegra as propostas mencionadas acima, podemos considerá-las positivas para o desenvolvimento da atuação artística na escola, mas na prática, nós, como atores nesse cenário, observamos muitos entraves de ordem, cultural, procedimental, curricular, estrutural, político-educacional e didático-pedagógica que não favorecem atividades voltadas essa atuação artística de fato. 

Apesar dos esforços do Ministério da Educação em melhorar o ensino das artes nas escolas via Nova BNCC, percebemos além desses entraves, o engessamento do currículo de artes, provocados pela imposição pacífica de conteúdos dos livros didáticos, destacamos também a falta de habilidade e criatividade de muitos professores de arte, muitos destes sem formação na área, ou a falta de recursos para desenvolverem as atividades propostas nos livros, fazendo-os reduzir a proposta curricular da Nova BNCC, a mera exposição de conteúdos frios das linguagens artísticas, incentivados por esta imposição conteúdista do livro didático. Diante dessas observações, fica a indagação: Como resolver esses imbróglios e tornar suscetível o ensino-aprendizagem da arte numa perspectiva a levar o aluno a experimentar a fruição artística a partir da sua prática na escola. Ressaltamos que essa análise empírica, via experiência pessoal, necessita de investigação científica aprofundada para ser compreendida como fenômeno, permanecendo, portanto, neste momento, no campo das hipóteses.

Currículo e didática praticada na educação básica. 

Com relação ao currículo escolar, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013, p. 112), citam o (parecer CNE/CEB nº7/2010 e Resolução CNE/CEB nº4/2010) que recomenda que uma das maneiras de conceber o currículo é entendê-lo como constituído pelas experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeada pelas relações sociais, buscando articular vivências e saberes dos alunos com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos alunos. O foco nas experiências escolares significa que as orientações e propostas curriculares que provém das diversas instâncias só terão concretude por meio das ações educativas que envolvem os alunos. 

Com relação à didática, Veiga (2005) preconiza que se precisa ter clareza das metas que queremos atingir, mas isso não significa necessariamente, a princípio, definir este caminho. As ideias vão surgindo durante o percurso.

O caminho se faz ao andar. Nossas utopias educacionais desempenham um papel muito grande durante todo o processo e ai vejo a necessidade de que se vá definindo objetivos menores para as situações de ensino-aprendizagem que vão sendo planejadas. (VEIGA, 2005, p.56).    

Veiga (2005) complementa que as finalidades sócio-políticas da elaboração do currículo na escola fica a cargo de cada disciplina. Após definidas as metas sócio-políticas, fica o desafio para os agentes educacionais articulá-lo com o trabalho de sala de aula. 

Neste sentido, percebe-se a importância da atuação artística nas escolas de ensino básico, em face do currículo de arte; traçando perspectivas para a performance artística neste ambiente, que se difere dos palcos tradicionais, mais especializados, promovendo, com isso, a democratização das artes e o fomento da atuação artística nestes palcos não tradicionais.  

Realidade do Município de Mãe do Rio no Pará 

Mãe do Rio é um município economicamente pobre, com o IDH 0.599 segundo o atlas de desenvolvimento humano/PNUD (2010), sua subsistência é baseada no comércio e na agricultura familiar. Segundo dados do IBGE (2020) o salário médio mensal de seus habitantes era de 2.0 salários mínimos. Os dados educacionais mais recentes, IBGE (2021), sobre o índice de desenvolvimento na educação básica (IDEB), indicam as notas 5,1 para anos iniciais do ensino fundamental da rede pública e 4,8 para os anos finais do ensino fundamental da rede pública de ensino, num quadro avaliativo oficial para estes níveis de ensino, um bom índice educacional teria que obter uma nota igual ou superior a 6.0, ficando, portanto, o município aquém dos resultados esperados.  

Em Mãe do Rio não há museus, nem teatros ou qualquer outro espaço artístico e cultural, cabendo à escola, proporcionar e promover de maneira não sistemática aos seus munícipes, arte e cultura, provocando, portanto, de forma aleatória, inclusão social via democratização do acesso aos bens culturais a todos que fazem parte da comunidade escolar.

Refletindo este cenário no viés da prática do teatro na escola, Neto (2017), num artigo que apresenta o relato do resultado de uma prática pedagógica de ensino do teatro, com ênfase na recepção de espetáculos no contexto escolar, afirma que proporcionar aos alunos o acesso ao teatro, é de fundamental importância para a democratização da cultura.

Possibilitar o acesso aos bens culturais, proporcionar o contato com a linguagem cênica, criar o sentimento de pertencimento aos locais e equipamentos onde são disponibilizados os bens culturais, iniciar um processo de criação de um hábito de usufruto da arte, são contribuições tanto para a área artística e cultural quanto para o exercício da cidadania destes sujeitos. Porém, quando há possibilidade de ir além e mediar esta relação, pode-se obter ganhos na profundidade que esta experiência marca o espectador participante no âmbito social.  (NETO, 2017, p. 65)

Swanwick (2003), no seu livro Ensinando Música Musicalmente em uma discussão sobre o estético, o artístico e o afetivo no processo de ensino aprendizagem, cita Ross (1984) para explicar alguns destes fenômenos e resolver a questão dizendo que a educação estética não é uma indução para o que ele chama de “predileção artística de uma minoria social privilegiada”, mas tem de ser uma atividade muito mais inclusiva, e que, no contexto das instituições educacionais contemporâneas, todos os agentes deveriam promover acontecimentos memoráveis, como um antídoto para as sequências de baixa intensidade das insípidas rotinas que tão frequentemente parecem caracterizar a educação básica. (SWANWICK, 2003, p.20), conclui que seria muito estimulante, assertivo e encorajador para os professores de artes verem a si próprios nessa espécie de quadro, como iniciadores importantes da experiência estética, organizando atividades celebratórias que iluminariam cada esquina da vida, desenvolvendo eventos que vitalmente pulsassem através do currículo formal e ressoassem por meio de escolas e faculdades.   

A experiência da Produção Musical na Escola

Partindo da experiência no município de Mãe do Rio, apresentamos um espetáculo musical, inédito, com um caráter artístico-didático, dentro de uma proposta voltada para a atuação artística na escola. Debatemos, com isso, teorias para o ensino aprendizagem da arte a

partir da apresentação do musical proposto, refletindo esta prática com os alunos do ensino fundamental, considerando a escola como um importante e potencial espaço de difusão artística, de gerador de artistas, de formador de plateias e de inclusão social através da arte, possibilidades que, provavelmente, não serão encontradas em nenhum outro ambiente social.

As escolas são espaços de formação nos quais é estimulada a produção de conhecimentos; os alunos, além de representantes sensíveis e inteligentes de estados musicais, são potenciais muito mais ricos do que imaginamos, que merecem ser conhecidos e desenvolvidos com consciência e respeito desde onde se encontram, a fim de tomarem contato com algo essencial em si próprio até na relação com a vida, cumprindo assim seu papel na sociedade. (KATER, 2012 p. 44.)

Analisando esta conjuntura com a prática da dança na escola, Marques (1997) reforça que, na perspectiva da diversidade e da multiplicidade de propostas e ações que caracterizam o mundo contemporâneo, seria interessante lançarmos um olhar mais crítico sobre a dança na escola. Em um mar de possibilidades que se tem hoje em praticar a dança de maneira formal ou informal, fato característico da época em que estamos vivendo, este talvez seja o melhor momento para refletirmos criticamente sobre a função/papel da dança na escola formal, sabendo que este não é – e talvez não deva ser – o único lugar para se aprender dança com qualidade, profundidade, compromisso, amplitude e responsabilidade, mas deixa claro que:

“No entanto, a escola é hoje, sem dúvida, um lugar privilegiado para que isto aconteça e, enquanto ela existir, a dança não poderá continuar mais sendo sinônimo de festinhas de fimde-ano”. (MARQUES, 1997, p. 21).

Do procedimento metodológico do musical                                      

O musical, Histórias de Mãe do Rio: Conto-cantado pela Rodovia Belém – Brasília, conta a história da fundação do município de Mãe do Rio no estado do Pará. Seu roteiro parte dos aspectos poéticos da letra do hino oficial do município a aspectos históricos e verídicos, que permeiam a fundação da cidade, como a construção da rodovia Belém – Brasília.  

A idealização do musical, os textos, o roteiro, algumas composições e arranjos vocal e orquestral foram criações minhas, outras composições e arranjos foram criados em parceria com os professores do projeto de música da prefeitura, que foram provocados por mim para realizar tal trabalho. Estes materiais serão apresentados na íntegra oportunamente. Apresentamos, agora, a metodologia usada para elaboração do musical. O musical será apresentado pelos alunos do ensino fundamental das escolas municipais de Mãe do Rio e compreendeu as seguintes etapas:

Etapa 1- Composição: A partir do hino de Mãe do Rio, foi criado um roteiro com diálogos que fará parte da encenação do musical, assim como, a composição das canções que serão extraídas do contexto do hino, e com base no livro Memórias de Mãe do Rio: Outras Histórias. Paixão; Oliveira (2009).

Etapa 2 – Fragmentação: O texto do hino foi repartido em seis partes, para refletir a poética do hino municipal, partindo do seu contexto, foram criados os diálogos e as composições musicais, distribuídos em 06 cenas de acordo com o fatiamento do hino.

Etapa 3 – Execução: Finalizado o processo de criação, a proposta prevê que se iniciem os ensaios do musical com todos os alunos, incluindo as partes de encenação, coral de vozes, orquestra, cenário, figurino, entre outros. 

Etapa 4 – Apresentação: Em data e local a serem definidos, os alunos farão a apresentação, contando e cantando a história do município de maneira lúdica, em forma de musical infantojuvenil com teatro, coral de vozes, orquestra, danças, coreografias, figurinos e cenários.

Todas as composições foram feitas a partir de ritmos e estilos musicais amazônicos e brasileiros, exaltando assim, não só a cultura regional, mas também, a cultura brasileira.

Repertório

  1. Oh! Mãe do Rio (Lundu)
  2. O Sol de Mãe do Rio (Bossa Nova)
  3. Fogueira de São Francisco (Baião)
  4. Riquezas da Terra (Lambada)
  5. Conquista da Liberdade (Samba)
  6. Gente daqui, Gente de lá. (Carimbó) 

Processo de Criação

Levando em consideração o aspecto histórico não fictício do musical, apresentá-loemos, de maneira didática este artigo, refletindo analogicamente com o texto do artigo As ideias Nascem do Real: ensaio sobre museus de arte (FRÓIS, 2011). Partindo da premissa que podemos pensar a apresentação deste musical como um museu itinerante, onde de maneira lúdica exporemos os objetos históricos da fundação da cidade de maneira virtual, seja pela música, pela dança, pelas exibições visuais e audiovisuais, e pela própria literatura. 

Fróis (2011) repercutiu as estratégias de alguns museus da Europa em promover mudanças nas formas de comunicação com seus visitantes, introduzindo atividades mais inclusivas como forma de mediação educacional, entre elas estão: atividades interativas e práticas; o teatro; os jogos, as visitas orientadas para as escolas; as publicações didáticas, os dispositivos interativos móveis com aplicação multimídia; entre outros.  

De maneira didática, a exposição do processo de criação do musical, por ora, será feita a partir da expressão Conceitos de fora³, adaptados ao nosso trabalho. Na perspectiva de Fróis (2011), estes conceitos estudam as atitudes e comportamentos dos públicos de museus que servem para compreender e justificar as mediações educacionais nos museus de arte. “São três os conceitos que se entrecruzam e permitem compreender a relação que os indivíduos estabelecem com as artes: regressão; divertimento; e aprendizagem”. (FRÓIS, 2011, p. 267, grifo nosso)

1º Ato – REGRESSÃO

Parece haver um esquecimento reiterado acerca da importância da sensibilidade estética dos indivíduos; por vezes esquecemos que, por exemplo, o tato está relacionado com a dimensão emocional: sentir, tocar são termos reportados a um mundo das sensações, das respostas emocionais prévias à produção das ideias (FRÓIS, 2011, p. 267).

Uma das experiências dos indivíduos com relação às obras de arte pode ser compreendida como regressão, no sentido estrito da palavra, regressão como fenômeno psicológico, pode ser compreendida como uma experiência negativa, mas no viés da proposta, este recurso possibilita um avanço nessas mediações educacionais da arte em diversas situações: “… como as que ocorrem quando sonhamos, no devaneio, na recepção das formas artísticas das obras de arte, e, de modo claro, na criação artística”.  (FRÓIS, 2011, p. 267).

O musical proposto conta a história da fundação da cidade de Mãe do Rio, que nasceu em decorrência da construção da Rodovia BR 010, ou rodovia Bernardo Sayão, engenheiro que projetou a rodovia, ou como é mais conhecida: Rodovia Belém – Brasília.

As narrativas do musical foram construídas a partir do texto poético do hino oficial do município de Mãe do Rio, e as histórias foram extraídas do Livro “Memórias de Mãe do Rio: Outras Histórias” de Elizanete Paixão e Lana Regina de Oliveira. Nesta obra as autoras fazem um apanhado histórico da fundação da cidade partindo de pesquisas historiográficas e depoimentos dos atores sociais que fizeram parte da fundação do município. Paixão; Oliveira (2009).

O musical inicia com a reprodução do documentário: Belém – Brasília: Rodovia da Unidade nacional, que conta a história de construção da rodovia. A proposta é remeter o espectador ao universo histórico que deu origem a fundação da cidade. Fróis (2011) analisa a possibilidade de regressão positiva, a partir do trabalho da artista suíça Pipilotti Rist4, que trabalhou na área do cinema e da música, segundo ele, o trabalho da artista através da cor e do som implicava diretamente nas emoções dos indivíduos.

As suas obras são, pelo modo como utiliza o som, as imagens e o espaço imaginativas, envolvendo de modo harmónico as sensações e as cenas com as preocupações do nosso tempo, expõe o corpo ao ambiente e a revelação das relações do corpo com a mente. (FRÓIS, 2011, p. 268).

2º Ato – DIVERTIMENTO

A diversão e o divertimento são técnicas não religiosas de dominar o medo e a angústia.
Casimiro5 (1977).

Fróis (2011) considera o divertimento uma necessidade essencial ao ser humano. Ele se faz presente nas interações que estabelecemos com os objetos da arte contemporânea e com os locais em que as obras habitam. “É provável que as atividades lúdicas do homem e as diversões em geral sejam resíduos de uma certa atitude mágicoreligiosa por intermédio de uma lenta dessacralização”  (FRÓIS, 2011, p. 268).

Letras e Partituras

Neste segundo ato, apresentamos recortes dos objetos da cena 01. Partindo da primeira parte do hino de Mãe do Rio, de maneira lúdica, criamos dois personagens, Maria e Maneco, que dialogam comentando sobre o hino da cidade. Fróis (2011, p. 264) afirma que recursos utilizados como a fotografia e o som, por exemplos, possibilita a compreensão da complexidade temporal e espacial em que os fatos ocorreram de uma maneira que não haja um excesso de informação, evitando o excesso de estimulação que prejudicam a experiência da fruição.

3º Ato – APRENDIZAGEM 

Os processos que, geralmente, utilizamos para aprender são muito semelhantes; o cérebro humano possui plasticidade ininterrupta, contínua, de adaptação a circunstâncias em mudança e sempre atento à aquisição de novos dados ao longo da vida. (FRÓIS, 2011, p. 268).

Seguindo ainda nas experiências de Fróis (2011), neste último ato, consideraremos o conceito de aprendizagem. Os neurocientistas utilizam este conceito aprendizagem para descrever as consequências envolvidas nos processos neurológicos de recepção e processamento de dados quando as informações chegam ao organismo, e como elas são elaboradas no momento desta chegada. O autor conclui que no contexto em que estamos analisando a fruição artística, a conexão entre aprendizagem e a emoção é mais profunda do que se pensa e que essa contribuição da neurociência altera a relação e a maneira como operamos emocionalmente e cognitivamente quando processamos a atuação artística, Fróis (2011, p. 264). 

Finalizamos agora as nossas anotações relacionadas sobre o tema em aberto e salientamos dois aspectos que resultam da reflexão realizada. Primeiro, sublinha-se que quando falamos em democratização cultural, importa pensar, de facto, nos indivíduos e desenvolver programas nos museus de arte, de hoje, que visem o fortalecimento da relação das pessoas com os mesmos. Uma das vias possíveis é a do estreitamento das concatenações entre conteúdos propostos pelos museus e necessidades dos que procuram os museus. Como escreveu Gilles Lipovestky (2010), os museus como entidades culturais (tal como a escola) têm uma missão relevante: a de organizar e facultar ferramentas que permitam aos indivíduos ir mais além, de se superar, de ser “mais”, cultivando as suas paixões, o seu imaginário criativo em qualquer esfera de acção e de criação em que actuem. Segundo importa aprofundar, a teorização sobre as mediações educacionais assenta na investigação fundamental daquilo a que apelidamos do “real”, que advém do trabalho dos actores em cena, oriundos das ciências da educação, da comunicação, da psicologia, das neurociências, da sociologia, da museologia, da curadoria e da história arte. (FRÓIS, 2011, p. 269)

Atribuímos, portanto, este pensamento, à perspectiva como apresentamoss o musical proposto, e sobre as reflexões que fizemos concomitante com esta exposição. 


²A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br.  Acesso em 20/02/2023
³“… a expressão conceitos de fora, utilizada pelo filósofo José Gil na sua Última Lição, proferida em 2010 na universidade de Lisboa, quando se referiu ao método de descrição que utilizou em relação ao Quadrado Negro de Malevitch”. (FRÓIS, 2011, p. 267).
4Nascida em 1962, Rist trabalhou na área do cinema e da música. Há já duas décadas que ocupa um lugar importante na arte contemporânea, e tem disponibilizado os seus trabalhos em ecrãs gigantes por diversas cidades, em billboards e outdoors, de grandes dimensões. (FRÓIS, 2011, p. 268).
5In, (FRÓIS, 2011, p. 268).

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¹Luis Gustavo Rodrigues Saldanha é Mestre em artes e Professor efetivo da Secretaria de Estado de educação do Pará, e da Secretaria Municipal de Educação no Município de Mãe do Rio no Pará.  E-mail: gustavosax2020@gmail.com