PRODUÇÃO DE BIOGÁS A PARTIR DE RESTOS ALIMENTARES, RESÍDUOS DE CEBOLA E DEJETOS BOVINOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7924643


Neiton Silva Machado1
Matheus Cerqueira Santana2
Paulo Vitor Pereira Nascimento3
Kátia Araujo Silva4
Cristiane Xavier Galhardo5
Bruno França da Trindade Lessa6
Daniel Mariano Leite7


RESUMO: Os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias produtivas levam a um problema ambiental grave, que é o acúmulo, em locais inapropriados, dos resíduos orgânicos na natureza. Tendo em vista este contexto, o presente trabalho teve como objetivo construir e avaliar o potencial de produção de biogás em biodigestores de bancada, tipo batelada, por meio da fermentação anaeróbia de restos alimentares, resíduos de cebola e dejetos de animais. Foram construídos e testados 24 biodigestores de bancada, configurando o experimento em um delineamento inteiramente casualizado com três tratamentos e oito repetições. Avaliou-se a produção de biogás, durante 25 dias consecutivos. Os tratamentos foram constituídos de: restos alimentares do restaurante universitário do Campus de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Vale do São Francisco, dejetos de animais, oriundo do setor de bovinocultura do referido campus universitário e resíduos de cebola obtidos no mercado do produtor de Juazeiro-BA. Os parâmetros físicos e físico-químicos avaliados foram: sólidos totais, sólidos fixos, sólidos voláteis, pH, condutividade elétrica (CE)e Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5) nos afluentes e efluentes dos biodigestores. Os protótipos confeccionados permitiram uma avaliação eficiente da produção de biogás. O dejeto bovino apresentou a maior produção em litros de biogás por grama de sólidos voláteis (7,2 Lbiogásg-1SV) e foi o único tratamento a permanecer na faixa de pH próxima da neutralidade (6,88 a 7,29). Foi observado aumento da CE para todos os tratamentos. Os restos alimentares apresentaram os maiores valores de CE no efluente(12,44 mScm-1). A redução da DBO5, em todos os tratamentos, não foi significativa (<15% de remoção).

Palavras chave: Biodigestor de bancada. Avaliação volumétrica. Parâmetros físico-químicos. Demanda bioquímica de oxigênio.

ABSTRACT: Food waste along production chains leads to a serious environmental problem, which is the accumulation, in inappropriate places, of organic waste in nature. In view of this context, the present work aimed to build and evaluate the potential for biogas production in benchtop, batch-type biodigesters, through anaerobic fermentation of food remains, onion residues and animal manure. Twenty-four bench biodigesters were built and tested, setting up the experiment in a completely randomized design with three treatments and 8 replications. Biogas production was evaluated for 25 consecutive days. The treatments consisted of: food remains from the university restaurant on the Campus of Agricultural Sciences of the Federal University of Vale do São Francisco, animal waste from the cattle sector of the aforementioned university campus and onion residues obtained from the producer’s market in Juazeiro-BA. The physical and physical-chemical parameters evaluated were: total solids, fixed solids, volatile solids, pH, electrical conductivity and Biochemical Oxygen Demand (BOD5) in the affluents and effluents of the biodigesters. The prototypes made allowed an efficient evaluation of biogas production. Bovine manure showed the highest production in liters of biogas per gram of volatile solids (7.2 Lbiogásg-1VS) and was the only treatment to remain in the pH range close to neutrality (6.88 to 7.29). An increase in electrical conductivity was observed for all treatments. Food remains showed the highest EC values in the effluent (12.44 mScm-1). The reduction in Biochemical Oxygen Demand, in all treatments, was not significant (<15% removal).

Keywords: Bench biodigester. Volumetric evaluation. Physical-chemical parameters. Biochemical oxygen demand.

INTRODUÇÃO

As perdas que acontecem ao longo das cadeias produtivas, normalmente por desperdício, contribuem muito para a geração e acumulo de resíduos orgânicos na natureza. Estas iniciam no plantio, passando pela comercialização e chegando até a mesa do consumidor final, seja com o produto in natura ou processado. Quando somadas, estas perdas podem alcançar o patamar de 20 a 50% da produção total (KADER, 2002). 

O mercado do produtor em Juazeiro-Ba assume papel importante nesta temática devido às dificuldades como a má alocação e manejo dos produtos a serem comercializados somados a uma estrutura física inapta que não comporta o volume de produtos hortifrutigranjeiros destinado ao local. 

Dentre a produção hortifrutigranjeira no Vale do São Francisco, a cultura da cebola (Alliumceppa L.) apresenta boa rentabilidade aos produtores, apesar da oscilação de preço prejudicar os mesmos em algumas épocas do ano (COSTA;RESENDE, 2007). Este fato tem contribuído muito para geração de resíduos orgânicos quando o preço de venda não supera os custos de produção, ou quando o produto não atende ao padrão de comercialização em diâmetro e forma e, portanto, não possuem valor comercial e a safra é deixada em putrefação na própria lavoura.

No entanto, o aproveitamento desses resíduos orgânicos gerados pode ser feito por meio de práticas sustentáveis como a compostagem e vermicompostagem dos resíduos em putrefação (LOUREIROet al., 2007) e produção de biogás e biofertilizantes através dos biodigestores (SEIXAS; FOLLE; MACHETTI,1981).

O biogás é um gás obtido por meio da fermentação anaeróbica dos resíduos orgânicos em uma câmera hermética, o qual possui em sua composição metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), sulfeto de hidrogênio (H2S), vapor d’água, dentre outros gases. O biometano (biogás purificado) apresenta potencial energético sendo, normalmente, utilizado como combustível para combustão direta (produção de calor) para alimentação de motogeradores e turbinas na produção de energia elétrica e alimentação de bombas de calor na geração de frio (MACHADO, 2010;MACHADOet al.,2011;MACHADOet al.; 2014, MACHADOet al., 2015, MACHADOet al.,2023).

O biodigestor pode ser visto como um instrumento agregador de valor para uma agricultura sustentável, pois, possibilita a obtenção de energia renovávela partir da matéria orgânica depositada em um ambiente anaeróbio controlado. Ademais, o uso do digestato como biofertilizante nas lavouras, é uma solução técnica e ambientalmente indicada, pois possibilita melhora significativa na quantidade e qualidade microbiológica do solo, aumento da capacidade de troca catiônica (CTC) e revitalização das características, físicas, químicas e biológicas do mesmo (MACHADO et al., 2023).

Neste contexto, objetivou-se com este trabalho: 1) Construir 24 biodigestores de bancada, tipo batelada, com materiais de baixo custo disponíveis no laboratório; 2) Avaliar o potencial de geração de biogás da fermentação anaeróbia de resíduos de hortifrutigranjeiros, restos alimentares e dejetos de animais; 3) Quantificar a produtividade, o rendimento e a carga orgânica volumétrica (COV);4) Avaliar os parâmetros físicos, físico-químicos e a demanda bioquímica de oxigênio (DBO5)dos afluentes e efluentes dos biodigestores.

MATERIAL E MÉTODOS

Descrição do local e confecção dos biodigestores

O experimento foi conduzido pela equipe do EngBICS (grupo de estudos em Engenharia de Biossistemas e Convivência com o Semiárido) no laboratório de Construções Rurais do Colegiado de Engenharia Agronômica (Ceagro) no Campus de Ciências Agrárias (CCA), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) localizado no município de Petrolina, Pernambuco,Brasil, (latitude: 09° 23’ 55’’ S longitude: 40° 30’ 03’’ W), no período de junho de 2016 a setembro de 2017. 

As análises físicas, e físico-químicas foram realizadas nos Laboratórios de Química do Solo e Química Analítica do respectivo CCA. O clima local,segundo a classificação de Koppen, é do tipo BSh’, semiárido (clima quente e seco) com precipitação inferior a 500mmano-1 e a temperatura média do ar oscilando entre 18 e 33,6 ºC. A Figura 1 apresenta as amplitudes térmicas observadas durante todo o período experimental.

Figura 1. Amplitude térmica observada durante todo o período experimental, INMET-Petrolina, PE

A primeira fase do experimento consistiu em confeccionar os 24 biodigestores, de bancada,do tipo batelada, conforme ilustrado na Figura 2. Estes foram constituídos de gasômetro feito com tubos de PVC de 75 e 100 mm, branco, vendidos nas lojas de material de construção para transporte de esgoto e tampões (caps) de diâmetro correspondente ao tubo. Os gasômetros foram utilizados para quantificar o volume de biogás produzido do efluente condicionado em vasilhames plásticos herméticos (tambores/biodigestores) com volume total de 13 litros. Os biodigestores passaram por um processo de ambientação sendo saturados com biofertilizante de outros trabalhos por um período de 60 dias.

Figura 2. Ilustração do sistema de biodigestão anaeróbica desenvolvido com biodigestor e gasômetro acoplados por meio da mangueira acrílica flexível.

Fonte: Arquivo pessoal dos autores

A Figura 3 ilustra as ferramentas e procedimentos utilizados no processo de confecção dos biodigestores. Os gasômetros foram montados com auxílio de prensa hidráulica para fixar os tubos aos caps os quais possuíam anéis de borracha para vedação. Foram utilizadas diversas conexões hidráulicas (tês, joelhos, caps, adaptadores, luvas, flanges, etc), mangueiras acrílicas e tubos de PVC de 20 mm de diâmetro para a ligação dos biodigestores aos gasômetros.

Figura 3. Vista geral da montagem dos biodigestores: A) Ferramentas utilizadas; B) Execução dos cortes dos tubos de PVC de 20 mm; C) Prensa hidráulica; D) Primeira montagem; E) Segunda montagem; F) Conexões utilizadas; G) Tampa com silicone aplicado; H) Conexão flexível biodigestor-gasômetro;I) Gasômetros fixados na estrutura metálica

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Para montagem dos biodigestores foram perfuradas as tampas dos vasilhames, inserido adaptador Ø 20 mm, com borracha de vedação, em seguida rosqueou-se uma luva Lr (luva roscável azul) a qual possibilitou a conexão do tubo de PVC Ø 20 mm à mangueira acrílica flexível. Otambortevea rosca da boca de entrada contornada por fita de politetrafluoretileno (veda-rosca) e a parte interna da tampa preenchida com silicone para garantir a vedação do sistema. Um tubo de PVC de Ø 20 mm foi fixado por meio de um flange ao cap do tubo de 100 mm, o qual este permitiu a passagem do biogás para deslocamento vertical do gasômetro tubo de 75 mm instalado internamente ao tubo de 100mm, conforme ilustração da Figura 2.

Delineamento experimental e descrição dos tratamentos

O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, composto por três tratamentos: T1 = esterco bovino; T2 = resíduo alimentar do restaurante universitário (MIX RU); T3 = resíduo de hortifrutigranjeiro do mercado do produtor de Juazeiro, Bahia (Cebola), contendo oito repetições cada (Figuras 4 e 5).

Figura 4. Conformação do experimento no delineamento inteiramente casualizado, conforme sorteio realizado

Figura 5. Vista dos biodigestores segundo o delineamento proposto

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Determinação do volume de biogás produzido

O volume de biogás produzido, diariamente, foi obtido registrando-se o deslocamento do tubo de PVC (Ø 75 mm) que ficava dentro do tubo de PVC (Ø 100 mm) cheio de água (selo hidráulico). Com o diâmetro interno conhecido foi possível mensurar a área da base do gasômetro e com o deslocamento (altura) diário do tubo estimou-se o volume por meio da equação 1. Esta coleta de dados ocorreu por 25 dias consecutivos.

A temperatura dos biodigestores foi obtida por sensor óptico de infravermelho, sendo esta leitura registrada diariamente.

Os resíduos que compuseram o experimento foram coletados nos seguintes locais: 

– No setor de bovinocultura de leite da Univasf,localizado no CCA, coletou-se o esterco bovino fresco dos animais estabulados no sistema free stall, alimentados com capim elefante, variedade Napier (Pennisetum purpureum), picado verde e fornecido ad libitum.

– No Restaurante Universitário (RU)da Univasf, localizado no CCA, coletaram-se os restos do almoço servido no dia 17/08/2017, cujo cardápio encontra-se expresso na Tabela 1.

– No mercado do produtor de Juazeiro-Ba, foram coletadasas cebolas (AlliumCeppa L.) que não apresentavam valor comercial por não se enquadrar na classificação quanto ao tamanho dos bulbos.

Tabela 1. Cardápio restaurante universitário 17/08/2017

SaladaLegumesCarneGuarniçãoGuarniçãoLeguminosaVegetariano
Repolho verdeMaxixada
Batata doce e beterraba
Costela assada
Suíno em isca
Creme de milho
Farofa com ovos
Arroz branco
Arroz integral
Feijão pretoKibe vegetariano

Os resíduos de cebola e o descarte do almoço foram fragmentados em triturador de resíduo marca TrAPP modelo Tr200 e liquidificador industrialde alta rotação marca MetVisa, modelo LAR2220CC5na proporçãode 2/3 de resíduos para 1/3 de águanão clorada, sendo posteriormente inseridos nos biodigestores (tambores de 13L). O dejeto bovino foi diluído em água não clorada na proporção de 1:1 (vol/vol) e condicionado nos biodigestores, sendo estes pesados anteriormente à inserção do material e depois de preenchidos com os resíduos, de modo que foi possível obter o peso do afluente dos biodigestorespor meio da equação 2:

Nos tratamentos com restos alimentares e resíduos de cebola foi adicionado 1 kg de esterco fresco como inóculo, de modo a garantir a presença de bactérias fermentativas. Foram retiradas amostras de cada biodigestor e armazenadas em câmara fria (7ºC) e em seguida, encaminhadas para determinação do potencial hidrogeniônico (pH), condutividade elétrica (CE), sólidos totais (ST), sólidos fixos (SF),sólidos voláteis (SV) e Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5), sendo estas análises realizadas no início e no final do processo de biodigestão anaeróbia, ou seja, avaliaram-se o afluente e o efluente dos biodigestores.

Determinação dos parâmetros físicos

Para as análises de sólidos totais, fixos e voláteis, as amostras foram transferidas para cadinho (50 mL) previamente calcinado. As determinações de peso foram todas feitas em balança analítica, sendo determinado o peso do cadinho, da amostra úmida. Posteriormente, os cadinhos foram condicionados em estufa a 105 ºC por 18h para determinar a matéria seca, em seguida armazenados em dessecador, e depois em mufla a 550 ºC por 3,5 h, obtendo assim o peso das cinzas. Para determinação dos sólidos totais fixos e voláteis foram usadas as seguintes equações:

Determinação dos parâmetros físico-químicos

As análises de pH foram realizadas por meio do método potenciométrico. O peagômetro da marca Tecnopon, modelo Luca-210, foi previamente calibrado com soluções tampões pH 4 e pH 7, sendo as leituras feitas imergindo o eletrodo na amostra e contabilizada ao estabilizar um valor no display. O eletrodo foi sempre lavado com água deionizada e enxugado com papel toalha macio, em cada leitura, visto que eram feitas triplicatas para cada amostra. 

Para determinação da CE foi utilizado condutivímetro de bancada marca Lucadema, modelo Luca 150 – MC calibrado com solução tampão KCl146,9 µScm-1, usando célula com constante 1cm-1 com procedimento semelhante ao peagômetro, também realizado em triplicata. 

A Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5 -medição realizada com período de incubação de 5 dias), foi determinada pela medição da diferença de pressão em um sistema fechado (DBO respirométrico), tendo a garrafa um espaço de ar de volume de 500 mL. Durante a medição, as bactérias presentes no meio consomem o oxigênio dissolvido na amostra, o qual é substituído pelo oxigênio presente na garrafa acima da amostra. O dióxido de carbono liberado quimicamente é absorvido pelo hidróxido de potássio presente no suporte de borracha e um declínio na pressão interior do sistema é provocado. Essa pressão é medida pelo sensor e armazenada na memória, transmitindo um valor em mgL-1 de O2 a cada 24 horas. 

As amostras foram preparadas e inseridas nos frascos de reação seguindo a proposta do manual do equipamento da faixa de medição de 0-4000 mgL-1 de O2, com determinação do pH das amostras antes e correção para as que constavam fora da faixa de medição (6,5 – 7,5). Essa correção foi feita com NaOH 1 mol L-1; 1 mL da amostra foi diluído em 25 mL de água destilada, colocando-se três gotas por recipiente do reagente KOH, e 1 gota do inibidor de nitrificação. As amostras foram condicionadas na BOD a 20ºC, onde foram feitas as leituras no mesmo horário por 5 dias consecutivos.

Análise estatística dos dados

Os dados obtidos foram analisados estatisticamente por meio de: Teste de normalidade (Shapiro-Wilk); Teste de homogeneidade da variância (Levene); Análise de variância; Teste de comparação múltiplas das médias (Tukey a 5% de significância). Calculou-se o desvio padrão e o coeficiente de variação das amostras.Os dados que não apresentaram homogeneidade de variância (Sólidos Voláteis do tratamento Mix RU) foram transformados utilizando a técnica de Box-Cox por meio da equação y = x, em que y é a variável transformada e x é a variável original. Para a variável que não apresentou homogeneidade das variâncias efetuou-se o teste não paramétrico de Man White.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Confecção dos biodigestores

Foram confeccionados dois modelos de protótipos, sendo o primeiro utilizado como pré-teste. No protótipo um, a conexão do biodigestor no gasômetro foi rígida realizada por meio de tubos de PVC de 20 mm de diâmetro e no protótipo dois, a conexão foi flexível realizada por meio de mangueira acrílica transparente. O segundo protótipo apresentou benefícios significativos tais como: redução nos vazamentos, praticidade de montagem e manuseio (agitação do digestato),facilidade de adequação na estrutura metálica de suporte dos gasômetros. Além de que possibilitou uma redução de custo de R$ 23,68 (R$ 42,20 corrigido para março de 2023 pelo IGP-M da Fundação Getúlio Vargas – FGV).Este valor equivale a uma economia de 2,4% na construção dos biodigestores. Tal diferença não foi muito significativa em termos financeiros para o número de biodigestores confeccionados (24). Entretanto, a depender da quantidade de biodigestores a serem construídos pode-se tornar significativa a alteração da forma de conexão do gasômetro ao biodigestor. Ademais, foi muito importante este pré-teste para os ajustes e continuidade do experimento.

Nas Tabelas 2 e 3 estão representados os custos unitários e totais do material necessário para a confecção dos biodigestores de bancada, tipo batelada, utilizados no experimento.

Tabela 2. Custo do material utilizado no primeiro modelo de biodigestor com conexão do biodigestor ao gasômetro de forma rígida por meio de tubo de PVC de 20 mm de diâmetro

DescriçãoValor unitário(R$)Quantidade(peças)Valor total em setembro de 2017(R$)Valor total corrigido para março de 2023 pelo IGP-M (FGV)
Tubo PVC esgoto 100 mm48,00296,00173,78
Tubo PVC esgoto 75 mm51,002102,00184,65
Cap 100 mm5,0024120,00213,87
Cap 75 mm5,5024132,00235,25
Adaptador 20 mm0,40249,6017,11
Flange 20 mm6,9024165,60295,14
Tubo silicone11,00222,0039,21
Fita veda rosca1,8035,409,62
Cap 20 mm0,502412,0021,39
PVC 20 mm10,00220,0035,64
Tê 20 mm0,502412,0021,39
Joelho 20 mm0,30247,2012,83
Luva Lr 20 mm3,502484,00149,71
Borracha de vedação0,502412,0021,39
Vasilhame7,0024168,00299,41
Total967,801730,39
Total por biodigestor40,3272,10
Em que: Índice de correção no período = 1,78222100; Valor percentual correspondente = 78,222100%

Tabela 3. Custo do material utilizado no segundo modelo de biodigestor com conexão do biodigestor ao gasômetro de forma flexível por meio de mangueira acrílica transparente

DescriçãoValor unitário (R$)Quantidade(peças)Valor total em setembro de 2017(R$)Valor total corrigido para março de 2023 pelo IGP-M (FGV)
Tubo PVC esgoto 100 mm48,002,096,00173,78
Tubo PVC esgoto 75 mm51,002,0102,00184,65
Cap.100 mm5,0024,0120,00213,87
Cap. 75 mm5,5024,0132,00235,25
Adaptador 20 mm0,4024,09,6017,11
Flange 20 mm6,9024,0165,60295,14
Tubo silicone11,002,022,0039,21
Fita veda rosca3,001,85,409,62
PVC 20 mm10,001,616,0028,52
Luva Lr 20 mm3,5024,084,00149,71
Borracha de vedação0,5024,012,0021,39
Mangueira1,607,211,5220,53
Vasilhame7,0024,0168,00299,41
Total944,121688,19
Total por biodigestor39,3470,34
Em que: Índice de correção no período = 1,78222100; Valor percentual correspondente = 78,222100%

Produção de biogás

Foi observada diferença significativa de produção de biogás entre os tratamentos. O esterco bovino apresentou produção superior aos demais tratamentos, fato este que pode ser observado nas Figuras 6 e 7.

Figura 6. Produção diária de biogás

Figura 7. Produção acumulada de biogás

Parâmetros físicos

Na tabela 4,encontram-se os valores encontrados na determinação dos sólidos na entrada (afluente) e saída (efluente) dos dejetos nos biodigestores, sendo estes: Sólidos Totais (ST), Sólidos Voláteis (SV) e Sólidos Fixos (SF). O teor de STe SV do tratamento com resíduo de cebola na entrada e saída foram menores que nos demais tratamentos. O tratamento com esterco bovino foi o único a não apresentar redução significativa entre entrada e saída para o parâmetroST. Ademais, a redução de SV do tratamento Mix RU foi o único que não apresentou diferença estatística entre entrada e saída.O tratamento com esterco bovino foi o único que não apresentou redução significativa de SF, sendo estes valores semelhantes ao MixRU nas amostras de entrada.

Tabela 4. Determinação de Sólidos dos resíduos avaliados na produção de biogás

Em que: médias seguidas por letras maiúsculas iguais na linha e letras minúsculas iguais na coluna não diferem estatisticamente a 5% de significância pelo teste Tukey. CV = Coeficiente de variação; DP = Desvio padrão.
*Dados transformados, pois não atenderam ao critério de homogeneidade da variância pelo teste de Levene.

O consumo de SV em relação à produção de biogás do tratamento Mix RU foi maior durante todo período de fermentação anaeróbica conforme pode ser observado na Figura 8. A partir deste fato, pode-se inferir que os micro-organismos foram menos eficientes em produzir biogás no tratamento Mix RU, podendo estar relacionado com elevada acidez e CE (Tabela 5), ou a própria composição do substrato ser pouco propícia a produção de biogás.

Na Figura 8,encontram-se representados graficamente os valores do volume de biogás produzidos por massa de SV consumidos no processo. O tratamento com dejeto bovino foi o que apresentou a maior produção volumétrica de biogás acumulada por grama de SV consumidos (7,2 Lbiogásg-1SV) quando comparado com o tratamento Res. Cebola (1,54 Lbiogásg-1SV) e Mix RU (0,45 Lbiogásg-1SV).

Figura 8. Produção acumulada de biogás em função da massa de sólidos voláteis consumidos

Avaliando o consumo de SV no processo de biodigestão, o tratamento com esterco bovino apresentou diferença significativa entre os demais tratamentos, correspondendo a uma maior eficiência de produção do biogás por unidade de massa do SV produzidos. Foi observada uma eficiência numérica maior na produção de biogás no tratamento com resíduo de cebola em relação ao Mix RU, embora não seja significativa estatisticamente (Tabela 5). O valor encontrado para o tratamento com dejeto bovino foi superior ao encontrado por Bueno (2010), em queeste observou uma produção de 2,51 Lg-1 em 29 dias de fermentação anaeróbia. 

Tabela 5. Valores médios de produtividade, rendimento, carga orgânica volumétrica (COV) e volume de biogás produzido

Gartner e Gartner (2015), utilizando resíduo de condomínio com 38,2% de sua composição como resíduo orgânico, este formado por restos alimentares, cascas, podase verduras, encontrou uma produção de 0,3Lg-1 em um período de 40 dias de retenção hidráulica, valor este semelhante ao encontrado na produção de biogás dos resíduos alimentares (Mix RU) e inferior ao observado no resíduo de cebola do presente trabalho. 

Parâmetros físico-químicos

Os atributos físico-químicos, pH e CE, mensurados no início do processo de biodigestão e na finalização do mesmo estão representados na Tabela 6.

O pH do tratamento com esterco bovino foi o único que permaneceu dentro da faixa de neutralidade, considerada ideal para produção de biogás.Os demais tratamentos (Mix RU e Res. Cebola) apresentaram pH ácidos, diferentes estatisticamente na entrada e iguais na saída. Este fato indica que pode ter havido predomínio de bactérias acidogênicas. O pH do MixRU apresentou capacidade tampão muito forte pois não se diferenciou durante todo o período de retenção hidráulica. Já o tratamento com resíduo de cebola acidificou-se durante o processo de produção do biogás.

Os valores observados de condutividade elétrica diferiram do constatado por Matos (2016), em que o mesmo observou redução da condutividade utilizando período de retenção de 210 dias. Ademais, os valores de CE na saída (biofertilizante) estão acima dos considerados ideais para a fertirrigação, em que valores acima de 6,34 dSm-1 podem levar ao entupimento dos bicos gotejadores, salinização dos solos e toxidade para as plantas.

Sampaio et al.(2007) avaliaram a relação linear entre condutividade elétrica e sólidos de águas residuárias de suinocultura, laticínio, doméstico e industrial. Os resultados mostraram que houve uma relação linear para a condutividade em função dos sólidos totais e dissolvidos em sua maioria, em todas as águas residuárias, exceto para a água residuária proveniente do meio urbano (doméstico). 

Tabela 6. Avaliação de pH e condutividade elétrica (CE) dos diferentes resíduos utilizados na produção de biogás

Em que: médias seguidas por letras maiúsculas iguais na linha e letras minúsculas iguais na coluna não diferem estatisticamente a 5% de significância pelo teste Tukey. CV = Coeficiente de variação; DP = Desvio padrão.

Os valores obtidos na determinação da demanda bioquímica de oxigênio 5 dias (DBO5) encontram-se representados na Tabela 7. O tempo de retenção hidráulica pode ter sido insuficiente para a remoção da carga orgânica estimada pela DBO5, já que a mesma apresentou-se pouco eficiente e estatisticamente igual entre entrada e saída para todos os tratamentos avaliados. Esta redução de carga orgânica não atende as exigências das legislações ambiental tais como a resolução 357 do Conama.

Tabela 7. Avaliação da Demanda Bioquímica Oxigênio 5 dias (DBO5) dos resíduos avaliados na produção de biogás

Em que: médias seguidas por letras minúsculas iguais na linha e letras maiúsculas iguais na coluna não diferem estatisticamente a 5% de significância pelo teste Tukey. CV = Coeficiente de variação; DP = Desvio padrão; ER = Erro padrão da média 

Mancini et al. (2019), avaliando o potencial energético de resíduos animais no estado do Paraná (Brasil), concluíram que os dejetos animais provaram ser uma fonte de energia barata, eficiente e disponível. Ademais, é importante considerar o uso da biodigestão como fonte de energia térmica, que pode auxiliar na criação de animais, produtores de resíduos, perpetuando assim o material ciclo de geração.

Vale ressaltar que a redução de impostos e a existência de incentivos ao mercado de biodigestores e equipamentos afins também é fundamental para viabilizar a geração de biogás por pequenos e médios produtores (PESSOA, COLLA;COSTA, 2021)

Sandim et al. (2019), estudando a implementação de biogás e biomassa em áreas rurais, relataram que os resultados estudados mostram uma grande diferença na produção de energia elétrica a partir do biogás. Também mostram um futuro promissor para o aproveitamento do biogás, sendo possível obter quantidades significativas de energia elétrica para utilizar ou devolver à rede os valores de investimento e custo de operação.

CONCLUSÔES

A partir dos resultados obtidos foi possível concluir que:

Os biodigestores de bancada confeccionados possibilitaram mensurar, satisfatoriamente, o volume de biogás produzido diariamente;

O dejeto bovino foi o que apresentou maior produção de biogás (7,2 litros de biogás por grama de sólidos voláteis consumidos) seguido do tratamento Resíduos de cebola (1,54 Lg-1) e Mix RU (0,45 Lg-1). 

O dejeto bovino e o resíduo de cebola apresentaram variação de pH significativa entre a entrada e saída do material orgânico no biodigestor.Entretanto, os valores do dejeto bovino permaneceram próximo da faixa de neutralidade (6,88 – 7,29), enquanto o resíduo de cebola apresentou pH ácido (4,9 – 4,02). O tratamento Mix RU apresentou capacidade tampão mantendo seu pH ácido (3,88 – 3,89).

A condutividade elétrica do material orgânico na saída do biodigestor foi superior à entrada em todos os tratamentos;

A eficiência de remoção da DBO5 foi baixa em todos os tratamentos;

Ademais, a confecção destes biodigestores de bancada, modelo batelada, no laboratório de construções rurais do CCA-Univasf tem permitido a obtenção de informações sobre o potencial de produção de biogás e redução da carga orgânica de diversos resíduos gerados nas cadeias produtivas da região do Vale do submédio São Francisco. Possibilitando assim, testar esta tecnologia como alternativa sustentável para resolução de problemas ambientais ocasionados por resíduos orgânicos na região.

LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS

A principal limitação para realização das pesquisas (campo e laboratório) efetuadas foi a ausência de recursos financeiros para adquirir equipamentos, vidrarias, reagentes e padrões específicos para equipar melhor o laboratório para trabalhar com biogás oriundo da fermentação anaeróbia de plantas energéticas e dejetos/resíduos da agropecuária. Em resumo, os nossos projetos, na maioria das vezes, não têm financiamento para investimento (material permanente) e custeio, exceto algumas bolsas de iniciação cientifica paga aos estudantes pelas agências de fomento. Este trabalho, em especial, só foi possível ser desenvolvido graças à força de vontade, a criatividade da equipe e as parcerias firmadas com outras instituições e laboratórios.

Neste contexto, após as dificuldades na realização do trabalho experimental e processamento dos dados,foi possível fazer algumas sugestões para trabalhos futuros.Dentre elas, pode-se citar:

Alteração na estrutura fixa, de modo a fixar o gasômetro quando alcançar o seu deslocamento;

Adição de um sensor de pressão, para efetuar correção do volume de biogás de forma mais exata; 

Um protótipo que o biodigestor seja na cor escura (preto), visando aumentar a temperatura e redução da luminosidade visto que a produção de biogás aumenta com a temperatura (37 – 45 ºC) e alguns micro-organismos são sensíveis à luz;

A experimentação com correções de pH de substratos que não atendem naturalmente a faixa ideal de produção do biogás seria interessante, de modo a isolar este fator e aferir a produção de metano com diferentes resíduos em uma mesma faixa de pH;

Repetir experimentos similares a este com maior controle dos parâmetros físico-químicos e temperatura dos afluentes do biodigestor, caracterizar o biogás com cromatografia gasosa (CG) e testar outros materiais vegetais in natura e ensilados com diferentes tempos de armazenamento, testar outras doses de inóculo, desenvolver um sistema de purificação do biogás (remoção de CO2 e H2S) eficiente e de baixo custo e que seja acessível aos pequenos produtores rurais da região nordeste do Brasil.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Vale do São Francisco pelo espaço, ao prof. Helder Ribeiro Freitas, coordenador do grupo Sertão Agroecológico, pela parceria e ajuda incondicional, e ao prof. Mário Adriano Ávila Queiroz, pela parceria e incentivo.

REFERÊNCIAS

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1Doutor em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa – UFV
Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6049-2279

2Bacharel em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil

3Bacharel em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil

4Mestre em Agronômica – Produção Vegetal pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6618-8753

5Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo – USP
Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9913-6578

6Doutor em Agronomia/Fitotecnia pela Universidade Federal do Ceará – UFC
Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0472-1417

7Doutor em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa – UFV
Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf – Campus Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6174-1190