TAX LOSS AND OFFSET IN THE ACTUAL PROFIT REGIME: ANALYSIS OF THE “30% LOCK” AND TAX PLANNING
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506132254
Joeldson Kaio de Araujo Lima¹
Orientador: Dr. André de Souza Dantas Elali²
Resumo
Este artigo analisa o instituto da compensação de prejuízos fiscais no regime de tributação pelo Lucro Real, com foco na controversa limitação de 30%, conhecida como “trava dos 30%”. Partindo do conceito constitucional de renda como acréscimo patrimonial, o estudo aborda os fundamentos do planejamento tributário e a natureza jurídica do prejuízo fiscal. A metodologia consiste em pesquisa bibliográfica e documental, com análise da doutrina, da legislação pertinente (Leis nº 8.981/95 e 9.065/95) e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (RE 591.340/SP, Tema 117). A discussão aprofunda o impacto da “trava dos 30%” no conceito de capacidade contributiva e as implicações estratégicas da escolha entre a apuração anual por estimativa e a apuração trimestral. Conclui-se que, embora validada constitucionalmente pelo STF como um instrumento de política fiscal, a limitação impõe um diferimento na recuperação dos prejuízos que pode onerar o fluxo de caixa e a competitividade das empresas, exigindo um planejamento tributário sofisticado para mitigar seus efeitos e garantir a sobrevivência empresarial no complexo cenário brasileiro.
Palavras-chave: Planejamento Tributário. Prejuízo Fiscal. Lucro Real. Trava dos 30%. Direito Tributário.
1 INTRODUÇÃO
O sistema tributário brasileiro, notório por sua complexidade, impõe às pessoas jurídicas um desafio constante de conformidade e gestão de custos. No epicentro dessa complexidade reside a apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pelo regime do Lucro Real. Este regime, mais preciso ao tributar o resultado contábil efetivo, abriga institutos de profunda relevância econômica e jurídica, como a compensação de prejuízos fiscais.
A possibilidade de abater prejuízos de exercícios anteriores dos lucros futuros é um mecanismo essencial para a realização da justiça fiscal, alinhado ao princípio da capacidade contributiva. Contudo, desde meados da década de 1990, a legislação brasileira impôs uma restrição quantitativa a essa compensação, limitando-a a 30% do lucro do exercício. Essa “trava dos 30%” gera intensos debates doutrinários e judiciais.
Nesse contexto, o planejamento tributário transcende a mera busca pela economia de tributos, tornando-se uma ferramenta indispensável para a própria viabilidade e sustentabilidade empresarial. A decisão sobre a periodicidade da apuração — anual por estimativa ou trimestral definitiva — e a gestão do saldo de prejuízos fiscais acumulados são de fundamental importância estratégica.
Assim, o problema de pesquisa que orienta este artigo é: De que maneira a “trava dos 30%” na compensação de prejuízos fiscais, no âmbito do regime do Lucro Real, afeta o conceito de renda tributável e quais são suas implicações para o planejamento tributário estratégico das empresas no Brasil?
A justificativa para a análise aprofundada do tema reside em sua inegável relevância prática e teórica. Na prática, a gestão dos prejuízos fiscais impacta diretamente o fluxo de caixa, a capacidade de investimento e a competitividade das empresas. Teoricamente, a “trava dos 30%” suscita questionamentos sobre os limites do poder de tributar do Estado e a efetivação de princípios constitucionais como a isonomia e a vedação ao confisco.
Desse modo, o objetivo geral deste artigo é analisar criticamente o instituto da compensação de prejuízos fiscais e a limitação de 30% no regime do Lucro Real. Para tanto, os objetivos específicos são: (a) discutir o conceito constitucional de renda e a natureza jurídica da compensação de prejuízos; (b) examinar a origem e a fundamentação legal e jurisprudencial da “trava dos 30%”; (c) comparar os impactos da apuração anual e trimestral no aproveitamento dos prejuízos; e (d) avaliar as consequências da limitação para o planejamento tributário empresarial.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O Conceito Constitucional de Renda e a Natureza da Compensação
A competência da União para instituir o imposto sobre a “renda e proventos de qualquer natureza” está prevista no art. 153, III, da Constituição Federal. A doutrina majoritária, liderada por autores como Hugo de Brito Machado (2021, p. 325), defende que o conceito de renda deve ser compreendido como acréscimo patrimonial. Segundo Machado, renda “é o acréscimo ao patrimônio, o resultado positivo de um confronto entre os valores positivos e os valores negativos que o alteram”.
Nessa perspectiva, o prejuízo não é o oposto do lucro; ele é parte integrante da sua apuração. Um resultado negativo em um período representa um decréscimo patrimonial que, logicamente, deveria ser considerado na apuração da renda tributável dos períodos subsequentes para que o imposto incida apenas sobre o acréscimo patrimonial real ao longo do tempo.
A compensação de prejuízos fiscais, portanto, não se configuraria como um benefício fiscal ou uma liberalidade do Fisco, mas sim como um instrumento essencial para a correta apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Trata-se de uma exigência do próprio conceito de renda. Como aduz Roque Antonio Carrazza (2009, p. 88), tributar um lucro apurado em um exercício sem permitir a dedução integral de prejuízos anteriores seria, em última análise, tributar o próprio patrimônio da empresa, e não a renda.
2.2 O Regime do Lucro Real e o Surgimento da “Trava dos 30%”
O regime do Lucro Real é a sistemática na qual a base de cálculo do IRPJ e da CSLL é determinada a partir do lucro contábil, ajustado pelas adições, exclusões e compensações prescritas pela legislação tributária (Decreto-Lei nº 1.598/1977). É o regime que, em tese, mais se aproxima do princípio da capacidade contributiva, por tributar o resultado efetivamente auferido.
Historicamente, a legislação brasileira permitia a compensação integral dos prejuízos fiscais, embora com um prazo prescricional. O cenário foi drasticamente alterado com a chegada do Plano Real e a necessidade de estabilização da arrecadação. As Leis nº 8.981/95 (art. 42) e nº 9.065/95 (art. 15) instituíram a “trava dos 30%”. Em contrapartida, eliminaram o prazo quadrienal para a compensação, tornando o direito de compensar imprescritível enquanto a empresa mantiver o saldo.
A justificativa do legislador foi essencialmente de política fiscal: garantir um fluxo mínimo e constante de arrecadação, evitando que empresas com grandes prejuízos acumulados deixassem de pagar impostos por longos períodos, mesmo em exercícios superavitários.
2.3 A Validação da “Trava dos 30%” pelo Supremo Tribunal Federal
A constitucionalidade da limitação foi objeto de intensa controvérsia judicial, que culminou no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 591.340/SP (Tema 117 de Repercussão Geral). Em 2019, o STF, por maioria, decidiu pela constitucionalidade da trava.
O voto condutor, do Ministro Alexandre de Moraes, classificou a compensação de prejuízos fiscais como um benefício fiscal, e não como um elemento intrínseco à apuração da renda. Segundo essa visão, o legislador ordinário teria a prerrogativa de modular as condições de fruição desse benefício, visando a estabilidade da arrecadação e o interesse público. A decisão do STF firmou a seguinte tese: “É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL”.
Mais recentemente, a discussão foi retomada em relação à aplicação da trava nos casos de extinção da pessoa jurídica. No RE 1.449.522 (Tema 1.282), o STF reafirmou seu entendimento, decidindo que a limitação de 30% também se aplica aos casos de extinção, ao fundamento de que não cabe ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo para criar exceções não previstas em lei.
3 METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratório-descritiva. O procedimento técnico adotado foi a revisão bibliográfica e documental. A pesquisa fundamentou-se na análise da doutrina de renomados juristas da área tributária, como Hugo de Brito Machado, Paulo de Barros Carvalho e Roque Antonio Carrazza. Adicionalmente, realizou-se um levantamento e análise da legislação federal pertinente, em especial o Decreto-Lei nº 1.598/77 e as Leis nº 8.981/95 e nº 9.065/95. A dimensão jurisprudencial foi investigada por meio da análise dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, com foco nos temas de repercussão geral que consolidaram o entendimento sobre a matéria.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise da “trava dos 30%” e de suas implicações revela uma tensão fundamental entre a política fiscal do Estado e os princípios do Direito Tributário.
4.1 Apuração Trimestral vs. Anual: O Planejamento Tributário em Ação
A legislação faculta ao contribuinte do Lucro Real optar pela apuração anual (com recolhimentos mensais por estimativa) ou pela apuração trimestral (definitiva). Essa escolha é um dos pontos mais importantes do planejamento tributário e impacta diretamente a gestão dos prejuízos.
- Apuração Anual: Nesta modalidade, os resultados mensais (lucros ou prejuízos) se compensam livremente ao longo do ano-calendário. Um prejuízo apurado em um mês pode ser integralmente absorvido pelo lucro do mês seguinte, dentro do mesmo exercício. A “trava dos 30%” só incide sobre o saldo de prejuízos de exercícios anteriores a ser compensado com o lucro real apurado no balanço anual de 31 de dezembro. Esta forma oferece maior flexibilidade para empresas com sazonalidade ou volatilidade de resultados.
- Apuração Trimestral: Cada trimestre é considerado um período de apuração definitivo e estanque. O prejuízo fiscal apurado em um trimestre só poderá ser compensado com o lucro de trimestres futuros, já com a incidência da trava de 30%. Não há possibilidade de compensação entre os meses dentro do mesmo trimestre. Essa rigidez pode levar a uma situação em que a empresa paga imposto em um trimestre lucrativo, mesmo que o resultado consolidado do ano seja um prejuízo.
A escolha, portanto, deve ser pautada por uma projeção acurada dos resultados. Empresas que preveem um primeiro semestre de prejuízo e um segundo de lucro, por exemplo, seriam fortemente beneficiadas pela apuração anual, que permitiria a compensação integral dos resultados negativos iniciais.
4.1 Apuração Trimestral vs. Anual: O Planejamento Tributário em Ação
Embora o STF tenha validado a trava como benefício fiscal, na prática, seus efeitos econômicos são inegáveis. Ao limitar a compensação a 30% do lucro, a norma cria um lucro tributável ficto, descolado da real capacidade contributiva da empresa naquele exercício.
Considere o exemplo de uma empresa que possui R$ 500.000 em prejuízos acumulados e apura um lucro de R$ 200.000 em um exercício. Contabilmente, seu resultado acumulado ainda é um prejuízo de R$ 300.000. No entanto, para fins fiscais, ela só poderá compensar 30% de R$ 200.000, ou seja, R$ 60.000. Com isso, será obrigada a pagar IRPJ e CSLL sobre uma base de cálculo de R$ 140.000, mesmo estando em uma situação patrimonial deficitária.
Esse desembolso forçado representa uma oneração direta do fluxo de caixa, recursos que poderiam ser utilizados para reinvestimento, pagamento de salários ou quitação de dívidas. O prejuízo não compensado (R$ 140.000) é diferido para exercícios futuros, mas o custo financeiro desse diferimento é integralmente suportado pelo contribuinte.
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do regime do Lucro Real e da compensação de prejuízos fiscais demonstra que a “trava dos 30%” é um dos elementos mais críticos e controversos do sistema tributário brasileiro. Embora a sua constitucionalidade esteja pacificada pelo Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que se trata de um benefício fiscal modulável pelo legislador, seus efeitos práticos revelam uma profunda distorção no conceito de renda como acréscimo patrimonial.
Ficou demonstrado que a limitação legal obriga empresas a recolherem tributos sobre lucros fictícios, desconsiderando sua real capacidade contributiva e onerando seu fluxo de caixa em momentos que podem ser cruciais para sua recuperação econômica. Responde-se, assim, ao problema de pesquisa: a “trava dos 30%” afeta o conceito de renda ao dissociar a base de cálculo tributável do acréscimo patrimonial efetivo, e impõe ao planejamento tributário a necessidade de uma gestão estratégica de longo prazo para a absorção dos saldos de prejuízo, com a escolha da periodicidade de apuração (anual ou trimestral) sendo uma decisão de fundamental importância.
A principal contribuição deste trabalho é a consolidação da análise jurídica e contábil do tema, evidenciando que, para além da validade formal da norma, há um impacto econômico substancial que afeta a competitividade e a sobrevivência das empresas. O conhecimento aprofundado deste mecanismo deixa de ser um mero exercício acadêmico para se tornar uma ferramenta indispensável de gestão. Para pesquisas futuras, sugere-se a análise do direito comparado, investigando como outras ordens jurídicas tratam a compensação de prejuízos fiscais, a fim de avaliar alternativas ao modelo brasileiro.
REFERÊNCIAS
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CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda: perfil constitucional e temas específicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2021.
PEREIRA, Roberto Codorniz Leite. Compensação no Direito Tributário, Proporcionalidade e Segurança Jurídica. Revista Direito Tributário Atual, n. 46, p. 401–437, 2020.
¹Discente do Curso Superior de Bacharelado em Direito do Instituto Universidade Federal do Rio Grande do Norte Campus Natal e-mail: kaio.lima.018@ufrn.edu.br
²Docente do Curso Superior de Bacharelado em Direito do Instituto Universidade Federal do Rio Grande do Norte Campus Natal. e-mail: andreelali@gmail.com