PRÓ-HAITI (2010): UM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA ENTENDER A RECENTE MIGRAÇÃO ESTUDANTIL DE HAITIANOS NO BRASIL

PRO-HAITI (2010): A HIGHER EDUCATION PROGRAM TO UNDERSTAND THE RECENT STUDENT MIGRATION OF HAITIANS IN BRAZIL

PRO-HAITI (2010) : UN PROGRAMME D’ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR POUR COMPRENDRE LA RÉCENTE MIGRATION DES ÉTUDIANTS HAÏTIENS AU BRÉSIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410072239


JEAN FABIEN 1


RESUMO

Este trabalho se insere numa pesquisa mais ampla e em andamento, que concerne a migração acadêmica de estudantes haitianos no Brasil, tomando por base de reflexão o Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nascida da constatação de certas lacunas na produção intelectual brasileira sobre este tipo de migração, a pesquisa em questão pretende, em geral, ser pioneira na discussão sobre a migração acadêmica e qualificada haitiana. Qual era a natureza do programa Pró-Haiti? Quais foram seus papeis nesta migração? Tentar responder estas perguntas será o foco principal deste artigo que possui um caráter introdutório a esta pesquisa. Para isso, precisa-se rever a bibliografia sobre a migração haitiana, apresentar o programa PróHaiti e trazer alguns dados coletados a partir de uma metodologia qualitativa e quantitativa assim como sua análise. Os resultados preliminares desta investigação, conduzida totalmente online, mostram que 28 dos 39 pesquisados/as moram no Brasil, 10 são doutores e 10 são mestres.

Palavraschaves: Pró-Haiti. Capes. Mobilidade estudantil. Estudantes haitianos. Migração.

ABSTRACT

This work is part of a broader and ongoing research, which concerns the academic migration of Haitian students in Brazil, taking as a basis for reflection the Pro-Haiti Emergency Program in Higher Education, financed by Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). Born from the observation of certain gaps in Brazilian intellectual production on this type of migration, the research in question intends, in general, to be a pioneer in the discussion on Haitian academic and qualified migration. What was the nature of the Pro-Haiti program? What were your roles in this migration? Trying to answer these questions will be the main focus of this article, which has an introductory nature to this research. To do this, it is necessary to review the bibliography on Haitian migration, present the Pro-Haiti program and bring some data collected from a qualitative and quantitative methodology as well as its analysis. The preliminary results of this investigation, conducted entirely online, show that 28 of the 39 respondents live in Brazil, 10 have doctorates and 10 have masters.

Keywords: Pro-Haiti. Capes. Student mobility. Haitian students. Migration.

RÉSUMÉ

Ce travail s’inscrit dans une recherche plus large et en cours, qui concerne Ia migration académique des étudiants haitiens au Brésil, en prenant comme base de réflexion le Programme d’Urgence en Enseignement Supérieur Pro-Haiti, financé par Ia Coordination pour le perfectionnement du personnel de l’enseignement supérieur (CAPES). Née du constat de certaines lacunes de Ia production intellectuelle brésilienne sur ce type de migration, Ia recherche en question se veut, de manière générale, pionnière dans Ia discussion sur Ia migration académique et qualifiée des Haitiens.nes. Quelle était Ia nature du programme Pro-Haïti ? Quels ont été ces rôles dans cette migration ? Tenter de répondre à ces questions sera l’objet principal de cet article, qui possède un caractère introductif à cette recherche. Pour ce faire, il est nécessaire de revoir Ia bibliographie sur Ia migration haitienne, de présenter le programme Pro-Haiti et d’apporter quelques données recueillies à partir d’une méthodologie qualitative et quantitative ainsi que leur analyse. Les résultats préliminaires de cette enquête, menée entièrement en ligne, montrent que 28 des 39 étudiants.es interrogés.es vivent au Brésil, IO sont titulaires d’un doctorat et IO d’une maîtrise.

Motsclés : Pro-Haïti. Capes. Mobilité étudiante. Étudiants haitiens. Migration.

INTRODUÇÃO

Nos dias 8 e IO de agosto de 2011, após ter saído do aeroporto Toussaint Louverture (Porto Príncipe) às 17h30 e feito uma escala no Panamá, um grupo de cerca de oitenta bolsistas Haitianos do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti/CAPES chegou ao Brasil desembarcando nos aeroportos internacionais Guarulhos (São Paulo), Hercilio Luz (Santa Catarina) e Sargado Filho (Porto Alegre). Neste intervalo de tempo, são, no total, oitenta e seis (86) estudantes haitianos diferentemente dos oitenta e nove (89) previstos no resultado oficial da CAPES (CAPES, 2011) -, que foram acolhidos no ensino superior brasileiro. Desde então, este programa i abriu o caminho a uma migração estudantil de Haitianos no pais. Sobre a migração por razoes acadêmicas, alguns autores empregam o conceito de migração estudantil (CARDOSO et ai., 2022; UNESCO, 2008; OCDE, 2009) para quantificar e qualificar as migrações internacionais por razoes de estudos, que envolvem estudantes internacionais em situação de mobilidade geográfica do seu pais de origem para um pais ou território de destino. Outros preferem a migração universitária, uma expressão que designa pesquisadores, científicos, professores, jornalistas, analistas etc (TERRIER, 2009; SCHOMBURG, TEICHLER, 2008). Quanto ao termo de migração acadêmica, ele é mais ampla na literatura e engloba os dois primeiros. Por isso, ao longo deste artigo vou priorizar o conceito de migração estudantil ou mobilidade estudantil: ele é mais específico e corresponde à realidade dos estudantes haitianos.

Com efeito, março de 2024 marca o início de uma pesquisa online sobre esses oitenta e nove (89) ex-bolsistas haitianos da CAPES que, em agosto de 2011,


1 Desde 2013, o programa Pró-Haiti não se restringe mais somente a trazer estudantes haitianos do Haiti para o Brasil, ele diz respeito também a todo/a haitiano/a em situação de migrante ou de refugio que deseja continua ou inicia seus estudos no Brasil.

chegaram ao Brasil no âmbito do Programa Emergencial em Educação Superior PróHaiti. Durante esta pesquisa, os dados que foram coletados sobre trinta e nove (39) dentre eles, embora parciais, são relevantes e permitem descrever e analisar uma migração acadêmica que os concerne. Trata-se, portanto, de numa pesquisa em andamento, que se refere a esta migração no Brasil, na qual se insere este artigo cujo objetivo principal aqui consiste em apresentar alguns resultados parciais que concernem esta mobilidade estudantil que acabou criando uma migração acadêmica haitiana considerável no Brasil a partir de 2011. A pesquisa nasce a partir da constatação de certas lacunas na produção intelectual brasileira relativa à migração haitiana no Brasil. É que, apesar da sua relevância, esta literatura se auto-limita em abordar outros elementos mais ou menos gerais desta migração, como a maneira de que o Brasil é idealizado como o novo EI Dorado dos Haitianos (SILVA, 2015; ALESSI, 2015), a visão xenofóbica e racista da mídia brasileira predomina (TELEMARQUE, 2012), emprego, trabalho e rejeição (GUIMARÃES, 2016; COTINGUIBA, 2015), mobilidade urbana (ARAUJO, 2015) etc., mas não aborda o tema de migração acadêmica e negligencia – para não dizer ignora – completamente alguns elementos intelectual, universitário e acadêmico que trouxe alguns Haitianos aqui no Brasil. Uma tal lacuna merece ser preenchida.

Tal é a ambição da pesquisa, ou seja, propor outras maneiras de olhar a migração haitiana, trazer outras perspectivas, enfatizar os elementos acadêmico (estudantil, intelectual e universitário) e sugerir novos elementos para refletir e discutir uma migração qualificada de Haitianos no Brasil. No entanto, antes de chegar lá, este artigo que possui um caráter introdutório a esta pesquisa pretende valorizar a dimensão estudantil acima mencionada e torná-la mais visível e compreensível, pois, há muito tempo, ela foi ocultada e invisibilizada injustamente. Portanto, ele terá por base de reflexão o Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti, pondo como problemática: qual era a natureza deste programa? Quais foram seus papeis nesta migração?

Após entender que foi um programa de mobilidade estudantil concebido, especificamente, para os estudantes haitianos num contexto social, político, econômico, ambiental, humanitário muito particular, que deu luz a uma migração acadêmica haitiana no Brasil, mostrarei que ele representa as primícias desta migração. Desse modo, o artigo propõe uma revisão da literatura sobre a migração haitiana, uma apresentação do programa Pró-Haiti e uma descrição e análise dos dados coletados a partir de uma metodologia qualitativa e quantitativa. Os resultados preliminares desta investigação, conduzida totalmente online, mostram que 28 dos 39 pesquisados/as moram no Brasil, IO são doutores e IO são mestres.

Assim, a primeira parte do artigo possuirá um caráter teórico, cujo objetivo é ressaltar e entender as lacunas a partir desta breve revisão bibliográfica sobre a migração haitiana no Brasil, a segunda será consagrada à explicitar e descrever os métodos de coleta de dados, a terceira se articulará em torno de uma análise histórica do programa assim como os dados quantitativos e qualitativos. Por fim, na quarta, conclui-se com a análise de alguns resultados parciais da investigação conduzida exclusivamente online com trinta e nove (39) dentre os oitenta e nove (89) exestudantes haitianos que o programa Pró-Haiti trouxe aqui no Brasil. Tais resultados preliminares revelam que, apesar de serem espalhados em vários países (Estados Unidos, República Dominicana, Canadá…), a maioria deles mora, estuda e trabalha no Brasil, 20 já possuem pós-graduação concluída, sendo IO de doutorado e IO de mestrado, alguns se tornaram professores universitários enquanto que outros estão prestes a concluir seu doutorado ou mestrado, enfim, apenas uma minoria possui graduação completa.

BREVE REVISÃO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILERIA SOBRE O FENÓMENO MIGRATÓRIO HAITIANO NO BRASIL.

Do ponto de vista histórico, a presença de Haitianos no Brasil foi observada desde 1940, embora em menor quantidade. E, como atesta o quadro a seguir, a imigração haitiana para o Brasil começou muito antes de 2010, embora de maneira muito tímida, lenta e despercebida.

Fonte: Quadro elaborado pelo autor a partir dos dados tirados do IBGE. (IBGE apud HANDERSON, 2015, p. 11-16).

Apesar desta presença tão cedo, 2010 foi considerado o ano do grande apogeu do fenômeno migratório haitiano no Brasil (HANDERSON, 2015; BAENINGER e PERES, 2017; BARBOSA e BERNARDO, 2017; SOUZA e BORTOLOTTO, 2016). Com efeito, este ano chamou atenção por causa da quantidade volumosa de migrantes que entraram no território brasileiro, vendo de três fronteiras principais: BrasilColômbia-Peru, pelo fato de que esta migração abriu o caminho para um crescimento exponencial da comunidade haitiana na sociedade brasileira (ACNUR, 2023), novos questionamentos sobre o Estado-nação e a identidade nacional (CABESTAN, 2015, BRASIL e CABECINHAS, 2014), um repensamento das políticas públicas migratórias (BRASIL, 2017), um reposicionamento dos migrantes no mercado de trabalho, desafiando as diferenças e diversidades culturais (CAVALCANTI et al., 2015). Os Haitianos se destacam neste universo passando de 40.000 (entre 2011 e 2013) a 60 e 65 mil (em 2015) e, segundo os recentes dados da ACNUR, cerca de 161 000 Haitianos/as vivem atualmente no Brasil (ACNUR, 2023). Assim, o ano de 2010 trouxe novas questões estatística, demográfica e política relevantes na análise da migração haitiana no Brasil. Na visão global, sendo um pouco reduccionista, tende-se a sustentar que o êxodo massivo dos Haitianos resulta, além dos problemas estruturais e infraestruturais, das instabilidades políticas crônicas, das violências sociais intermináveis, do terremoto de 12 de janeiro de 2010, que veio piorar as situações sociais e econômicas já precárias e obrigou milhares de Haitianos a sair do pais para buscar uma vida social e econômica melhor no exterior (DA SILVA e LIMA, 2016, p. 172-174). Portanto, eles são farol de uma migração que interessa não somente do ponto de vista estatístico e demográfico, mas, sobretudo, do ponto de vista histórico.

Na abordagem histórica é mobilizada uma série de conceitos como diáspora, mobilidade, circularidade e transnacionalidade humana, para apresentar o Haiti como terra de emigração e enfatizar a questão da presença da diáspora haitiana através do mundo (HANDERSON, 2015). A migração internacional haitiana no mundo contemporâneo pode ser entendida a partir de duas grandes fases históricas não excludentes: durante a ocupação norte-americana e depois desta ocupação (HANDERSON, 2015, p. 8-11).

Com efeito, na primeira fase, encontra-se o primeiro fluxo migratório que nasceu no contexto da ocupação militar simultânea do Haiti (1915-1934) e da República Dominicana (1912-1924) pelos Estados Unidos, durante a qual Cuba e República Dominicana se tornaram os principais destinos dos Haitianos graças ao crescimento das indústrias estadunidenses no Caribe, principalmente, em Cuba e na República Dominicana, e à escassez de mão de obra em ambos os países. Assim, em Cuba a população haitiana já atingiu em 1944 80.000 pessoas, enquanto que os censos dominicanos apontam 52.657 (Idem, 2015, p. IO).

A segunda fase – mais longa e crítica que a primeira -, começou com o governo Elie Lescot (1941-1946), deu continuidade ao primeiro fluxo e foi intensificado, de um lado, quando as elites (intelectual, política e econômica) haitianas preferiram as universidades americanas em lugar das universidades haitianas para os estudos dos seus filhos, pois o inglês se tornou obrigatório nas escolas; quando a ditadura dos Duvalier desencadeou, nos anos sessenta, o fenômeno de fuga de cérebros, do outro lado. Os Haitianos foram, principalmente, para a França, onde a população haitiana passa de 100 pessoas em 1960 (BASTIDE, MORIN e RAVEAU, 1974, p. 10-13) para 20.000 em 1990 (DELACHET-GUILLON, 1996, p. 65,66). Foi o ponto de partida de um outro fenômeno chamado boat people que, na metade de 1990, tomou uma proporção descontroladora no Haiti e foi uma das consequências do golpe de Estado sofrido pelo governo de Jean-Bertrand Aristide. Neste terceiro fluxo encontram-se refugiados políticos e imigrantes econômicos num total de 100 000 Haitianos espalhados nos países como Cuba, Estados Unidos, Republica Dominicana,

Guiana francesa, Bahamas, Guadalupe etc. Por fim, como acabamos de ver, o ano de 2010 assinalou-se, até agora, o último fluxo migratório dos Haitianos através do mundo no contexto pós-ocupação. E o Brasil se destaca como terra de destino num momento, espaço de trânsito num outro, para atingir Canadá ou Estados Unidos (AUDEBERT, 2012).

No geral, a produção intelectual brasileira sobre a migração haitiana discute quatro temas: atividade laboral, capacidade linguística, percursos migratórios e remessas internacionais que participam fortemente da vida econômica das famílias.

Em primeiro lugar, os Haitianos são definidos pelas suas atividades fisicolaborais e, nestas, eles são designados como a maior força trabalhadora imigrante que nunca existiu no Brasil, a mais importante no mercado de trabalho formal ou informal brasileiro (CAVALCANTI e TONHATI, 2017, p. 1-4). No Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), os Haitianos não são apenas o principal grupo imigrante cujo número aumenta de maneira exponencial passando de 825 a 30.484 de 2011 a 2014, mas representam sobretudo a taxa de crescimento anual mais espetacular da história dos trabalhadores imigrantes no Brasil: 406,50% em 2012, 255,98% em 2013 e 107,44% em 2014 (CAVALCANTI et al., 2015). Também, a inserção social no mercado de trabalho brasileiro (NETO e SIMÕES, 2022), é um dos elementos que faz deles a força de trabalho particularmente apreciada por ter contribuído à redinamização e à recuperação do volume dos trabalhadores imigrantes na economia formal brasileira a partir de 2017 e, em 2018, eles atingiram 52,6% do volume dos trabalhadores imigrantes na América Latina (CAVALCANTI et al., 2015). É um dos temas mais recorrente, conhecido e discutido na literatura.

O segundo tema que serve para falar da migração haitiana no Brasil é a língua ou obstáculos linguísticos. Elemento referencial de integração social, a língua foi para os Haitianos um grande obstáculo na sua facilitação comunicativa e interação social com os/as nacionais na sociedade brasileira (BARBOSA e BERNARDO, 2017). Por isso, a aprendizagem do português não deixou de ser menos importante no seu processo de acolhimento e de inclusão social no Brasil, pois ela se tornou imprescindível para preencher as lacunas linguísticas e cumprir as necessidades econômicas. As dificuldades linguísticas dos Haitianos no Brasil – sobretudo nos primeiros momentos logo após sua chegada – se explicam pelo fato de que eles vêm de um contexto problemático no seu pais de origem e encontram uma sociedade brasileira absolutamente despreparada para lidar com este tipo de situação: trata-se de lidar com uma migração de crise em ambos os lados (BAENINGER e PERES, 2017).

No que concerne as trajetórias e os percursos dos migrantes haitianos, isto é o terceiro conceito recorrente que se destaca. Nos estudos assim como nas mídias brasileiras, os Haitianos são apresentados como “estranhos” ou roubadores de empregos, que entraram no Brasil de forma irregular ou de modo indocumentado, ou seja, sem visto. Ademais, a descrição sociodemográfica é sempre a mesma: perfil socioeconómico (desempregado), situação sociojurídica (visto humanitário), situação acadêmica (analfabeto ou ensino médio incompleto). Nesta perspectiva, o Brasil é tanto um espaço transitório, tanto um pais de acolhimento, tanto um pais de destino, e, no final, a migração haitiana coloca o pais na rota das migrações transnacionais (GUARNIZO, HALLER e PORTES, 2003).

A quarta e ultima expressão usada quando se fala da migração haitiana se relaciona com a questão das remessas internacionais (FLEURIMA, 2021; BANQUE MONDIALE, 2014). Hoje, os Haitianos representam um dos maiores grupos de migrantes na América Latina que, pelo envio de remessas internacionais via Western Union, MoneyGram, sustentam financeira e economicamente sua família deixada na terra natal conservando e reforçando assim os laços sociais e familiares. As remessas da diáspora haitiana representam 25% do PIB do Haiti em 2015 (AUGUSTIN e PROPHÈTE, 2019) e são utilizadas para consumo familiar, moradia, investimento econômico, educação. Este último elemento é reforçado pelo caráter humanitário que toma esta migração (FERNANDES e FARIA, 2017) através da conceição de visto humanitário aos Haitianos tanto por causa de catástrofes naturais e ambientais quanto por causa de graves violações dos direitos humanos no país.

Todas essas abordagens são, com certeza, um passo para a compreensão da migração haitiana no Brasil, mas, infelizmente, elas escondem por trás uma construção ideológica preconceituosa, discriminatória e racista da mesma, que se caracteriza pela criação de um ser haitiano protótipo: os Haitianos são uma mão de obra desqualificada, “desesperada” , barata, faminta, incapacitada, que aceita trabalhos precários (RISSON, MAGRO e LAJÚS, 2017), a fim de sobreviver. Além disso, parece que trata-se de uma categoria de migrantes que, nos olhos dos/as brasileiros/as, está a busca de ajuda humanitária e de piedade. Porém precisa-se entender que todos os Haitianos não chegaram ao Brasil só com o objetivo de trabalhar dura e incansavelmente – até sangrar – para se manter aqui e sustentar sua família no Haiti pelo envio regular de remessas, mesmo que seu trabalho não esteja correspondendo a sua formação acadêmica, eles vêm também para estudar.

Por outro lado, apesar da sua relevância, a maior parte da literatura brasileira apresenta uma imagem degradante dos Haitianos fazendo-os passar por pessoas necessitadas que chegaram ao Brasil só para trabalhar como mão de obra barata. Como se o trabalho fosse o único motivo capaz de explicar a migração haitiana no Brasil. Porém, além de sofrerem diversas estigmatizações (DIEHL, 2017), explorações sociais da sua força de trabalho por inúmeras razões: língua, cor da pele, vulnerabilidade, raça, origem social etc., os Haitianos demonstram que são muito resilientes e capazes de se adaptarem a uma cultura diferente, a um ambiente de estudo ou de trabalho dificil, superando racismo, preconceitos, exploração, humilhação etc.

Quando na construção literária a migração haitiana é vista simplesmente como uma migração de trabalho enfatizando apenas o elemento econômico, no sentido de que apenas as necessidades sociais e econômicas parecem motivá-los, trata-se de uma abordagem que não somente ignora o potencial cultural e as competências profissionais que os Haitianos representam, mas sobretudo, desvaloriza suas capacidades intelectuais e sua formação acadêmica. Trata-se, portanto, na visão global da migração haitiana no Brasil, uma ocultação do seu percurso acadêmico e universitário, sejam eles capazes de comprová-lo ou não. Por fim, o último problema destas abordagens, é que elas colocam demais a ênfase nos aspectos humanitário, econômico e político, impossibilitam ver os migrantes haitianos no campo acadêmico.

E verdade que os Haitianos imigram por razoes acadêmicas na Republica Dominicana, na França, no Canada e nos Estados Unidos de maneira bem individualizada, mas não em grupo coletivo como isso aconteceu em 2011 no âmbito do programa Pró-Haiti. É o que faz toda a particularidade deste programa. Neste artigo, analisá-lo deve nos ajudar não somente a enxergar e entender a faceta universitária e acadêmica da migração haitiana no Brasil, mas, sobretudo a colocar em xeque a percepção tradicionalista mostrando que, através dele, a migração haitiana possui uma dimensão altamente acadêmica.

ELEMENTOS METODOLÓGICOS

Aqui, será descrito como os dados (quantitativos e qualitativos) foram coletados sobre os estudantes haitianos, que fizeram parte do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti, um programa de mobilidade estudantil e de intercâmbio na modalidade de graduação sanduíche com o financiamento da CAPES. A pesquisa é constituída de uma combinação de metodologias: observação dos sujeitos de pesquisa via Facebook, bate-papos via Google Meet ou entrevistas informais e amigáveis no sentido de muitos autores (BURGESS, 1984; KVALE, 1996; PATTON, 1980; RUBIN y RUBIN, 1995; SIMONS, 1981 apud SIMONS, 2011, p. 65), a fim de estabelecer uma relação de confiança entre eu (pesquisador) e eles/elas (pesquisados/as), entrevistas semi-estruturadas via Zoom. Para atingir uma quantidade maior de estudantes, foi criado um questionário online via Google forms [1], Assim, partindo da observação do comportamento dos estudantes haitianos nas redes sociais até a realização das entrevistas semi-estruturadas, todas as etapas da pesquisa foram desenvolvidas totalmente online.

1. Observação e técnicas de aproximação

A primeira etapa começou com a busca na rede social, Facebook, dos contatos e nomes dos estudantes haitianos, tomando por alvo principalmente os que estudaram comigo na Universidades Estadual de Campinas (UNICAMP) e com quem eu já tinha construido um elo de amizade neste lugar e nesta rede social. A ideia era observar seu uso, sua frequência de conexão e suas atividades como curtir, comentar, publicar etc. Esta observação preliminar e informal – sem contato fisico – neste espaço virtual chamado Facebook de um determinado grupo como objeto de pesquisa, permite descobrir seus gostos e suas atividades e ajudou a entender seu comportamento nas redes sociais. Este método de observação se inspira da observação informal num ambiente fisico de Helen Simons (2011). Segundo a autora, a observação informal se dá, geralmente, através dos gestos corporais e consiste em uma estratégia de interpretar o ethos e, se for necessário, interpretar mais tarde o significado dos dados (SIMONS, 2011, p. 78,79). Só que no contexto de ambiente virtual, os gestos corporais podem ser substituídos por frequência de conexão, mensagens interativas e instantâneas, atividades virtuais (curtir, publicar, comentar, compartilhar…), e entendidos como tais. Assim, acredita-se que é possível aplicar este método de observação num ambiente virtual

A observação preliminar permitiu, em poucos dias, o rastreamento e a localização de quinze (15) estudantes. Este número ia se aumentando gradativamente. Trata-se, por enquanto, de uma amostra intencional e demonstrativa, no sentido de que tendia a ressaltar e revelar, quantitativa e provisoriamente, a presença, as atividades e o comportamento dos ex-bolsistas de Pró-Haiti no Facebook, a partir das ações mais elementares como curtir uma página, publicar uma foto, comentar um artigo, compartilhar um vídeo etc. O que foi descoberto nesta observação, é a dinâmica e a regularidade com as quais os/as estudantes localizados/as usavam esta rede social. Isto foi uma vantagem para a pesquisa, na medida em que facilitou o contato e a aproximação. Assim, no fim do mês de março, resolvi começar os primeiros contatos com eles usando as frases de saudação tradicionais: Oi, bom dia, como vai? / Olá, bom dia, tudo bem? “… Através do recebimento e da natureza da resposta (instantânea, rápida, demorada…), do tipo de interação (somente responder, responder devolvendo a pergunta, responder acrescentando algo…), da forma de linguagem utilizada na mensagem (emojis, expressão escrita ou oral, frase completa, frase abreviada, frase incompleta…), eu podia concluir se sim ou não a pessoa estava interessada, disponível e disposta a conversar comigo. Portanto, dois elementos eram cruciais para determinar se sim ou não um bate-papo era viável com a pessoa: primeiro, a relação entre o tempo da primeira mensagem e o da resposta recebida observando o último momento (dia e hora) em que a pessoa estava conectada online. Felizmente Facebook permite ver esta funcionalidade. Segundo, a disponibilidade, a disposição e a constância dela para ter uma conversa objetiva, pragmática, dinâmica, interativa e instantânea comigo.

As conversas com eles começaram a acontecer de maneira exclusivamente  antes de continuar também no Whatsapp. Resolvi https://docs.google.com/forms/d/1VxyL84trcWWzUfED6NRZB-6HJNDjpQm08y1YovuDPU/edit.

fazê-las tentando uma abordagem natural e normal, pois nesta fase preliminar o objetivo principal é mapear, localizar, encontrar e quantificar – na medida possível, em total ou em parte – os oitenta e nove (89) estudantes haitianos que, após terem chegado ao Brasil em 2011 no âmbito do programa Pró-Haiti para estudar, se encontram agora muito dispersados dentro e fora do Brasil. As trocas de mensagens simples, amigáveis e de saudações com eles – sem ainda falar de pesquisa – foram uma grande satisfação. Nesses primeiros momentos, eu consigui aproximar-me deles e informar-me sobre sua vida social, sua família, seu trabalho etc., criando ou recriando um elo de confiança e de amizade, elemento importante na pesquisa qualitativa (SIMONS, 2011; BOTT, 1976). Até o momento de publicar este artigo, no total, conversei com trinta e nove (39) ex-bolsistas haitianos de Pró-Haiti via Facebook e Facebook Messenger (25), Whatsapp (12) e Linkedln (2), como ilustra o Gráfico 1 abaixo.

Para conseguir reunir este número que representa 43,82 % dos oitenta e nove (89) que foram aprovados no programa, utilizei o método de redes no sentido que Barnes (1987) entende este conceito, ou seja, um instrumento metodológico para compreender as relações e interaçöes entre indivíduos. Três elementos, segundo o autor, definem uma rede: interação entre indivíduos, troca de mercadorias e fluxo de informações, portanto uma rede permite a conexão e a interconexão entre as pessoas mesmo que estas não compartilhem os mesmos interesses (BARNES, 1987, p. 264266). Para Ana Lucia Enne (2012), que retoma a ideia de redes sociais totais e redes sociais parciais de Barnes, uma rede coloca em relação uma constelação de contatos chamados Alfa e uma outra designada como Beta. Ou seja, a relação direta entre os indivíduos faz destes as estrelas de uma ordem de primeira grandeza (Alfa), porém, aqueles com quem Alfa não consegue se conectar diretamente, mas estão ligados a ela indiretamente por intermediário de um agente (Beta), pertencem então a uma ordem de segunda grandeza (ENNE, 2012, p. 265). Nesse sentido, nossa rede era constituída por estudantes haitianos com quem entrei em contato diretamente pela enésima vez porque, eles e eu, estudávamos na mesma universidade – sendo designados como Alfa – e outros estudantes haitianos que estes conhecem e que, após solicitação, me conectaram com eles, eles são designados como Beta, na medida em que os conheci de maneira indireta. Assim, indo na mesma lógica de Ana Lucia Enne (2012), a maior parte dos trinta e nove de estudantes haitianos com quem eu conversei pertencia ao meu repertório pessoal de contatos (origem direta), enquanto os outros originam-se de repertórios externos mais abrangentes de outros contatos daqueles que eu mesmo conhecia (origem indireta). Conseguir este número não era uma tarefa fácil, eu precisava de muita paciência e insistência.

Os ex-bolsistas haitianos de Pró-Haiti que eu pesquisei pertencem a três universidades públicas: vinte e seis (26) estudaram[2] na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), doze (12) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e um (1) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) (Gráfico 2). Em termo de gênero e idade, este primeiro trabalho de mapeamento e localização permitiu restabelecer contato com trinta e três (33) pessoas de sexo masculino e seis (6) de sexo feminino, e a maioria tem entre 31 e 41 anos (Gráfico 3).

2 Solicitação e realização dos bate-papos

A segunda etapa da pesquisa começou com a solicitação dos bates-pap0[3] e terminou com a realização dos mesmos. O objetivo, desta vez, era falar da pesquisa que estou conduzindo, explicar-lhes as metas e finalidades desta, esclarecer as dúvidas, convencê-los da relevância e utilidade da pesquisa, por fim, convidá-los a conceder-me uma entrevista semi-estruturada ou, se preferirem, a preencher o questionário online 5. Eu procurava também, a partir dos bate-papos, não apenas reconectar-me e familiarizar-me com os estudantes haitianos, cujos alguns eram meus camaradas na Unicamp, mas também reforçar com eles os elos de amizade e garantir que eles estejam cientes de que se tornam agora meu objeto de pesquisa e que meu interesse pelo programa, do qual eu mesmo fazia parte, se inscreve numa abordagem analítica e crítica. Nesta fase, como ilustra o Gráfico 4, trinta bate-papos foram solicitados, mas somente dezenove (19) foram realizados na plataforma virtual Google Meet, quatro (4) foram recusados e, até o momento da publicação deste artigo, sete (7) solicitações de bate-papos estão no aguardo de uma resposta.

Se o objetivo principal dos bate-papos era convencer os alunos haitianos a conceder-me uma entrevista, o objetivo secundário consistia em chamá-los a ser parte integral desta pesquisa, portanto há uma relação intrincada entre bate-papo e entrevista. Com efeito, foi perguntado a todos os estudantes haitianos que participaram dos bate-papos se eles aceitariam ser entrevistados. A resposta foi direta, franca, rápida, positiva e unânime. No entanto, existe um caso único de um deles com quem o bate-papo foi um sucesso como com todos os outros, mas depois desistiu de dar a entrevista. Desde esta desistência, sumiu e nunca deu retorno apesar de vários recados que eu lhe mandei por Whatsapp. Por isso, dezenove (19) bate-papos conduziram à realização de dezoito (18) entrevistas (18/19). O que abriu caminho para a terceira etapa: realização das entrevistas semi-estruturadas. Após terem sido solicitadas durante os bate-papos, as entrevistas foram agendadas depois por Whatsapp.

3 As entrevistas semi-estruturadas

A terceira etapa da pesquisa se caracteriza pela realização das entrevistas semi-estruturadas via plataforma Zoom[4]. Consegui atingir vinte e cinco (25) exestudantes haitianos que, durante as entrevistas, partilharam sua experiência, sua trajetória, sua satisfação assim como as dificuldades enfrentadas e as estratégias utilizadas para contorná-las. Enquanto que quatro (4) recusaram minha oferta, seis (6) não responderam ainda minha solicitação de entrevista, quatro (4) preferiram responder o questionário online ao invés de aceitar ser entrevistados (Gráfico 5).

É importante sublinhar que sete (7) estudantes aceitaram ser entrevistados diretamente sem passar pelo bate-papo, o que tornou esta fase desnecessária para eles[5]. A cada pesquisado/a eu dei um pseudônimo, a fim de preservar sua identidade e de respeitar seus direitos de ficar anônimos. Trata-se de entrevistas semi-estruturadas dividas em três partes: antes, durante e depois do programa Pró-Haiti. Com efeito na primeira parte, os estudantes contaram como era sua situação socioeconômica, profissional, acadêmica antes de conhecer o programa para concluir sobre como eles o descobriram. Na segunda parte, eles relataram suas açöes, estratégias e iniciativas durante o desenrolamento do programa no Haiti para inscrever-se nele: do conhecimento até a convocação passando por inscrição, entrega de documentação etc. Por fim, na terceira parte, eles falaram sobre sua nova vida acadêmica no Brasil, ou seja, da acolhida pelas universidades respectivas até o inicio das atividades acadêmicas, que começaram pelo curso de português até seu desempenho nas disciplinas optativas como alunos especiais passando, com certeza, pelo processo de sua instalação, sua acomodação, sua inscrição, sua matricula, sua adaptação etc. As entrevistas têm uma duração superior a noventa minutos. Além das perguntas preparadas por causa do objetivo da pesquisa, outras surgiram durante as entrevistas e foram abordados: os estudantes tiveram tempo suficiente para falar. Nas ciências sociais, a entrevista constitui um momento importante de expressão oral durante a qual o/a pesquisado/a agarra a oportunidade de falar de si mesmo e, às vezes, de tudo que passa pela cabeça, sobretudo quando se tratar de entrevistas semi ou não estruturadas. Ele/ela aproveita para falar de vida, experiência, percurso, trajetória, felicidade, raiva, satisfação, decepção etc.

Por fim, o método de aplicação de questionário online foi pensado a fim de compensar as entrevistas não realizadas, de atingir um numero maior de estudantes, principalmente aqueles cujo contacto era dificil. Acessível via Google forms, este questionário ficará disponível até dezembro de 2024, a fim de reunir uma quantidade cada vez maior de dados sobre os estudantes do programa. Nesse sentido, os resultados apresentados aqui permanecem provisórios e não conclusivos.

ANÁLISE HISTÓRICA DO PROGRAMA EMERGENCIAL EM EDUCAÇÃO SUPERIOR PRÓ-HAITI: DA CRIAÇÃO ATÉ A IMPLEMENTAÇÃO PASSANDO PELA CONVOCAÇÃO DOS BOLSISTAS.

1. Origem, contexto e natureza do Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti

Instituído e administrado pela CAPES em 2010 em virtude da Portaria no 92 de 28/04/2010, o Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti teve por objetivo principal de contribuir à reconstrução do Haiti e à reestruturação das suas instituições de ensino superior severamente afetadas pela catástrofe natural de 12 de janeiro de 2010 (CAPES, 2010a, p. 3). Os impactos desse terremot0 [6] – visíveis e palpáveis ainda hoje – foram dramáticos e catastróficos para toda estrutura do ensino superior haitiano. Por um lado, em nível público, oito (8) das onze (11) unidades de I ‘Université d’Etat d’Haïti (UEH) [7] foram completamente destruídas e suas estruturas irrecuperáveis. Apenas três (3) delas, a saber, Faculdade de Odontologia, Faculdade de Etnologia e Instituto Haitiano dos Estudos e Pesquisas Africanos que, apesar das severas marcas de fissuras nas paredes, podiam ser, provisoriamente, reutilizadas aguardando as reformas cabíveis. Em termos de vida humana, 20 professores, 200 alunos e dois (2) técnicos administrativos da UEH foram mortos.

Por outro lado, as universidades privadas não foram também poupadas por este cataclismo que abalou o país, principalmente, a capital Porto Príncipe e suas regiões metropolitanas, onde se concentra a maior parte da infraestrutura universitária. Foi o caso da universidade chamada Groupe Olivier et Collaborateurs (GOC), onde houve 107 mortos, entre os quais 4 professores e 3 técnicos administrativos, enquanto que na Universidade Autônoma de Porto Príncipe foram encontrados 700 corpos de alunos sem vida, 4 professores e 3 membros da administração mortos. Por fim, a renomada universidade Quisqueya faz parte das raras universidades privadas que não sofreram muito desse desastre, no entanto, seu prédio conteve severos danos que precisavam ser reformados (LE MATIN, 2010).

Após esta tragédia, era dificil – até impossível – que a UEH continuasse a assumir sua principal missão: a de formar recursos humanos altamente qualificados. Ela necessitava de ajuda em todos os níveis: estrutural, técnico, administrativo, estudantil, professoral etc. As iniciativas e os esforços internos de cada unidade para retomar as atividades eram insuficientes, pois não se tratava apenas de realojar centenas de estudantes e de reconstruir as unidades de ensino, mas, sobretudo, de formar novas gerações de intelectuais, renovar e substituir os recursos humanos qualificados falecidos. Foi neste contexto que muitos países estrangeiros, inclusive o Brasil, propuseram-se a ajudar o ensino superior haitiano a se levantar e sair desta situação infernal e trágica, concedendo bolsas de estudos aos estudantes haitianos. No caso do Brasil, foi prevista uma quantidade de quinhentas (500) bolsas de estudo na modalidade de graduação-sanduíche e de intercâmbio com duração de 18 meses, sendo seis meses de curso de português e 12 meses de disciplinas optativas a serem cursadas numa Instituição de Ensino Superior Brasileira (IESB), conforme o manual do bolsista (CAPES, 2010a, p. 4; 2010b, p. 1). O programa era executado pela Diretoria de Relações Internacionais (DRI) da Capes. A iniciativa do Brasil de ajudar o Haiti no domínio acadêmico originou-se de um documento chamado Memorando, assinado entre Brasil e Haiti, cujo um extrato do seu conteúdo se lê assim:

Memorando de Entendimento entre o governo brasileiro e o governo da República do Haiti para a reconstrução, o fortalecimento e a recomposição do Sistema de Educação Superior do Haiti, assinado em 25 de fevereiro de 2010 (CAPES, 2010a, p. 1).

Do ponto de vista histórico, em matéria de educação, ciência e tecnologia, Brasil e Haiti assinaram, em 1982, um instrumento jurídico chamado Acordo Básico de Cooperação Técnica e Científica. Este acordo facilita as relações bilaterais entre os dois países em matéria de educação superior (VALLER FILHO, 2007). Este Acordo entrou em vigor ou começou a se materializar apenas em novembro de 2004, num contexto altamente diplomático e político entre Brasil e Haiti, dominado pela liderança brasileira da missão militar de ocupação onusiana (SEGUY, 2014; SETEINFUS, 2010), a Minustah, ou seja, Missão Internacional das Nações Unidas para a Estabilidade no Haiti. Antes de 2004, era difícil encontrar os traços do Brasil na prática de conceder bolsas de estudos aos estudantes haitianos. O que o diferenciava muito dos países como França, Cuba, Estados Unidos e Canadá, que possuem uma forte influência no campo universitário haitiano, tal presença se caracteriza principalmente pela prática de concessão anual de bolsas de estudos aos estudantes haitianos em diferentes níveis (graduação, pós-graduação, especialização…). Portanto, a entrada do Brasil neste cenário foi nova e inovadora, rompeu com a tradição de migração acadêmica Sul-Norte, iniciou uma nova onda de relações acadêmicas Sul-Sul, permitiu a aquisição de um novo idioma: o português, a conexão com outra cultura etc. Assim, é na base deste velho Acordo de 1982 e do Memorando de 2010 que o Programa Emergencial em Ensino Superior Pró-Haiti encontrou suas raízes de execução. Estes documentos não somente celebram as relações diplomáticas, legais e bilaterais entre a República Federativa do Brasil e o Estado do Haiti em matéria de ciência, pesquisa e tecnologia, mas permitiram também a operacionalização das bolsas no Haiti.

Como está estipulado na Portaria 92 da Capes – modificado pela Portaria 171 de 2012 -, o Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti se articula em torno de cinco modalidades: apoio a projeto de diagnóstico de pesquisador, bolsas de graduação-sanduíche, apoio à reestruturação da Universidade, PEC-PG especial e apoio aos cursos de português para estrangeiros (CAPES, 2010a, p. 3-5). Com efeito, a primeira modalidade objetivou diagnosticar o ensino superior das universidades em Porto Príncipe, enquanto que a concessão de bolsas de graduação-sanduíche, a segunda, foi descrita da maneira seguinte:

trata-se de bolsas de estudos em universidades brasileiras para os estudantes das instituições de ensino superior de Porto Príncipe. As IES oferecerão vagas por adesão com base em cartas convites a serem remetidas às mesmas instituições que participam do (PECO, coordenado pela Secretaria de Educação Superior (SESU) do Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE). Será dada prioridade às áreas e cursos definidos pelo relatório diagnóstico (CAPES, 2010a,

Se a terceira tinha por finalidade de enviar professores e pesquisadores brasileiros ao Haiti, a fim de cobrir a falta de professores no ensino superior haitiano, a quarta consistia em conceder bolsas de mestrado ou doutorado aos estudantes haitianos. Por fim, a quinta e ultima modalidade era destinada à aprendizagem da língua portuguesa. Se a concretização da primeira e da terceira modalidade permanece duvidosa até hoje, não está muito clara também nos instrumentos a definição do conceito de “graduaçãosanduíche”. O que isso significa realmente?

Entende-se por graduação sanduíche, um tipo de programa no qual os estudantes que estão fazendo faculdade têm a chance de passar um tempo – de seis meses a um ano – estudando no exterior. Trata-se de um intercâmbio para alunos de graduação, o que oferece uma excelente oportunidade de expandir os conhecimentos, networking, aprender uma nova língua e vivenciar outra cultura10. Em síntese, é preciso que já tenha cursado uma parte do curso e que volte à instituição de origem para concluir o curso”.

No caso do Haiti, trata-se portanto da possibilidade que possui um aluno, regularmente inscrito numa universidade haitiana, de prosseguir seus estudos numa universidade brasileira por um período curto. Excepcionalmente, a graduaçãosanduíche para os Haitianos era prevista para um período de dezoito (18) meses. Haiti foi tratado de maneira especial não somente pelo caráter emergencial da situação causada pela amplitude da catástrofe de 12 de janeiro, mas sobretudo, pelo fato de que como pais não lusófono os seis primeiros meses foram reservados à aprendizagem da língua portuguesa. De maneira geral, a graduação-sanduíche representa uma forma de internacionalização universitária que vem se consolidando no Brasil a partir dos anos 2011 com forte presença do Governo Federal (KNOBEL et al., 2020, p. 4-6). É claro que este período coincide à vinda do grupo de oitenta e nove (89) bolsistas haitianos da CAPES no Brasil

Em resumo, programa de intercâmbio pelas suas características de curto prazo, de mobilidade estudantil pelo deslocamento de estudantes nativos/as do Haiti para universidades no Brasil, Pró-Haiti ofereceu aos bolsistas haitianos selecionados os seguintes benefícios: passagem aérea (ida e volta), auxilio instalação no valor de 500 reais (pago em uma única parcela) e bolsa mensal no valor de 750 reais 12. Como tal, uma das principais condições que o regeu, segundo o manual do bolsista, era a de regressar ao pais de origem após o encerramento do curso de graduação-sanduíche (CAPES, 2010b, p. 2, 4). O Pró-Haiti representa também para muitos haitianos um espaço de grande oportunidade de estudar numa universidade estrangeira na esperança de obter um diploma universitário internacional. Agora, vemos como foi a divulgação desse programa no Haiti.


  1. Definição oriunda de: https://blog.uceff.edu.br/o-que-e-graduacao-sanduiche/. Ultimo acesso em 07/09/2024.
  2. Definição oriunda de: https://faculdade.grancursosonline.com.br/blog/graduacao sanduiche/ # : — Gradua%C3 %A309620sandu%C396ADche 20basicamente%2C%20um,origem9620para%20concluir96200%20curso. Ultimo acesso em 07/09/2024. Para ter mais conhecimento sobre o assunto, esses sites acima podem ser consultados:
  3. Este valor passou a ser de 830 reais a partir de 2012.

A portaria que criou oficialmente o Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti foi lançada e publicada no DOU no fim de abril de 2010 (CAPES, 2010a, p. 2). Porém, sua divulgação chegou ao Haiti só a partir de outubro de 2010: é o mês em que as atividades acadêmicas começam no pais. A maioria dos estudantes haitianos entrevistados levantou graves problemas de divulgação deste programa no meio social, midiático e acadêmico haitiano. Eles acrescentam também falta de comunicação, informações duvidosas ou falsas, atrasos nas convocações, seleção acelerada etc. A pergunta então é: como eles foram informados do programa Pró-Haiti se a divulgação era tão problemática? Embora cada um tenha possuído sua própria fonte de informação, mas partindo da lógica segundo a qual a Embaixada brasileira no Haiti é o principal órgão de divulgação e promoção dos programas culturais e educacionais no pais através do Centro Cultural Brasil-Haiti (Celso Ortega Terra) 13 baseando-se no principio de cooperação bilateral e nas relações Sul-Sul, considerando a hipótese segundo a qual ela trabalha em colaboração com as instituições governamentais, principalmente, o Ministério da Educação Nacional e da Formação Profissional (MENFP), os estudantes haitianos têm descoberto este programa através destes canais oficiais de comunicação.

No entanto, os/as pesquisados/as, principalmente os/as entrevistados/as que, neste contexto, são divididos em quatro grupos, ressaltam fontes de informação paralelas. Com efeito, o primeiro grupo – o maior – é formado por estudantes que afirmaram ter recebido a notícia do programa Pró-Haiti por intermédio de amigos, colegas estudantes, parentes, terceiros, pessoas interpostas etc. O relato do primeiro dentre eles, Lanke, 35 anos, psicopedagogo, mora em Santo Domingo, capital da República Domina, pode se ler assim:

Fiquei sabendo do programa graças ao meu pai, que gostava muito de ouvir a rádio. Ele escutou pela rádio que o Brasil tava oferecendo bolsas de estudo e que os interessados deveriam ir até a embaixada pegar um formulário. Fui lá. Ao chegar, fui o único a não receber formulário naquele dia. Voltei no dia seguinte, aí deu certo, preenchi o formulário e o entreguei com os documentos pedidos14.

O segundo, Saul, é doutorando em engenharia civil e mora em Santa Catarina, acrescentou:

Eu não sei como que isso chegou até mim, porque a comunicação do programa não estava tão clara. Eu fui encontrar um amigo meu, um amigo de infância, a gente sempre estava juntos. Como a universidade onde eu estava estudando ficava em Delmas e ele morava em Delmas também, geralmente, eu passava vários dias em Delmas. Eu fui pra aula, quando eu cheguei e ele falou pra mim: eu não sei se você esta com seus documentos na mão, mas eu ouvi que a embaixada do Brasil tá recebendo documentos pra um programa de bolsa e amanhã é o ultimo dia. Temos que ir amanhã15.


13 Para maiores informações sobre o assunto, consulte o site: https://www.gov.br/mre/ptbr/embaixada-porto-principe/porto-principe-arquivos/portugues/centro-cultural-brasil-haiti.Ultimo acesso em: 07/09/2024.

14 Entrevista concedida por IANKE. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien.Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (101 min.).

15 Entrevista concedida por SAUL. Entrevista u. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (98 min.).

Ao segundo grupo se juntam aqueles que lembram ter lido ou ouvido, pessoalmente, a notícia do programa na imprensa (rádio, TV, jornal…). É o caso de DEMETE [8] 40 anos, um recente doutor em letras pela Unicamp, que sustentou:

[…] eu gostava de ler os jornais: eu lia primeiro os assuntos acadêmicos, em seguida as atualidades. Eu gostava de ler muito Le Nouvelliste17. Tinha também Le Matin. Eu não era assinante, mas meu tio e minha tia trabalhavam num lugar onde os donos eram assinantes ao Nouvelliste, então eu tive acesso a ler os jornais. É na leitura dos jornais – não me lembro exatamente quando – que eu ia descobrir que havia um programa que o Brasil lançou que chamava Pró-Haiti 18.

Enfim, o terceiro e o quarto grupo se referem, respectivamente, aos estudantes que sustentaram ter tido conhecimento do programa nas fontes oficiais: Embaixada brasileira no Haiti, Ministério da educação nacional, Centro Cultural Brasil-Haiti, através de cartazes de divulgação postados em prédios públicos ou privados. Chava, doutor em sociedade e ambiente pela Unicamp, mora atualmente em Campinas e faz parte da primeira categoria, enquanto que Rolphis 19 , doutorando em geografia fisica na Unicamp se encontra na segunda. De fato, o relato do primeiro é interessante no sentido de que foi durante uma visita num local perto da embaixada que ele descobriu o programa. Como Chava sempre andava com alguns documentos importantes na sua mochila, ele entrou no local. Sem ter a mínima certeza de que isso ia dar certo, ele entregou seus documentos no local após ter preenchido um formulário (informação verbal)[9] . Rolphis, ele, estava no centro da cidade de Porto Príncipe. Indo trabalhar, por curiosidade, ele passou na Faculdade de Etnologia. Foi lá que ele descobriu num anúncio postado na parede desta faculdade o programa Pró-Haiti (informação verbal)21

O relato de Sylvain, 36 anos, doutorando em ecologia na UFSC, é também particularmente interessante na medida em que, ao contrário dos outros entrevistados, ele revelou como seu amigo que lhe passou a informação descobriu o programa. Com efeito, ele contou que seu amigo ficou sabendo do programa durante uma visita na embaixada do Brasil em Pétion-Ville (informação verbal)[10] . Como pode-se observar na Tabela 1 abaixo, a maneira de se informar por terceiros, amigos/as, parentes, pessoas interpostas etc domina, enquanto que a maneira “direta”, ou seja, pela embaixada, pelo ministério ou pelo centro cultural, perde cada vez mais força como fontes de informação oficial. De fato, isso é a pura característica dos programas de bolsas no Haiti: eles sofrem de um grave problema de confiança na sua divulgação. Por isso, eles são geralmente contaminados por um sistema de propina e de clientelismo, no qual muitas pessoas caem. Ademais, a divulgação nas redes públicas ou privadas não garante a transparência assim como a credibilidade do programa. O Pró-Haiti não foi o primeiro, nem será o último programa de bolsas de estudos no Haiti a sofrer desse tipo de problema de confiança nas informações espalhadas.

TABELA 1

Quando e como você ficou sabendo do Programa Pró-Haiti?

Pseudônimo do/a entrevistado/aPor intermédio de amigos, estudantes, parentes, terceiros, pessoas interpostas…Através da imprensa: rádio, TV, jornais…Nos canais oficiais: embaixada brasileira no Haiti, o ministério da educação, o centro cultural. . .Através dos cartazes de divulgação em prédios públicos ou privados…Quando??
DEMANE    Em 2010
JEREFRAN1   Idem
 2   Idem
FRITAL3   Idem
GEDAN4   Idem
SAUL5   Idem
GUSA 2  Idem
DEMETE 3  Idem
TOFEL6   Idem
ROLPHIS    Idem
ENOPLA   2Idem
NELJO7   Idem
BELO8   Idem
 9   Idem
JESARO10   Idem
MACOPI 4  Idem
DEROU 5  Idem
LAFRAN11   Idem
SYLVAIN12   Idem
NOUVOL13   Idem
CHAVA  1 Idem
WCAL14   Idem
ARIS15   Idem
MAGO  2 Idem
JOVIL16   Idem
DEPHA* 6  Idem
SALSAN*17   Idem
MARA18   Idem
ROTH*19   Idem
TOTAL19622Idem

Tabela 1: Fonte: Autor.

Baseando-se nesses dados obtidos a partir de entrevistas e questionário online, é possível concluir três coisas. Primeiro, os estudantes se informaram por meio de fontes indiretas, interpostas ou não oficiais, segundo, apesar dos riscos as informações obtidas por estes canais conseguiram levá-los, ao final, à instituição oficial responsável pela bolsa, neste caso, a Embaixada brasileira no Haiti, onde entregaram sua candidatura, por fim, terceiro, como todo programa de bolsa de estudo no pais, o Pró-Haiti, oriundo do governo brasileiro, foi pouco divulgado, conhecido e vulgarizado no Haiti. A situação não é tão diferente quando se tratar do meio acadêmico brasileiro, ou seja, no Brasil, poucas pessoas sabem da existência deste programa. Não é um assunto que é falado, abordado, discutido, principalmente, na literatura como acabou-se de ver na revisão bibliográfica. Vamos falar agora das condições e critérios que regiram a candidatura no programa Pró-Haiti.

3 Condições e critérios de candidatura ao Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti

Como está mencionado na própria portaria, o programa teve um caráter emergencial, o que significa que ele chegou num contexto excepcional e triste em que o Haiti acabou de perder cerca de 300.000 pessoas num terrível terremoto que deixou para trás, mais de 1,5 milhão de deslocados internos sem contar os desaparecidos, estimados a milhares de indivíduos (MPCE, 2021, p. 13-22). Assim, os critérios de participação e de seleção foram amenizados da maneira seguinte: ter dezoito (18) anos ou mais, comprovar ser estudante de uma universidade no momento do terremoto, estar cursando uma faculdade no momento da inscrição.

É bom acrescentar que, segundo a CAPES, para participar do programa era preciso ser cidadão haitiano; ser estudante de uma instituição de ensino superior haitiana e, por, fim, não possuir visto permanente ou visto temporário brasileiro. A participação de qualquer cidadão brasileiro, seja nato ou naturalizado, ou cidadão que possua dupla nacionalidade, cuja uma é brasileira era proibida. A inscrição no programa era condicionada pelo preenchimento e pela assinatura de um formulário, que o candidato devia solicitar presencialmente em um desses quatro setores: na Embaixada do Brasil no Haiti, no Setor de Cooperação Técnica, no Setor Cultural Brasil-Haiti em Petion-Ville ou no Ministério de Educação Nacional e de Formação Profissional (MENFP) em Porto Príncipe. Tal formulário devia ser preenchido, assinado e entregue com os documentos exigidos no item 5 do edital da seleção, por exemplo, atestado de matricula, histórico escolar, carteira de identidade (CAPES, 2010). Como foram os procedimentos de inscrição e convocação dos estudantes haitianos neste programa?

4 Inscrição e convocação dos estudantes haitianos aprovados no Programa Emergencial Educação Superior Pró-Haiti (2010-2011)

Existia três locais onde os interessados podiam entregar seus documentos no ato da inscrição: a Embaixada brasileira em Pétion-Ville, o Ministério da educação nacional e da formação profissional (MENFP) e o Centro cultural Brasil-Haiti. Desta forma, é possível falar de três etapas nos procedimentos: recebimento das inscrições, convocação dos candidatos selecionados e trâmites consulares pela concessão do visto de estudante (Item IV). As duas últimas etapas, que representam a reta final ocorreram num espaço de tempo relativamente rápido e curto, isto é, entre julho e agosto de 2011 até a partida do Haiti, em 7 de agosto de 2011, do primeiro grupo de bolsistas.

Num primeiro momento, era o Ministério da Educação Nacional e da Formação Profissional (MENFP) que era responsável pelo recebimento das inscrições, pela seleção dos dossiês de candidatura e pelo encaminhamento destes à Embaixada brasileira no Haiti. Porém, esta cooperação entre a Embaixada e o Ministério não ocorreu do jeito que deveria ser: houve alguns desentendimentos, suspeições de prática de propina, de partidarismo e de corrupção. Um dos entrevistados, chamado Neljo, atualmente professor de economia na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), lembra ter feito sua inscrição neste ministério, mas na dúvida de ter escolhido o lugar errado e por causa das suspeições de corrupção, ele a fez também na embaixada brasileira em Petion-Ville (informação verbal)[11]. O que impulsionou a Embaixada a tomar o controle absoluto do processo e acabou provocando alguns atrasos. Por outro lado, os atrasos poderiam ter sido causados também pela confusão nos locais de inscrição e pela própria burocracia interna da Embaixada. Todavia, para compensar a lentidão e os atrasos, nos últimos momentos, o processo ficou muito acelerado e apertado para muitos alunos.

De fato, a maioria dos entrevistados aponta um processo de inscrição duvidoso, muito lento, longo e demorado no início, a tal ponto que muitos esqueceram completamente que tinham feito uma inscrição neste programa. Entre a data de inscrição e a de convocação, alguns já tinham terminado a graduação, outros já estavam trabalhando, outros ainda haviam desistido parcialmente e passavam a outro projeto. Se alguns fizeram sua inscrição no meio do ano de 2010, outros no fim do mesmo ano, ambas as categorias receberam a primeira convocação entre julho e agosto de 2011. Portanto, entre 2010 e 2011, demorou mais ou menos um ano para que os alunos aprovados sejam chamados. Afinal de contas, todos os procedimentos do processo: inscrição, seleção e convocação passaram a ocorrer diretamente na Embaixada brasileira no Haiti.

Se alguns dos/as entrevistados/as afirmam ter feito uma inscrição seguindo os procedimentos normais, mesmo que não se lembrem exatamente como, quando e onde, outros mencionam no entanto uma fórmula de inscrição duvidosa e fora do normal. Com efeito, nesta categoria há pessoas que, na correria, no atraso e na precipitação, entregaram sua papelada sem entrar no escritório da Embaixada, alguém na portaria da Embaixada a recebeu. Portanto, elas não tinham a certeza de que a documentação tem caído na mão da pessoa certa, estavam se perguntando se realmente isso ia dar certo, sem garantia de que a inscrição foi recebida ou sem saber se sim ou não iam receber um retorno ou ser convocados, muitos entraram em pânico. Há outras pessoas que, apesar de ter tido acesso ao escritório da inscrição, não receberam de volta algum tipo de comprovante de confirmação oficial da inscrição, o que acabou criando na cabeça delas um oceano de dúvidas e de incertezas. Por cauda de tudo isso, muitos/as entrevistados/as confessam que, na época, eles/elas não levaram muito a sério este programa. Porém, a percepção e o discurso mudaram quando, após quase um ano de espera, os candidatos selecionados foram finalmente convocados. Esta convocação aconteceu sob a forma de uma ligação telefônica que cada aluno recebeu diretamente da Embaixada brasileira no Haiti.

Esta ligação colocou fim a todas as incertezas e dúvidas dos estudantes haitianos, representava o principal ato da sua aprovação no programa, abriu caminho para a próxima etapa: a entrega dos documentos. Depois desta ligação, a comunicação entre eles e a Embaixada passou a ser feita por e-mail. Nesse sentido, a convocação abriu o caminho para os trâmites consulares que exigiam a apresentação e a entrega de documentos adicionais como cópia do passaporte, atestado de matrícula e histórico escolar devidamente legalizados, carta de recomendação assinada por um/a professor/a, antecedência criminal, certidão de saúde etc.

Se a maioria dos estudantes que eu entrevistei julgou os trâmites consulares fáceis e acessíveis, o discurso mudou quanto à obtenção dos documentos solicitados. Com efeito, mesmo com seu passaporte já pronto, Gedan, 40 anos, formado em economia, residente nos Estados Unidos, teve muita dificuldade para conseguir seu certidão de antecedência criminal assim como seu certidão de saúde (informação verbal)[12] . Alguns eram obrigados a recorrer à prática de pagamento de propinas, enquanto que outros apontaram que era fácil obter alguns documentos como certidão de saúde, histórico escolar e atestado de matricula. Todavia, o documento mais dificil se obter – para quem não o havia antes – era o passaporte.

Por outro lado, vários/as estudantes alegam que, nos trâmites consulares, o pessoal da Embaixada brasileira ajudou consideravelmente na legalização dos atestados, certificados ou diplomas e históricos escolares comunicando-lhes uma lista de autoridades notarias com as quais a Embaixada coopera nesse sentido. Normalmente, a legalização dos documentos é um procedimento que leva meses porque, antes de serem legalizados pela embaixada, os documentos em questão devem passar por várias instâncias, como: tribunal de primeira instância, ministério da justiça e ministério dos assuntos exteriores. Mas, graças ao procedimento sugerido pela embaixada, a legalização levou só algumas horas. Esta colaboração estratégica e dinâmica entre a Embaixada brasileira no Haiti e os serviços notarias haitianos, equivalentes aos cartórios aqui no Brasil, garantiu um serviço mais rápido, permitiu aos alunos economizar tempo, dinheiro e energia, simplificou consideravelmente as etapas de legalização dos documentos escolares. Sem esta simplificação, seria difícil até impossível – que os estudantes tenham conseguido os documentos legalizados nos prazos estabelecidos. É preciso entender também que tudo isso fazia parte do plano estratégico do governo brasileiro para compensar e corrigir os erros e os atrasos do passado.

Toda documentação entrega na Embaixada, taxa de visto estudante paga, bastava esperar a decisão final, que se deu pela publicação pela CAPES de uma lista na qual havia oitenta e nove (89) estudantes haitianos aprovados: dezenove mulheres (19) e setenta homens (70) (Gráfico 6). Nesta lista, há uma disparidade de gênero, pois as pessoas do sexo masculino representam 78,65%, enquanto que as do sexo feminino representam 21 ,34%. Uma tal desigualdade de gênero se repetiu também nas pesquisas recentes que eu estou conduzindo sobre o programa. Com efeito, dentre os/as trinta e nove (39) pesquisados/as, consegui falar só com duas ex-alunas e, no que diz respeito às 25 entrevistas que eu realizei, houve só uma entrevistada.

Porém, esta desigualdade não afeta só a relação de gênero entre homens e mulheres na seleção final dos bolsistas, ela tem também algo a ver, de maneira geral, com a participação das universidades públicas brasileiras neste programa e, de maneira específica, com a repartição dos estudantes haitianos nas universidades participantes. Hoje, o Brasil possui, segundo os dados da INEP, 2457 Instituições de Ensino Superior (IES), sendo 2153 privadas e 304 públicas (universidades, centros universitários, faculdades, institutos federais, centros federais de educação tecnologia…), entre as quais encontra-se 129 estaduais, 118 federais e 57 municipais, no entanto, mais da metade das universidades no Brasil, 55,2%, é pública (INEP, 2020, p. 11-13). Apenas pequena quantidade de universidades brasileiras participaram do programa Pró-Haiti aceitando mandar uma carta de aceite aos aprovados. São, no total, 4 universidades sendo três federais e uma estadual. Neste caso, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acolheu 45 estudantes haitianos, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 32, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 7 e, por fim, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) 5 (Gráfico 7). Infelizmente, quatro (4) dentre eles não conseguiram chegar ao Brasil. Estes eram aguardados na Unicamp para estudar filosofia (2), ciências sociais (1) e fisica/química (1) (ver o gráfico 6 acima).

Com visto estudante aprovado, carta de aceite na mão, passagem aérea paga, bagagem pronta…, no momento de viajar, os estudantes haitianos foram repartidos em dois grupos: o primeiro deixou o Haiti a tarde, em 7 de agosto, e chegou ao Brasil de manhã, em 8 de agosto de 2011, enquanto que o segundo saiu do Haiti em IO e desembarcou no Brasil em 11 no mesmo mês. Eles foram recebidos pela sua respectiva universidade de destino.

5 Implementação do programa

5.1 A chegada ao Brasil: do curso de língua portuguesa ao ingresso como alunos especiais nas disciplinas optativas.

A fase da implementação do programa Pró-Haiti começou a valer a partir do momento em que esses dois grupos colocaram seus pés no solo brasileiro. Seu acolhimento desde os aeroportos brasileiros até as suas respectivas residências foi impecável. Embora tenha havido, no início, alguns casos de exploração e de extorsão, sobretudo na questão da locação de casa, kitnet ou apartamento, os bolsistas haitianos guardam ótimos lembretes da recepção que lhes foi oferecida nesses dias. Na mesma semana da sua chegada, após ter feito seu registro na direção acadêmica, eles já começaram seu curso de português. No entanto, se a duração do curso era prevista por cinco meses (agosto a dezembro de 2011), aqueles que chegaram atrasado deviam fazê-lo num prazo menor, como foi o caso de Lafran, 35 anos, professor de psicologia numa universidade privada. O termino do curso de português, em dezembro de 2011, abriu a segunda etapa do programa: cursar as disciplinas.

Isso acontece no primeiro e segundo semestre de 2012, em que os estudantes haitianos se matricularam sob o estatuto de alunos especiais. Como tais, eles tinham uma carteira estudantil que permitia acessar o restaurante universitário, as bibliotecas .com as restrições de poder emprestar só cinco livros a serem devolvidos num prazo mais curto que o concedido aos alunos regulares), as salas informáticas, participar das atividades arfsticas e culturais da universidade, se inscrever nas disciplinas optativas considerando que no regimento das universidades brasileiras as disciplinas obrigatórias são, geralmente, reservadas aos alunos regulares -, salvo autorização expressa da coordenação do programa ou do/a professor/a responsável pela disciplina. Sendo uma exceção da regra, era muito raro que esta permissão seja dada, ao menos no caso dos estudantes haitianos. Assim, a grande maioria dos estudantes haitianos cursou disciplinas na graduação, enquanto que 7 dentre eles foram autorizados a fazer disciplinas na pós-graduação após a decisão do coordenador de cada programa. Os programas concernidos eram: sociologia, demografia, antropologia, geografia, química, pedagogia e linguística.

Paralelamente ao curso de português, os estudantes haitianos participavam de algumas atividades culturais, musicais, artísticas, por exemplo, assistir ensaios de escolas de samba, visitar o museu de língua portuguesa em São Paulo, o museu da cultura afro-brasileira, ver algumas peças teatrais, participar das excuçöes etc. Os primeiros meses dos estudantes haitianos no Brasil devem ser, nesse sentido, apreciados não apenas como o inicio de uma integração e adaptação no que dizem respeito à comida, ao clima, às falas, às artes, ao seu meio ambiental, à sua tropicalidade diferente de a do Haiti, mas também como um longo processo de integração linguística, cultural, social e identitária.

5.2 A fase de transição de Pró-Haiti para o PEC-G e PEC-PG: causas e consequências

Entre outubro e novembro de 2011, algumas confusões e dúvidas em torno do programa Pró-Haiti começaram a surgir entre os estudantes haitianos, a tal ponto que alguns dentre eles já tinham tomado a dificil decisão de retornar ao Haiti sem ter concluído o curso de português, cuja duração era prevista por seis meses. Esses abandonos resultam do questionamento sobre a finalidade do programa. Com efeito, os alunos haitianos estavam se perguntando o que ia acontecer depois dos dezoito meses, se sua formação ia ser sancionada por diploma ou certificado, se eles iam voltar para sua terra natal sem algo consistente em termo de um título acadêmico superior, etc. O que provocou essas incertezas, dúvidas e confusões?

Para responder esta pergunta, é voltar ao início, ou seja, primeiro, buscar as explicações nos próprios documentos publicados sobre o programa (edital, portaria…), segundo, descrever e analisar a compreensão dos estudantes haitianos do programa. Dito isto, uma outra pergunta se faz também essencial: quantos estudantes haitianos, embora aprovados, tinham entendido os conceitos de graduação sanduíche ou de intercâmbio? Apesar da sua aprovação no programa, vamos ver que os estudantes haitianos não compreenderam muito bem o sentido desses termos e que as confusões explodiram a partir da sua própria interpretação, tal interpretação foi contraditória ao que foi planejado. Eu vou basear-me nas entrevistas para discutir estes pontos tentando completá-los com minha própria experiência.

Antes de começar, é importante destacar que as dúvidas e incertezas sobre o programa dividiram os estudantes haitianos em dois grupos: um que quer entrar ou concluir a graduação e o outro que pretende se inscrever na pós-graduação (mestrado). As dúvidas e incertezas dos estudantes sobre Pró-Haiti eram legítimas na medida em que, em primeiro lugar, elas nasceram dentro da própria Portaria que criou o programa. Com efeito, no Anexo I da Portaria 92 de 28 de abril de 2010 – alterada pela Portaria 171 de 6 de dezembro de 2012 – são definidos o programa, seus objetivos, suas modalidades, suas cautelas e condicionantes. A seguinte definição dada à expressão graduação sanduíche: trata-se de bolsas de estudos em universidades brasileiras para os estudantes das instituições de ensino superior de Porto Príncipe” (CAPES, 2010a, p. 4), não era tão clara para que, quem não se acostuma com este termo, possa entender o que ele significa, qual é seu impacto no processo acadêmico, o que se pode esperar por ele ect. Ora, trata-se de um termo muito novo e incompreensível para os estudantes haitianos. Outro elemento explicativo deste conflito, é que na concepção e redação dos editais e portarias os autores estavam, provavelmente, com a cabeça nos países africanos, europeus ou latino-americanos com os quais o Brasil mantém esses tipos de acordos acadêmicos que prevêm e permitem a graduação sanduíche. Se os métodos de avaliação das disciplinas cursadas, a validação delas no Haiti, a titulação que vem depois não estavam claros para os alunos haitianos, o último elemento que os deixou ainda mais perplexos era sobretudo o objetivo d da Portaria 92 do programa que se lê assim:

Conceder bolsas de graduação e pós-graduação, nos moldes do Programa Estudante Convênio de Graduação e Pós-Graduação, PEC-G e PEC-PG, respectivamente, para estudantes haitianos; (CAPES, 2010a, p. 3).

Portanto, a partir deste texto, existia a possibilidade de um aluno haitiano começar um curso de pós-graduação de dois anos se for de mestrado, de 4 a 5 anos se for de doutorado. Se neste texto isso se vê tão realizável, porém, os termos de PróHaiti são claros: retornar ao pais de origem após a conclusão do curso prevista por dezoito meses.

Em segundo lugar, é preciso buscar a origem das confusões nas suas raízes no Haiti pelo fato de que os estudantes haitianos nunca tinham ouvido falar antes dos termos graduação sanduíche e intercâmbio. Com efeito, nesta pesquisa em andamento sobre os ex-estudantes haitianos de Pró-Haiti, perguntei aos/às pesquisados/as: você entendeu o que significava graduação sanduíche, sim ou não? As repostas eram negativas, todas, isso significa que nenhum deles entendia o sentido desta expressão. Alguém da Embaixada ajudou a esclarecer suas duvidas? A resposta foi a mesma. O objetivo desta pergunta era saber se eles tinham alguma ajuda na Embaixada brasileira ou no Centro cultural de alguém para esclarecer suas duvidas. Para 2/3 dentre eles, Pró-Haiti era um programa de diploma ou de graduação completa, 2/5 acreditavam que era para fazer um mestrado. Para a maioria, as informações divulgadas sobre a natureza do programa eram pouco claras embora haja uma versão em francês. Outro elemento, é que o prazo de dezoito meses tem sido interpretado por vários alunos de duas maneiras: período acadêmico para concluir a graduação e voltar ao Haiti com um diploma, período acadêmico para fazer um Master 1, como na França.

Todas estas dúvidas e incertezas criaram novas demandas e expectativas na cabeça dos estudantes haitianos: continuar a estudar no Brasil. Para isso, era imprescindível prorrogar o Pró-Haiti, mas esta decisão cabia a CAPES. Por isso, na primeira metade do ano letivo de 2012, houve vários encontros para solucionar o problema. Os estudantes haitianos foram convocados a algumas reuniões e encontros com o coordenador do programa, diretor acadêmico, representantes da Capes, proreitor de graduação e pós-graduação, embaixador haitiano no Brasil, enfim, todas as entidades – acadêmica, diplomática, institucional, governamental, municipal, estadual – capazes de exercer uma certa influência sobre a mudança do programa foram mobilizadas para encontrar uma saída satisfatória para todo mundo. Assim, foi um momento crucial para repensar o programa e corrigir suas falhas.

Para resolver os mal entendidos e pôr fim aos conflitos, a Capes publicou, em de 6 de dezembro de 2012, a Portaria 171 que alterou alguns itens, mas o semestre de curso de língua portuguesa permanece inalterável e obrigatório. O Programa Emergencial em Educação Superior Pró-Haiti transitou para o Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G) e o Programa de Estudantes Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), no sentido de que o próprio edital da CAPES de 2010 já tinha previsto esta modalidade. Viabilizado no convênio entre CAPES, Ministério de Educação Superior e o Ministério das Relações Exteriores, na perspectiva de conceder bolsas de graduação-sanduíche a alunos haitianos para que os mesmos pudessem terminar seus cursos numa Instituição de Ensino Superior (IES) brasileira, o Pró-Haiti sofreu algumas mudanças por causa dos desentendimentos entre a CAPES e os estudantes haitianos. A primeira concerne o prazo de estudo que, doravante, passa de dezoito meses a sessenta meses, a segunda se refere ao nível acadêmico, ou seja, PróHaiti não se reduz mais à graduação, os estudantes que podem fazer pós-graduação têm também direito, por fim, em terceiro lugar, os Haitianos que já estão no Brasil podem entrar no Pró-Haiti: a Unila é uma referência neste sentido (CAPES, 2012).

Como já foi dito acima, as diversas preocupações acadêmicas dividiram os estudantes haitianos em duas categorias: aqueles que quiseram terminar todo seu ciclo de graduação e aqueles que, com graduação já concluída no Haiti, pretenderam começar um mestrado. Ao autorizar que Pró-Haiti possa se abrir aos PEC-G e PECPG, a CAPES demonstrou uma grande capacidade de compreensão dos desejos dos estudantes haitianos de continuar a estudar, de melhorar suas habilidades intelectuais e de aperfeiçoar sua performance acadêmica. Assim, graças a esta transição, em 2013, acerca de setenta alunos conseguiram entrar na graduação com bolsa PEC-G da CAPES, enquanto que oito foram admitidos no mestrado no âmbito do PEC-PG, após terem sido aprovados no processo seletivo: todos, sem exceção, em regime integral de alunos regulares. Dois foram contemplados pela bolsa do CNPQ e seis pela CAPES.

Os oito estudantes haitianos contemplados como alunos regulares de mestrado pertenciam aos seguintes programas: sociologia, demografia, química, letras, geografia, economia e educação (2). A partir de 2015, embora no fundo não se fale mais de Pró-Haiti, mas o nome permanece e é mais que evidente que este programa está à origem da formação dos primeiros recursos humanos haitianos de nível superior (mestrado) no Brasil. Se nesse mesmo ano, um decidiu voltar ao Haiti após haver obtido seu título de mestre em letras, os outros escolheram ficar no Brasil a fim de aperfeiçoar seus estudos no doutorado, sendo alguns com bolsas da Capes e outros com as do CNPQ. Neste nível, entretanto, alguns decidiram ficar na sua universidade de origem, enquanto que outros já mudaram para outra universidade. No Brasil, o mestrado é de 2 anos e o doutorado de 4 anos, no entanto, alguns programas como a sociologia, a história, a medicina…exigem cinco anos para concluir o doutorado. Apesar desta desfasagem, todos os doutorandos haitianos conseguiram defender sua tese no prazo estabelecido.

Enfim, além da grande satisfação que as mudanças criaram no coração, no decorrer das negociações com a CAPES, houve resistência e vitoria; desistência e abandono; humilhação e menosprezo. Começando por este ultimo ponto, Saul, um dos entrevistados, lembra da frase raivosa de uma professora da UFSC que disse: vocês falando dos estudantes haitianos – têm que voltar pro seu pais, qualquer seja a maneira, vocês vão voltar[13] . Houve o abandono de cerca de dez estudantes do programa. Estes solicitaram sua passagem de volta direta ou indiretamente ao Haiti. Alguns tinham outros planos ao invés de ficar no Brasil sem esperança, outros não conseguiram aguentar os comportamentos racistas, preconceituosos e xenofóbicos. Todavia, apesar das desistências e humilhações, a maioria dos estudantes escolheram a resistência e sempre acreditavam numa solução vitoriosa. Durante todo tumulto, eles se matricularam nas disciplinas optativas de sua preferência, tiravam nota máxima tanto no português quanto naquelas disciplinas. Seu rendimento acadêmico e sua performance intelectual foram a única arma para combater contra o racismo institucional e convencer a Capes a alterar o programa, para permitir-lhes um sucesso profissional e garantir-lhes um futuro promissor no Brasil ou alhures.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ANÁLISE DOS RESULTADOS PARCIAIS DA PESQUISA EM ANDAMENTO

Gostaria de lembrar, de novo, que trata-se de uma pesquisa em desenvolvimento, portanto, os resultados apresentados aqui não são que parciais. Os dados obtidos permitiram saber que vinte e oito (28) dentre os estudantes haitianos localizados moram ainda no Brasil e onze (11) no exterior. No Brasil, é o estado de São Paulo que possui a maior taxa de residentes (14), seguido de longe por Santa Catarina (3) e Paraná (3). No exterior, Estados Unidos (5) são o pais onde reside a maior quantidade de ex-estudantes haitianos de Pró-Haiti, enquanto que três (3) moram no Haiti (Gráfico 8). Por outro lado, no que diz respeito ao vínculo acadêmico e atuação profissional, vinte (20) estão trabalhando, enquanto que doze (12) possuem ainda vínculo acadêmico com estudos andamento, um (1) está desempregado, enfim, seis (6) recusaram compartilhar comigo estas informações (Gráfico 9). Assim, estas informações permitem entender como estão evoluindo sua vida acadêmica e profissional, sua participação e sua integração na sociedade brasileira.

Pró-Haiti que se tornaram doutores, respectivamente, em ordem cronológica: 2019 (demografia), 2020 (química) e 2021 (sociologia), todos pela UNICAMP – sete (7) outros já obtiveram seu doutorado, sendo o primeiro em matemática aplicada pela UNICAMP (2021), o segundo em história social pela UFRGS (2022), o terceiro em ciências econômicas pela UFSC (2022), o quarto em ambiente e sociedade (2023), o quinto em estudos literários (2024), o sexto em sociologia (2024), todos pela UNICAMP, por fim, no exato momento de publicar o presente trabalho, o último título de doutor dentre os ex-estudantes haitianos de Pró-Haiti foi obtido em psicologia, em 2024, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Gráfico IO). Enquanto que cinco (5) dentre eles já estão atuando como professores nas universidades brasileiras (públicas e privadas), oito (8) estão em fase de conclusão do seu doutorado: na UNICAMP, um em sociologia (1), um em geografia fisica (1), um em matemática aplicada (1) e um em geografia econômica (1); na UNESP, um em historia social (1); na USP, um em geografia humana (1); na UFSC, um em ecologia defesa da tese em 2025.

Como está claramente demonstrado no gráfico IO acima, é estatisticamente probante que o programa Pró-Haiti foi um canal de progresso acadêmico para os estudantes haitianos, levando em conta que, dos 89, dez já são doutores – o nível acadêmico mais elevado -, dez possuem mestrado dos quais oito estão prestes a se tornarem novos doutores, enfim, quatro estão com graduação completa. Dito de outra maneira, de 2011 a 2024 (treze anos de vida no Brasil) são, no total, 20 recursos humanos bem formados que o Pró-Haiti ajudou a engendrar. Onde eles estão agora? É dificil responder com exatidão esta pergunta considerando que o ser humano está em constante mobilidade (MAZZA, 2011). No entanto, o gráfico 9 (p. 26) mostra que a grande maioria vive agora no Brasil (28), a segunda maior parte nos Estados Unidos (5), depois vem a Republica Dominicana (1) e o Canadá (1), enquanto que só três voltaram ao Haiti. Não se sabe se eles ainda estão lá levando em conta não apenas a situação crônica de insegurança e de violência generalizada dos gangues no pais, mas pensando sobretudo nas inúmeras possibilidades de sua mobilidade internacional. O gráfico 9 mostra também que somente no âmbito de Pró-Haiti, 35 estudantes haitianos decidiram ficar no exterior após sua formação. Este número representa 39,32% dos 89 estudantes admitidos no programa em 2011. O que vem explicando a escassez no Haiti de recursos humanos bem formados, o que vem justificando também por que, segundo CEPAL, 85 % dos Haitianos com nível superior moram no exterior (AYIBOPOST, 2019).

Além de garantir uma formação acadêmica de alto nível, o programa Pró-Haiti proporcionou uma grande mobilidade internacional dos Haitianos, facilitou sua mobilidade urbana (de um Estado ao outro), sua transição universitária (de uma universidade a uma outra) dentro do Brasil. Por outro lado, ele suscita novas questões sobre a migração de retorno: ficar ou partir? (AGULHON, 2021; ECKERT e PRIMOND, 2021) e o fenômeno de transnacionalidade dos migrantes acadêmicos, ou seja, alguns já transitam do Brasil para um outro pais estrangeiro que o Haiti. Neste caso, podemos dizer que o Pró-Haiti abriu outros caminhos para os estudantes haitianos.

Em resumo, quaisquer sejam hoje seu nível intelectual, sua função profissional ou acadêmica aqui na sociedade brasileira ou alhures, seu estatuto social, sua inserção no mercado do trabalho etc., os ex-bolsistas do programa Pró-Haiti fazem doravante parte da nova geração dos intelectuais haitianos. Pois, este programa desempenhou um papel crucial na sua formação acadêmica e ajudou a aumentar seu nível universitário. É verdade que não há nada de novo aqui, considerando que a grande maioria – para não dizer a totalidade – dos intelectuais haitianos são formados no exterior, principalmente, na República Dominicana, nos Estados Unidos, na França e no Canadá. Mas, o que tem de novidade aqui é a entrada recente do Brasil neste cenário embora com uma taxa menor. Com efeito, com 1039 estudantes haitianos (INEP, 2022), o Brasil possui a menor quantidade de estudantes haitianos presentes no seu sistema de ensino superior em comparação, primeiro, à República Dominicana, que é o pais onde há a maior concentração de estudantes haitianos: 40 000 segundo as últimas estimações de I’Observatoire binational sur Ia migration, I’éducation, l’environnement et Ie commerce (OBMEC) (AYIBOPOST, 2019), segundo, aos Estados Unidos onde estudam 1240 estudantes haitianos (LOOP NEWS, 2024). Todavia, estes números devem ser tomados com muita cautela, pois é possível que tenha mais estudantes haitianos nesses países. Apesar de tudo, o programa Pró-Haiti exerceu uma grande influência na vida acadêmica de muitos Haitianos e serviu de excelente canal para a formação de recursos humanos haitianos de nível superior. Hoje, os 1039 estudantes haitianos presentes no ensino superior brasileiro representam só 0,64% da comunidade total haitiana no Brasil, estimada a 161 000 mil de haitianos (ACNUR, 2023). Comparada aos Estados Unidos (1776), Angola (1512), Japão (1407), há ainda muito a fazer para frente, a fim de ter uma melhor integração dos estudantes haitianos na educação superior brasileiro.

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[1] Trata-se de um formulário de vinte e sete páginas. Além das informaçoes pessoais, as perguntas levam em conta três partes: antes, depois e durante o programa Pró-Haiti. Acessível até dezembro de 2024 em:

[2] Ao longo do seu estudo, alguns estudantes de Pró-Haiti conseguiram transitar de uma universidade a outra após terem obtido seu diploma de graduação ou de mestrado. Este caso concerne seis (6) nesta lista de trinta e nove (39).

[3] É importante sublinhar que, para conseguir agendar os bate-papos e entrevistas com os estudantes haitianos, eu fiz, pelo ou menos, três tentativas para convencê-los a aceitar. Até agora, só 4 alunos preencheram o questionário online. Para dinamizar seu preenchimento, estimular os alunos e alcançar um número maior, é previsto um envio de lembrete a cada semana até dezembro de 2024.

[4] A preferência por esta plataforma se explica, principalmente, pela possibilidade que ela oferece de gravar as entrevistas.

[5] A estratégia de solicitar primeiro um bate-papo, em seguida, uma entrevista, não funcionou com todos os perfis de pessoas contactadas no âmbito desta pesquisa. Ou seja, se ela foi um grande sucesso no caso dos meus ex-colegas do Pró-Haiti na Unicamp, tive que mudá-la no que concerne as nove (9) pessoas. Esta mudança se explica, primeiro, pelo fato de que a maioria não me conhecia, porque oriundos de contactos indiretos de outros Haitianos com quem conversei anteriormente. Segundo, percebi que era uma categoria muito ocupada, portanto, era mais inteligente solicitar diretamente as entrevistas do que passar pelos batepapos.

[6] Após o maior terremoto de 7,0 na escala Richter, Haiti continuo, durante alguns dias, a sofrer vários pequenos tremendas, chamados, “repliques”. Além disso, apesar de ter sido o mais catastrófico, o terremoto de 2010 não foi o único que o pais sofreu. Em abril de 2021, o sul do pais sofreu também um terrível terremoto de 6,5 na escala Richter.

[7] A universidade haitiana já estava passando por algumas crises internas muito antes do terremoto.

[8] Demete concedeu a entrevista desde Canadá, onde estava em intercâmbio.Le Nouvelliste é o nome do quotidiano mais famoso e antigo do Haiti. Ele existe desde 1898. 8 Entrevista concedida por DEMETE. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (90 min.).Rolphis concedeu a entrevista desde Canadá, onde estava de passeio.

[9] Entrevista concedida por CHAVA Entrevista XXI. Ljun. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (61 min.).     Entrevista concedida por ROLPHIS. X. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien.Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (113 min.).

[10] Entrevista concedida por SYLVAIN. [jun. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (115 min.).

[11] Entrevista concedida por NELJO. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (142 min.).

[12] Entrevista concedida por GEDAN. Elt1MistaV. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (79 min.).

[13] Entrevista concedida por SAUL. Entrevista VI. [mai. 2024]. Entrevistador: Jean Fabien. Sergipe, 2024. 1 arquivo .mp3 (98 min.).


1 Doutor em Sociologia pela Unicamp. Professor visitante da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa Processos Identitários e Poder (GEPPIP).Tue, 08 Oct 2024