PREVENÇÃO E COMBATE DOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES¹

PREVENTION AND COMBATING THE EFFECTS OF DOMESTIC VIOLENCE ON CHILDREN AND ADOLESCENTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10045145


Samanta Vieira Chaves²
Dorielton Pereira Xavier³



RESUMO: O presente estudo aborda a prevenção e combate dos efeitos da violência doméstica com crianças e adolescentes. Deve-se levar em consideração que tal tipo de violência ocorre no ambiente familiar, mas não necessariamente necessita ser por um parente ou individuo consanguíneo, diferentemente da violência intrafamiliar. É evidente que, por mais que se tenham políticas públicas que buscam diminuir a incidência de casos de discriminação e negligência contra o público infanto-juvenil, ainda é nítido se perceber como é constante e frequente a ocorrência de tais casos na sociedade, sendo importante reflexões práticas e teóricas diante dessa problemática. Assim, utilizando-se de revisão de literatura, o estudo tem como objetivo analisar como a violência doméstica e intrafamiliar tende a trazer consequências para com as crianças e adolescentes e quais políticas existentes para acompanhamento da promoção de garantias e direitos de tais sujeitos. Tem-se como problema o seguinte questionamento: Como as políticas da Assistência Social podem contribuir na prevenção e combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes, considerando as especificidades do fenômeno e os desafios enfrentados no âmbito familiar e social? Enquanto resultado, percebe-se que campanhas de conscientização, fiscalização e monitoramento são os principais mecanismos de controle, prevenção e combate da violência doméstica contra crianças e adolescente, sendo importante que as entidades de assistência social, como CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), CRAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), entre outros possam articular estratégias e metodologias ativas de desintegração dos casos de violência vividos pelo público infanto-juvenil dentro de seus lares e residências.

Palavras-Chave: Violência doméstica. Crianças. Adolescentes. Serviço Social. Combate.

ABSTRACT: The present study addresses preventing and combating the effects of domestic violence on children and adolescents. It must be taken into account that this type of violence occurs in the family environment, but does not necessarily need to be carried out by a relative or blood-related individual, unlike intra-family violence. It is evident that, even though there are public policies that seek to reduce the incidence of cases of discrimination and neglect against children and young people, it is still clear to see how constant and frequent the occurrence of such cases is in society, and it is important to reflect practical and theoretical approaches to this problem. Thus, using a literature review, the study aims to analyze how domestic and intra-family violence tends to have consequences for children and adolescents and what policies exist to monitor the promotion of guarantees and rights for such subjects. The problem is the following question: How can Social Assistance policies contribute to preventing and combating domestic violence against children and adolescents, considering the specificities of the phenomenon and the challenges faced in the family and social context? As a result, it is clear that awareness campaigns, inspection and monitoring are the main mechanisms for controlling, preventing and combating domestic violence against children and adolescents, and it is important that social assistance entities, such as CREAS (Specialized Assistance Reference Center Social), CRAS (Specialized Reference Center for Social Assistance), among others, can articulate active strategies and methodologies to disintegrate cases of violence experienced by children and young people within their homes and residences.

Keywords: Domestic violence. Children. Teenagers. Social service. Combat.

1 NTRODUÇÃO

Falar de violência doméstica contra criança e adolescente remete a uma problemática cultural, visto que na sociedade atual a violência está fortemente presente, tanto no ambiente intra-domiciliar, como fora dele. Isso tende a fazer com que tais sujeitos se sintam menosprezados, negligenciados, discriminados e violentados, causando consequências no desenvolvimento físico, mental e social de tais indivíduos.

A pesquisa em questão traz assim, como problemática, o seguinte questionamento: Como as políticas da Assistência Social podem contribuir na prevenção e combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes, considerando as especificidades do fenômeno e os desafios enfrentados no âmbito familiar e social? Justifica-se no fato de que a assistência social deve possibilitar mecanismos de proteção e garantia dos direitos fundamentais e sociais de crianças e adolescentes, de tal modo que possa  acompanhar, monitorar, fiscalizar e delimitar as estratégias e metodologias de prevenção e combate a tais práticas de violência.

Diante desse cenário, o presente estudo tem como objetivo analisar como a violência doméstica tende a trazer consequências para com as crianças e adolescentes e quais políticas existentes para acompanhamento da promoção de garantias e direitos de tais sujeitos. Enquanto objetivos específicos, procura-se compreender o conceito de violência; identificar os efeitos e consequências da violência domestica em crianças e adolescentes; discutir sobre as estratégias de combate e prevenção da violência doméstica contra crianças e adolescentes; e, ainda, reconhecer as metodologias utilizadas pelo Serviço Social para a prevenção e combate da violência doméstica com crianças e adolescentes.

Como recorte metodológico, a pesquisa irá se centrar em fazer uma abordagem por meio de revisão de literatura, utilizando se artigos acadêmicos, trabalhos científicos, bem como livros e outros aparatos que possam auxiliar no processo de desenvolvimento da temática em questão, assim como também leis e normas que direcionam os debates em torno do processo de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes vítimas de violência intrafamiliar e doméstica.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Conceito de Violência Doméstica

Ao se falar sobre violência intrafamiliar e doméstica, por mais similares que sejam tais termos, é necessário se falar que existe uma dualidade no seu significado, de forma que é importante que se conheçam as características inerentes a tais terminologias a fim de que seja possível uma melhor compreensão sobre tal temática. Assim, o Ministério da Saúde, em cartilha lançada no ano de 2002, já considerava que:

A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consangüinidade, e em relação de poder à outra. O conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre mas também as relações em que se constrói e efetua. A violência doméstica distingue-se da violência intrafamiliar por incluir outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço doméstico. Incluem-se aí empregados(as), pessoas que convivem esporadicamente, agregados (BRASIL, 2002).

Percebe-se assim que a violência intrafamiliar ocorre necessariamente de um membro para com o outro da família, enquanto a violência doméstica envolve não apenas os partícipes que se relacionam de modo consanguíneo, mas todos aqueles que se encontram dentro do ambiente familiar, no que diz respeito ao seu território físico e geográfico, sem necessariamente representar uma dinâmica parental.

Esse estudo inicial se torna importante para que seja possível uma melhor análise em torno das características da violência doméstica, buscando assim separar mais ainda separar da dicotomia da violência intrafamiliar. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, somente no primeiro semestre do ano de 2022, foram registradas mais de 31 mil denúncias envolvendo violência doméstica na Ouvidoria dos Direito Humanos no país, além de 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres, o que mostra um retrato sobre o modo alarmante como tal tipo de negligência ainda possui amplo domínio na sociedade.

De acordo com a Associação Portuguesa de Apoio a Vítima, a violência doméstica pode ser dividida em dois tipos principais, a saber a em sentido estrito e a em sentido lato:

Violência doméstica em sentido estrito (os actos criminais enquadráveis no art. 152º: maus tratos físicos; maus tratos psíquicos; ameaça; coacção; injúrias; difamação e crimes sexuais).

Violência doméstica em sentido lato que inclui outros crimes em contacto doméstico [violação de domicílio ou perturbação da vida privada; devassa da vida privada (imagens; conversas telefónicas; emails; revelar segredos e factos privados; etc. violação de correspondência ou de telecomunicações; violência sexual; subtracção de menor; violação da obrigação de alimentos; homicídio: tentado/consumado; dano; furto e roubo) (APAV, 2018).

Observa-se que a violência doméstica em sentido estrito diz respeito aquela no qual é endereçada com a prática de atos de violência física, bem como psicológica, que tendem a trazer riscos para um sujeito em específico. Por sua vez, em sentido lato, diz respeito ao tipo de violência no qual se tem mais de um sujeito passivo, de tal modo que as intenções do agressor tendem a se refletir não apenas em outra pessoa, mas em várias outras que fazem parte do grupo doméstico.

2.2 Efeitos e consequências da Violência Doméstica contra a Criança e Adolescente

Importante se considerar que a violência doméstica possui efeitos significativos no desenvolvimento mental, físico e psicossocial dos indivíduos. A partir do momento em que uma criança ou adolescente é violentado, discriminado, negligenciado, esta passa a se sentir isolado, dentro de seu próprio lar, de tal modo que acaba criando repercussão na construção da sua identidade enquanto pessoa, enquanto cidadão, enquanto estudante.

Nessa toada, Rosas e Cionek (2006) utilizando-se das contribuições de Guerra e Azevedo (2001) elenca alguns indicadores que podem ser perceptíveis para identificar os efeitos da violência contra crianças e adolescentes, conforme visto no Quadro 01:

Quadro 01. Efeitos da violência doméstica contra crianças e adolescentes
Violência FísicaViolência Sexual
Desconfia dos contatos com adultos;Interesses não usuais sobre questões sexuais, isto inclui expressar afeto para crianças e adultos de modo inapropriado para a idade, desenvolve brincadeiras sexuais persistentes com amigos, brinquedos ou animais, começa a masturbar-se compulsivamente.
Está sempre alerta esperando que algo ruim aconteça;Medo     de     uma     certa     pessoa     ou sentimento de desagrado ao ser deixada sozinha em algum lugar ou com alguém;
Tem mudanças severas e frequentes de humor;Uma série de dores e problemas físicos sem explicação médica;
Demonstra receio dos pais (quando é estudante procura chegar cedo à escola e dela sair bem mais tarde);Gravidez precoce;
Apreensivo    quando    outras     crianças começam a chorar;Poucas     relações     com     colegas     e companheiros;
Demonstra comportamentos extremos: agressivo, destrutivo, excessivamente tímido ou passivo, submisso;Não quer mudar de roupa na frente de pessoas;
Apresenta dificuldades de aprendizagem não atribuíveis a problemas físicosFuga de casa, prática de delitos;
Revela que está sofrendo violência físicaComportamento agressivo, raiva fuga, mau desempenho escolar.
Fonte: ROSAS; CIONEK (2006, p. 13-14)

Importante se considerar que Guerra e Azevedo (2001) trouxeram, conforme demonstrado no quadro acima, algumas características e efeitos da violência doméstica contra crianças e adolescentes, em especial no que diz respeito a violência física assim como a sexual, uma vez que são os dois tipos principais que acaba sendo promovido, infelizmente, com o público infanto-juvenil.

De acordo com Riba e Zioni (2022, p. 02), a violência física pode ser entendida como o:

[…] uso da força física, de natureza disciplinar ou punitiva, por parte de um cuidador ou responsável, contra o corpo da criança ou do adolescente. A violência física pode ter a função de disciplinamento corporal, ou seja, como forma de controle do comportamento da criança ou punição corporal, isto é, para punir e castigar a criança por um comportamento inadequado.

Assim, nota-se que a utilização da força física tende a ser uma forma de disciplina ou de castigo empreendido contra a criança, na tentativa de o repreender por determinada ação, utilizando do método de punição corporal. Importante asseverar que a violência física contra as crianças e adolescentes, em sua forma física, tende a ter consequências que vão muito além das lesões corporais, mas refletem no estado psicológico e social de tais sujeitos.

O mesmo ocorre quando há a violência sexual, que de acordo com Miranda et al (2019, p. 02) pode ser caracterizada como sendo o:

[…]  estímulo sexual da criança ou adolescente, cujo agressor tem idade ou desenvolvimento psicossexual superior ao da vítima. Pode envolver relações homo ou heterossexuais e ocorrer através de situações como estupro, incesto, assédio e exploração sexual, pornografia, pedofilia, manipulação de genitália, mama ou ânus, até o ato sexual com penetração, imposição de intimidades, exibicionismo, jogos sexuais, práticas eróticas não consentidas e impostas, além de “voyeurismo”.

Assim, nos casos de violência sexual contra criança e/ou adolescente, este passa a se sentir impotente, perante si e os outros, fazendo com que isso tenha efeitos a curto, médio e longo prazo. As consequências vão desde a ocorrência de gravidez precoce, bem como também no isolamento social causado pelo medo de se relacionar com outras pessoas, entre outros fatores.

Destarte, a violência psicológica, por deveras, é um dos tipos de violência mais comuns que ocorrem também para com as crianças e adolescentes, no seio doméstico. Por vezes, tal tipo de violência acaba sendo correlacionada com outro tipo, seja física ou até mesmo sexual, e pode ser conceituada como sendo o “conjunto de ações adversas que coagem e aterrorizam a criança em seu ambiente familiar, acarretando diferentes agravos psicológicos para a população infantil, como a ocorrência de adoecimentos psíquicos” (SANTOS & QUIXADÁ, 2022, p. 03).

Nota-se assim que a violência doméstica possui consequências diversificadas, sendo que, a depender de cada caso, de cada sujeito, pode se ter um efeito diferente, sendo necessário que se faça um diagnóstico especializado, ao mínimo sintoma relacionado, a fim de que possa se ter a compreensão mais ampla sobre o problema no qual a criança e/ou adolescente está passando e qual a melhor maneira de auxiliar a reverter e coibir tal situação.

O Ministério da Saúde, em cartilha publicada no ano de 2009, elencou que, por vezes, as violências contra crianças e adolescentes são rotineiramente acobertadas, no âmbito doméstico, o que torna mais difícil o seu diagnóstico. Isso se dá em parte pelo medo de se denunciar, seja por parte da própria criança ou adolescente, ou de outra pessoa próxima, que acaba tendo receio da represália e de aumentar ainda mais a vulnerabilidade e situação de risco da criança (BRASIL, 2009).

Outra questão é uma ideia de aceitação social da violência como modo de educar a criança. O ato de reprimir determinados atos de desobediência batendo, com castigo físico, acaba tendo, principalmente para pessoas de gerações passadas, a noção de que é algo necessário para se educar o indivíduo. Entretanto, deve se ter em mente que tais atitudes acabam tendo efeitos duradouros e não apenas imediatos, e o ato de obediência não se subjuga a atos de humilhação, devendo a criança e/ou adolescente serem educados com o devido cuidado e respeito necessários.

Outrossim, vale ressaltar que nem sempre as autoridades competentes são acionadas, uma vez que ainda existem falhas no processo de conscientização das famílias e da comunidade em geral sobre quais os procedimentos devem ser adotados para promover o atendimento e acolhimento necessário para com a criança e/ou adolescente. Nesse sentido, destaca-se que:

Os crimes não-letais contra crianças e adolescentes estão sujeitos a altas taxas de subnotificação, uma vez que é necessário o engajamento de um adulto para que os casos cheguem às autoridades, especialmente nos casos em que as consequências físicas da violência não se agravam. Portanto, as redes de atendimento às vítimas de violência e os serviços púbicos de segurança pública, assistência social e saúde devem ter profissionais preparados e estratégias ativas de identificação e encaminhamento de vítimas (FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2021, p. 10).

Observa-se assim que a subnotificação é um problema recorrente nos casos de violência doméstica contra crianças e adolescente, e é um problema que acaba impactando diretamente no modo como tais sujeitos acabam sendo privados de um acompanhamento e tratamento pertinentes, a fim de que seja possível minimizar os efeitos causados por tais atos violentos.

Por fim, cabe destacar também que há impactos e efeitos da violência doméstica contra crianças e adolescentes para com a família, assim como as demais redes de apoio no qual tais sujeitos participam, como por exemplo o ambiente escolar, entre outros. É necessário, portanto, que se tenha esforços conjuntos, para que se possa ter a adoção de novos hábitos de cuidado e proteção para com a criança e/ou adolescente, além do auxílio da intervenção profissional na garantia dos fortalecimentos dos vínculos dos sujeitos para com si, com o outro, e com o nós.

2.3 Estratégias de combate e prevenção da violência doméstica contra crianças e adolescentes

Uma das principais estratégias de combate e prevenção da violência doméstica contra crianças e adolescente é a conscientização. Tanto a criança e/ou adolescente quanto os indivíduos que a circundam, devem ser conscientizados sobre as necessidades da proteção integral aos direitos do público infanto-juvenil desde os primeiros anos de vida. Com isso, se torna mais fácil que o sujeito consiga entender determinada situação e compreender que está fora da ordem normal das coisas, reconhecendo os atos de violência, negligência, discriminação, entre outros que possam a afetar tais indivíduos. Nesse viés, Brasil (2010, p. 14) delibera que:

A promoção da saúde e da cultura de paz e a prevenção de violências contra crianças e adolescentes é papel de todos. Devem abranger ações coletivas, envolvendo instituições de educação e ensino, associações, grupos formais e informais e lideranças comunitárias e juvenis, dentre outros, como parceiros fundamentais. As ações preventivas na comunidade são essenciais para a redução dos riscos de violência e promoção da cultura de paz no território. A atuação mais eficaz é aquela que inclui, faz alianças e se torna presente na vida cotidiana das famílias e das comunidades.

Nesse contexto, é importante se frisar, primariamente, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Constituição Federal de 1988 se tornam alguns dos principais mecanismos de fortalecimento da garantia de direitos e proteção integral do público infanto-juvenil. A Carta Magna, em seu artigo 227, declara que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1998).

Percebe-se assim que tanto o texto constitucional como o ECA (ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE) são os dois principais pilares de garantia de proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre tais princípios se encontram o dever da família, da sociedade e do Estado de prover as condições integrais de assistência integral da criança e do adolescente, a fim de que seja possível resguardá-los de toda e qualquer forma de negligência, discriminação e violência.

Assim, é por meio das políticas públicas que tais garantias são asseguradas, ou melhor, por meio de proposições, diretrizes e parâmetros que possam auxiliar na articulação de metodologias e estratégias de combate e prevenção de toda e qualquer forma de violência infanto-juvenil, inclusive a doméstica.

Destaca-se, entretanto, que as políticas públicas são mais do que necessárias no processo de reporte, prevenção e combate da violência contra as crianças e adolescentes. No ano de 2004, foi introduzido em âmbito nacional a Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde, entre seus objetivos, de acordo com o seu artigo 3º, se encontram:

Art. 3º […]

I – promover a articulação da gestão de conhecimento no desenvolvimento de pesquisas, formulação de indicadores, disseminação de conhecimentos e práticas bem-sucedidas, criativas e inovadoras nacionais, regionais e locais;

II – implementar a troca de experiências de gestão e formulações de políticas públicas intersetorias e intra-setoriais;

III – fomentar o intercâmbio das práticas de atenção integral às pessoas vivendo situações de violência e segmentos populacionais sob risco;

IV – intercambiar as formas de participação da sociedade civil, organizações não-governamentais e comunidades no desenvolvimento do plano nas várias esferas de gestão; e

V – acompanhar o desenvolvimento das ações do Plano Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde nas várias esferas de gestão   (BRASIL, 2004).

Nota-se que tal rede foi o pontapé para que outras diretrizes e parâmetros pudessem ser criadas com intuito de fortalecer o sistema de prevenção e combate à violência. Assim, no ano de 2006, foi criado e implementado o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes – uma rede de vigilância com notificação imediata que tem como finalidade possibilitar a “obtenção de informações que permitem o planejamento das ações de prevenção a esses agravos e a atenção integral às vítimas de acidentes e violências em todo o território nacional” (BRASIL, 2010).

A partir do ano de 2009, tal sistema passou a ser vinculado ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação, permitindo que fosse realizado a transmissão dos dados de forma compartilhada pelas três esferas do governo, Federal, Estadual e Municipal, a fim de que seja possível uma maior oferta de resolutividade, bem como de estratégias de apoio e investigação nos casos relatados de violência, em especial aquelas favorecidas dentro do ambiente doméstico com pessoas em situação de risco e vulnerabilidade, como crianças e adolescentes.

Por sua vez, no ano de 2011, a Portaria MS/GM nº 104, do Ministério da Saúde, trouxe consigo as terminologias que deveriam ser adotadas em âmbito nacional para o processo de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos em saúde pública, bem como adotando os procedimentos e responsabilidades a serem adotados pelos profissionais e serviços de saúde. Os casos de violência doméstica, sexual, entre outras violências passou a se tornar como um dos itens de prioridade no atendimento e notificação obrigatória por parte dos profissionais competentes. De acordo com o art. 7º de tal Portaria, prediz que:

Art. 7º A notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de saúde médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários, biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros no exercício da profissão, bem como os responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e de ensino, em conformidade com os arts. 7º e 8º, da Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975 (BRASIL, 2011).

Nesse sentido, é possível notar que existe a obrigatoriedade da notificação dos casos de violência são atribuições não apenas dos profissionais de saúde, mas também de todos aqueles que compõem o quadro social no qual determinada vítima se encontra, como por exemplo nas organizações e estabelecimentos públicos e privados de saúde, e ainda de ensino. Deve-se destacar o fato de que, por vezes, é na escola que se percebe a violência, seja pelo ato de contar da criança ao professor/a, seja pelo comportamento dado, de tal forma que a intervenção de uma equipe multidisciplinar se torna necessária para a correta identificação.

No ano de 2014, a Portaria MS/GM nº 1.271, trouxe consigo a obrigatoriedade da notificação imediata dos casos de violência sexual, entre outras formas de violência, de tal modo que as equipes multidisciplinares possam atender com a maior brevidade possível, e utilizando de diferentes ferramentas para a adoção de metodologias ativas de controle, combate e prevenção dos riscos provocados.

2.4 Metodologias utilizadas pelo serviço social para a prevenção e combate da violência doméstica com crianças e adolescentes

O Serviço Social, nas suas diversas instâncias institucionais, tende a criar mecanismos de auxílio na proteção dos direitos, principalmente daqueles que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social.

Com as crianças e adolescentes, não é diferente. De acordo com Ferreira (2012), a assistência social tem como uma das suas prioridades centrar-se na família e nas interações individuo- sociedade para a promoção dos programas, projetos e serviços. Assim, o contato do profissional com os familiares passa a ser uma atividade que se encontra inserida no processo de renderização dos casos de violência doméstica, não somente por parte do assistente social, mas também por todos os profissionais que buscam erradicar tal problemática.

Nesse sentido, o Manual da Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violência se tornou um documento importante no sentido de buscar organizar as ações de prevenção e combate, bem como a adoção de metodologias de proteção integral para com o público infanto- juvenil. Nesse aspectos, foram instituídas diferentes diretrizes e estratégias a serem adotadas pelas diferentes instituições, a fim de que seja possível minimizar os riscos gerados pela violência doméstica infanto-juvenil.

O Diagrama 01, retirado do Manual da Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violência, traz um fluxograma metodológico sobre o plano de trabalho integral para com a criança em situação de vulnerabilidade e risco, e denota a participação dos serviços de assistência social para a prevenção e combate de tais situações.

Diagrama 01 – Fluxograma de Atendimento e Acompanhamento da Criança e/ou Adolescente vítima de violência doméstica

Fonte: Brasil (2010, p. 51).

Nota-se assim que o primeiro passo é o acolhimento da criança e/ou adolescente vítima de violência. É importante que seja feito um prognóstico inicial, a fim de ser feito os devidos encaminhamentos tanto para as autoridades competentes na realização das diligências devidas, como também para a equipe multiprofissional de saúde, se necessário, tal como psicólogos, psiquiatras, entre outros que possam fazer o devido atendimento para a vítima e, se necessário, para a família.

É importante que, em todos os casos, se tenha o acompanhamento do atendimento devido, fazendo com que as políticas públicas e estratégias metodológicas de prevenção e combate, por parte do Serviço Social, sejam referendadas. Assim, é importante que as redes de apoio seja no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), no CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), nas próprias escolas, entre outros locais, possam servir como ambientes que conscientizem e disciplinem a aplicação de tais ferramentas, a fim de terem suas finalidades atendidas.

Assim, em casos de violência física ou sexual, bem como em casos de negligência/abandono, faz-se necessário acompanhamento com a profilaxia adequada, a fim de que sejam prevenidos doenças e patologias resultantes da condição vulnerável da saúde de tais crianças e/ou adolescentes. O acompanhamento por meio de terapia é necessário também, em especial, pelas ESF – Equipes de Saúde da Família.

Outra fase importante a ser realizada é a da notificação. Muitos casos de violência contra criança e adolescente, especialmente no ambiente doméstico, são subnotificados, fazendo com que a quantidade seja bem maior do que a presente nas estatísticas oficiais. Assim, o encaminhamento da ficha de notificação para o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) da Secretária Municipal de Saúde dos municípios, vinculado a plataforma do DATASUS.

A comunicação imediata ao Conselho Tutelar dos casos de violência doméstica também deve ser reafirmada como essencial no combate aos casos de subnotificação. De acordo com Rolim et al (2014, p. 07):

Uma das propostas da notificação de violência, assim como outro evento de notificação compulsória, é originar dados que subsumam o planejamento de intervenções para a prevenção do agravo ou de seus danos. A adesão insatisfatória do profissional de saúde para cumprir os dispositivos que legislam sobre o ato contribui para manter a invisibilidade do problema. Nessa perspectiva, o modo como os serviços e os recursos humanos da saúde são trabalhados deve considerar os obstáculos que circunscrevem a efetivação dessa prática.

Assim, os profissionais responsáveis não podem se eximir de prestar as devidas informações ao cadastro nos sistemas oficiais, de modo que possa dar celeridade no andamento processual, assim como também permita um acompanhamento mais específico quanto aos casos arrolados junto aos órgãos e entidades competentes, inclusive no ambiente jurídico. O assistente social, enquanto profissional, deve prestar sempre um feedback e manter um contato constante com os familiares, para que assim seja feito um trabalho de primazia atenção e focada na proteção integral dos direitos da criança e/ou do adolescente.

É importante também que as equipes de assistência social possam realizar campanhas nas escolas e demais instituições de acolhimento ao público infanto- juvenil, para que assim possa ser possível manter um diálogo com determinados indivíduos, fazendo com que até mesmo casos ocultos possam vir à tona a partir de medidas de conscientização.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção de crianças e adolescentes vulneráveis é crucial na prevenção da violência doméstica. Pais e cuidadores devem estar cientes dos sinais de abuso e ser incentivados a buscar ajuda se necessário. Escolas e comunidades também têm um papel importante na prevenção, fornecendo apoio e recursos para vítimas de abuso.

A criação de um ambiente familiar seguro e amoroso também é essencial na prevenção da violência doméstica contra crianças. Os pais devem se comunicar abertamente com seus filhos, estar atentos a mudanças comportamentais e responsabilizar-se por seus próprios atos. No caso de uma criança estar sofrendo violência doméstica, é crucial que medidas imediatas sejam tomadas para protegê-la. As autoridades policiais e de proteção infantil devem ser acionadas e as vítimas devem receber apoio e ajuda para se recuperarem do trauma.

Dito isto, o presente estudo teve como objetivo analisar como a violência doméstica tende a trazer consequências para com as crianças e adolescentes e quais políticas existentes para acompanhamento da promoção de garantias e direitos de tais sujeitos. Percebe-se que tal objetivo foi alcançado, uma vez que passou a traçar uma linha de análise desde a conceituação sobre violência doméstica, passando pelas suas características, efeitos e consequências, chegando nas metodologias e estratégias de combate e prevenção de tais atos.

Ademais, tornou-se perceptível a importancia de se falar sobre o papel do Serviço Social e das suas políticas na prevenção e combate da violência infanto- juvenil. Sabe-se que, o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), CRAS (Centro de Referência  de Assistência Social), Conselho Tutelar, entre outras instituições, bem como toda a rede de proteção à criança, como o Estatuto da Criança e Adolescente, entre outros, são, por vezes a porta de entrada para o delineamento de soluções, em especial para famílias em situação de risco e vulnerabilidade socioeconômica, e a assistência social como um todo deve ter como propósito atender tais sujeitos com dignidade, ética e cidadania, independente de classe social, raça, gênero ou faixa etária, em especial para com crianças e adolescentes vítimas de tais atos abusivos.

Em suma, a prevenção e combate à violência doméstica contra crianças exigem um esforço conjunto por parte de pais, cuidadores, comunidades e autoridades. Todos devem trabalhar juntos para proteger as crianças e prevenir o abuso e a negligência, proporcionando um ambiente seguro e amoroso para que cresçam livres de violência e abuso.

REFERÊNCIAS

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¹Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA).
²Acadêmica do Curso de Serviço Social da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA).
³Professor do curso de Bacharelado em Serviço Social da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão. Especialista em Regulação em Saúde no SUS pelo Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Possui MBA em Gestão de Finanças, Controladoria e Perícia pela Faculdade Latino Americana de Educação.