REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10152723
Erica Costa dos Santos1
Vitória Cristina Silva Araújo2
RESUMO
O seguinte trabalho científico tem como objetivo trazer o artigo que será apresentado como trabalho de conclusão de curso, cujo tema denomina-se conceitualmente Pornografia de Vingança, derivado do inglês revenge porn, ilustrando como o machismo estrutural tem se adaptado na chamada Era das redes, fruto da sociedade da informação, ganhando um formato de ataque digital contra as vítimas do crime em questão. Ao final, por meio de dados concretos, restará evidenciada a transformação e a adaptação que a cultura machista sofreu com a transformação digital e como esse formato de ilícito, que gera danos à vítima e reflexos civis e penais ao transgressor, demonstram as problemáticas sociais que foram transformadas com o decorrer dos anos, mas sempre com o mesmo embasamento de superioridade do homem sob a mulher nos relacionamentos afetivos e na visão social perante atos que não são de culpabilidade feminina, mas que mesmo assim a mulher segue sendo julgada por ser vítima de um crime que demonstra bem a sociedade misógina em que se vive e que pouco evoluiu com relação a igualdade de gêneros. Por último, apontaremos o que pode ser feito contra essa problemática e como desenvolver atos de proteção feminina serão trabalhados e expostos ao decorrer do artigo, a fim de demonstrar a importância do tema na atualidade.
Palavras-chave: Pornografia de Vingança. Machismo estrutural. Era digital.
SUMMARY
The following work aims to bring the article that will be presented as a course conclusion work, whose theme is Revenge Pornography and how structural machismo has adapted in the digital age, gaining a format of digital attack against victims of crime in question. Thus demonstrating the transformation and adaptation that the macho culture has suffered with the digital age and how this crime format demonstrates well the social problems that have been transformed over the years, but always with the same basis of superiority of men over women in the affective relationships and in the social view of acts that are not of female guilt, but that even so the woman continues to be judged for being the victim of a crime that demonstrates well the misogynistic society in which we live and that has evolved a little in relation to equality of rights. genres. What can be done against this problem and how to develop female protection acts will be worked on and exposed during course of the article, in order to demonstrate the importance of the topic today.
Keywords: Revenge Pornography; Structural machismo; Digital age.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como foco principal analisar como a era atual trouxe grandes avanços para a sociedade, facilitando os meios de comunicação e como isso tem influenciado na propagação de conteúdos sensíveis, altamente íntimos, de terceiros. O intuito desses avanços tecnológicos seria facilitar relações pessoas: seja de trabalho ou até mesmo negócios, assim, a tecnologia se torna indispensável na vida do ser humano.
Partindo desse prisma, o uso cada vez mais frequente da internet acarretou uma situação corriqueira, onde vemos casos de crimes de pornografia de vingança com uma certa frequência aparecendo na mídia. Os indivíduos se utilizam dos meios digitais para expor pessoas em situações íntimas, usando desses meios para se vingarem e trazendo vulnerabilidade às mesmas.
O intuito geral da pesquisa, é mostrar o quão a cultura enraizada do machismo estrutural e os costumes do patriarcado afetam a nossa sociedade. Como isso tem se intensificado e vem aprimorando os crimes contra a mulher. Os danos causados à vítima muitas vezes são irreversíveis, a possibilidade de disseminação rápida de qualquer conteúdo postado na rede de forma errada se torna um grande problema a integridade física e psíquica do ser humano, podendo gerar sérios riscos à vida afetada pelo ato.
Será analisado o olhar social diante do delito e algumas leis de grande importância e amparo para esse tipo de crime debatido no artigo. Além do crime que aqui será tratado, temos também: a Lei 12.737/2012 mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann; o Marco Civil da Internet 12.965/2014, a Lei Geral de Proteção de Dados 13.709/2018 e a Lei Maria Da Penha 11.340/2006. Tais legislações têm como foco regular e proteger os direitos das pessoas na internet e/ou proteger os a mulher de violência de gênero.
Vale salientar que o autor que comete algo dessa plenitude tem a intenção de prejudicar, menosprezar, ofender e/ou ridicularizar a vítima, fazendo com que a credibilidade frente a sociedade seja abalada, causando uma perda de trabalho, um afastamento das pessoas de seu convívio e podendo levar a algo mais grave, como um suicídio.
Assim, mostrando que diante das problemáticas que se agravaram com o avanço da internet, a facilidade na divulgação de imagens de cunho sexual, seria uma delas. Valendo ressaltar que, na espécie do crime abordado neste trabalho, esse conteúdo em larga escala é encaminhado pela própria vítima confiando no receptor. Se sentindo segura no envio, pois na maioria dos casos essa segunda pessoa é seu companheiro(a).
É necessária uma atenção maior a esse crime cibernético, pois o mesmo não atinge somente a vítima, mas pode se estender às pessoas ao seu redor. A prática do ato ilícito vai muito além de uma simples vingança. Todavia, destaca-se a questão do machismo enraizado, onde o homem busca sempre um meio de menosprezar a mulher e mostrar seu domínio sobre ela. Essa então, seria a forma contemporânea de agredir uma mulher!
ORIGEM DO MACHISMO E PATRIARCADO
Desde os primórdios, mais precisamente 4 mil anos a.C. com o surgimento das civilizações criadas no Oriente Médio, o homem desenvolveu maior poder de fala, liderança e direitos comparado com a mulher. Fazendo com que a questão da inferioridade feminina viesse à sociedade muito antes do que se imagina.
Alguns eventos na história ocasionaram na estrutura social que se vivia na antiguidade e que se transformou ao longo dos anos, mas acarretando uma organização patriarcal que se sustenta ao longo dos milênios e mesmo com toda a transformação já vivida, se arrasta e se encontra presente desde sempre.
O surgimento das civilizações aconteceu através da agricultura, onde por meio do plantio se viu uma forma de estabilidade em um local cujo qual o humano poderia cultivar seu alimento, sem que fosse necessário viver como nômade, caçando e migrando de região para região.
Dessa forma, homem e mulher tinham mais tempo de convivência e com isso as mulheres começaram a engravidar mais vezes, criando populações e não podendo ajudar de igual para igual em todas as tarefas que antes eram muito comuns para ambos os sexos.
Fazendo assim necessária uma divisão de tarefas entre a população, criando desse modo profissões e agrupando pessoas com obrigações específicas diante da sociedade que se formava nas primeiras civilizações. Visto que devido a maternidade e ao perfil biológico das mulheres, elas ficaram com as tarefas de cuidado do lar, plantio e crianças.
Já os homens iam para guerras e eram responsáveis pelos trabalhos mais árduos, serviços braçais mais densos e que exigiam maior esforço físico. Com isso, tinham grandes contatos com pessoas e populações externas, criando envolvimento com decisões e discussões com outros povoados. Fazendo assim, com que questões “políticas” fossem decididas entre eles, sem o envolvimento feminino.
Mas a situação foi tomando uma proporção maior e significativa, quando em algum dado momento, os homens entenderam que o sêmen masculino é o que engravidava a mulher e com isso se sentiram mais poderosos ainda, já que a fertilização dependia de algo que viria deles.
As coisas só foram se agravando ainda mais e o Código de Hamurabi, um conjunto de leis criado na Mesopotâmia, trouxe consigo maneiras de punir comportamentos considerados inadequados na sociedade. Mas as penas eram mais brandas para homens e severas para mulheres com relação ao mesmo ato cometido por ambos.
Desde então a estrutura social de submissão feminina só foi se agravando. No Código, caso o homem traísse sua esposa, ela poderia solicitar o divórcio. Porém, se ocorresse o contrário, a esposa fosse a adúltera, ela deveria receber a pena de morte.
E assim, estudando o passado podemos compreender o presente e como a formação das grandes nações aconteceu, sempre de maneira desproporcional quando o assunto é gênero, visto que a mulher recebeu esse olhar de inferioridade com relação ao gênero másculo a milênios atrás.
A organização social, a qual o homem tem o poder de decisão e de domínio sobre a mulher, foi chamada de patriarcado. Nessa organização o homem é o líder e chefe de sua família e suas decisões devem ser acatadas e respeitadas, sem que haja igualdade na opinião feminina e masculina. Predominando o que o homem achar melhor sem que possa haver debate.
Essa cultura que favorece o homem, em sua maioria branco e heterossexual, traz uma escala de domínio onde esse padrão de ser humano é responsável por ocupar grandes lugares de poder na história. Lugares onde decisões políticas e econômicas são tomadas e aplicadas para o resto da população.
Através do olhar patriarcal, se entende que a mulher é mais fraca e frágil em todos os aspectos. Sejam eles: físicos, mentais, econômicos. Fazendo com que ela seja vista como uma parte vulnerável da população, podendo ser comandada e submissa aos seus considerados “donos”, seja seu pai, cônjuge e se estendendo até a seu líder político.
Com toda essa vulnerabilidade e olhar de “ser frágil” com relação ao gênero oposto, criasse um ambiente propício para que a violência, seja ela de qual forma for, se propague sempre do homem para a mulher. Como uma forma de controle e um mecanismo de domínio para com a vítima do gênero feminino.
Violência essa que assim como as diversas formas de aplicar e visualizar o machismo na sociedade, se transformou com o decorrer do tempo, se adaptando sempre ao meio em questão, aos novos comportamentos humanos, mas nunca chegando ao fim, apenas se moldando a realidade atual. Trazendo à tona a violência de gênero que não entrou em extinção nem mesmo 2 mil anos d.c
A ERA DAS REDES
A era digital teve início no final do século XX, revolucionando o meio de informação e comunicação em âmbito global. Atualmente vivemos em constante mudança, as informações, o modo de pensar e se comunicar, vem tendo grandes impactos devido a evolução tecnológica. Mas, é importante entender que não é uma fase recente, todo esse aparato tecnológico são marcas da terceira Revolução Industrial.
Sem dúvida, a era das redes trouxe mudanças, seja no setor econômico, pessoal, científico, e possivelmente ainda trará grande impacto na sociedade ao decorrer dos anos. Ocorre que, essas transformações avassaladoras carregam além de benefícios, consequências não tão boas, na mesma proporção.
Nota-se que o modo de viver mudou muito em decorrência da internet, desde as pessoas em sua individualidade, aos relacionamentos afetivos, todos conectados por uma tela e essa interação está cada vez mais presente em nossas vidas, surgindo a necessidade de atenção ao que é compartilhado ali no meio virtual, uma vez que a projeção de alcance será maior do que um diálogo face a face.
É notório também o surgimento de grandes oportunidades de trabalho e conhecimento, muito embora existam desafios para que o uso seja seguro, responsável e que não gere danos a terceiros ou para si próprio. Leis que punem atos ilícitos em campo virtual foram necessárias com intuito de resguardar os direitos humanos.
Houve um tempo em que a internet era considerada uma “terra sem lei”, não se via punições perante os atos cometidos através dela e quando ocorria algum tipo de sanção, era alegando crime contra a honra, injúria ou difamação. Contudo, com a prática cada vez mais frequente de crimes cibernéticos, foram surgindo legislações visando trazer segurança aos usuários e punições a atos criminosos.
Assim, para que de fato houvesse uma segurança maior no meio digital, foi promulgada a Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, popularmente conhecido como Marco Civil da Internet, que em seu artigo 1º estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estado, do Distrito federal e dos Municípios em relação a matéria.
Além dessa lei que foi criada como uma maneira de regulamentar a plataforma e os atos cometidos nela, outras surgiram para proteger a vítima de tais situações ilícitas, como por exemplo, o vazamento de conteúdos que expõem sua intimidade sexual pela internet.
A pornografia de vingança pode ser considerada como um crime atual, contemporâneo, surgindo justamente como consequência dessa evolução digital, visto que tudo esse crime está totalmente voltado a propagação virtual, sendo considerado como uma nova modalidade de violência de gênero, já que majoritariamente as vítimas são mulheres.
Elas são as maiores vítimas da violação de intimidade que acontece, saindo de um meio totalmente anônimo para os holofotes virtuais de uma forma totalmente humilhante, degradante e sem consentimento. Diante desse aumento de violência contra a mulher, em agosto de 2018 foi criado a Lei nº 13.718/18, que introduziu o artigo 218-C, no Código Penal Brasileiro, tipificando assim essa conduta como crime.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, estabelece que:
São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou decorrente de sua violação (BRASIL, 2002).
E de acordo com o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 12:
Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (BRASIL, 2002.)
Contudo, para reparar o dano causado há toda uma complexidade, exposição e desgaste emocional, uma vez que o crime traz um abalo psíquico a vítima que se sente culpada, julgada e de certa forma confusa com toda a repercussão social que isso poderá trazer à sua vida. Além de confiança perdida em alguém, em muitos casos, de seu convívio.
PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
O crime de pornografia de vingança, que deriva do inglês revenge porn, é o ato de propagar conteúdo de cunho sexual sem o consentimento do ofendido, podendo ter pena maior quando o ofensor tenha tido relação intima e/ou afetiva com a vítima. Texto presente no art. 218-C do Código Penal:
Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018).
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018):
A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Logo, é um crime muito comum em término de relacionamento ou brigas conjugais, onde uma das partes se vê no direito de expor seu(sua) parceiro(a) somente pelo fato de não concordar com o rumo que a relação tomou e tendo o conteúdo em seu fácil acesso, espalha nas redes sociais. Grupo de amigos, família, colegas de trabalho, entre outros ciclos de convívio da vítima, são o público-alvo do autor.
Ivo Hartmann, pontua a respeito do tema:
Existem pelo menos quatro elementos comuns em instâncias daquilo que normalmente é chamado de pornografia de vingança: uma mídia efetivamente mostrando uma pessoa ou grupo de pessoas; o sentimento pessoal das pessoas retratadas de que aquele é um momento íntimo; a falta de autorização por parte dessas pessoas para a disseminação e; a disseminação intencional dessa mídia on-line (2018, p. 13/26).
Não há registros de um caso ou um período específico cujo qual tenha se dado o marco do crime de pornografia de vingança no Brasil. Todavia, uma questão ganhou destaque em 2012, pois até então não havia no ordenamento jurídico brasileiro leis para atos ilícitos cometidos por meio da internet, apenas se aplicavam analogias.
Mas com o vazamento de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann na internet, a justiça se viu obrigada a elaborar uma lei que atuasse em relação a tais atos virtuais. No caso em questão, a atriz teve seu e-mail invadido e foi chantageada. Como não cedeu, teve suas fotos pessoais expostas nas redes.
Com isso, deu-se a criação da Lei Carolina Dieckmann, Lei 12.737/2012, que entrou em vigor no ano de 2013, alterando os artigos 266 e 298 do Código Penal. Nela é penalizado o ato de invasão a dispositivos eletrônicos e a partir de então tomar posse de conteúdos alheios para propagá-los, modificá-los ou até mesmo destruí-los.
O assunto em outros países teve debates anos antes, como por exemplo, nos Estados Unidos que desde os anos 2000 levanta diálogos a respeito e no ano de 2010 na
Nova Zelândia aconteceu o registro da primeira prisão pela tipificação penal de Revenge Porn, aqui chamado de pornografia de vingança. Crime cometido por um jovem de 20 anos que divulgou imagens íntimas de sua namorada nas redes sociais da mesma.
No Brasil antes do caso de Carolina, em 2005 a jornalista Rose Leonel teve suas fotos íntimas espalhadas por seu ex companheiro na cidade onde moravam, como uma maneira de se vingar de Rose, que se viu exposta e ao recorrer à justiça o crime foi penalizado como injúria e difamação, art. 139 do Código Penal, utilizado por analogia pelo magistrado, conforme reportagem exibida no Repórter Record Investigação, em meados de janeiro de 2019 da emissora Record.
Mas somente em 2018 a Lei 13.772/18 surgiu para enfim tipificar o ato de exposição motivado por vingança a outrem, denominado então de “Pornografia de Vingança”, conhecido popularmente também como Revenge Porn e através dessa lei, muito se progrediu com relação a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana na internet, visto que antes dela, tais práticas eram penalizadas por analogia.
No crime Carolina Dieckmann não há necessariamente vínculo afetivo e nem um envio de conteúdo sexual, mas sim uma invasão a sua privacidade digital e por meio dela ocorre a apropriação do conteúdo, geralmente fotos e filmagens. Já no crime do art. 218- C do Código Penal, a motivação é o sentimento de vingança contra o outro e a imagem muitas vezes foi enviada para o autor do crime pela própria vítima.
A Ong SaferNet Brasil, atuante na luta contra a violação dos direitos humanos na internet, trouxe em pesquisas feitas que 81% das vítimas do delito tratado neste artigo, são mulheres. E saindo da esfera nacional, uma pesquisa feita pela ONG Cyber Civil Rights Initiative em 2014 nos EUA apontou que 90% de vítimas do mesmo ato criminoso, também eram do gênero feminino (CINELLI, 2022).
Dado todo o histórico-cultural e a organização social machista, patriarcal e misógina em que as civilizações se moldaram, não era de se esperar que um crime envolvendo relacionamento afetivo trouxesse informações diferentes do que se não a mulher sendo a grande prejudicada quando o assunto é uma das diversas formas de violência que se pode praticar contra tal.
O campo virtual trouxe consigo uma nova espécie de violência de gênero, contemporânea, agora de modo digital. Através de uma tela onde se pode por um simples click, trazer a público imagens particulares que expõe de maneira vexatória uma mulher que até então confiou na pessoa que mantinha vínculos. Levando a sentimentos e atitudes, em alguns casos, irreversíveis.
Diante de tantos atos, sejam eles sutis ou gritantes que reforçam a visão social de inferioridade da mulher com relação ao homem, a pornografia de vingança surge como uma evolução dos crimes praticados contra a mulher. Visto que ele se propaga nas redes, é notório seu desenvolvimento com os avanços tecnológicos e com o impacto que a imagem virtual acarreta na vida real, trazendo danos e prejuízos em vários aspectos e níveis sociais.
A imagem que o ser humano carrega e busca demonstrar, seja ela qual for, em suas redes sociais interfere diretamente no convívio cotidiano com pessoas de seus ciclos e através desse perfil virtual que é imposto sobre o ser, alguém é julgado ou taxado de algo muitas vezes ilusório. Porém, por estar ali na internet é espalhado entre mensagens e publicações como se fosse uma verdade, tomando proporções inimagináveis.
E assim com esse conjunto de veículos de divulgação massiva, um crime onde a imagem é o principal mecanismo utilizado para ferir o alvo, alvo este fragilizado pela sociedade em si desde os primórdios, vem tomando proporções catastróficas. Onde mulheres têm suas vidas modificadas completamente, por apenas tomarem a decisão de seguir em direção oposta à de seu companheiro.
A hiperssexualização do corpo feminino; o domínio do homem com relação à mulher; o julgamento da sociedade perante o elo “frágil” e dominador da relação e sentimento de posse que envolve o olhar masculino sobre o gênero oposto ao seu são fatores que reforçam o surgimento de tais tipificações penais como o crime utilizado de objeto de estudo neste artigo.
CONSEQUÊNCIA DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
Existe um impacto muito grande quando se fala de redes sociais e a cultura enraizada do machismo, visto que, o mau uso das redes pode causar danos irreparáveis a vida de alguém. O crime de pornografia de vingança surgiu dentro desse cenário preconceituoso e discriminatório que acoberta a violência de gênero, juntamente com a tecnologia extremamente avançada para facilitar a prática do mesmo.
Bittar destaca que pode haver formas diversas de responsabilização do agente: A tutela geral dos direitos da personalidade compreende modos variados de reação, que permitem ao lesado a obtenção de respostas distintas, em função dos interesses visados, estruturados, basicamente, em consonância com os seguintes objetivos: a) cessação de práticas lesivas, b) apresentação de matérias oriundos dessas práticas, c) submissão do agente à cominação de pena ; d) reparação de danos materiais e morais, e e) perseguição criminal do agente (BITTAR, 2015, p. 88).
Com a junção do uso da imagem íntima de alguém, via de regra, uma mulher e o alcance que a internet proporciona ao conteúdo, o ato ilícito vem causando danos significativos à vítima que é duplamente punida por exercer sua liberdade. Punida por não seguir conforme o desejo de seu companheiro e julgada pelo olhar da sociedade.
Quando se fala na questão da pornografia de vingança, o que mais se pede é que sejam retirados os vídeos e imagens de sites, afim de cessar a lesão. E também os pedidos de indenização pecuniárias com base na responsabilidade civil, a fim de compensar o dano sofrido.
Importante salientar, que o Marco Civil da Internet exclui a responsabilidade dos provedores por danos decorrentes de terceiros, desde que estas excluam as imagens ou vídeos íntimos, que contenham cenas de nudez ou atos sexuais.
Em 2013 tivemos os primeiros registros de suicídios motivados pela violência sofrida através do delito debatido. Uma jovem de 16 anos que morava no Rio Grande do Sul e outra de 17 que residia na Paraíba, tiraram suas próprias vidas após terem imagens íntimas divulgadas na internet.
Perante os olhos sociais a vítima é considerada culpada. Por não preservar sua imagem; por ser considerado um ato “vulgar” o envio de imagens íntimas; tem seu corpo exposto e julgado por ter tal formato ou por não seguir padrões estereotipados, fazendo com que sua privacidade seja totalmente invadida.
Quanto ao autor do delito, pode sofrer sanções legais, conforme previstas em lei e citadas anteriormente neste artigo. Porém, diante da sociedade é pouco questionado e até mesmo acaba sendo defendido por terceiros, que infantilizam o ato, consideram pouco grave e até mesmo justificam o feito por meio da atitude ou comportamento da vítima que tenha motivado o crime.
Independente das conquistas femininas obtidas entre as décadas que se sucedem, visando equidade entre os gêneros e respeito perante seus direitos, na Era das Redes a problemática evoluiu para o campo virtual e em uma tentativa de reforçar o poder do homem sobre a mulher, agora podemos vê-lo sendo veiculados através da tipificação prevista no art. 218-C
A pornografia de vingança causa danos extrapatrimoniais, de acordo com o artigo 927 do CC, há o dever de reparar o dano. Mas em destaque os danos morais são notórios nessa espécie de delito. Em alguns casos pode haver também prejuízo patrimonial, como perda de cliente, caso a vítima seja empreendedora/vendedora; perda de emprego e afins. Mas, ressaltando, o que prevalece nos casos é de fato o dano moral.
Para Rizzardo:
O interesse protegido nasce a espécie de dano, que seria os patrimoniais e extrapatrimoniais. Segundo o autor, no dano patrimonial existe interesse econômico. O dano diminui o patrimônio que, por sua vez, envolve qualquer bem exterior. No caso dos outros os danos extrapatrimoniais, acontece quando, além do prejuízo econômico, há o sofrimento psíquico ou moral, isto é, as dores, os sentimentos, a tristeza, a frustração. Essa espécie atinge o ofendido enquanto ser humano, sem alcançar seus bens materiais, nesse caso fere os valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a tranquilidade e a reputação (RIZZARDO, 2015, Capítulo II).
Quando se fala em reparar o dano, não é necessariamente indenizar monetariamente a vítima. A responsabilização civil, não é a única opção. De acordo com Schreiber, o dano moral pode ser compensado de modo não pecuniário, caso atenda ao interesse da vítima. Ainda, o autor relata que a possibilidade de cumulação de mais de um modo de compensação.
A pornografia de vingança tem relação significativa com o sistema patriarcal, pois envolve a sociedade como um todo, vivemos em um cotidiano de relacionamentos abusivos, quando uma mulher se sente oprimida e resolve sair desse ciclo a mesma é invadida no seu íntimo com um crime cibernético, cujo qual só nos remete a mais uma forma de opressão, humilhação e menosprezo. Seria então uma violência contemporânea (SCHREIBER, 2014, p.18).
Nas palavras de Diego Sígoli Domingues:
Essa notável ausência de política educacional, cuja obrigação compete a todos os atores da sociedade nos termos da Constituição Federal, gera riscos, principalmente quanto à tutela dos direitos fundamentais ligados à intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos invioláveis (DOMINGUES, 2021, p. 116).
CONCLUSÃO
A pesquisa teve como intuito compreender a prática dos crimes cometidos virtualmente e ganharam a denominação de pornografia de vingança, como esse crime implica na vida privada e nas relações públicas da vítima. Trazendo um abalo direto em sua imagem social.
Vale salientar que os crimes cibernéticos só tiveram notoriedade em 2011, quando houve o vazamento de imagens íntimas da atriz Carolina Dieckmann, o que levou a promulgação da lei 12.737/12, de 3 de abril de 2012, assim surgiu a tipificação do ser. 154-A do Código Penal, que versa sobre a invasão de dispositivos informáticos.
Observa -se que com o avanço da tecnologia e a globalização, os delitos de práticas de pornografia de vingança têm se intensificado cada vez mais, utilizando as redes para atos negativos. Demonstrando assim o impacto negativo que a era das redes trouxe consigo.
Desse modo, nota-se que a maioria das vítimas são mulheres, ou seja, estamos diante de uma violência de gênero e os indicadores de violência contra mulheres vêm se agravando por meio de novas ferramentas e mecanismos. O que antes era algo privado, uma violência camuflada, agora toma proporção e notoriedade pública.
Ressalta-se, que a legislação brasileira tem se modificado através dos anos e implantado novas leis seja no âmbito penal quanto no civil, para combater esse tipo de delito. A Lei Maria da Penha (11.340/2006) tem destaque na proteção da vítima, todavia diante do crime aqui abortado ela assegura apenas uma medida protetiva contra o agressor.
Visto que a lei buscou dar visibilidade a gravidade da pornografia de vingança com a alteração no art. 218-C do Código Penal, já seria um grande avanço e uma enorme conquista em defesa do ofendido pelo crime, mas diante do olhar popular, pouco foi a transformação.
Assim, o objetivo é demonstrar que o crime em tela precisa ser tratado não só como uma conduta proibida perante a legislação, mas sim como uma problemática social, como um novo mecanismo de reforço para o machismo enraizado que faz tantas vítimas todos os dias.
Além da legislação vigente, faz-se necessária a busca por métodos resolutivos e de prevenção: conscientização social; educação sexual nas escolas; o fim do paradigma de soberania do homem. A culpa que é imposta sobre a vítima por ter exercido seu direito de liberdade e poder de escolha sobre seu corpo e por consequência ter sofrido tal crime, precisa acabar. Mesmo com atualizações nas leis, o problema de compartilhamento ainda persiste, sendo necessário mudanças tanto coletivas, quanto judiciais sobre o tema.
Conclui-se a necessidade de igualdade de gênero, a visão que se sustenta de que a mulher sempre será submissa ao homem necessita de uma revisão e esse óbice que paira entre os gêneros deve ser quebrado. Para que se entenda de uma vez por todas que antes de homem e mulher, existe o ser, e esse ser está vinculado aos mesmos direitos e deveres que o gênero oposto, a não discriminação contra a mulher é um ideal a ser alcançado, a conscientização da população e o apoio a vítima se faz urgente no cenário brasileiro.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da Personalidade. 8. Ed. Rev. Aum. E mod. São Paulo: Saraiva, 2015
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1 Graduanda pelas Faculdades Integradas Campos Salles
2 Graduanda pelas Faculdades Integradas Campos Salles