PORNOGRAFIA: CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS QUE O CONSUMO EM EXCESSO CAUSA NO RELACIONAMENTO ENTRE CASAIS HÉTEROS E OS IMPACTOS PSICOLÓGICOS PARA MULHER 

PORNOGRAPHY: NEGATIVE CONSEQUENCES THAT EXCESSIVE CONSUMPTION CAUSES IN THE RELATIONSHIP BETWEEN STRAIGHT COUPLES AND THE PSYCHOLOGICAL IMPACTS ON WOMEN

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10020209


Ana Karla dos Santos Nascimento1


Resumo

Embora a pornografia exista há séculos, ainda é considerado um tabu. Até o momento, pesquisadores não chegaram a um consenso se o consumo de materiais pornográficos é benéfico ou não. Tornando fundamental compreendermos as razões que levam casais heterossexuais ao consumo excessivo da pornografia, identificando como essa compulsão impacta negativamente na vida sexual e psicológica do casal, chegando ao ponto de transformar-se em violência contra a mulher. Assim, sob a perspectiva da Psicanálise, o presente artigo debate o consumo excessivo de pornografias nos relacionamentos amorosos héteros, as repercussões negativas para o casal e as consequências psicológicas para a mulher. Para tal, realizou-se uma revisão bibliográfica integrativa, através de livros dos teóricos da Psicanálise e de buscas em bases de dados, como Scielo, Google Acadêmico, Pubmed, Capes, Lilacs, The Guardian, Pepsic e Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, utilizando descritores como “consumo em excesso de materiais pornográficos”, “vício em pornografia”, “pornografia em relacionamentos heterossexuais”, “compulsão sexual”, “hipersexualidade” e termos derivados. Com o estudo, tornou-se nítido a falta de concordância entre os autores que discutem sexualidade, erotismo e pornografia, onde, alguns estudiosos condenam o consumo da pornografia e outros consideram que o uso equilibrado pode ser saudável para a manutenção da vida sexual e bem-estar dos casais. Além disso, sob a ótica psicanalítica, quem define o “erótico” ou “pornográfico” é o sujeito em questão, sendo algo subjetivo, uma vez que cada indivíduo adota para si a “pornografia” que está dentro dos seus limites e quando tais limites são ultrapassados, as consequências para o relacionamento do casal podem ser gravíssimas, sendo que, na maioria das vezes, os impactos negativos recaem mais sobre a mulher. É válido ressaltar que são poucas as pesquisas acerca do tema, sugere-se que sejam realizados outros estudos sobre a temática, inclusive, aplicando-se metodologias diversas para a consolidação dos dados.

Palavras-chave: Psicanálise. Pornografia. Violência contra a mulher. Consumo excessivo de pornografia. Pornografia nos relacionamentos amorosos.

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa trata-se de uma revisão bibliográfica sobre o uso compulsivo da pornografia dentro do relacionamento heterossexual e as consequências negativas que esse consumo excessivo poderá trazer ao relacionamento, destacando as possíveis consequências psicológicas para a mulher e o quanto isso reflete na violência doméstica.

Quando ouvimos falar de pornografia e no aumento do consumo de materiais desse tipo, acreditamos ser algo atual por influência da internet, porém, a pornografia não é um acontecimento recente, já que o sexo foi um dos primeiros assuntos apresentados no meio artístico, sendo algo corriqueiro em diversas civilizações e era abordado através de personificações eróticas e sexuais, como pinturas, gravuras, esculturas e desenhos. 

No século XVI, durante a Reforma Protestante, as instituições religiosas passaram a reprovar essa maneira de retratar o erotismo, por considerá-las indecorosas e um meio de incentivar pensamento e desejos impróprios, levando o indivíduo a praticar atos profanos. Já no século XIX, ficou instituído que tudo relacionado ao sexo ou que fosse sexualmente estimulante seria considerado imoral. Entretanto, com o progresso tecnológico permitindo uma acessibilidade cada vez maior e o fato de logo após iniciarem as produções de filmes eróticos nos cinemas, tornou-se praticamente impossível manter esse controle e censura sobre os materiais eróticos, chegando a ser inviável de se medir exatamente a quantidade de visualizações.    

Conforme dados divulgados pelo maior site de pornografia Pornhub (2019), a página recebeu mais de 42 milhões de visitas e foram realizados mais de 6,83 milhões de uploads de vídeos pornô no site. Ainda segundo a pesquisa, em março de 2020, em meio a pandemia da Covid-19, houve um crescimento exponencial de 11,1% nos acessos a conteúdos pornográficos de forma mundial, e no Brasil, ainda no primeiro mês de pandemia, o crescimento foi de 13,1% quando comparado ao ano anterior (PORNHUB INSIGHTS, 2020).

Geralmente, a procura por esses conteúdos se dá em grande parte pelo público do sexo masculino, onde, eles acessam o material através da internet e seguem para o ato masturbatório. Apesar de existirem vários motivos que podem levar o indivíduo a pesquisar por esse tipo de material, a motivação inicial seria para a realização do prazer sexual e a excitação. Essa seria uma das maneiras encontrada e utilizada pelo homem como forma de obter uma satisfação momentânea. 

É importante ressaltar que a pornografia é percebida como algo divertido e prazeroso quando consumida de maneira equilibrada e com discernimento, seja sozinho ou entre casais. 

Considerando que o sexo é um aspecto essencial para o relacionamento do casal, a pornografia pode até ser uma manifestação positiva da sexualidade e ter seus benefícios. Entretanto, ela também pode ser prejudicial para algumas pessoas quando consumida em excesso, desencadeando distúrbios no bem-estar psicológico, descontrole dos pensamentos, sentimentos e comportamentos perturbadores e consequentemente, afetando o funcionamento normal do relacionamento entre o casal. O próprio hábito de masturbar-se constantemente, gera dependência e comportamentos que acabam desestabilizando o indivíduo.

Pesquisas realizadas por psicólogos e sociólogos sobre a pornografia, advertem sobre os malefícios na sexualidade e nos relacionamentos entre casais, afirmando que os homens ao acessarem a pornografia, acabam projetando expectativas ilusórias em suas parceiras, e quando essas expectativas não são satisfeitas, muitas dessas parceiras acabam sofrendo algum tipo de violência doméstica, como agressões física, psicológicas e morais de seus parceiros. 

Portanto, é de suma importância compreender as razões que levam casais heterossexuais ao consumo excessivo da pornografia, identificando de que forma essa compulsão impacta negativamente na vida sexual e psicológica do casal chegando ao ponto de transformar-se em violência contra mulher.

Posto isto, e a luz da Psicanálise, foram pensadas as seguintes questões como objeto de estudo: Quais as consequências que o consumo excessivo de pornografia gera no relacionamento entre casais heterossexuais? E quais os possíveis impactos psicológicos para a mulher nessas circunstâncias?

Sendo o objetivo geral do artigo “Compreender os fatores que levam o casal ao consumo excessivo de pornografia, identificando de que maneira essa compulsão pode impactar negativamente na vida sexual e psicológica do casal heterossexual, além de averiguar quando essa compulsão se transforma em violência contra a mulher. ” E possuindo os seguintes objetivos específicos: “Identificar os fatores que levam ao consumo excessivo da pornografia nos relacionamentos entre casais heterossexuais”; “Verificar as consequências negativas que essa compulsão traz para a vida sexual e psicológica do casal”; e “Destacar as possíveis consequências psicológicas para a mulher. ”

O interesse em falar sobre a temática se deu por uma experiência pessoal de atendimento onde, uma paciente relatou passar por esta situação em sua vida conjugal e ao realizar pesquisas para um melhor aprofundamento no assunto e fornecer maior suporte à paciente, foi percebido que a temática praticamente não é debatida nas literaturas. 

Assim, o estudo é relevante pois, é perceptível que falar sobre pornografia é um tabu, pautado em crenças religiosas que ainda perduram. E entre casais heterossexuais, a situação é pior, pois, aqueles que utilizam materiais pornográficos são vistos como imorais, pecadores e até pervertidos. Por sua vez, muitas mulheres têm a concepção de que são obrigadas a obedecer seus parceiros, satisfazendo todos os tipos de desejos e vontades, incluindo sexuais, acreditando que do contrário serão abandonadas por eles. E o parceiro ao notar isso, acaba por aproveitar-se, ultrapassando cada vez mais os limites e chegando aos extremos da violência contra a mulher durante e/ou depois do sexo, como agressão verbal e física, entre outros tipos de violência.

Ademais, durante as pesquisas em relação ao tema, foi possível verificar a escassez de estudos mais específicos, que foquem no quanto o consumo excessivo de pornografia afeta o relacionamento entre o casal heterossexual e as consequências psicológicas para a mulher, quando o que deveria ser apenas um complemento agradável na relação íntima do casal se torna uma violência para ela.

À vista disso, é de suma importância que pesquisadores realizem outros estudos mais aprofundados acerca do consumo excessivo de pornografia entre casais heterossexuais e quando esse ato se transforma em algo desenfreado e violento, trazendo graves repercussões para a vida do casal e principalmente, os efeitos psicológicos para a mulher, que por medo e vergonha, se cala e se submete a atos contrários à sua vontade. Para que assim, possam ser quebrados os paradigmas herdados de uma sociedade machista, que impõe o que é certo e errado, colocando a mulher como aquela que precisa ser submissa e satisfazer seu parceiro em tudo que ele desejar, mesmo que ela não queira ou que aquilo venha a lhe causar danos irreversíveis. 

2. SEXUALIDADE: O EROTISMO E A PORNOGRAFIA À LUZ DA PSICANÁLISE

O sexo é fundamental para o relacionamento saudável entre o homem e a mulher. Muitas atitudes, palavras e ações antes e durante o ato sexual são considerados eróticos e/ou pornográficos na relação amorosa e como diz o dito popular “entre quatro paredes o casal pode tudo”. Entretanto, é de suma importância analisarmos até que ponto esse ditado é verdadeiro, visto que um enorme tabu gira em torno destes dois termos: erótico e pornô. 

Ainda hoje, não existe um consenso sobre o que é erótico e o que é pornográfico. Sendo considerada uma esfera subjetiva, onde, quem definirá esse limite é a pessoa que observa o objeto em questão, além de seu ambiente cultural e valores. O que comumente ocorre é o erotismo ser aceito pelo fato de o considerarem relacionado a amor, pureza, naturalidade e tenuidade. O erótico sugere sem mostrar, despertando fantasias. Enquanto que o pornográfico é visto como algo público, explícito, sem refinamento, indecoroso, beirando a perversão e banalização do corpo, do ser humano e do ato sexual em si (LINS, 2017).

Gregori (2012) ratifica a autora supracitada, ao dizer que o erótico está ligado às indagações eruditas e à imaginação artística, ou seja, ele faria parte de um campo mais profundo e mais elaborado, enquanto o pornô seria reduzido à materialidade, recebendo um caráter vulgar devido à representação e nomeação direta das práticas e órgãos sexuais. E essa diferença se dá pelo impacto dos conteúdos sexuais explícitos, em que o conteúdo erótico é mais aceito pela sociedade enquanto o conteúdo pornográfico é barrado pela falta de pudor dos conteúdos. Com isso, é visível a existência de uma divisão entre o que é considerado erótico e o que é considerado pornográfico de acordo com a moral social que impera na sociedade. 

Pode-se assumir que a pornografia é em si, um material feito para a massa, porém, consumido de maneira oculta e individual, através do computador, do celular, da aba anônima, redes sociais, chats e outros meios. Entretanto, apesar de a massa assistir pornografia de maneira isolada, o indivíduo tem acesso a um material amplamente diversificado que atende todas as demandas específicas e que alcança milhares de gostos e preferências individuais, o que leva esses usuários a cada vez mais acessar tais materiais de conteúdo adulto e explícito.

É fundamental ressaltar que, não se está condenando o sexo e nem a sexualidade, uma vez que ela é percebida como elemento necessário para a manutenção da qualidade de vida e bem-estar do ser humano. Muitas pessoas por associarem o sexo e a sexualidade apenas ao ato sexual em si e aos órgãos genitais, faz com que não compreendam a forma como ele impacta na saúde física, psicológica e emocional. 

Haja vista que, existem diferenças entre os termos sexo e sexualidade. 

Inclusive, ela é definida como:

uma energia que nos motiva para encontrar amor, contato, ternura e intimidade; ela integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo ser-se sexual. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS, 2006, p. 5).

Se ponderarmos bem, todo o nosso corpo é uma fonte de prazer, uma vez que é repleto de terminações nervosas, que são receptores espalhados em toda a pele, com a função de nos fazer perceber a temperatura e as sensações de dor na parte mais externa do corpo (BLESSED LIFE, 2021) e as zonas erógenas, que o próprio Freud (1972, p. 187 – 188 apud LUCENA, 2018, p. 18) define como “uma parte da pele ou membrana mucosa em que os estímulos de determinada espécie evocam uma sensação de prazer possuidora de uma qualidade particular”. 

Para Lopes (2021) o corpo humano é uma forma de estar no mundo. A autora menciona ainda o filósofo Maurice Merleau-Ponty (2006, p. 97), que faz uma analogia entre a existência no mundo a partir da corporeidade: “o corpo é o veículo do ser no mundo; ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, se confundir com certos projetos e se engajar neles continuamente ”.

Logo, o sexo é algo natural e deve ser visto como uma das diversas maneiras do nosso corpo se manifestar. E a sexualidade engloba não somente o corpo, mas também, a cultura, a história de vida da pessoa, os costumes, as relações afetivas e os sentimentos. 

Maslow também ao abordar a “Teoria das Necessidades”, propôs que os fatores de necessidade de satisfação do ser humano fosse dividido em cinco etapas de necessidades: fisiológicas, segurança, amor e relacionamento, estima e realização pessoal, formando uma pirâmide, e na base dessa pirâmide, estão justamente as necessidades fisiológicas (fome, sede, sexo e outras necessidades corporais) do sujeito e as outras necessidades só são satisfeitas quando a anterior é suprida (MASLOW, 1943 apud FERREIRA, DEMUTTI & GIMENEZ, 2010), conforme ilustrado na figura 1, abaixo:

Figura 1: Teoria das Necessidades de Maslow.

Fonte: Elaborado pela autora (2023)

Com isso, é possível perceber que o sexo forma a base primitiva do ser humano e é um importante fator para seu desenvolvimento saudável, não podendo ser esquecida nem tratada como um simples aspecto biológico. 

Segundo Baumel (2019), a pornografia contribui em 25% das relações como forma de aproximar os pares, trazendo benefícios como: melhor comunicação, maior dedicação, elevar a intimidade entre o casal. Já Chi, Yu & Winter (2012), a variedade de materiais desse tipo pode proporcionar mais criatividade entre o casal, fazendo com que saiam da rotina, fora o conhecimento adquirido sobre outras práticas sexuais, de si mesmo e sobre o corpo do outro, auxiliando no aumento da excitação e satisfação sexual em certos momentos (ELDER, MORROW & BROOKS, 2015; MADDOX, RHOADES & MARKMAN, 2011; MUUSSES, KERKHOF & FINKENAUER, 2015). 

O exposto acima pode ser exemplificado quando, Baumel (2019) cita a pesquisa de Staley & Prause (2012), onde foi realizada uma análise sobre os impactos na excitação tanto nos homens quanto nas mulheres quando assistiam filmes eróticos ou não-eróticos, e como resultado, foi percebido que o crescimento no nível de excitação era similar entre os dois tipos de filmes, sendo que, o filme erótico considerado um pouco mais excitante, despertando maior desejo entre os parceiros. A partir disso, concluíram que as sensações excitatórias não se limitam aos filmes de sexo explícito. 

Conforme a Psicanálise e Freud (1996) em “A moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna”, a pornografia proporciona uma série de prazeres sexuais diferente daqueles que a sociedade considera decente e adequado do seu ponto de vista da moralidade. Todavia, como toda regra tem sua exceção e todo excesso traz em si uma causa, uma falta e suas consequências. E à luz de diversos autores da Psicanálise que tratam sobre a sexualidade humana, o sexo, a pornografia e seus componentes, temos muitas peculiaridades que acabam por se interrelacionar, provocando um “efeito dominó”, com sucessivas causas e consequências, um sendo resultado do outro gerando uma série de acontecimentos similares, podendo ter curta, média ou longa duração, dependendo da resposta de cada indivíduo.

Nesse contexto, se no século XVI o erotismo era reprovado, visto como profano e indecoroso por estimular pensamentos e desejos considerados “impróprios” para a igreja e a sociedade, uma vez que incentivava o sexo como uma forma de prazer e não apenas com a função de reproduzir, a pornografia surgiu como um ato de rebeldia para escapar dessa imposição por aqueles que almejavam se libertar dessa “injustiça”. 

Portanto, pode-se dizer que a busca pelo pornográfico foi o mecanismo encontrado para resolução das emoções e sensações reprimidas, uma descarga sexual. Como Freud (1996, p. 196) ressaltou: “Cada nova conquista foi sancionada pela religião, cada renúncia do indivíduo à satisfação pulsional foi oferecida à divindade como um sacrifício”, ou seja, a cada progresso em relação ao sexo e o ato sexual, pagava-se um preço por isso. Controlava-se mais a sexualidade alheia e o indivíduo passava a ser considerado um “criminoso”, “promíscuo”.

Ainda nessa perspectiva Freudiana, o autor debatia além das doenças mentais da contemporaneidade. Ele argumentava sobre a necessidade de uma reforma política na saúde populacional, com maior liberdade sexual, mitigando possíveis traumas oriundos dessa repressão sexual.

Outrossim, esse pensamento pode ser observado em Ceccarelli (2011) em seu trabalho Pornografia e o Ocidente, quando ele discursa que a pornografia idealiza modelos de comportamento sexual, instigando a formação de respostas que oportunizam o prazer. O autor atribuiu a essa situação o nome de “solução pornográfica” e explica:

A “solução pornográfica”, chamámo-la assim, permite a realização de fantasias e desejos que, por terem sido coibidos pela moral, tornaram-se ainda mais intensos (CECCARELLI, 2011, p. 6).

Já na ótica de Foucault (1999), o enaltecimento do erotismo traz esse olhar de condenação em relação a pornografia, trazendo uma sensação de que o erótico não é pornográfico. Enquanto que Maingueneau (2010) disserta que o erotismo é uma maneira de reproduzir a sexualidade de acordo com os princípios e as crenças exigidos pela sociedade, o que não é o caso da pornografia, que deixa transparecer suas predisposições sexuais agressivas. 

Assim, os possíveis impactos do consumo de pornografia entre casais são ainda bastante imprecisos e com diferentes interpretações.  Percebe-se que, de acordo com alguns autores, a pornografia pode impactar positivamente nos relacionamentos amorosos entre os casais quando utilizada de maneira esporádica, sendo um meio diferente de o indivíduo obter prazer e satisfação sexual dentro da relação, com a finalidade de apimentar a vida sexual do casal.

Entretanto, é fundamental ressaltar que no presente artigo, procura-se analisar os impactos negativos que o consumo excessivo de materiais pornográficos provoca nos relacionamentos amorosos entre casais heterossexuais, e na maioria dos casos, inferioriza a parceira, estimulando a agressão contra ela, funcionando como um catalisador de relações desiguais, objetificação e submissão feminina. 

Para isso, será debatido nos próximos capítulos a maneira que o consumo excessivo de materiais pornográficos age nas relações amorosas heterossexuais, desestabilizando a vida sexual e psicológica do casal, acarretando assim, na violência contra a mulher e os possíveis efeitos psicológicos que pode ocasionar na vítima.

2.1 PORNOGRAFIA NAS RELAÇÕES AMOROSAS HETEROSSEXUAIS: POSSÍVEIS IMPACTOS PSICOLÓGICOS E SEXUAIS NA MULHER

Quando se trata do relacionamento sexual à dois, presume-se que “tudo” tem como delimitação o gênero “pornografia”, como por exemplo: uma palavra picante, uma lingerie sedutora, um produto do sexshop, conteúdos adultos audiovisuais. 

Conforme Robinson et al. (1999, apud HALPERN, 2018, p. 6) “esses materiais são indicados por terapeutas conjugais e sexuais com o objetivo de melhorar a vida sexual do casal”, porém, apenas “como fonte de informação, de descoberta, exploração, aprendizagem sexual e como forma de melhorar a técnica sexual e/ou para lidar com motivações sexuais discrepantes” (HALPERN, 2018, p. 5). 

Os autores Daspe et al. (2017), Grov et al. (2010) e Kohut, Fisher & Campbell (2016), corroboram a afirmação anterior ao relatarem que estes materiais sendo inseridos na rotina sexual do casal auxilia a produzir excitação sexual, o que acaba trazendo esse olhar para a pornografia com um efeito positivo na relação conjugal, não gerando consequências negativas, pois motiva o casal a ousar na intimidade e sensualidade, possibilitando que ambos trilhem um caminho para a satisfação mútua. Dentro desse contexto, o consumo de pornografia pode ser considerado uma atividade sexual saudável e positiva.

Contudo, é importante ressaltar que o problema não está em utilizar materiais pornográficos como forma de incentivo sexual, e sim a frequência de uso destes materiais e a maneira que eles são utilizados e percebidos pelo casal. Quando o consumo da pornografia é ocasional pode ser sexualmente catártico, aumentando a satisfação do casal, passando a ser vista como saudável, não gerando consequências negativas. Mas, quando existe essa necessidade frequente de atos sexuais visualizados ou imaginados do uso da pornografia, se torna algo negativo com observações patológicas passíveis de avaliação e acompanhamento por um psicólogo, já que o hábito de acessar esses materiais em excesso pode virar uma problemática para o relacionamento amoroso (CARROLL et al., 2008; MORGAN, 2011; STACK, WASSERMAN & KERN, 2004).

A psicanálise mostra que quando não há afetividade entre o casal, a pornografia pode ser uma “opção” de satisfação, embora puramente mecânica. Nessa perspectiva pode-se elencar algumas questões para avaliação do relacionamento do casal: “Como anda o sexo do casal?” “Existe sexo sem esses materiais?” “Existe desejo sem os estímulos?” “Existem motivadores que levaram o casal ao consumo desses conteúdos em excesso?” “Só existe satisfação mediante aos estímulos?” Inúmeros questionamentos surgem nesse momento, para que seja possível encontrar a solução para o que pode estar se tornando um problema no relacionamento.

Nestas circunstâncias, entende-se que a necessidade de acesso a conteúdo pornográficos para a busca de satisfação e prazer com a parceira não é positivo para o casal e vislumbra-se que o acesso intenso a tais conteúdos compromete a sexualidade do casal.

A motivação pela busca da pornografia é até então para a realização do prazer sexual e excitação, e geralmente o público majoritário se dá pelo sexo masculino, através de conteúdos audiovisuais e seguido do ato masturbatório. E quando esses materiais pornográficos acessados se tornam monótonos leva o indivíduo a busca de novas “pornografias” para que a excitação seja mantida (CECCARELLI, 2004).  

Conforme interpreta Freud (1996, p. 22), “o homem busca a felicidade através de paliativos, como drogas, sexo, arte, aquisição de bens materiais, e canaliza esses sentimentos para outras esferas do contexto em que vive”. Ele faz alusão sobre o que dita a sociedade a respeito do comportamento do sujeito associando-o a privação sexual e a desaceitação da sexualidade feminina. 

Logo, permitia-se que o homem mantivesse uma vida dupla, praticando o sexo fora do casamento em bordeis, como forma de manter as aparências e reafirmar sua masculinidade e virilidade. Não obstante, por consequência dessa moralidade exercida sobre os impulsos sexuais, desencadearam-se doenças psíquicas, que paulatinamente se faz presente na modernidade, transparecendo no indivíduo por meio de neuroses advindas dessas necessidades sexuais reprimidas, insatisfeitas, e como enfatiza Ceccarelli (2010, p. 26), “as tentativas de supressão das pulsões são sempre falhas”.

O acesso de materiais pornográficos seguidos do ato masturbatório, é umas das práticas mais utilizadas, para obter essa satisfação momentânea e segundo Freud (1996, p. 323) é comparado ao vício, onde, ele mesmo cita “comecei a compreender que a masturbação é o grande hábito, o ‘vício primário’, e que é somente como sucedâneo e substituto dela que outros vícios – álcool, morfina, tabaco, etc. – adquirem existência”.

Para Shucart (2015), o consumo regular de pornografia faz com que o indivíduo necessite de um maior número de imagens cada vez mais extremos para que alcance semelhantes resultados daqueles atingidos no início da utilização deste tipo de estímulo sexual. Freud (1911, apud SANCHES, 2010) menciona que o desejo é o “princípio do prazer”, que busca a satisfação imediata de todas as necessidades, desejos e impulsos. Ou seja, o ser humano vive em busca de satisfação através dos mesmos estímulos que compuseram a vivência de satisfação primária. A partir do momento que não é vivenciada a mesma experiência do prazer, essa busca passa a ser cada vez mais repetitiva, tornando-se um ato compulsivo. Pode-se então, relacionar o uso compulsivo da pornografia com o “vício” quando falamos dessa necessidade da busca de novos estímulos pornográficos cada vez mais extremos e contínuos.

Não há como afirmar que a pornografia tem poder viciante. Todavia, a neurocientista Valerie Voon através de seus estudos, percebeu que o cérebro de um usuário compulsivo de pornografia desempenha idênticas atividades neurológicas de usuários viciados em toxicodependentes (DIAS & MEDEIROS, 2015). Em sua pesquisa, a doutora realizou uma comparação através de exames clínicos entre o cérebro de indivíduos com Distúrbio Compulsivo Hipersexualizado, com o de indivíduos saudáveis. Ela observou que três regiões do cérebro, amígdala, giro do cíngulo e estriado ventral, relacionadas com o sistema de recompensa e com sistema límbico, foram acionadas duas vezes mais nos indivíduos compulsivos, do que nos indivíduos saudáveis (VOON et al., 2014). 

Ademais, de acordo com os autores Hilton & Faans (2016, apud POSTAL et al., 2018, p. 71):

É sabido que o uso de drogas psicoativas promove alterações no sistema de recompensa, pois quando o sujeito consome os tóxicos entorpecentes, o sistema de recompensa induz ao cérebro a pensar que uma droga psicoativa também é necessária para a “sobrevivência” do usuário. Mais recentemente, estudos apontam uma teoria, de que as recompensas naturais, como comer, dormir e práticas sexuais, podem afetar o sistema de recompensa do cérebro da mesma forma que as drogas psicoativas afetam.

Também nos estudos de Andrade et al. (2003), Chaim, Bandeira & Andrade (2015) e Hilton & Faans (2016, apud POSTAL, 2018, p. 71), mencionam que:

O Sistema de Recompensa é um circuito neuronal responsável pelas sensações prazerosas e, portanto, pelo aprendizado que pode dar origem à repetição de um comportamento, sendo ativado “naturalmente” por atividade sexual e alimentação, e de forma “artificial” mais intensa, quando são consumidas drogas psicoativas. A dopamina é um neurotransmissor excitatório e inibitório, dependendo do local onde atua, apresenta diferentes funções. No gânglio basal, é essencial para a execução de movimentos controlados. No lóbulo frontal, regula o grande número de informações que vêm de outras áreas do cérebro, e, por fim, é responsável pelo sentimento de euforia, sendo capaz de acalmar a dor e aumentar o prazer se estiver em grande quantidade no lóbulo frontal.

Sendo, portanto, a dopamina a responsável por despertar no cérebro o desejo pelo sexo, a ignorar estímulos negativos e impulsionar sentimentos de excitação, podendo gerar uma grande dependência por parte da pessoa. E essa mesma dopamina, dentro de um relacionamento amoroso considerado saudável, faz com que os casais se atraiam mais entre eles, não permitindo que fatores externos interfiram na relação e dediquem-se mais um ao outro, de modo a ignorar impulsos negativos e assim, manter um relacionamento sadio. Porém, quando existe um incentivo intenso de pornografia, desviando a atenção do espectador pornô para as imagens e vídeos sexuais, cria uma dependência química ligada às imagens, o que vem sendo comparado atualmente com o vício em drogas psicoativas, como a cocaína (LOVE et al., 2015).

A pornografia torna-se vício quando o estímulo natural para o prazer sexual fica desequilibrado, passando a dominar e a controlar o sujeito. E não mais a somente motivá-lo. E cada vez mais ele se sente impulsionado na procura por vídeos, imagens e outros conteúdos pornográficos que satisfaçam seus desejos (HILTON & FAANS, 2016). 

Para Bennett (2013 apud DIAS & MEDEIROS, 2015, p. 4): “A pornografia se torna um fator viciante, porque as partes do cérebro que reagem às substâncias ilícitas são as mesmas da excitação sexual e do orgasmo, onde liberam-se dopamina, a química do prazer […]”, referindo-se ainda sobre a dopamina como a responsável por despertar as partes que correspondem a dependência no cérebro, o comprometendo. E daí, suscitam outros malefícios no consumidor de pornografia excessiva, como distúrbios físicos, psicológicos, emocionais, afetivos e sociais.

Esses distúrbios e a busca por conteúdos pornográficos nas relações amorosas, podem ser provocados por diversos fatores, sendo importante destacar: a diminuição da frequência e da satisfação sexual ao longo do relacionamento (SCHMIEDEBERG & SCHRÖDER, 2016), os parceiros com comportamentos sexuais mais liberais vivenciam sua sexualidade sem culpa, enquanto que o outro se culpa por estar preso nas regras da moralidade que sempre foram impostas pela sociedade (HIGGINS et al., 2010; JANDA & BAZEMORE, 2011; BAUMEL, 2014), além de três variáveis observadas por Sternberg (1986) e Andrade et al. (2003), consideradas essenciais para a manutenção de uma vida sexual de qualidade entre casais heterossexuais: a intimidade, a paixão e o compromisso. 

Segundo os autores acima, estes três componentes são percebidos como determinantes para o fracasso ou sucesso da vida sexual entre os casais e consequentemente, de uma relação amorosa próspera, como um todo. E como já evidenciado no decorrer da pesquisa, grande parte dos relacionamentos são destruídos e rompidos, como resultado desse excesso. 

Consoante Wilson (2013) ao longo do tempo o desejo sexual pelo parceiro diminui em tempo, qualidade e frequência. O homem demora mais tempo para ejacular com sua companheira fixa, porém, nos encontros sexuais fora do relacionamento, ejaculam mais rápido, sentem maior prazer por ser algo “novo”, possui maior disposição e vigor sexual, sentem-se cada vez mais viris, poderosos em sua masculinidade, começando então, a culpar a mulher pela sua falta de prazer com ela, criticando sua performance, aparência, exigindo que esta inove na relação (como se a mulher fosse a única responsável e culpada pela falta de prazer dele). 

À vista disso, as relações sexuais entre o casal, vão se tornando frias, rápidas, onde a função da mulher é somente satisfazê-lo, anulando-se completamente e ao seu prazer, em prol desse homem. Ele, por sua vez, a vê como um simples objeto ou “depósito de esperma”, que tem por obrigação estar pronta sempre que ele estiver com vontade. 

Essas atitudes por parte do homem, mesmo sendo o parceiro, já constitui um tipo de violência contra a mulher. E como se não bastasse, avança para a violência física e sexual tanto no dia a dia quanto durante o ato sexual entre eles, pelo fato de a cada dia, ele querer praticar fetiches e fantasias consideradas mais extremas, chamadas de hardcore, que pode ser traduzida como: sexo explícito, forte, pesado, em virtude de que só assim sente-se satisfeito naquele momento.

Como os homens são o público que mais acessam a pornografia com maior frequência, acabam desenvolvendo expectativas irrealistas sobre a aparência e o comportamento de suas parceiras, e por consequência, eles passam a ter dificuldade em sentirem-se sexualmente satisfeitos. Kropf (2014 apud WILSON, 2013) enfatiza que, quando comparados à mulher que consome materiais pornográficos, os homens são a parte mais afetada, dado que, seu sistema de resposta sexual é instantâneo e opera 3,4 vezes mais rápido do que respostas a situações consideradas comuns.

De acordo com DeKeseredy (2015) o excesso de pornografia está relacionado ao comportamento agressivo contra a mulher e ao comportamento sexual agressivo em homens que tem baixos scores para agradabilidade (HALD & MALAMUTH, 2015).

Um dos impactos negativos no relacionamento entre o casal heterossexual que faz uso de pornografia, é a atitude do homem em relação às mulheres, e tem como consequência o aumento da objetificação e de casos de estupro mais frequentes a cada dia (BONOMI et al., 2014; BRAITHWAITE et al., 2015).

Como resultado, a mulher por si só, começa a se culpar, a aceitar a prática de atos sexuais que não são de seu gosto para satisfazer os desejos do companheiro e assim manter seu interesse, a comparar-se com atrizes pornôs, desenvolve baixa auto-estima, entre outros abalos socioemocionais e afetivos, devido a situação traumática experenciada. 

Mascarenhas (2022) lista que algumas consequências do consumo excessivo de pornografia para a mulher são: a diminuição da intimidade, desvalorização e diminuição do interesse sexual pelo parceiro, preocupações corporais e com o desempenho sexual, redução do compromisso com o relacionamento, atitudes positivas face à infidelidade e maior envolvimento em comportamento sexual extraconjugal, criação de expectativas irrealistas no domínio da sexualidade, diminuição da satisfação com seus parceiros, diminuição da intimidade, desvalorização e diminuição do interesse sexual pelo parceiro, níveis mais elevados de comunicação negativa, menores níveis de ajustamento ou sentimentos de pressão para desempenhar os atos sexuais que o parceiro visualiza nos filmes eróticos.

Por conseguinte, a pornografia no relacionamento heterossexual passa ser um estímulo de violência contra a mulher, da objetificação do corpo feminino, da submissão, etc. E a consequência do excesso do uso de pornografia entre o casal é que mulher é notada como um objeto sexual para satisfação masculina e em alguns casos vem a sofrer violência quando não permite ou não aceita determinadas práticas sexuais.

Portanto, é de máxima importância, tratarmos sobre os impactos que o consumo excessivo de pornografia causa na saúde mental e sexual da mulher, principalmente quando para ela, tal artifício não se trata mais de introduzir novidades para o relacionamento amoroso do casal, e sim, como um ato de violência física, psicológica e emocional, moral e sexual.

3. MATERIAIS E MÉTODOS 

A pesquisa foi realizada através de uma abordagem descritiva qualitativa e de natureza básica, uma vez que será desenvolvida a partir de uma revisão bibliográfica da literatura de autores que debatem a questão do uso excessivo em pornografia e o que causa essa compulsão entre casais heterossexuais, sob o olhar da Psicanálise. 

Segundo Goldenberg (2004) os pesquisadores utilizam a abordagem qualitativa em seus estudos como uma maneira de mostrar que não existe apenas um modelo de pesquisa nas ciências sociais, uma vez que estas possuem suas peculiaridades e, portanto, necessitam ser tratadas individualmente em cada estudo realizado. A ideia da autora pode ser corroborada em Severiano (2014, p. 106) quando ele define que a pesquisa bibliográfica é realizada segundo os registros relatados em “livros, artigos, teses, documentos impressos, etc.”, através das informações já pesquisadas e documentadas por outros estudiosos.

Para a revisão da literatura, foram consultados autores de livros, artigos, manuais e outros trabalhos sobre a temática. E visando conferir o critério metodológico inerente ao tipo de estudo integrativo, foram utilizadas as seguintes bases de dados e bibliotecas: Scielo, Google Acadêmico, Pubmed, Capes, Lilacs, The Guardian, Pepsic, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e outras plataformas acadêmicas e científicas, a partir dos descritores: uso excessivo de pornografia, consumo em excesso de materiais pornográficos, vício em pornografia, pornografia em relacionamentos heterossexuais, compulsão sexual, hipersexualidade e seus termos derivados.

Ainda conforme Severiano (2014), para a pesquisa bibliográfica, leva-se em consideração a disponibilidade de tempo, suas particularidades e finalidades do estudo em si e para tal, é preciso partir sempre do conceito mais universal para o mais específico e de pesquisas mais recentes para as mais antigas, cruzando essas informações, porém, sem deixar de atribuir a devida importância aos documentos considerados clássicos e pioneiros do estudo.

Portanto, a coleta de informações ocorreu no período entre agosto e outubro de 2022, sendo adotados os seguintes critérios de inclusão: livros e artigos publicados em português e inglês no período de 1996 a 2022, onde buscou-se estudos mais recentes sobre esse fenômeno que vem sendo mais debatido há alguns anos, porém, sem deixar de ter como base teóricos importantíssimos, principalmente da Psicanálise, que é foco de estudo do presente artigo. 

Com isso, inicialmente, realizou-se a análise descritiva dos dados, caracterizando as variáveis que debatem acerca das consequências negativas que esse vício pode causar na vida sexual e psicológica em relacionamentos entre casais heterossexuais. 

Já quanto ao tipo de revisão de literatura, foi feita uma revisão integrativa a partir da concepção das autoras Souza, Silva & Carvalho (2010) que segundo elas, através da revisão integrativa é possível perceber o que se tem de novas informações sobre determinado assunto, uma vez que, com ela é possível reconhecer, investigar e condensar os resultados de uma pesquisa. E assim, ser realizada a leitura e análise global dos artigos seguindo as etapas de uma revisão integrativa, que segundo a visão das autoras supracitadas são realizadas nas seguintes etapas: 

A primeira etapa consiste na elaboração da pergunta de pesquisa, norteando quais os estudos serão incluídos na pesquisa, os métodos utilizados para identificação e as informações obtidas em cada estudo abordado. 

A segunda etapa consiste em uma busca na literatura, conforme supracitado, fazendo uso de bases de dados variadas e amplas, seja por meios eletrônicos, manuais, periódicos, livros, entre outros.

A terceira etapa é a de coleta de informações e dados, obtidas dos estudos selecionados e utilizando o instrumento de análise previamente elaborado, de maneira que minimize possíveis erros de transcrição. Além disso, deve conter os sujeitos definidos, o método e a metodologia que foram utilizados, tamanho da amostragem, mensuração dos dados, a análise dessas informações e os conceitos que embasam os resultados encontrados.

A quarta etapa é uma análise crítica sobre as pesquisas dos estudiosos mencionados, criando uma conversa entre o que a literatura discorria antigamente, o que ela diz nos dias atuais e a percepção do autor da pesquisa atual.

Por fim, na quinta etapa é realizada uma síntese dos resultados apresentados, baseados na interpretação de dados feita pelo autor da pesquisa atual e relacionados ao referencial teórico em que foi baseada a presente pesquisa, identificando as lacunas existentes nos estudos anteriores, propondo soluções para o estudo em questão e recomendando estudos futuros mais aprofundados e realizados através de outros meios. 

Em suma, após toda a pesquisa bibliográfica realizada e a análise dos resultados, o autor precisa validar sua revisão integrativa, de forma que ela não seja desacreditada, mostrando-a pertinente para a sociedade como um todo e ressaltando as conclusões que ele chegou através da pesquisa, suas implicações e consequências, bem como os vieses que podem ser tomados a partir deste estudo realizado. 

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Durante a realização desse estudo e a análise dos artigos aqui utilizados para a fundamentação da pesquisa, foi verificado que entre “10% e 29% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de agressão sexual pelo seu parceiro”. Inclusive, durante o ato sexual do casal (D’ABREU, 2013, p. 594). 

Paul (2004) declara que quanto mais pornografia os homens assistem, maior a probabilidade de descrever a mulher em termos sexualizados e classificá-las em papeis tradicionais de gênero, logo, o homem passa a não sentir atração por sua parceira, pois a pornografia reduz a mulher a um “pedaço de carne”, onde são exigidos comportamentos e padrões físicos. Essa declaração do autor, pode ser exemplificada pela seguinte frase: “O pornô é feito com carne humana, a carne da atriz. E, no final, ele só suscita um único problema moral: a agressividade com que são tratadas as atrizes-pornô” (DESPENTES, 2016, p. 80 – 81).   

Além disso, incita a violência contra mulher dentro do relacionamento sexual do casal e quando sua parceira não permite ou não aceita determinadas práticas, acaba sofrendo algum tipo de violência física, verbal, moral, entre outras violências, como ficou atestado através de uma pesquisa realizada por Bridges et al. (2010, p. 65 – 85) em que analisaram o conteúdo de 304 cenas de vídeos pornográficos mais populares e foi percebido que 88% das cenas continham agressão física e 49% agressão verbal, sendo que, em 70% dos casos os homens eram os agressores e em 94% dos casos, as mulheres eram a vítima da agressão. 

As outras formas de violência mais observadas foram espancamento (75%), engasgos durante a prática de sexo oral no homem (54%), insultos (49%), tapas (41%), puxões de cabelo (37%) e sufocamento (28%). 

Esses dados encontram-se melhor elucidados no gráfico 1, abaixo:

Gráfico 1: Tipos de agressões mais frequentes contra a mulher em filmes pornográficos.

Fonte: Elaborado pela autora (2023)

Ainda na pesquisa, quando questionadas se já perceberam os parceiros tratando-as de forma agressiva, impaciente ou indelicadamente durante a relação sexual, 42,6% das mulheres afirmaram que sim, e 69,6% também se sentiram pressionadas a atender as exigências do parceiro como forma de satisfazê-lo. 

Dentre essas mulheres, 40,9% delas relataram que o parceiro já havia realizado alguma prática sexual que elas não gostaram ou que não consentiram durante o sexo. Também, 89,3% das mulheres entrevistadas, afirmaram que existe influência do consumo excessivo de pornografia e as atitudes do seu parceiro.

Já na pesquisa realizada por Ferreira (2017) onde, seus respondentes eram todos homens heterossexuais, foi verificado que praticamente todos eles consomem algum tipo de pornografia, com alta frequência e independentemente de terem tido o primeiro contato com conteúdos pornográficos antes dos 12 anos de idade ou após os 18 anos de idade, a imagem que possuem da mulher já é estereotipada. Ou seja, a mulher é vista majoritariamente na pornografia como um simples objeto sexual para satisfação masculina.

Percebeu-se ainda que, os homens veem as mulheres como submissa, que precisa ser dominada e se sujeitar às vontades deles. Isso evidenciou-se nas seguintes respostas: “Eu acredito que o homem deve dominar na transa”; “Acredito que se um dos dois está com vontade de transar, a outra parte deve ceder/fazer”; e “Acredito que existam mulheres para casar e mulheres para diversão” (FERREIRA, 2017, p. 22).

Ferreira (2017) averiguou que o tempo que o homem consome material pornográfico como hábito de consumo excessivo tem correlação à predisposição de comportamentos inadequados e inconsequentes, como por exemplo: ter relações com mãe de amigos; fazer sexo com mulher casada, se for provocado por ela e sexo com desconhecidas. 

Além disso, nessa mesma questão, observou-se que, no que tange agressão/violência sexual, os resultados são de extrema significância, uma vez que, quase todos mostraram-se mais insensíveis a dor da parceira sexual e sentem mais prazer ao humilhá-las ou imaginar situações bizarras, como: excitação ao pensar que está estuprando a mulher, o ato de machucar a mulher durante o sexo e a introdução de objetos/brinquedos no ânus da mulher como um jeito de machucar ou humilhar (FERREIRA, 2017).

Mediante os expostos, é interessante trazer a fala de Minayo (2006), quando a autora afirma que “a violência contra a mulher não é uma, é múltipla”, seguida de Silva, Coelho & Caponi (2007) que apontaram que para as mulheres, o pior da violência psicológica não é a violência em si, mas a tortura mental e a convivência com o medo e o terror. 

Trazendo para este estudo e seus desdobramentos, o que a princípio era um mecanismo para sair da rotina e estimular a relação sexual entre o casal, quando se transforma em violência, a única coisa que a mulher espera receber é a violência por parte de seu parceiro, que pode lhe deixar traumas físicos, psicológicos e emocionais durante um longo tempo e em alguns casos, por toda a vida dessa mulher. Reiterando Fergusson & Horwood (1998) a pessoa exposta a situações de violência têm como consequências, traumas e reflexos negativos em sua saúde mental, no bem-estar psicológico e físico, podendo desenvolver ansiedade, síndrome do pânico, depressão, entre outros transtornos, sendo os danos psicológicos os mais comuns e mais danosos do que a violência física.

Em síntese, percebeu-se ao longo da pesquisa que ainda não existe um consenso entre os muitos autores que versam sobre a sexualidade, erotismo e pornografia. Alguns consideram que o uso de forma equilibrada é saudável para a vida sexual e bem-estar do casal, enquanto outros condenam categoricamente o seu uso.

O que se pode afirmar em meio a todas as pesquisas realizadas por estudiosos, principalmente por autores da Psicanálise, é que discorrer sobre o erotismo e o pornográfico depende muito da visão de cada um, sendo algo subjetivo. Uma vez que, inserido na pornografia existem muitas outras pornografias, e que não serão todas elas vistas com bons olhos pela mesma pessoa que as analisa. Cada pessoa toma para si a pornografia que considera mais “adequada”, ou seja, o indivíduo se apropria da pornografia que está dentro do seu limite, de até onde ele se encontra disposto a ultrapassar esses limites para realização de seus fetiches e fantasias e de sua parceria sexual.

Igualmente, é notório que as concepções Freudianas se fazem muito presentes ainda nos dias atuais e que os tabus, considerações e afirmações abordadas por ele, são visíveis na sociedade em que vivemos e se refletem em cada indivíduo. A exemplo disto, podemos repetir o que foi relatado inicialmente nesta pesquisa por Freud, onde o mesmo afirmou que “Cada nova conquista foi sancionada pela religião, cada renúncia do indivíduo à satisfação pulsional foi oferecida à divindade como um sacrifício” (FREUD, 1996, p. 196). 

Dessa frase, neste contexto, pode-se concluir que, apesar de toda luta pela liberdade, existem várias barreiras e amarras quando se trata da sexualidade, onde, nem mesmo os que buscam essa liberdade sexual, todo progresso, estão dispostos a ultrapassar seus limites. Aqueles que tentam, como por exemplo, as mulheres que mantem relacionamento amoroso com um homem consumidor compulsivo de pornografia, acabam pagando um alto preço na procura por essa liberdade para satisfazer seu parceiro sexualmente, ultrapassam seus limites e valores, anulam-se enquanto mulher e ser humano, em busca de uma aprovação que, infelizmente, nunca terão, visto que seu parceiro transformou algo que deveria ser corriqueiro, uma brincadeira saudável entre o casal, em algo feio, destrutivo, danoso não só fisicamente, mas também psicologicamente para ambos, sendo que, de tudo que aqui foi pontuado, a mulher é a parte mais prejudicada em vários âmbitos. 

Isso tudo, em consequência de uma sociedade hipócrita, com mandos e desmandos sobre a sexualidade do próximo, obrigando-os a reprimirem seus impulsos e desejos, ao mesmo tempo preconceituosos em relação a sexualidade feminina, sempre estereotipando a mulher como objeto de desejo, separando-as entre as que “são para casar” e as que “são para transar”, o que remonta desde o século XVI e permanece até hoje, com sequelas gravíssimas, formando uma junção entre liberar os impulsos sexuais e desejos, reprimi-los, o papel da mulher objetificada e submissa, o homem como o dominador e o sexo tendo apenas a função de procriar e não dar prazer. 

Assim, foram e continuam sendo desencadeadas neuroses psíquicas na sociedade em geral, resultantes dessa visão arcaica, distorcida e que como sempre, vitimiza a mulher. Tornando-a culpada quando o homem não está satisfeito na relação amorosa, única responsável (obrigada à) pelo prazer sexual do parceiro, insegura por não possuir a aparência das atrizes pornôs, crítica consigo mesma por não saber/querer praticar manobras sexuais como nos filmes pornográficos, desconfiadas para futuros relacionamentos amorosos, passando a achar que todo parceiro sexual vai querer manter práticas sexuais que ela não gosta, receosa do ato sexual em si, com medo de ser machucada e de sentir dor e muitas transitando por psicólogos e psiquiatras para tratar os danos psicológicos que lhe foram deixados.

5. CONCLUSÕES

A presente pesquisa teve por objetivo analisar as consequências negativas que o consumo excessivo de pornografia gera no relacionamento entre casais heterossexuais e os possíveis impactos psicológicos para a mulher nessas circunstâncias. 

Para embasar tal problemática, trouxemos à luz da Psicanálise, onde Freud e outros autores debatem sobre a necessidade de uma reforma política na saúde populacional, com maior liberdade sexual, argumentando que a pornografia proporciona uma série de prazeres sexuais diferentes daquele que a sociedade considera apropriado.

Tornaram-se evidentes ao longo do trabalho alguns pontos que precisam ser destacados.

Observou-se que, ainda hoje, predomina em nossa sociedade o pensamento machista e dominador, pautado na ideia de que o homem deve ser sempre obedecido e a mulher ser submissa a ele, independentemente de suas vontades e gostos. Grande parte dos homens percebem a mulher como um objeto apto a satisfazer seus desejos e fetiches mais “absurdos” possíveis. Dessa forma, muitas acabam entrando e/ou permanecendo em relacionamentos que danificam sua saúde física, mental, moral e sexual.

O estudo também evidenciou que, normalmente, a procura por conteúdos pornográficos se dá em maior parte pelo público masculino, com motivação inicial o foco para excitação e realização de prazer. A partir do resultado das pesquisas realizadas, foi verificado que existe um percentual de mulheres que já foram agredidas durante o ato sexual e consoante alguns autores, quanto mais pornografia os homens consomem, maior a probabilidade de exigirem de suas companheiras o mesmo padrão de comportamento das atrizes pornôs, muitas vezes contribuindo para a violência doméstica. Como resultado, a mulher sente-se culpada, aceitando práticas sexuais com a finalidade de somente satisfazer o parceiro. 

Outrossim, a pesquisa deixou claro que, praticamente todas as mulheres em algum momento, se sentiram obrigadas a realizar alguma prática sexual que não queriam ou não consentiram, foram machucadas durante o ato sexual e consideram que o consumo excessivo de pornografia influencia negativamente nas atitudes de seus parceiros.

Por fim, pode-se concluir que o consumo excessivo de pornografia entre casais heterossexuais, pode servir como mais uma forma de violência contra a mulher, uma vez que ela ainda é alvo de objetificação masculina, onde existe um estereotipo nela e o preconceito com sua sexualidade, sendo a função da mulher somente reproduzir e não sentir prazer. Aquelas que sentem alguma satisfação durante o ato sexual, são praticamente separadas em “são para casar” das que “são para transar”.

É válido ressaltar que não existe uma concordância entre pesquisadores e estudiosos sobre o que é a pornografia, por ser algo muito subjetivo e individual para cada pessoa. Alguns autores não recomendam o consumo de forma alguma. Outros, consideram que o consumo equilibrado nas relações amorosas entre os casais pode ser percebido como algo prazeroso, considerando que o sexo é um aspecto fundamental para o relacionamento. 

Por fim, recomenda-se que sejam realizados estudos mais aprofundados acerca da temática e através de outros métodos. Para assim, evidenciar as demais vertentes existentes na violência contra a mulher, quebrar tabus e paradigmas presentes em relação a sexualidade, principalmente a feminina, e assim, mitigar os casos de violência contra a mulher dentro das relações amorosas e que ela não se sinta obrigada a realizar práticas sexuais sem consentimento ou que estão fora de seus limites de aceitação. 

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1Discente do Curso Superior de Psicologia da Universidade Estácio de Sá Campus de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. E-mail: anakarlapsicologa@gmail.com