PROCESOS DE EDUCACIÓN PARA LA GESTIÓN DEMOCRÁTICA EN MOCAJUBA/PA: EXPERIENCIA DE PUTIRUM QUILOMBOLA EN VILA VIZÂNIA
EDUCATION PROCESSES FOR DEMOCRATIC MANAGEMENT IN MOCAJUBA/PA: EXPERIENCE OF PUTIRUM QUILOMBOLA IN VILA VIZÂNIA
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501311552
Marisa Gilberte Nunes Cabral1
Jaqueline Mendes Bastos2
Resumo
O presente texto trata sobre – primeiras inferências de trabalho de pesquisa, com base em observações livres anotadas em caderno de campo, dos processos pedagógicos de implementação da Resolução CNE 08/2012 – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, no município de Mocajuba/PA, ocorridos desde março de 2021. Como processos compreendidos como elementos de fortalecimento da democracia, procura-se demonstrá-los como educativos visando essa dimensão. Ao tomar a experiência do Putirum Quilombola realizado na Comunidade Quilombola de Vila Vizânia, demonstramos a metodologias participativa para a implementação dessa política, centrando a gestão democrática que tentou se construir por meio da CFEEQ (Coordenação de Formação da Educação Escolar Quilombola) no interior da SEMEC (Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura).
Palavras-chave: Educação Quilombola; Gestão Democrática; Implementação de Política Pública;
Resumen
Este texto aborda – primeras inferencias del trabajo de investigación, a partir de observaciones libres anotadas en un cuaderno de campo, de los procesos pedagógicos de implementación de la Resolución CNE 08/2012 – Lineamientos Curriculares Nacionales para la Educación Escolar Quilombola, en el municipio de Mocajuba/PA, tomando lugar desde marzo de 2021. Como procesos entendidos como elementos de fortalecimiento de la democracia, buscamos demostrarlos como educativos apuntando a esta dimensión. Tomando la experiencia del Putirum Quilombola realizado en la Comunidad Quilombola de Vila Vizânia, demostramos metodologías participativas para implementar esta política, centrándonos en la gestión democrática que intentó construirse a través de la CFEEQ (Coordinación de Capacitación en Educación Escolar Quilombolas) dentro del SEMEC (Departamento Municipal). de Educación, Deporte y Cultura).
Palabras-clave: Educación Quilombola; Gestión Democrática; Implementación de políticas públicas;
Abstract
This text deals with – first inferences of research work, based on free observations noted in a field notebook, of the pedagogical processes of implementing Resolution CNE 08/2012 – National Curricular Guidelines for Quilombola School Education, in the municipality of Mocajuba/PA , taking place since March 2021. As processes understood as elements of strengthening democracy, we seek to demonstrate them as educational aiming at this dimension. By taking the experience of Putirum Quilombola carried out in the Quilombola Community of Vila Vizânia, we demonstrate participatory methodologies for implementing this policy, focusing on the democratic management that tried to be built through CFEEQ (Quilombola School Education Training Coordination) within SEMEC (Municipal Department of Education, Sports and Culture).
Key words: Quilombola Education; Democratic Management; Implementation of public policy;
INTRODUÇÃO
Apresentamos nesse artigo os primeiros resultados traduzidos como inferências do que temos analisado em termos de pesquisa sobre a relação entre os processos de implementação da Educação Escolar Quilombola e a experiência dos encontros de formação, chamados “Putiruns Quilombolas”, verificada através da Comunidade Quilombola Vila Vizânia, Segundo Distrito de Mocajuba/PA.
Para tanto, ressaltamos que trata-se de estudo de abordagem qualitativa, baseado em procedimentos de pesquisa de tipo participante, observações livres anotadas em caderno de campo, dada relação direta entre pesquisa-pesquisadora configurada nessa investigação, com vistas a pós-graduação, curso de mestrado em educação.
Compreendendo que a análise está embasada, sobretudo, na experiência dos processos de implementação da Resolução CNE/CEB 08/2012 que trata sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, em processo no município de Mocajuba/PA desde de 2018 por meio das ações do Movimento Social Quilombolas – frisamos a importância da construção do Coletivo Putirum enquanto princípio educativo de luta.
Para tanto, faz-se necessário destacar que os Putiruns são encontros produzidos pelo Movimento Social Quilombola de Mocajuba/PA, com o apoio de uma rede de parceiros/as, dentre estes especialmente as 14 Comunidades Quilombolas a saber: Vila Vizânia, Santo Antônio do Vizeu, São Benedito do Vizeu, Itabatinga, Uxizal, Mojutapera, Porto Grande, Mangabeira, Mazagão, Igarapé-Açu, Tambaí-Açu, São José de Icatu, Bracinho do Icatu e Açaizal.
Esse processo de luta em Rede de Quilombos em Mocajuba/PA fora iniciado em 2018 a partir do I Encontro de Educação Quilombola, realizado na Biblioteca Municipal, do município de Baião/PA. Na ocasião foi construída uma agenda de luta em prol da Educação Quilombola na região e de lá, considerando o pleito eleitoral municipal pensando os próximos governos, fora apoiado por todos os presentes que construiríamos processos de candidaturas quilombolas e independente de quem viesse governar, iríamos garantir nos planos de governos dos candidatos/as a prefeitos/as a pauta da Educação Quilombola e nesse sentido aconteceu.
Assim, na experiência do pleito eleitoral 2020 em Mocajuba/PA o Movimento Social Quilombola, conseguiu garantir a pauta da Educação Quilombola em todos os programas de governos dos candidatos. Logo, em 2021 os “Putiruns Quilombolas de Formação” foram construídos com as Comunidades Quilombolas de Mocajuba/PA, através da instituição, no interior da Secretaria de Educação, Esporte e Cultura – SEMEC a Coordenação de Formação da Educação Escolar Quilombola – CFEEQ como parte dos Processos de Implementação da Resolução CNE/CEB 08/2012.
Outro destaque a se fazer, é que a palavra Putirum tem origem tupi-guarani e para o processo de Formação ocorrido em Mocajuba/PA, sobre a Resolução 08/2012, essa palavra foi tomada para homenagear a origem cultural que se entrelaça nos Quilombos de Mocajuba/PA com a cultura indígena. Neste sentido, como palavra que significa – mutirão, da mesma forma é compreendido os processos de formação sobre a Resolução 08/2012 em Mocajuba/PA, ou seja, como grandes mutirões por envolver a todos e todas das Comunidades Quilombolas pelo que nos é comum, ou seja, o direito fundamental a educação escolar, conforme nos garante a Constituição Federal Brasileira de 1988.
Desse modo, para evidenciarmos a relação entre os processos de implementação da Educação Escolar Quilombola e a experiência dos encontros de formação, chamados “Putiruns Quilombolas”, verificada através da Comunidade Quilombola Vila Vizânia, Segundo Distrito de Mocajuba/PA, partimos da hipótese de que esses processos, iniciados em Mocajuba em 2021 com os Putiruns Quilombolas de Formação, através da Coordenação de Formação da Educação Escolar Quilombola – CFEEQ, no interior da SEMEC – Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura, têm conduzido a construção de processos de educação para gestão democrática nesse município.
Essa hipótese se construiu a partir da minha vivência enquanto coordenadora pedagógica, de duas escolas quilombolas localizadas na Comunidade Vila Vizânia onde nasci, sou criada e vivo, bem como, na Comunidade Quilombola Santo Antônio do Vizeu e também, por meio da participação nos Putiruns Quilombolas de formação organizados e realizados pela CFEEQ/SEMEC e Comunidades Quilombolas de Mocajuba/PA.
A partir destas experiências, temos construído o objeto dessa pesquisa através da problemática a saber: Como a experiência dos Putiruns Quilombolas de formação tem produzido processos de gestão democrática em Mocajuba/PA, considerando a experiência da Comunidade Quilombola Vila Vizânia?
Na busca por resposta para tal inquietação, iniciamos refletindo sobre o conceito da relação entre Educação e Gestão Democrática. Logo, compreendemos que educação e a gestão são indissociáveis, pois ambas se configuram pelo ato do planejamento, ou seja, o homem não é capaz de sobreviver, sem pensar suas ações previamente, esta peculiaridade inerente ao ser humano, o faz diferente de todos os outros animais, como nos legou Marx (2013), os outros animais agem por instinto, produzem invejáveis facetas, no entanto, somente o homem pensa, antes de executar suas ações, antes de produzir, o fazendo desta forma, o único de ser aprendente e construtor da cultura.
Diante desse contexto, o que é a educação? Podemos afirmar que educação é cultura? No sentido dessas questões, de acordo com Brandão (2002) o que se pode apontar é que a educação se expressa como ponto de investigação necessária para a compreensão da formação cultural de uma sociedade, assim o sentido da educação não pode se esgotar nos conhecimentos sistematizados da escola, pois, a mesma é parte de uma complexa relação de conectividade, que perpassa pelo cultural e social. Entendendo esta questão a partir da história, o ato educativo se descreve através da transmissão cultural, da formação e reprodução de mentalidades e também das atitudes coletivas.
Nesse sentido, compreendemos também, que é desta forma que mulheres e homens se tornam seres humanos, isto é, dotados de cultura. Logo, leva-se em consideração que o fundamento primeiro para que este adquira esta condição é através da educação. É somente pela educação que mulheres e homens tornam-se humanos. Isso, porque ainda segundo Brandão (2002), desde que nascem mulheres e homens estão submetidos a aprender, como fim único de sua sobrevivência em meio à multiplicidade peculiar da origem de outras espécies.
De tal modo, mulheres e homens, precisam primeiramente serem educados para posteriormente educar-se e assim tornar-se indivíduo, dono de seus anseios, adquirindo sua autonomia, que de acordo com Charlot (2000, p. 50) é o elemento que define o seu instinto para seu próprio o plano de sua conduta (Grifo nosso).
Desta forma, mulheres e homens são seres inconclusos; não nascem como os outros animais já dotados de instinto de sobrevivência, mas com uma dependência do outro, para poder se tornar. A educação/cultura3, portanto, é criação de mulheres e homens, como processo de sua coletividade, à medida que é criada ela os cria, forma suas personalidades e assim adquirem suas visões históricas do mundo (Brandão, 2002). A cultura tem caráter formativo, político social, que perpassa da formação do eu interior para a consciência superior, que juntamente com o outro passa a participar de sua condição de coletividade, e assim juntos constroem a história, com participação ativa na transformação de suas realidades sociais. Neste processo, portanto, os seres humanos se apropriam da cultura na e pela educação (Brandão, 2002).
Educação e cultura são a um só tempo forma e conteúdo, portanto, necessárias no constituir-se humano como construtor de uma sociedade. Compreender que de todos os animais nós somos os únicos em que a aprendizagem ocupa o fator crucial de nossa sobrevivência, pois ao nascermos, necessitamos não somente de nossa carga biológica, mas do convívio social para nos tornamos seres humanos, é entender que a qualidade de tudo isso somente pode ser adquirida a partir da cultura como educação.
Por isso, conforme Brandão (2022, p. 19) o ser humano em comunidade é “aprendente de pessoa”, isso o faz parte de um todo desafiador, participante de vivências culturais, que ele passa a reinventar, num processo contínuo e instigante, incorporando-o em um mundo já construído culturalmente por seus ancestrais, que a ele cabe agora se inserir, significá-lo e ressignificá-lo no processo histórico dialético, no sentido de construir e dá sentido ao que ele transformará em razão de sua existência.
Portanto, é partindo dessas compreensões que o estudo (em andamento) se expõe, nesse artigo, estruturalmente em duas seções que se articulam empírico e teoricamente. Por isso, na primeira seção apresentamos as primeiras inferências centradas teoricamente do conceito de gestão democrática pautando a experiência dos Putiruns Quilombolas. Já na segunda seção trazemos alguns elementos da metodologia do Putirum Quilombola que se configuram em participação democrática verificada na experiência do Putirum Quilombola, ocorrido na Comunidade Vila Vizânia em julho de 2022. Para não concluir e continuar pensando a pesquisa, finalizamos com algumas considerações.
RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA: OS PUTIRUNS DE FORMAÇÃO EM MOCAJUBA
Entender que educação possui uma natureza específica, por ser ela própria do ser humano, pode até parecer clichê, mas não é. Afinal, faz-se necessário compreender, que para os estudos sobre a relação entre educação e gestão, deve-se levar em conta uma síntese de questões, conforme Saviani (1991). Isso porque, está claro entre nós, que há diferença entre nós seres vivos, que nos fazem além de seres vivos, pois
[…] sabe-se que, diferentemente dos outros animais, que se adaptam à realidade natural tendo a sua existência garantida naturalmente, o homem necessita produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de se adaptar a natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto é feito pelo trabalho. Portanto, o que diferencia o homem dos outros animais é o trabalho. E o trabalho se instaura a partir do momento em que seu agente antecipa mentalmente a finalidade da ação. Consequentemente, o trabalho não é qualquer tipo de atividade, mas uma ação adequada a finalidades. É pois, uma ação intencional. Para sobreviver o homem necessita extrair da natureza, ativa e intencionalmente, os meios de sua subsistência. Ao fazer isso ele inicia o processo de transformação da natureza, criando um mundo humano (o mundo da cultura). (Saviani, 1991, p. 15)
Nesses termos, o trabalho é a nossa própria condição de existência, nada se constrói humano sem a ação dos próprios humanos. Por isso, a educação que se constrói por meio do ato do trabalho é também cultura. Por ser um ato específico humano, ela educação/cultura é significada através do trabalho, haja visto que ambos são parte de um todo intencional. O trabalho é, pois, sendo um ato educativo, tudo que se produz através dele é educação.
Daí compreendemos, que mulheres e homens ao produzirem o trabalho eles o faz a fim primeiramente de sua subsistência como já foi explicitado, porém ao passo desta mesma evolução, ele também se apropriou de ideologias que o levou a querer acumular conhecimento (epistemologias) em escalas cada vez maiores, o exigindo cada vez mais competência de adaptação e crescimento intelectual, no sentido de estar apto a administrar sua produção, por isso em um dado momento histórico, passando a necessitar de uma educação mais sistematizada, conforme vê em Saviani (1991).
Nessa perspectiva, mulheres e homens, garantido sua sobrevivência a partir do “trabalho material” (Saviani, 1991), sente, portanto, uma inquietação a preocupação de se compreender cientificamente, eticamente e artisticamente, categorizando uma outra produção que seria o “trabalho não-material” (Saviani, 1991). “Trata-se aqui da produção de ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades.” (Saviani, 1991, p.16), isto é, a Cultura.
Assim, compreender as questões no âmbito da educação/cultura como entrelaçados num processo histórico dialético, para entender que o ato de planejar é essencialmente humano e que o homem à medida que transforma a natureza através do trabalho, ele o transforma a si mesmo, em um ato educativo, de produzir, aprender e transformar, se faz necessário para também compreender as relações que envolve os processos de gestão democrática em nossos espaços-tempos.
Desta forma, entendemos que antes de qualquer ação, o homem projeta, planeja, podendo assim afirmar que, o que diferencia de todos os outros animais é o ato do pensar. Logo, nos remetemos a celebre citação de Marx (1996) ao dizer que: “[…] a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera […]” (Marx, 1996, pag. 297).
Ao nos reportarmos ao ato educativo de planejar, considerando os pressupostos históricos de humanização, o entendimento em relação ao planejamento da educação, pressupõe, “além de análises técnicas, um crescimento humano” (Gandin, 1983, p. 9), uma aspiração que deveria ser comum no desenvolvimento dos planejamentos educacionais, por todo o Brasil, portanto de processos educativos para gestão democrática.
No entanto, o Brasil, com sua tradição na produção de leis, procura garantir o que se planeja através da legislação (leis e decretos), mas sabemos que a educação/cultura, não se efetiva apenas através de decretos, é necessária uma verdadeira ação contra hegemônica, em favor da participação da sociedade, na realização e decisões dos rumos do país.
E, quando tratamos de Educação Quilombola, ou seja, Educação para Relações Etnico-Raciais, há que se compreender, também as relações de poder, como espaços de poder de decisão e que ao Povo Quilombola desse país, elementos relacionados ao poder de decisão no âmbito da gestão, principalmente, tem sido sistematicamente, negado ao nosso povo como processo de acordo com Silvio Almeida (2019) de racismo estrutural. Daí, a necessidade cada vez mais urgente de construção de processos de educação que incentivem planejamentos e as ações democraticamente.
Nesse sentido, concordamos com Bordignon (2014), ao nos afirmar que devemos considerar:
[…] as distintas funções do ato legislativo e do ato de planejamento […], pois apesar da lei garantir a aprovação de um plano e estabeleça o que deve ser feito. […] O que muda a realidade são as práticas sociais, a ação humana, que deve ser regulada pela norma, em si mesma insuficiente para mudar a realidade. O que muda a realidade são as atitudes, o caráter das pessoas, não a lei. (Bordignon, 2014, p. 42)
Isso nos remete historicamente a cultura de se planejar no Brasil, já que sempre esteve vinculada e influenciada pelo poder econômico e/ou pela política, ou seja, a quem possui maior “barganha”, fato este correspondente a pouca participação da sociedade civil, dada a democracia representativa, que leva a maioria dos cidadãos a uma espécie de “dormência social”. Por se sentirem representados, acreditam que quem os representa tem o dever de lutar por seus direitos. Essas atitudes acabam contribuindo com a “política de consenso”, em que na maioria das vezes, o que escolhem por nós, nem sempre será bom para a coletividade.
Nas últimas décadas, considerando o processo democrático por qual vem se configurando o Brasil, a participação democrática da sociedade civil, vem ensaiando uma participação mais efetiva, embora ludibriadas pelo sistema capitalista, alguns avanços foram conseguidos. Mesmo precisando de muita luta para esses “tais” avanços, muitas perdas e recuos, podemos considerar que alguns passos significativos foram efetivados e até mesmo podemos alçar ares de libertação embora para um futuro ainda distante.
Assim de acordo com os pensamentos de Miguel Arroyo (2003,2011), ao debater políticas públicas para o campo, tomemos como exemplo as duas primeiras Conferências nacionais para Educação do Campo, em que na primeira se discutia enquanto tema: “Por uma educação do campo”. Logo, percebe-se que o Estado não se apresentava tão explicitamente, como na segunda temática: “Por uma educação do campo pública”, lema: Educação do campo, direito nosso, dever do estado”.
Observa-se que até mesmo o Movimento Social, as vezes parece não acreditar que podemos mudar a nossa realidade através do Estado. Contudo, também, nota-se avanços nos debates do Movimento Social, por estar esse cada vez mais convencido que a mudança passa pela Democracia e da discussão da primeira à segunda Conferência da Educação do campo, por exemplo, passa a chamar a responsabilidade do Estado para o debate.
Tomemos por hora o exemplo da Educação do Campo para ilustrar o que também não é muito diferente da luta pela Educação Quilombola. Entretanto, ressaltamos que a principal diferença entre a luta pela Educação do Campo e a luta pela Educação Quilombola está na luta contra racismo que é inerente a luta do povo negro e quilombola no Brasil.
Logo, a educação pública, seja ela onde for, onde estiver acontecendo, ela não é esmola é direito fundamental, constitucional. Interligada a diversos direitos, a Educação Pública é filha dos processos de redemocratização no Brasil. Afinal por que falar em políticas para Educação Quilombola? De que Educação Quilombola estamos falando? Por que colocar a Educação Quilombola, no campo do Estado? Como os movimentos sociais quilombolas contribuem para que a Educação Quilombola se torne parte do projeto de sociedade contra colonial? A Educação Quilombola, nesses termos deve estar relacionada a um projeto de causa? Por quê? Como?
Caminhando nos trilhos dessa perspectiva, temos compreendido que os planejamentos educacionais desenvolvidos nas últimas décadas tiveram muitos avanços em relação a participação social, a citar processos de elaboração de Diretrizes Curriculares. No entanto, os resultados em que se deram a partir da governabilidade (intervenção do poder político), tornou-se esses avanços medíocres, porque em grande maioria de seus propósitos desconsideraram, as reivindicações da sociedade civil organizada. Tomamos como exemplo o processo de elaboração do PNE (Plano Nacional da Educação), entre outros planos, que convidaram a sociedade a participar, porém no final o que se prevalece, são as propostas de controle do Estado e o capital financeiro.
Considerando estes pressupostos e os aspectos do planejamento no âmbito da gestão democrática, podemos considerar que as políticas públicas pensadas para o povo quilombola vêm sendo elaboradas de forma participativa? Tentando envolver o maior número possível de sujeitos?
É inegável que há uma abertura do governo federal nos últimos anos a ouvir os cidadãos, sobretudo no que diz respeito aos governos mais ao campo progressista democrático, isto é, mais à esquerda. Observa-se nesse sentido, que a sociedade, mesmo em meio as suas peculiaridades diversas vêm sendo convidada a participar. Há vários/as companheiros/as, inclusive, vivenciando este momento histórico, e contribuindo neste planejamento (macro), por meio por exemplo de organizações a citar: a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
Ainda, nesse sentido, é sabido quão importante vem sendo as plenárias, as pré-conferências, e conferências realizadas entre os governos e movimentos sociais, enfim, mas o governo tem consciência do que está promovendo enquanto cultura do planejamento e cultura de gestão democrática? Ou sua intenção não se passa de uma sistematização técnica (ordem) de planejamentos para educação? Afinal o que leva, então, o povo quilombola a participar deste processo?
Pensemos, nesses termos, os Planos Municipais de Educação (PME), como um momento da história que necessita ser analisada a luz da educação e a cultura, estas entrelaçadas aos modos de viver e conviver humano. Tendo como foco os planejamentos construídos para a nossa tão diversificada e complexa Amazônia e seus municípios, em particular o povo quilombola.
Precisamos compreender que esta dimensão requer um modo de projeção pautada na valorização do cidadão. Entendendo, pois, a “não materialidade” da educação, que a torna específica, onde todo o saber é sistematizado pela ciência, um ato do pensar/planejar, um trabalho humano.
O Plano Municipal de Educação, mas não somente, ou seja, considerando a experiência dos Processos de Implementação da Educação Escolar Quilombola, a citar a elaboração coletiva com as Comunidades Quilombolas suas Escolas e Movimento Social Quilombola, das Diretrizes Municipais Curriculares para Educação Escolar Quilombola, juntos possuem o grande desafio de tornar possível, uma educação para os princípios democráticos.
Educação para Democracia, pensada para todas e todos em suas especificidades culturais, considerando a escuta livre e previamente informada e de boa fé, conforme a convenção 169, desponta-se como educação do povo e com o povo, pois possuem em seus alicerces a participação efetiva da educação para transformação da realidade excludente imposta pelo sistema colonialista-capitalista ainda em curso.
Desta forma fica explicito, que a sociabilidade humana, perpassa por um projeto de participação e que o ato de planejar na educação pressupõe por vias histórica e social, o envolvimento de todos os sujeitos inseridos, potencializando assim a autonomia social. Considerando, pois, como se deu a participação do povo quilombola no processo de elaboração das Resolução CME-Mocajuba 039/2022, fazse necessário evidenciarmos, de forma que outras comunidades possam também se permear da transformação que o ato de planejar pode nos proporcionar, por meio da gestão democrática da educação.
Regada a uma educação de qualidade e comprometida com os excluídos, as políticas públicas no Brasil podem ter um rumo mais justo, à medida que a participação se efetive. Isso os Putiruns Quilombolas em Mocajuba/PA têm nos demonstrado na prática que procuraremos revelar no tópico a seguir, trazendo alguns dos elementos metodológicos dessa experiência de educação para democracia.
Contudo, compreendendo que esses processos não surgem do nada, mas da luta constante do Movimento Social Quilombola, vale frisar que não podemos deixar de nos organizarmos, com planejamento para garantia da participação de todos nossos iguais e em coletivo nos eduquemos para essa luta que é nossa.
METODOLOGIA DO PUTIRUM QUILOMBOLA: ELEMENTOS DE PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA
A experiência do Putirum Quilombola tem sido observada nesse estudo (em andamento) como processos de vivência, de sentimento e de modificações nas comunidades quilombolas, tal qual Thompson (1981) observa as experiências vividas, sentidas e modificadas.
Assim, ao relacionar essas experiências com o trabalho desenvolvido com as comunidades quilombolas de Mocajuba/PA através da Coordenação de Formação da Educação Escolar Quilombola, instituída no interior da SEMEC (Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura) procuramos compreender esses processos como trabalho de pesquisa-ação, conforme Brandão (2007), já que ao desenvolver os primeiros passos para implementação da Resolução CNE-CEB 08/2012 que trata sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, junto com Comunidades Quilombolas do município de Mocajuba/PA, a CFEEQ compromissada a tornar suas ações democráticas, nos possibilitado participar não como agentes que recebem a política, mas como sujeitos que participam da construção do processo de implementação. Ação entendida a partir das nossas demandas de luta como “nada para nós sem nós”.
De tal modo, vale destacar como abordagem qualitativa, expressando a própria “[…] realidade social, ou seja, o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante”, conforme Minayo (1994, p. 15, grifo nosso), que nessas primeiras inferências de acordo com Franco (2018) a forma dessa implementação tem sido avaliada como processos pedagógicos para educação democrática, dada a maneira como professoras/es e lideranças quilombolas estão participando desde quando esse processo iniciou em Mocajuba/PA.
Nesse sentido, compreender as experiências vividas, sentidas e modificadas dessas lideranças e professoras/es quilombolas, como momentos de exploração de campo, segundo Thompson (1981), tem nos conduzido a refletir sobre a metodologia construída e adotada para realização até o momento de 10 (dez) Putiruns de Formação.
Para tanto, procuramos nos focar para fins desse artigo nas ações de trabalho com as comunidades que acontecem de 2021 a 2024, nas comunidades quilombolas citadas anteriormente e suas respectivas Escolas2. Observado as anotações de campo desse período na experiência de Coordenação Pedagógica da autora 1, temos considerado, também, essas ações a partir da sequência de cinco elementos verificados em Costa, Miranda e Garcia (2022), de formar a refletir sobre a metodologia do Putirum como elementos de participação democrática na Educação Quilombola
Esses elementos baseados em Costa, Miranda e Garcia (2022) ocorreram por meio primeiramente do planejamento construído com as comunidades em evento realizado na Comunidade Quilombola de São José de Icatu no início de 2021, como parte do ano letivo que se iniciava. Na ocasião foi definida uma agenda de visitas técnicas pedagógicas a se realizar em todas comunidades e escolas quilombolas de Mocajuba/PA. A partir dessa primeira ação, configurou-se o procedimento metodológico de 36 (trinta e seis) consultas individuais em formato de conversas informais e entrevistas semiestruturadas. Somado a esse, se deram ainda os procedimentos coletivos, em que se desenvolveu em 13 rodas de conversas (uma por comunidade) resultando em 10 (quatro) Putiruns de Formação (realizados até julho de 2024).
Contudo, para fins desse artigo como já citado anteriormente nos focaremos para tratar sobre a metodologia do V Putirum quilombola ocorrido na Comunidade Vila Vizânia, observando que esse foi o último ocorrido em parceria com CFEEQ (Coordenação de Formação da Educação Escolar Quilombola), ou seja, SEMEC. Isso porque, compreendido como um evento realizado pelas Comunidades, Movimento Social Quilombola, até aqui, em parceria com Coordenação citada, será possível trazer os elementos de educação para democracia, objetivo desse artigo.
Portanto, até o V Putirum a CFEEQ esteve instituída no interior da SEMEC, pois passado esse evento, ao adentrarmos ao processo eleitoral de 2022, a gestão municipal ao avaliar que deveria fazer uma reforma administrativa (conforme argumento que proferiu nas diversas audiências de questionamentos por parte do Movimento Social Quilombola de Mocajuba/PA), a desmontou exonerando as duas professoras que representavam as comunidades quilombolas nessa coordenação.
Por isso, consideramos a experiência do Putirum para fins de reflexão como educação para democracia centrando o conceito de gestão até o quinto (V) evento, isto é, até momento4 em que a CFEEQ/SEMEC esteve apoiando. Ressalta-se que o Putirum Quilombola é compreendido como espaço de formação não apenas de professoras/es, mas de lideranças, crianças, juventude, grupos culturais, enfim de todo os territórios quilombolas. Logo, esse espaço tem sido construído com coletivos quilombolas de várias frentes de lutas a citar: GT Quilombola – UNBUNTU TOCANTINA, MALUNGU (Coordenação das Associações Quilombolas do Estado do Pará), CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras/Rurais Quilombolas), Associações Quilombolas, Coletivos de Mulheres Quilombolas, Coletivos da Juventude Quilombola, ADQ (Associação de Discentes Quilombolas), dentre outras organizações quilombolas.
Ainda, deve-se considerar também nesse grande mutirão, as parcerias da Universidade Federal do Pará – Campus Tocantins -Cametá, através do GEPTE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação; Projeto de Extensão e Pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Edir Augusto Dias Pereira/UFPA, dentre outros Grupos de Estudos e Pesquisas da UFPA e outras Universidades como PUCRio de Janeiro – Núcleo de Estudos sobre Adultos/NEAd; UNIRIO – Universidade do Rio de Janeiro – Grupo de Estudos em Educação Ambiental/GEASUR; IFRO – Instituto Federal de Rondônia, Fóruns de Educação do Campo local, estadual e regional, dentre outros/as parceiros/as.
Desta forma, compreendendo o Putirum Quilombola, também como espaço de pesquisa, a autora 1 iniciou suas anotações de campo desde o primeiro mutirão, reunidas como coletas de informações, tanto em termos individuais quanto coletivos. Isso nos permitiu observar dentre os procedimentos que a metodologia do Putirum Quilombola, também, possui como base nos processos de comunicação, utilizado como fins educativos, a rede social Whatzapp objetivados a diminuir as distancias entre as comunidades quilombolas. Assim, foram criados 9 (nove) Coletivos de Trabalhos (CTs5), objetivados a dinamizar a organização dos eventos e potencializar a ação participativa não só de professoras/es nas formações do Putiruns, mas também de lideranças e outros coletivos, a exemplo das organizações de mulheres existentes nas 13 (doze) comunidades quilombolas.
Esse trabalho de base comunitária desenvolvido nos Putiruns Quilombolas comunitário, observando a metodologia, nos faz perceber a construção feita de forma participativa, objetivada a fazer trabalho-pedagógico com o povo e não para o povo. Mas, como o olhar do pesquisador precisa ir para além da percepção do fenômeno, estamos à procura de demonstrar se de fato esses processos podem ser compreendidos como caminhos de educação para democracia.
Pelo que se observa, através dessa experiência, as Comunidades Quilombolas de Mocajuba/PA segundo Costa, Miranda e García (2022) apontam que talvez essa dimensão de gestão que constrói educação para democracia pode estar nos cinco elementos metodológicos fundamentais do Putirum Quilombola, a saber:
1. construção coletiva com as Comunidades; 2. Consulta Prévia e Esclarecida; garantida pela Convenção 169; 3. liderado, articulado, coordenado, plenamente pelas próprias Comunidades Quilombolas; 4. qualquer intervenção exterior, seja, apenas na qualidade de parceiros/as, colaboradores/as e/ou assessores e 5. a Gestão Municipal com as Comunidades Quilombolas, Associações e Movimento Social Quilombola, se dê sempre de forma participativa (Costa, Miranda e Garcia, 2022, p. 3).
Daí que, nos veio a noção de se considerar esses cinco elementos, para pensar como ocorre na prática processos de gestão que constroem educação para democracia. Os passos que conduzem esse caminho podem ser pensados por meio das ações que conduziram a implementação da resolução 08/2012 com Comunidades Quilombolas em Mocajuba/PA, já que esses se deram basicamente conforme Costa, Miranda e Garcia (2022) numa sequência configurada em:
1º passo: Construção da Proposta-Plano de Atividades de Trabalho
2º passo: Assessoramento metodológico
3º passo: Visitas Técnicas-Pedagógicas
4º passo: Encontros de Formações – Os Putiruns (Costa, Miranda e Garcia, 2022, p. 3,4)
Logo, se esses passos metodológicos produziram participação coletiva, nas Comunidades Quilombolas, para implementar a política de educação escolar, pressupõe enquanto primeiras inferências, que lutas diárias das comunidades quilombolas ao cultivar a vida dos territórios por meio da Educação Quilombola se constroem democracia. Consequentemente, as comunidades quilombolas ao compreenderem esse processo como educativo e tomarem os Putiruns de formação tomarem para si, se reconstroem em luta e unidade, pois
[…] a possibilidade construída com o povo quilombola de formar não apenas professores/as, para os processos de implementação da resolução 08/2012, mas também lideranças das comunidades entrelaçada com os saberes do movimento social quilombolas, do que se trata a Educação Escolar Quilombola, permitiu até o momento a formação de mais de 400 pessoas (números gerais). Nesta formação coletiva elaboraram a identificação de 159 problemas comuns nos territórios quilombolas de Mocajuba/PA, conduzindo propostas de solução que resultaram até o momento em 5 (cinco) audiências públicas com a Câmara de Vereadores/a, 3 (três) com o Prefeito e Vice Prefeito, e com Secretarias de Estado, tais como: Ciência e Tecnologia e Secretarias Municipais: Educação, Assistência Social, Agricultura, ONGs e Instituições Internacionais – ONU/Mulher (Organização das Nações Unidas).
Os processos de formação com as comunidades, encaminham observações que quaisquer implementações de políticas públicas, exige ação integrada de governo, pois envolve diversos órgãos (Costa, Miranda, Garcia, 2022, p. 4).
Nesse envolver ao ser entrelaçado, sobretudo, o povo quilombola, eis que a Comunidade Quilombola de Vila Vizânia e todo o corpo escolar da EMEIF. Quilombola Ângela de Leão Mendonça, se cruzam junto aos pontos dessa rede, tal qual as armadilhas que aprendemos para capturar nossa alimentação na beirada do rio, na experiência do Putirum Quilombola.
De tal modo, a medida que a Comunidade Quilombola Vila Vizânia, foi adentrando a luta pela educação escolar quilombola, a mesma foi se reconstruindo em sua própria concepção, ou seja, a identidade de se perceber como espaço-tempo de cultura herdada conforme Pinto (2001) de seus ancestrais e produção de conhecimento que precisam ser fortalecidos por aqueles que fazem parte desse universo com características próprias.
Assim, através do Putirum Quilombola e sua forma de gestão, as e os quilombolas da Vila Vizânia, passaram a perceber mais explicitamente os acontecimentos e fatores que fazem parte da vivência do quilombo e de como estão em movimento, isto é, em constante transformação. Elementos que contribuem para o fortalecimento da cultura e permanência da população quilombola em seu território.
Nesse sentido, o Putirum Quilombola, ocorrido na Comunidade Vila Vizânia nos dias 01 e 02 de julho de 2022, despertou na consciência das/dos professoras/es segundo as anotações de campo da autora 1 deste artigo, que por exemplo: as festas religiosas, os contadores de causos, as lendas, a música, as danças, o coletivo das mulheres quilombolas, o uso das ervas medicinais, as manifestações culturais dentre outros são o que movem a identidade desse quilombo Todos esses saberes compõe a unidade de aprendizagens que os fazem se organizar em comunidade, logo há um sentimento comum nessa comunidade que esse universo próprio, ou cosmovisão quilombola, conforme Bispo (2023) dado a sua abrangência em termos de autoorganização e até mesmo de autogestão precisam ser preservados.
No entanto, é preciso reconhecer que pensar a Educação Escolar Quilombola nesses termos, requer considerar as bases das diversas lutas da Educação Quilombola que se faz no chão da comunidade e que não está nas salas de aula. Eis aqui a razão das diversas lutas travadas pelas populações quilombolas e pelos movimentos sociais pela garantia do direito a educação como políticas pública e não apenas como política de governo. Isso porque observada a experiência das Comunidades Quilombolas do Município de Mocajuba/PA, não tem sido fácil o diálogo sobre essa demanda de luta com o governo municipal mesmo operando no interior da SEMEC até dia 05 de outubro de 2022 a CFEEQ.
Assim a autora 1, por ter vivenciado esse processo, carrega em suas memórias sentimentos de seus iguais, lesados como povo quilombola na luta por direitos, não somente em termos do direito a Educação Escolar, mas a saúde, ao saneamento básico, à terra, à vida. Crianças, jovens e adultos, trabalhadores rurais marcados por preconceito, discriminação e desigualdade social, de viver nossa identidade e costumes com liberdade de sermos quem realmente somos, a citar os quilombos das águas, território de saberes de um povo que muito teve e tem a contribuir para o crescimento de um país mais democrático e coletivo.
Para que pudessem ter acesso à educação para além dos anos inicias, muitas meninas tiveram que sair dos seus territórios (até um tempo bem recente não havia escolas dos anos finais nessa região) para viver na área urbana, morar de favor nas “casas de famílias”, de forma a poder ter um pouco de dignidade para estudar. Nessa experiência, não são raros os relatos de discriminação, abusos físicos, abusos sexuais. Submetidas a trabalhos análogos a escravidão, foram violentadas de diversas maneiras. Desrespeitados como ser humanos assim se sentem as/os quilombolas.
De tal forma, ao buscar não sair de seus territórios para poder ter acesso a escola, precisam todos os dias estar atentos as lutas. Para tanto, os Putiruns Quilombolas têm sido fundamentais, como movimento educador conforme Gomes (2017) nos demonstra. Diante desse processo de educação para democracia, observamos que além dos professores/as, pais e mães de alunos também tem se inserido nos processos de luta pela implementação da Educação Escolar Quilombola em nosso município e a exemplo da Comunidade Quilombola Vila Vizânia esses pais e mães procuram incentivar para que lideranças busquem as melhorias que o nosso quilombo necessita, ao também fortalecer a EMEIF. Quilombola Ângela de Leão Mendonça, participando ativamente das atividades que a movimenta.
No processo de luta para se manter no território, a luta pela Educação Escolar Quilombola na região do Baixo Tocantins, estado do Pará, que se iniciou em 2018 a partir da luta do movimento social quilombola, nos foi fundamental na tomada de consciência que conduziu companheiras e companheiros de luta propor escutar as demandas das Comunidades Quilombolas, ou seja, conhecer suas realidades, suas vivências e anseios. E assim, a partir desse movimento, criou-se a CFEEQ no inteior da SEMEC.
Desde então, vale frisar também, que não foi fácil mantê-la, pois para o Movimento Social Quilombola sempre esteve explicito que a forma da gestão da CFEEQ estava em acordo com os princípios do que se almeja a Educação Escolar Quilombola, mas para o poder público municipal a CFEEQ era compreendida como um espaço ocupado no interior da SEMEC como reivindicação do Movimento Social Quilombola. Portanto, para o governo municipal não foi incorporado a sua gestão como um espaço de seu projeto. Essa distância na forma participativa em que se construía o espaço da CFEEQ no interior da SEMEC e a forma como o governo pensava a política, ou seja, ignorando o máximo a escuta com o povo, foi tornando a relação Movimento Social Quilombola e SEMEC conflituosa, ocasionando seu desmonte logo após o pleito eleitoral de 2022.
Esse processo, foi avaliado pelo Movimento Social Quilombola de Mocajuba/PA a medida que os tensionamentos foram se acirrando após o desmonte da CFFEQ como processos de racismo institucional, expressando como estratégias de tornar nosso povo desaparecido conforme Abdias Nascimento (1976) nos fez compreender em sua tese sobre o genocídio negro. Isso porque, é visível e real o que vivemos em termos de desigualdades sociais sistemáticas reproduzidas como racismo no Brasil.
Entretanto, embora estejamos a mercê de tudo isso, nosso povo aprendente de luta para se tornar forte, resiste e a cada Putirum Quilombola, mesmo após o intencional “desmonte” da CFEEQ, por parte daqueles que estão no poder, seguimos na luta juntos e com isso estamos fortalecendo nossas bases, isto é, desde as crianças, jovens, homens, mulheres até nossos vovôs e vovós, idosos, professoras, professores, líderes religiosos, associações, todos engajados e contribuindo com a construção da unidade de nossa Educação Quilombola.
As anotações de campo da autora 1, dão conta que mesmo diante da falta de respeito aos processos de formação construídos nos Putiruns Quilombolas por tparte do governo municipal, os processos de autogestão das nossas comunidades nos proporcionaram continuar o curso dos caminhos para formação em Educação Escoalr Quilombola e hoje podemos dizer que os Puitruns Quilombolas são autorganizados, autogestionados. Elementos esses compreendidos nessas inferencias que se apresentam como processos de educação para democracia a partir da iniciativa do próprio povo quilombola.
Nessa rede quilombola em prol da realização dos Putiruns Quilombolas, mesmo sem a gestão municipal, isto é, a SEMEC, precisamos registrar a parceria construída com as comunidades quilombolas, a citar: Uxizal, lugar onde aconteceu o primeiro Putirum em junho de 2021 com o tema: Educação Quilombola e Educação Escolar Quilombola – Escola que temos e Escola que necessitamos. Na ocasião foram criados os CTS (coletivos de trabalho), no sentido de organização das atividades pedagógicas e tarefas, para melhor efetivação da coletividade e contribuições. Somado a esse primeiro evento, ocorreram antes de acontecer na comunidade Vila Vizânia, o segundo Putirum 2º Putirum – Identidade e Território na Comunidade Quilombola Porto Grande, o 3º Putirum – Matrizes Pedagógicas Quilombolas na Comunidade Quilombola Tambaí-Açu e o 4º Putirum na Comunidade Quilombola São José de Icatu com o tema – Resolução Municipal e criação do DMEEQ (Departamento municipal da educação escolar quilombola).
Essa metodologia de procurar realizar os Putiruns nas próprias comunidades, oportunizou o fortalecimento da organização em Rede de Quilombos. Com isso, o 5º Putirum com o tema – PPPTQ (Projeto Político Pedagógico Territorial Quilombola) ocorreu na Comunidade Quilombola Vila Vizânia, fechando o ciclo de atividades de formação em parceria com a SEMEC. Assim, os demais Putiruns seguem em autogestão e autorganização.
Ao compreender a relevância de que tudo que for desenvolvido em nossos territórios não pode ser produzido sem a nossa participação, dois dias do evento do Putirum na Comunidade Quilombola Vila Vizânia foi e é avaliado como um momento que propiciou a todos muito aprendizado. Isso se deu desde do momento dos relatos, de troca e experiências do saber, que inicia as atividades do Putirum, isto é, a troca de saberes entre crianças, adolescentes, jovens, mulheres, homens, criando e compartilhando cultura, identidade, costumes, crenças, valores, brincadeiras, educação, música, até o momento do almoço em mutirão que finaliza o evento no segundo dia.
O Putirum Quilombola construído em coletivo é assim, rico de contextualização e valorização do conhecimento quilombola, importante para o presente de luta que vivemos e o futuro de justiça social que queremos construir, sem com isso negarem nossa história, cultura, memória, saberes afro-brasileiros. Tal compreensão da importância dos Putiruns, no respeito sociocultural dos sujeitos sociais que constituem a sociedade brasileira em suas adversas relações sociais.
A cada Putirum que não se finaliza, pois a medida que vai se constituindo outros vão se desenvolvendo, continuamos fazendo educação quilombola, levando nossos saberes, nossa cultura como currículo para dentro da escola e além de seus “muros”, salas. Essa é a nossa bandeira, a nossa luta, que é todo dia e toda hora, conforme aprendemos quilombolicamente as cantigas do Movimento Social Educador para fortalecimento da nossa democracia brasileira.
PARA NÃO CONCLUIR…
Antes de encaminharmos conclusões é importante destacar a diferença entre Educação Quilombola e Educação Escolar Quilombola, isso porque a primeira é a própria vida do território como verificamos na recente tese em Educação defendida por Silva Serrão (2024) baseada na experiência dos territórios quilombolas de Mocajuba/PA. Já a segunda ainda conforme Silva Serrão (2024) trata sobre processos de lutas por direitos fundamentais garantidos desde da Constituição Federal – CF de 1988 que desencadeou a mobilização do Movimento Social Quilombola, pela demarcação de seus territórios e a permanência neles.
Como é sabido o processo de redemocratização do Brasil, configurado na publicação da CF 1988, especificamente o artigo 68 das disposições transitórias, garantiu o direito a “terra quilombola”, com isso lutar pelos direitos, sobretudo, educação tornou-se fundamental, dado o processo de racismo estrutural brasileiro resultante do escravismo instaurado desde o colonialismo. Daí a a realidade peculiar dessa luta.
Desse modo, a Educação Escolar Quilombola demanda da sociedade e dos órgãos responsáveis pela educação do nosso país uma transformação na forma de encarar o currículo das escolas quilombolas para a formação de crianças, jovens e adultos, trabalhadores rurais que carregam consigo uma história marcada por preconceito, discriminação e desigualdade social. Isso supõe que as atividades desenvolvidas fora do espaço escolar estejam integradas as atividades desenvolvidas na escola.
Portanto, faz-se necessário que escola e quilombo caminhem juntos formando um “elo de ligação” no enfrentamento da perversa realidade que marca os remanescentes de quilombo e fortalecendo a luta por garantia de uma educação de qualidade nos territórios quilombolas, construindo uma proposta pedagógica pautada no fortalecimento de nossa democracia como um valor do nosso povo brasileiro. Por isso, percebe-se que espaços de formação a exemplo dos Putiruns quilombolas se despontam como educativos para esse processo.
Diante de cenários cada vez mais favoráveis para extremismos políticosconservadores-fundamentalistas-econômicos, nos vemos diante da necessidade de fortalecimento de espaços como os Putiruns, autogestionados e auto-organizados pelo próprio povo, pois não se faz democracia sem o povo. Ousemos continuar a luta nesse sentido, para não perdermos o fio da meada da nossa história.
3Termo usado com base em Brandão (2002).
4Observa-se que os demais encontros de formação “Putiruns Quilombolas” continuaram e passaram a ser realizados apenas com as Comunidades Quilombolas com outras parcerias, sem a SEMEC (até 2024). A partir de então o Putirum se tornou um coletivo de luta pela Educação Quilombola. Assim, as inferências referentes ao – “desmonte” da CFEEQ em 2022, poderão ser verificadas na dissertação após a defesa prevista para julho 2025.
5Nomeados de acordo com a função de cada um como: Japiim (animação, música, som); Coruja (secretaria, comunicação); Xibé (alimentação); camaleão (transporte e alojamento); castanheira (atividades para crianças); Raízes (atividades para mulheres); Resistência (atividades para juventude); Liderança (atividades para lideranças); Toró de ideias (avaliação e planejamento)-pç
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1E-mail: gilberthmarisa@gmail.com
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