POR UM CONCEITO CIENTÍFICO DE DIREITO

FOR A SCIENTIFIC CONCEPT OF LAW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12741067


Daniel Roffé de Vasconcelos1


RESUMO

Procura-se conceituar o direito, considerando a metodologia científica de Karl Popper, com submissão a testes de refutabilidade. Como todo e qualquer fenômeno, seja físico, psicológico ou normativo, o direito deve ser descrito de forma objetiva, compreensível por todos, independentemente de nossos desejos, interesses ou valores subjetivos. Não há conceituações interpretativas, todas elas devem ser objetivas, pensadas cientificamente. As interpretações e juízos de validade normativa, por outro lado, devem ser pensadas no campo filosófico e não científico. Após críticas a diversas teorias do direito que pretendem conceituá-lo através de elementos eminentemente linguísticos ou morais, propõe-se uma conceituação que leva em consideração um elemento externo capaz de distingui-lo das demais ordens normativas, qual seja, a sua emissão por uma autoridade estatal.

Palavras-chave: Método científico.   Karl Popper. Conceito objetivo. Refutabilidade. Direito. Autoridade estatal.

ABSTRACT

In this article we tried to conceptualize the right, considering the scientific methodology of Karl Popper, with submission to tests of refutability. Like any and all phenomenon, be it physical, psychological, or normative, law must be described objectively, understandable by all, regardless of our subjective desires, interests or values. There are no interpretative conceptualizations, all of them must be objective, scientifically thought out. Interpretations and judgments of normative validity, on the other hand, must be thought of in the philosophical field and not in the scientific one. After criticizing several theories of law that intend to conceptualize it through eminently linguistic or moral elements, it is proposed a conceptualization that takes into account an external element capable to distinguish it from other normative orders, that is, its issuance by a state authority.

Keywords: Scientific method. Karl Popper. Objective concept. Refutability. Law. State authority

INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende elaborar uma definição de direito, utilizando critério científico, com a metodologia pensada por Karl Popper, que distingue a realidade do seu conhecimento, submetendo este último a testes de refutabilidade.

A argumentação utilizada toma por premissa a percepção de que todo e qualquer fenômeno, seja físico, psicológico ou normativo, pode e deve ser pensado em sua realidade objetiva, como fato decorrente de relações causais, embora complexas e dinâmicas, compreensível por todos e independentemente dos valores que o atribuímos.

O ser e dever-ser, aqui, são pensados, não como realidades incomunicáveis e pertencentes a dimensões distintas, nem submetidas a lógicas causais diversas (causalidade x imputabilidade), mas como fenômenos submetidos às mesmas leis da natureza, compreensível numa observação empírica e por pensamento científico.

Embora o direito seja definido por critérios científicos, de forma objetiva, como se pretende neste artigo, isso não quer dizer que todo direito se equivalha, tenha o mesmo valor. A validade do direito ou da regra jurídica deve ser pensada no campo da filosofia jurídica, não para reconhecer a existência ou vigência do direito (regra de reconhecimento), mas para propor soluções interpretativas que nos sejam mais satisfatórias, tenham-nos valor.

No decorrer da fundamentação serão expostas críticas a teorias do direito por não o definirem de forma objetiva, científica, com submissão a testes de refutabilidade. Encontramo-las nas três principais correntes jusfilosóficas: a idealista formal (jurisprudência dos conceitos e positivismo normativista ou strito sensu); a idealista material (jusnaturalista, racionalista e moralista); e a do realismo jurídico reducionista (realismo psicológico e comportamentista).

Finalmente será elaborado um conceito de direito que atenda a critérios científicos propostos por Karl Popper, com pretensão de objetividade.

1. CRITÉRIOS PARA UMA CONCEPÇÃO CIENTÍFICA DO DIREITO

Primeiramente, podemos indagar se é possível identificarmos cientificamente o direito. Para tanto é importante compreendermos a atividade científica.

A ciência sempre foi concebida como o conjunto de conhecimentos e teorias decorrentes da experimentação empírica, distinguindo-a da mera opinião e das ordens normativas. Mas como chegamos a conclusões científicas?

Primeiramente, Bacon e Hume professaram para a ciência o método indutivo, onde induzimos o que vai ser, considerando o que foi2. Corresponde, assim, ao raciocínio que parte do particular para o geral, ou dos fatos observados empiricamente à lei3. Assim, p.ex., partimos de enunciados particulares (o sol nasceu ontem, nasceu hoje) a um enunciado universal (o sol nasce todo dia). Já o método dedutivo envolve caminho de raciocínio diferente, onde passamos de enunciados concebidos (princípios ou premissas) a um ou vários que deles decorreriam necessariamente. Aqui haveria um caminho inverso ao da indução, indo do geral para o particular (do princípio a suas consequências)4.

Convencionou-se, assim, que enquanto nas ciências se aplicaria o método indutivo, em outras áreas como a ética, moral, direito, utilizar-se-ia o dedutivo. O conhecimento do direito, p.ex., envolveria o seguinte raciocínio dedutivo silogístico: partindo da lei e fatos jurídicos (premissa maior e menor) se chegaria à consequência (conclusão).

A indução, entretanto, mostrou-se extremamente problemática e insuficiente para a ciência. A complexidade e dinâmica da natureza nos faz questionar a sua estabilidade necessária a inferirmos que situações empíricas ocorridas no passado acontecerão no futuro5. O método indutivo também se revelou reducionista, pois por mais que façamos observações a respeito de determinados fatos, nada assegura a veracidade das conclusões gerais decorrentes. Assim, p. ex., a existência de dez mil cisnes brancos não prova que todos o são6.

Popper7, com bastante propriedade, observou que a ciência não poderia trabalhar com o método indutivo. Nesse sentido, esclarece:

“O avanço da ciência não se deve ao fato de se acumularem ao longo do tempo mais e mais experiências perceptuais. Nem se deve ao fato de estarmos fazendo uso cada vez melhor de nossos sentidos. A ciência não pode ser destilada de experiências sensoriais não interpretadas, independentemente de todo o engenho usado para recolhê-las e ordená-las. Idéias arriscadas, antecipações injustificadas, pensamento especulativo, são os únicos meios de que podemos lançar mão para interpretar a natureza: nosso único “organon”, nosso único instrumento para apreendê-la. E devemos arriscar-nos, com esses meios, para alcançar o prêmio. Os que não se disponham a expor suas idéias à eventualidade da refutação não participarão do jogo científico.”

A experiência empírica é evidentemente indispensável à ciência, mas o que Popper sustenta é a preponderância da teoria, onde traçamos objetivos, especulamos, ordenamos e proferimos conclusões deduzidas de premissas aceitas, sempre postas à prova.  Defende, assim, uma espécie de substituição do método indutivo pelo da falseabilidade, ou melhor, refutabilidade.  

O método indutivo normalmente era considerado como garantia ao conhecimento irrefutável8, verdadeiro, pois baseado no experimento objetivo, desvinculado de nossos desejos, interesses e valores. É claro que ninguém desconhecia a evolução da ciência ao longo do tempo, mas assim o fazia passando de uma verdade a outra.

Popper percebeu a problemática dessa pretensa verdade das proposições científicas. “Se ontem consideramos como verdadeiro um enunciado que hoje consideramos falso”, adverte, “estamos implicitamente asseverando, agora, que ontem estávamos enganados, que o enunciado, ontem era falso – intemporalmente falso – mas, que, erroneamente, o tomamos por verdadeiro”9. Assim, a verdade não deve ser concebida em termos de utilidade, corroboração ou aceitação de uma teoria, como o fazem os pragmatistas, e até mesmo Habermas10, para quem ela se confundiria com o entendimento mútuo.

Para Popper há uma distinção entre verdade e corroboração. Uma teoria, por mais corroborada que seja pela aceitação de seus enunciados básicos, não se confunde com a verdade. Ela sempre será submetida a testes de refutabilidade. Aqui, ele faz uma inversão do que se entende por científico, pois considera a ciência não apenas insuficiente à garantia de verdade, como só tem por objeto aquilo que é refutável.

Mas, se uma teoria é refutável é por existir algo diverso, ou além, de nossas ideias, premissas e conclusões.  É por isso que é necessário separar a verdade do conhecimento. A verdade é o próprio ser (em sua eternidade11), e o fato deste somente ser percebido através de nossos sentidos, como observava Kant, ao contrário do que alguns pretendem, em nada altera a sua objetividade. Se ela somente for a do sujeito como pregavam os sofistas, como poderíamos reconhecer uma mentira, nossa ignorância, nossos erros? Aqui peço licença para expor sensata crítica de Comte-Sponville12 aos sofistas e ao niilismo de Nietzsche:

“Se não há fatos, se só há interpretações, conforme a célebre fórmula de A vontade de potência, o próprio mundo escapole: não há mais que discursos sobre o mundo. É como um mundo virtual, que teria absorvido o verdadeiro até dissolvê-lo. Que possamos viver nele, pode ser. Mas para que, então, querer vive-lo e pensa-lo em verdade? Por que não se contentar com uma bela mentira, com um discurso hábil ou com uma ilusão confortável? Filosofia de tagarelas e sofistas, em que a filosofia morre. Se não há verdade, pode-se pensar qualquer coisa, mas também já não é possível pensar nada. Se nada é verdadeiro, não é verdadeiro que nada é verdadeiro. Se tudo é falso, o falso também tem de sê-lo. Essa autocontradição, longe de refutar a sofística, torna-a irrefutável: já que só poderíamos refutá-la em nome de uma verdade pelo menos possível, que ela recusa. E então? Então só restam relações de força e o conflito – tão inesgotável quanto esgotante – das interpretações.”

A verdade, assim, não se confunde com o saber, ainda que possivelmente verdadeiro. Aquela é sempre objetiva, pois o ser existe independentemente de quem o conheça – são os próprios fatos, fenômenos que compõem o universo. Aqui sigo a doutrina realista segundo a qual a existência de objetos, ou a verdade, independe de nossa percepção13. Já todo o conhecimento é incerto. Não se pode negar a possibilidade de emitirmos juízos verdadeiros, mas nenhum método, seja indutivo ou dedutivo, ou experiência, poderia assegurar a veracidade de nossas conclusões a respeito do objeto pensado. Conhecemos os fatos pela observação, “mas essa consciência, esse nosso conhecimento”, ressalta Popper14, “não justifica nem estabelece a verdade de qualquer enunciado”.

Mas, se não há garantia de certeza, ao menos há de se afastar teorias através da refutação, como bem sustentou Popper. Nossas teses podem ser corroboradas, quando aprovadas em testes de refutabilidade, embora isso não nos assegure qualquer “valor-verdade”.

A refutação de uma teoria pode ocorrer de duas formas, destaca Comte-Sponville15, demonstrando a sua incoerência (refutação lógica) ou desconformidade com a experiência empírica (falsificação). Nessa operação é indispensável o emprego da razão ou discurso racional. Mas que razão? Não se trata de expressão de uma certeza, nem a reprodução do ser através da linguagem. A viragem linguística desmistificou esse seu poder. Ela é um raciocínio que apenas se pretende objetivo, imparcial, universal, mesmo emitido por um sujeito; mesmo que incerto. Mas como?

Vimos que nosso conhecimento não advém da mera indução, de uma suposta apreensão objetiva do ser passivamente captado pelos nossos sentidos. Ele é um processo de construção, que envolve uma espécie de relação iniciada com a impressão16 causada pelo objeto percebido (passividade), que desencadeia uma reação (atividade), que nos faz ordenar ideias, para compreendê-lo e agir nessa relação que nos afeta, nos faz desejar, e, consequentemente, emitir juízos, seja de fato, seja de valor. Lacroix17 assim ensina sobre o construtivismo de Hobbes:

“(…) Não há harmonia preestabelecida entre a razão e a ordem das coisas. A ciência não nos faz com que penetremos a estrutura íntima do mundo; ela nos permite apenas ordenar os fenômenos, ter um meio de agir sobre eles e utilizá-los. O racionalismo construtivista de Hobbes ilustra bem a tese de Adorno e Horkheimer:

[…] a razão se comporta em relação às coisas como um ditador, em relação aos homens: ele os conhece na medida em que ele pode manipulá-los. O homem de ciência conhece as coisas na medida em que ele sabe fazê-las (p.27).”

Não há, portanto, um saber adequado das coisas, mas construído pelo que nos afeta e faz desejar. Seria ainda possível, então, um conhecimento racional ou estaríamos fadados à sofística ou niilismo de Nietzsche, onde nos restaria apenas a lógica da dominação? É o que não creio.

Somos capazes não apenas de desejar expressar nossas vontades e interesses (que nem sempre são egoístas), mas também de expor os fatos de forma objetiva, sem expor nossos juízos de valor, experiência que vivenciamos diariamente. O desejo aqui é de expor a verdade, a realidade e não nossas afeições. E é aqui onde encontramos a razão ou raciocínio racional, e separamos o saber científico (juízo de fato) do filosófico (juízo de valor ou normativo)18.

Kant percebeu essa nossa dupla capacidade de raciocínio, um teórico (razão pura ou objetiva) e outro prático (razão prática ou subjetiva), o que no essencial foi acompanhado por Popper, que assim sustenta:

“O uso que faço dos termos “objetivo” e “subjetivo” não difere do de Kant. Ele usa a palavra “objetivo” para indicar que o conhecimento científico deve ser justificável, independentemente de capricho pessoal; uma justificação será “objetiva” se puder, em princípio, ser submetida a prova e compreendida por todos.”

O saber científico, assim, por sua intrínseca exigência de objetividade, é refutável, passível de corroboração, com pretensão de explicar fenômenos de forma a todos compreensível e sem emissão de nossos juízos de valor.

Popper também observou a existência de teorias que estariam fora do âmbito científico, por não serem passíveis de refutação pela experiência, como, p. ex., a da psicanálise e do marxismo19, embora reconheça que hipóteses metafísicas servem de inspiração para a própria produção de hipóteses científicas20.

O fato de existirem teses irrefutáveis e não científicas não implica, entretanto, qualquer limitação de objeto a ser estudado pela ciência.

No mundo ocidental preconizava-se a separação metodológica entre a ciência que estudava fenômenos da natureza, formando uma ordem de leis necessárias, com ênfase em sua estabilidade e equilíbrio, e a que estudava o homem, em especial o humanismo, onde se construía leis que melhorassem o convívio social. É o que ensina Prigogine21:

“Whitehead já havia dito que havia dois ideais que emolduraram a história do mundo ocidental: A inteligibilidade da natureza, cujo objetivo consistia em “formar um sistema de idéias gerais que seja necessário, lógico e coerente, em função do qual todos os elementos da nossa experiência possam ser interpretados” e o Humanismo, estreitamente associado à idéia de democracia, que enfatiza a liberdade, criatividade e responsabilidade humanas”. A idéia do humanismo implica escolha e a idéia de valor.”

Havia uma concepção inapropriada de que os fatos naturais e humanos seriam incomunicáveis, pois decorrentes de causalidades distintas: nos primeiros imperavam a necessidade, o determinismo, e nos segundos o livre arbítrio, a transcendência pela nossa suposta capacidade de nos libertarmos do real. Daí porque as leis que moveriam o homem seriam, segundo Kelsen22, regidas pela ideia de normatividade ou imputabilidade e não causalidade.

Epicuro, bem antes, e depois Spinoza, entretanto, já percebiam essa falsa distinção e como tanto a natureza quanto o homem fazem parte de uma mesma cadeia de relações, da mesma forma inteligível e seguindo as mesmas leis. O primeiro pensou numa solução para esse dilema, imaginando o fenômeno do clinâmen, que nas palavras de Lucrécio seria um ligeiro desvio dos corpos de sua trajetória em movimento23. Esse fato natural (desvio) é que tornaria possível nossa liberdade, arbítrio, nossas ações. Spinoza24, por outro lado, idealizou o conatus, a tendência que todas as coisas possuem de perseverar em seu ser, manter certa estabilidade, embora dinâmica, da qual decorreriam nossos desejos. Nossa vontade tem suas causas; ninguém deseja livremente. Se nos julgamos livres para querer (livre arbítrio), adverte Spinoza25, é porque ignoramos as causas que nos fazem apetecer ou querer. É nesse sentido, inclusive, que falamos, a partir de Freud, do inconsciente (Id).

A ciência também vem cada vez mais desmistificando aquela sua incomunicabilidade com o humanismo, a denominada ciência social e demais ordens normativas. Não vivemos numa natureza harmônica, previsível, fatalista, onde o futuro estaria traçado pelo encadeamento necessário com o passado. Assim como no comportamento humano e social, encontramos na natureza a complexidade, estados de não equilíbrio, criatividade, seu ininterrupto estado de construção e conflitos. É o que percebe Prigogine26:

“(…) O que vemos hoje é a instabilidade, as flutuações, a irreversibilidade em todos os níveis. Estamos no limiar de um novo capítulo da história dos saberes que requerirá novos instrumentos e novos conceitos, vetores de novos tipos de coerência para os quais a assimilação da racionalidade científica ao reducionismo e ao dualismo é algo que pertence ao passado.”

Assim, a ciência não trabalha mais com certezas (frutos de nossas ilusões), mas probabilidades. Suas leis não passam de teorias refutáveis, sempre incertas, e que sofrem modificações pelo estado complexo e dinâmico da natureza. Os acontecimentos podem ser explicados pelos nexos de causalidade que os antecedem, mas nunca prever o que se dará no futuro.

Prigogine critica o determinismo, mas assim o faz mais por divergência semântica, pois o condiciona ao fatalismo, à noção de que o futuro já está escrito pela relação necessária com o passado. O fato do futuro está em aberto não afasta a ideia de que os acontecimentos ocorreram ou ocorrem por causas necessárias (embora complexas); se ele é imprevisível é pela nossa própria natureza complexa, dinâmica e criativa. É possível, assim, aceitar o determinismo, desde que não o transformemos num fatalismo ou predeterminismo.

O próprio Prigogine27 acolhe essa possibilidade ao assim externar:

“(…) A revolução russa foi um acontecimento, mas ela só foi possível por uma série de circunstâncias. A fraqueza do czar, o ódio em torno da imperatriz, a fraqueza de Kerenski, a vitória de Lênin e de Trotski. Claro que o regime czarista deveria cair, mas a maneira como isso ocorreu correspondeu a apenas uma dentre muitas possibilidades. O acontecimento possui uma microestrutura. De certo modo, é o acontecimento que permite distinguir o passado do futuro. Podemos até explicar os acontecimentos do passado. Pode-se quase considera-los como produto de determinismo latente. O que não se pode é prever os acontecimentos do futuro.”

Os comportamentos humanos, as nossas ordens normativas, assim, tanto quanto os fenômenos físicos, podem ser compreendidos numa mesma lógica científica e objetiva, desde que, evidentemente, não lhes atribuamos elementos valorativos.

A moral pode ser definida, segundo Comte-Sponville28, como “o conjunto dos nossos deveres”, obrigações ou proibições “que impomos a nós mesmos, independentemente de qualquer recompensa ou sanção esperada, e até de toda esperança”. É uma definição Kantiana, que de uma certa forma procura distingui-la do utilitarismo econômico, ou, como diria Comte-Sponville29, da ordem econômica. Podemos assim reconhecer que todos nós impomos certos limites a nossas ações por razões morais, por dever, mesmo que isso nos traga consequências prejudiciais. Mas nem todo dever que nos impomos se equivalem. Podemos reconhecer um padrão de deveres morais de certa comunidade, mas nem por isso adota-los como nosso ou dar-lhes o mesmo valor. A subjetividade dos nossos valores e deveres (que impomos a nós mesmos) não impossibilita que os reconheçamos como fato descritível cientificamente; apenas nos impede de conferir-lhes qualquer valor universal ou objetivo.

Essa mesma lógica encontramos nas demais ordens normativas, dentre as quais o direito. Devemos, entretanto, fazer uma distinção entre descrever um fenômeno ou emitir um conceito e exercer uma atividade valorativa, seja econômica, político-jurídica, moral ou ética.

É importante ter em mente que em qualquer atividade que exerçamos utilizamos um saber científico e um pensamento filosófico. A ciência não nos diz como empregá-la, como utilizar nossa tecnologia; apenas a filosofia nos faz direcionar nosso saber científico à satisfação de nossos interesses, nossos valores.

Heidegger chegou a afirmar que “a ciência não pensa”, mas o melhor seria: a ciência não julga; afinal, assim quis dizer Heidegger, nas palavras de Pascal Noveau30:

“(…) A ciência se proclama neutra. O cientista não se questiona se a lei da gravitação é boa ou ruim, se a eletricidade tem ou não valor, se as leis da desintegração atômica são justas ou injustas; ele se contenta com o conhecimento dessas leis. Quando, conhecendo-as, ele constrói uma arma atômica e emprega sua potência aterrorizante para destruir seres humanos, a ciência intervém, no entanto, no mundo dos valores humanos.

Esse é o paradoxo da técnica: a neutralidade na abordagem do conhecimento não implica a neutralidade dos resultados dessa abordagem. E essa é a critica de Heidegger. “A ciência não pensa” significa, portanto, que a ciência não pensa em suas próprias consequências.”

Essa distinção também foi observada por Alain Lacroix31, para quem o conhecimento científico se define por sua “neutralidade axiológica”, enquanto a filosofia se desenvolve numa “reflexão sobre os valores”. Ele também propõe para a ciência uma pretensa necessidade de acordo universal a partir das observações de regras logicamente determinadas. Mas esta última característica defendida é tão problemática e ilusória, por confundir verdade com teoria, como bem criticou Popper, que deve ser descartada.

Assim, quando pretendemos expor um fato, descrever ou conceituar qualquer fenômeno, dentre os quais o jurídico (direito ou norma jurídica), devemos fazê-lo utilizando critérios científicos, racionais, sem juízos de valor. Essa atividade, é importante ressaltar, não se confunde, p. ex., com a jurisdicional, onde o que se busca não é propriamente expor uma verdade, mas defender ou impor consequências jurídicas a determinadas situações. Nesta última não atuamos movidos pelos meros textos normativos, num simples raciocínio silogístico, mas por razões axiológicas e critérios elegíveis de validade.

Hoje em dia é comumente aceita a impossibilidade de obtermos todas as conclusões jurídicas da mera leitura ou conhecimento dos textos legais. Estes quando elaborados procuram regular certas circunstâncias, que nem sempre se apresentam ou se mantêm. Peculiaridades factuais podem demandar soluções diversas a serem encontradas, sem que isso implique em ilegitimidade. Kelsen já havia percebido isso ao aceitar uma margem de discricionariedade do magistrado, embora sustentasse, sem razão, que essa atividade estaria fora do âmbito estritamente jurídico.  Há, por outro lado, quem sustente, como Dworkin e Alexy, não haver tal discricionariedade, mas complementação do sentido da norma pelos princípios, utilizando-os pelo peso ou otimização que apresentariam em determinadas situações. Mas tais princípios nada mais são do que regras de caráter mais abstrato e alguns deles podem se revelar conflitantes. E mais: o conhecimento das circunstâncias envolvidas, embora indispensável, não nos assegura, mesmo com aplicação de princípios, a adoção de uma solução correta ou ótima. Embora os princípios sejam importantes, assim como as regras, sempre será necessária a eleição de critérios interpretativos que nos faça pensar numa solução que nos tenha mais valor. E tal avaliação é sempre subjetiva.  

De qualquer forma, o que importa aqui é perceber que a atividade jurídica não é exercida apenas pelo conhecimento objetivo ou científico, mas especialmente por nossas concepções e posicionamentos filosóficos. Quem, afinal, se resignaria a defender uma tese jurídica que não nos traga qualquer valor de legalidade, utilidade ou igualdade jurídica?

Mas quando indagamos o que seria direito ou fenômeno jurídico não estamos propondo a consequência jurídica ao caso concreto. São duas questões distintas e que não devem ser confundidas, sob pena de se tratar um problema científico como filosófico ou vice-versa. O que é direito não se confunde com a indagação de qual direito deve ser imposto. A primeira questão demanda uma resposta racional, objetiva; a segunda, uma resposta filosófica, valorativa e, portanto, subjetiva.

De forma inapropriada, muitos juristas, dentre os quais Dworkin32, pretendem elaborar um conceito interpretativo do direito (de cunho valorativo), além do sociológico (objetivo). Ora, pretender um conceito dessa natureza é se iludir e querer impor dogmaticamente, de forma ditatorial, uma ideia de interpretação e valor objetivo e universalmente válido; aquele que não aceitar minha teoria jurídica age fora do direito. Um conceito elaborado de forma satisfatória, contudo, pretende compreender e explicar o objeto, fenômeno, expondo suas características de forma a que todos os reconheçam como tal e o distinga dos demais, sem qualquer juízo de valor.

Para finalizar, concluo que o direito pode ser definido pela exposição de suas características de forma científica e objetiva, assim como qualquer outro fenômeno, com submissão a testes de refutabilidade e corroboração, e desde que não lhe seja incorporado qualquer elemento valorativo.

Antes, porém, de elaborar um conceito científico de direito, faz-se mister no próximo item refutar algumas teorias que pretendem descrevê-lo.

2. REFUTAÇÃO A ALGUMAS TEORIAS DO DIREITO

Como vimos no tópico anterior, uma teoria para ser científica é preciso que seja corroborada, submetida a testes de refutabilidade (lógica e empírica), e pretenda expressar um fato de modo objetivo, de forma a que todos possam reconhecê-lo independentemente de seu valor.

Assim, vale refutar, primeiramente, algumas das principais teorias do direito ou afastá-las de sua pretensa cientificidade ou objetividade. As dividirei em três para fins didáticos: a idealista formal (jurisprudência dos conceitos e positivismo normativista ou strito sensu); a idealista material (jusnaturalista, racionalista e moralista); e realismo jurídico reducionista (realismo psicológico e comportamentista).

A teoria idealista, ensina Alf Ross33, supõe a existência de dois mundos: o da realidade, “que abarca todos os fenômenos físicos e psíquicos no tempo e no espaço que apreendemos por meio da experiência dos sentidos”; e das ideias ou validade que contempla “vários conjuntos de idéias normativas absolutamente válidas (a verdade, o bem, e a beleza) que apreendemos imediatamente por meio da nossa razão”. Ela considera o direito pertencente a esses dois mundos, como fenômeno histórico-cultural e como expressão da razão, de um raciocínio a priori, sendo que este último obrigaria “de forma absoluta à ação humana e à vontade humana”. Aqui o direito é condicionado à sua validade.

Há duas variedades de teoria idealista: a formal e a material. A primeira, em tese, afirma aceitar que o direito possa conter qualquer conteúdo, embora o condicione a uma validade lógico-formal ou procedimental. A segunda considera como direito apenas aquele que atenda a certas exigências de justiça. Uma ordem eficaz, mas injusta não seria direito, apenas “regime de violência”34.

Considero como realismo jurídico reducionista a teoria que não apenas considera o direito como fato, fenômeno social e independente de sua validade subjetiva ou pretensamente objetiva, mas o condiciona a uma aceitação por uma consciência jurídica popular (realismo psicológico ou escandinavo) ou à decisão dos magistrados e tribunais (realismo comportamentista ou norte-americano).

A seguir buscarei refutar cada uma dessas doutrinas.

2.1 Teorias baseadas no idealismo formal: jurisprudência dos conceitos e positivismo normativista ou stricto sensu

A jurisprudência dos conceitos foi um movimento jus-filosófico do século XIX que se caracterizou pela defesa de uma objetividade metodológica de natureza lógico-formal, sem preocupação com as consequências práticas. Procura se distanciar do jusnaturalismo na medida em que não condiciona o direito a uma validade metafísica exterior.

Encontramos nessa corrente algumas variáveis em Puchta, Jhering em sua fase inicial, Windscheid (positivismo legalista), e adeptos da teoria objetivista da interpretação (Karl Binding, Adolf Wach e Josef Kohler).

Em Puchta, considerado o principal teórico da jurisprudência dos conceitos, o direito seria um sistema lógico-formal dedutivo, composto de conceitos extraídos das proposições jurídicas no estilo de uma pirâmide, estando no vértice o de âmbito mais geral e abstrato do qual partiriam os demais em ordem decrescente de generalidade e abstração até sua base. O conceito mais geral do qual os demais decorreriam logicamente não seria de caráter meramente jurídico, mas filosófico e refletiria a experiência histórica da comunidade ou o “espírito do povo”, como pensado por Savigny. O direito, assim, seria compreendido através de uma “genealogia dos conceitos”, o que manteria sua unidade e coerência.

Jhering em sua primeira fase compreende o direito como um organismo natural, composto de conceitos fundamentais simples obtidos por análise lógica e abstração, a partir da experiência histórica, ou seja, através da indução. O direito seria um conjunto de conceitos lógicos decorrentes de uma realidade histórico-natural. Aqui há uma inversão do método dedutivo da genealogia dos conceitos para o indutivo, supostamente mais próximo ao pensamento científico.

Já Windscheid via o direito como expressão da vontade racional do legislador. Ao se manifestar através da lei ou qualquer outra forma, o direito passa a ter uma vontade objetiva, racional, que deve ser compreendida pelo conhecimento de todas as circunstâncias jurídicas presentes na sua formação, extraindo-se, inclusive, o verdadeiro pensamento “por detrás do sentido que o legislador quis dar expressão”35.

Finalmente, na jurisprudência dos conceitos, encontramos a teoria objetivista da interpretação que se distingue do positivismo legalista de Windscheid na medida em que para ela o sentido objetivo e racional da lei não estaria na vontade do legislador, mas no seu significado intrínseco. Aqui, ensina Larenz36:

“As opiniões e intensões subjetivas do legislador, dos redactores da lei ou das pessoas singulares que intervieram na legislação não têm relevo: a lei é “mais racional” do que o seu autor e, uma vez vigente, vale por si só. Por isso é a partir dela apenas, do seu próprio contexto significativo, que deve ser interpretada.”

O positivismo normativista (stricto sensu) tem como principal expoente Kelsen que criou uma teoria pura do direito, também pretensamente científica e objetiva, desprovida de juízo de valor, onde separa a ciência jurídica da política (o direito da moral).

Apresenta dois conceitos de regra jurídica que teriam aspectos diversos37: um sociológico, como “norma criada pela autoridade jurídica para regular conduta humana”; e outro interpretativo ou doutrinário, como técnica ou “instrumento usado pela ciência jurídica para descrever o direito positivo” criado pela autoridade estatal. Sua teoria científica, entretanto, concentra-se nesta segunda concepção.

Kelsen constrói sua teoria partindo da premissa de haver uma separação radical entre o ser e o dever-ser. Justifica essa separação pela compreensão de que da observação do que ocorre na realidade, não se conclui o que ela deva ser ou o que deve ser feito38. Não nega que o dever-ser, o comando, a norma, decorra de um ato de vontade, sendo jurídica, a do Estado; considera, contudo, que uma vez expressada por uma proposição jurídica, seu enunciado poderia ser descrito e compreendido abstraído do ato psicológico (de vontade) de que o originou39. “Se a regra jurídica é um comando, ela é”, sustenta Kelsen, “um comando despsicologizado, um comando que não implica uma “vontade” no sentido psicológico do termo”.

Assim, um enunciado da proposição jurídica poderia ser conhecido e compreendido objetivamente, desde que abstraíssemos o fator psicológico que a envolve, estando fadado ao insucesso qualquer tentativa de descrição do seu significado através da “conduta efetiva dos homens”40. Haveria aqui, não uma ciência dos fatos, mas uma ciência das normas41.

A principal característica distintiva da ordem jurídica, segundo Kelsen, é o seu caráter coercitivo. Não é pelo conteúdo que se define o direito, mas a prescrição de uma sanção para o caso de delito, decretada por uma ordem socialmente organizada.

Kelsen42, considerando essa característica peculiar, classifica as normas jurídicas em primárias e secundárias. Estas últimas refletiriam enunciados de que certo indivíduo deve observar determinada conduta; enquanto àquelas estipulariam que outro indivíduo deve executar uma sanção no caso da norma secundária ser violada. Como para ele a característica principal da norma jurídica é a coerção, aquela que define a sansão é a primária, ao contrário do que propunha Austin43.

Kelsen não considera a norma jurídica de forma isolada, mas dentro de um sistema autônomo, composto de forma integrativa por normas secundárias e primárias, cuja existência dependeria da sua validade lógico-formal (conceito interpretativo ou doutrinário – como técnica).

Nesse sentido, uma norma jurídica existe se tiver por fundamento de validade outra norma hierarquicamente superior. Assim, p. ex., um comando de uma autoridade judiciária ou administrativa (norma jurídica individual) somente tem existência ou validade se fundada em norma emitida por autoridade legislativa (de caráter geral e abstrata); uma norma expressa por lei ordinária somente tem validade se fundada em lei complementar ou diretamente na constituição. E para completar Kelsen criou ainda uma norma fundamental hipotética, uma regra pressuposta que daria unidade, coerência e legitimidade ao sistema. Afinal, para ele, o fundamento para validade de uma norma é sempre outra norma e não um fato.

Esse sistema assim considerado, utilizando-se uma operação intelectual pela inferência do particular a partir do geral – espécie de método dedutivo -, é denominado por Kelsen de estático.

Ele também constrói um sistema dinâmico, procurando descrever a forma de criação da norma jurídica.  As normas dessa ordem “têm de ser criadas através de atos de vontade pelos indivíduos que foram autorizados a criar normas por alguma norma superior”44. Sua norma fundamental “estabelece certa autoridade, a qual, por sua vez, tende a conferir poder de criar normas a outras autoridades”45. Esse sistema não serve para distinguir o direito de outras ordens normativas, mas para reconhecer a validade da norma jurídica, quando “criada de acordo com um procedimento prescrito pela constituição fundamental”46 de sua ordem jurídica.

Kelsen não deixou de reconhecer o poder discricionário na criação da norma jurídica, mas ele estaria no âmbito da política e não da ordem jurídica meramente científica e objetiva, sem emissão de juízo de valor.

Em Hart encontramos uma diferente versão do positivismo normativista ou stricto sensu. Para ele o direito é um conjunto de regras primárias de obrigação e secundárias de reconhecimento, alteração e julgamento.

As regras primárias seriam as que estabelecem deveres jurídicos, obrigações, “ações que os indivíduos devem ou não fazer”54. As secundárias seriam aquelas que “especificam os modos pelos quais as regras primárias podem ser determinadas de forma concludente, ou ser criadas, eliminadas e alteradas, bem como o fato de que a respectiva violação seja determinada de forma indubitável”47.  

As regras secundárias de reconhecimento seriam as que identificam as autoridades emissoras das regras primárias, e atribuem respectivos poderes normativos, não apenas àquelas autoridades públicas, mas também a particulares48, permitindo reconhecer seu pertencimento ao sistema jurídico. Aqui há uma questão bastante relevante. Em Kelsen acima da constituição haveria uma norma fundamental hipotética pressuposta que garantiria sua validade e unidade sistêmica. Ele reconheceu, entretanto, que este sistema não existiria sem um mínimo de eficácia social, o que de certa forma contradiz a pureza de sua teoria normativa. Hart, então, substitui essa norma fundamental pela regra de reconhecimento e a considera, não como questão normativa, mas de fato. A constatação do conteúdo da regra de reconhecimento é “empírica que só pode ser respondida mediante observação e descrição das práticas sociais de cada país e momento”49, podendo integrá-la elementos formais ou materiais. Exemplo de regra formal seria o que Hart afirma vigorar na Inglaterra de que direito seria “tudo o que a Rainha do Parlamento aprova”50. Nada impediria, contudo, uma de natureza material, tendo sido pensada uma imaginária de que “é Direito em Cor-de-Rosalândia aquilo que estipula o parlamento, desde que promova a dignidade humana e respeite os tratados internacionais de direitos humanos”51.

Hart afirma, ainda, que nos sistemas jurídicos modernos a regra de reconhecimento solucionaria possíveis conflitos através da ordenação de “critérios numa hierarquia de subordinação e primazia relativas”52, método distinto da simples derivação lógico-dedutiva de Kelsen. Ela seria análoga à regra de pontuação de um jogo53:

“No decurso do jogo, a regra geral que define as atividades que constituem os pontos a marcar (corridas (**), golos, etc.) raramente é formulada; em vez disso, é usada pelas autoridades do jogo (***) e pelos jogadores, na identificação das fases particulares que contam para a vitória. Também aqui as declarações das autoridades (árbitro ou marcador) tem um estatuto especial de autoridade que lhes é atribuído por outras regras. Mais ainda, em ambos os casos há a possibilidade de conflito entre estas aplicações da regra dotadas de autoridade e a compreensão geral do que a regra claramente exige segundo os seus termos.”

Em razão dessa diferença entre aplicação de regras de autoridade e compreensão geral, Hart distingue dois tipos diferentes de afirmação de uma regra de reconhecimento: uma interna e outra externa.  Na primeira, encontramos uma atitude de aceitação sob o ponto de vista interno do sistema jurídico, onde a validade de uma norma se constataria pela atribuição lhe conferida por outra. Assim exemplifica:

“(…) Será válida esta pretensa postura (*) do Conselho de Condado de Ofxfordshire? Sim, porque foi elaborada no exercício dos poderes conferidos e conforme o procedimento especificado por um decreto (**) do Ministério da Saúde.”  

Numa afirmação externa, o reconhecimento se daria pela observação da prática dos respectivos tribunais, servidores e particulares, embora pudéssemos discordar das soluções adotadas.

Assim, a regra de reconhecimento, tanto sob o ponto de vista interno quanto externo, decorreria de uma constatação de fato, que nos permitiria reconhecer sua validade objetiva. Isso diferiria do juízo de valor que fazemos da regra de reconhecimento e do sistema nela baseado que seria subjetivo.

As regras secundárias de Hart também são compostas por regras de alteração (ou transformação) e de julgamento (ou adjudicação). As primeiras seriam as que conferem poderes a uma pessoa ou colegiado “para introduzir novas regras primárias para a conduta da vida do grupo, ou de certa classe dentro dele, e para eliminar as regras antigas”55, conferindo caráter dinâmico ao sistema. As segundas dariam poderes a indivíduos “para proferir determinações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se, numa ocasião concreta, foi violada uma regra primária”56.

Procurei aqui expor de forma resumida teorias a respeito do direito fundadas num idealismo formal, que o condiciona a um raciocínio a priori, ou validade objetiva, meramente lógico-formal ou procedimental, que obrigaria a todos. Passo agora a tecer algumas críticas a respeito.

Um dos principais equívocos dessas correntes, talvez menos em Hart, está na tentativa de criar uma ordem jurídica meramente linguística, como realidade autônoma despsicologizada (Puchta, Jhering em sua primeira fase, teoria objetivista, Kelsen) ou não (Windscheid). Daí a confusão entre a validade de um raciocínio jurídico lógico-dedutivo com a verdade ou existência do direito.

É importante compreendermos que a noção lógica de validade de um raciocínio dedutivo, nada tem a ver com a verdade de suas premissas e conclusões, sendo, portanto, falsa qualquer tentativa de expor a verdade do direito em seus termos. Assim adverte Comte-Sponville:

validade (validité) – É o nome lógico da verdade, ou antes, seu equivalente formal. Uma inferência é válida quando permite passar do verdadeiro ao verdadeiro (da verdade das premissas à verdade da conclusão) ou quando é verdadeira qualquer que seja a interpretação que dela pudermos dar. Note-se que a validade de um raciocínio não depende da verdade das suas conclusões, assim como esta, aliás, tampouco depende necessariamente daquela. Um raciocínio válido pode levar a uma conclusão falsa (se pelo menos uma das premissas for falsa). É o caso, por exemplo, do célebre sofisma do chifrudo: “Você tem tudo o que não perdeu; você não perdeu seus chifres; logo você tem chifres.” O raciocínio é válido, a conclusão é falsa (porque a maior, embora possamos não perceber imediatamente, também o é). Inversamente, um raciocínio inválido pode levar a uma conclusão verdadeira: “Todos os homens são mortais; Sócrates é mortal; logo, Sócrates é um homem”, é um raciocínio inválido.”

Ora, se a validade de um raciocínio nada diz sobre a verdade do que se está falando, evidentemente que ela não é critério para qualquer tipo de interpretação que pretenda refletir o seu sentido verdadeiro ou desejado.

Na verdade, se uma proposição nos faz sentido é pela relação que fazemos entre as palavras que a compõe, seu texto (significante), e as ideias que as associamos (significado). Não há sentido unívoco, absoluto e universal, mas construído por cada um de nós pelas relações que fazemos ao escrevê-lo, lê-lo ou escutá-lo.

Assim esclarece Comte-Sponville57:

(…) o sentido só é sentido na medida em que remete a outra coisa que não ele mesmo. E sem dúvida Russell não está errado ao ver na linguagem, apesar dos pesares (isto é, apesar da própria linguagem), uma maneira de falar, não das palavras, mas do real. “Se vou ao restaurante e peço o meu jantar, não desejo que minhas palavras se organizem num sistema com outras palavras, mas sim que provoquem a presença da refeição…” Falar (nem que de alimentos) não alimenta; e nem todos os discursos do mundo farão… o mundo. Os sofistas tendem demasiado a crer que o mundo é um sofisma, um puro efeito da linguagem. É claro que o inverso é que é verdade (a linguagem está no mundo, e é efeito do mundo), e as palavras, como diz ainda Russell, “são destinadas a tratar de outra coisa que não palavras”. Falar só tem sentido, no fim das contas, se for falar… do silêncio. Mas, precisamente, isso não suprime – mas reforça – a característica do sentido remeter sempre a outra coisa que não a si. O sentido (na linguagem) é uma relação de relações que tem por função dizer outra coisa que não essa relação.” 

O sentido da norma, portanto, não está em seu texto, na sua proposição, nem na sua relação com outras normas, mas na ideia que representa pelas nossas associações, sempre relativas. Se ela decorre de um ato de vontade, como reconhece Kelsen, somente podemos compreendê-la como vontade. O sentido da norma é o desejo, a vontade, a finalidade que para nós a representa. Nenhum legislador elabora uma norma para ser meramente conhecida, mas para ser cumprida, para nos ser útil, estimular condutas que nos tenham valor. E se muitas vezes ela não é obedecida, não é por não fazer parte de uma mesma realidade causal de todos os demais fenômenos, mas por não ter simplesmente o poder de por si só influenciar o comportamento alheio. É por isso que precisamos de pessoas, autoridades, para tentar persuadir da importância de seu cumprimento ou impô-la pela força, embora nem sempre isso ocorra.

Ao contrário do que supõe ou sustenta a maioria dos defensores do idealismo formal, não é possível qualquer ciência dos signos, mas apenas dos fatos.  Um intérprete tem por finalidade a obtenção de um sentido que não decorre apenas do seu conhecimento da gramática, mas de toda uma complexidade que a envolve. Uma interpretação não é gerada apenas pela impressão causada objetivamente pelo texto, mas uma tomada de posição que tem tudo a ver com nossa história de vida, nossos sentimentos.  Se a verdade dos signos é o sentido que nos representa, somente poderíamos considera-los objetivamente em nome de um ideal metafísico, e, consequentemente, irrefutável.

A primeira razão, portanto, para afastar a pretensa cientificidade das teorias idealistas formais é o fato dela ser irrefutável, por pressupor um ideal metafísico capaz de objetivamente refletir o sentido da norma que estaria em si mesma ou na sua relação com outras do respectivo sistema puramente conceitual ou normativo. A complexa e dinâmica realidade jurídica, onde encontramos não apenas harmonia, coerência, mas também caos, relações de forças, estaria simplesmente fora da compreensão da atividade jurídica, o que com todo o respeito falseia sua realidade, criando uma outra apenas ilusória.

Embora sem pretensões de refutar as teorias idealistas formais como um todo, por serem, como já disse, irrefutáveis pela carga metafísica que possuem, vale expor não apenas alguns problemas que apresentam (dentro de uma margem de refutabilidade), mas também como compreender suas preocupações e posicionamentos dentro de uma ordem, não científica, evidentemente, mas político-filosófica.

Algumas considerações podem ser refutadas por se apresentarem científicas, justamente por tentar expressar de fato características objetivas que distinguiriam o direito das demais ordens normativas, particularmente da moral e religião. A principal delas é a atribuição à norma jurídica de uma característica que lhe seria principal e distintiva, a autorização à coerção socialmente organizada. Assim esclarece Kelsen58:

“O direito, a moralidade e a religião, todos os três proíbem o assassinato. Só que o direito faz isso estabelecendo que, se um homem cometer assassinato, então outro homem, designado pela ordem jurídica, aplicará contra o assassino certa medida de coerção prescrita pela ordem jurídica. A moralidade limita-se a exigir: não matarás. E, se um assassino é relegado moralmente ao ostracismo por seus pares, e se vários indivíduos evitam o assassinato não tanto porque desejam evitar a punição do Direito, mas a desaprovação moral de seus pares, permanece ainda uma grande diferença: a de que a reação do Direito consiste em uma medida de coerção decretada pela ordem e socialmente organizada, ao passo que a moral, nem é, quando estabelecida, socialmente organizada. Nesse aspecto, as normas religiosas encontram-se mais próximas das normas jurídicas do que as normas morais. Pois as normas religiosas ameaçam o assassino com a punição por uma autoridade sobre-humana.”

Ora, para que essa teoria que define a norma jurídica como autorizativa da coerção, estabelecida pela sociedade organizada, seja corroborada, é preciso testá-la através de refutações. Assim, a existência de uma única norma jurídica cuja transgressão não implique numa sanção, ou de alguma norma de ordem diversa que apresente essa mesma característica coercitiva já é suficiente a afastar a cientificidade dessa tese; teríamos que encontrar outra característica efetivamente distintiva.

A coerção, coatividade59 ou autorizamento60, contudo, não está presente em todas as normas jurídicas.

Encontramos no direito processual brasileiro, p.ex., normas cujo descumprimento não implica em qualquer consequência a ser imposta ao infrator. Trata-se de casos em que a própria parte prejudicada deu causa à nulidade61; naqueles onde incide o princípio de que não há nulidade sem prejuízo62; e quando se aplica o princípio da instrumentalidade das formas63. Nessas situações, mantém-se a irregularidade sem qualquer sansão. No direito civil brasileiro também encontramos normas cujas violações não trazem consequências jurídicas. Assim destaca Maria Helena Diniz64 ao classificar algumas normas jurídicas quanto ao autorizamento de imperfeitas:

“(…) são aquelas cuja violação não acarreta qualquer consequência jurídica. São normas sui generis, não são propriamente normas jurídicas, pois estas são autorizantes. Casos típicos são as obrigações decorrentes de dívida de jogo, dívidas prescritas e juros não convencionados.”

Qualquer característica essencial e distintiva de um objeto não comporta exceções, pois caso contrário seria apenas supérflua. Assim, incorre em contradição lógica aceitar normas jurídicas não autorizantes e ao mesmo tempo considerar tal elemento essencial à sua qualificação. Não é afirmando que não se trata de uma norma jurídica propriamente dita que se afasta tal contradição, pois assim o fazendo somente se está tornando sua teoria irrefutável, e, portanto, não científica.

Além disso, podemos também perceber a existência de autorização à coerção em outras ordens normativas. Grupos de indivíduos organizados socialmente, como quadrilhas de assaltantes, p. ex., também possuem um código de condutas próprio com regras e sanções a serem respeitadas entre eles. A sua violação geralmente implica numa consequência trágica. Na ordem moral também encontramos sanções, como reconhece Kelsen, como a desaprovação social, a ausência do convívio, dentre outras, e não há porque afastá-la dessa possibilidade por supostamente não decorrer de uma ordem socialmente organizada. A semelhança nesse aspecto com a ordem religiosa é ainda mais evidente. E não se diga que na religião a punição somente seria causada por uma autoridade sobre humana, o que a distinguiria do direito por seu caráter transcendental65. Embora a promessa de recompensa e a alegada ameaça de castigo após a morte sejam utilizados como motivação do agir religioso, sempre encontramos em nossa história e até hoje em dia situações em que a sanção é imposta em nosso próprio mundo, como na época da inquisição em que se condenava o erege à morte e até mesmo hoje em dia em que há pena de excomunhão, aplicada, em ambos os casos, por uma ordem social também organizada.

Na verdade, não há qualquer característica intrínseca capaz de nos fazer concluir que uma norma seja de natureza jurídica.  Para aqueles que consideram o direito como pura linguagem metafísica, lógico-formal, separada da política, de fato não tem como enxergar outro elemento característico e distintivo do direito senão a autorização à coerção. Entretanto, essa teoria, como vimos, não é corroborada em testes de refutabilidade. Se há algum elemento capaz de nos fazer concluir que uma norma é jurídica – faz parte de nosso direito -, ele é extrínseco ao texto normativo. Se temos a percepção de sermos coagidos a obedecer o direito, não é pela linguagem jurídica utilizada, mas pela existência de autoridades específicas politicamente legitimadas, tanto para prescreve-lo quanto para fazê-lo cumprir. É o que será melhor esclarecido mais adiante no tópico onde formularei o conceito de direito.

Mas o maior problema das conceituações do direito está em suas formulações interpretativas ou doutrinárias, e não apenas sociológicas ou científicas. Puchta, com sua genealogia dos conceitos jurídicos, Jhering, inicialmente, com seus conceitos jurídicos lógico-dedutivos extraídos da realidade histórico-natural, Windscheid com sua vontade racional do legislador, a teoria objetivista da interpretação com sua vontade racional da lei, Kelsen com sua teoria pura da norma jurídica derivada de outra hierarquicamente superior, e também Hart, com sua regra de reconhecimento sob o ponto de vista interno e externo, nada mais fazem do que tentar expor uma realidade fantasiosa, supostamente ideal.

Não é falseando a realidade jurídica, separando-a da política e dos fatos que a envolvem que diminuiremos o caos, insegurança e desigualdade jurídicas tão perniciosas ao convívio pacífico da sociedade, assim como não é imaginando um mundo eticamente perfeito que afastaremos nossas mazelas.

Nenhuma definição pode se confundir com o valor que nos representa. O direito não é um conjunto de normas válidas por derivação ou subordinação hierárquica. Hart não se engana menos que Kelsen ao supor uma regra de reconhecimento, tanto sob ponto de vista interno quanto externo, que garantiria uma validade objetiva observada da experiência empírica.

Ora, qual é a experiência que nos leva a crer que uma norma existe necessariamente por respeitar os poderes e procedimentos previstos para sua criação, ou seja, por sua validade? E quais critérios objetivos de validade seriam esses que dependem da vontade humana? É preciso ter em mente que todo querer, vontade, tomada de posição é subjetivo e não objetivo: ninguém pode pensar, julgar e agir em nosso lugar. É só prestarmos atenção à nossa realidade jurídica para percebermos essa relatividade, pelos conflitos de pensamentos que não decorrem apenas por falta de conhecimento, mas principalmente por divergência de avaliações.

A regra de reconhecimento sob o ponto de vista externo de Hart parece mais factível e menos ideal, mas não vejo como ela descreveria qualquer validade objetiva. Ela se daria pela observação dos posicionamentos dos tribunais, servidores e particulares, independentemente de nossa própria avaliação. Mas se esses se mostram muitas vezes tão discrepantes, como poderíamos tirar daí qualquer validade objetiva? Seria possível extrair daí uma característica fática que os qualificaria como direito, mesmo com tantos diferentes conteúdos decisórios, mas nunca sua validade objetiva.

Se quisermos lutar para que o direito nos tenha valor, expresse nossos sentimentos de justiça, não é através da ciência, nem pela criação de uma realidade jurídica ilusória, mas através da filosofia político-jurídica, com propostas de interpretação e aplicação mais satisfatórias.

Dworkin aqui tem razão ao criticar esse positivismo idealista formal, tanto por elaborar uma definição ao mesmo tempo interpretativa e descritiva do direito, quanto por propor método de atuação até certo ponto inútil, insuficiente para responder satisfatoriamente as demandas judiciais, principalmente mais difíceis. Assim expõe contra Hart66:

“Afirmei que uma teoria geral sobre como o direito válido deve ser identificado, a exemplo da teoria do próprio Hart, não constitui uma descrição neutra da prática jurídica, mas uma interpretação dela que pretende não apenas descrevê-la, mas também justifica-la – mostrar por que a prática é valiosa e como deve ser conduzida de modo a proteger e enfatizar esse valor.”

As ideias de conceitos jurídicos, vontade da lei, validade da norma, possuem neutralidade axiológica ou no fundo têm a pretensão e o valor de diminuir a insegurança jurídica e limitar o arbítrio do magistrado? Por outro lado, alguém já viu algum juiz afirmar estar decidindo contra a lei e constituição, embora muitas vezes nos pareça estar fazendo justamente o contrário? É por isso que a tese das fontes de Hart em sua regra de reconhecimento nunca foi nem será capaz de nos dizer qualquer coisa a respeito da validade jurídica, como bem percebeu Dworkin.

Aqui procuramos demonstrar que as teorias baseadas no idealismo formal, ao contrário do que pretendem, não formulam um conceito meramente científico e objetivo do direito, mas, sim, interpretativo ou doutrinário que necessariamente são subjetivos e relativos pelos valores que representam. Suas ideias não são adequadas para conceituar o direito, apenas para serem pensadas no âmbito da filosófica jurídico-política, com a desvantagem de serem extremamente insatisfatórias.

2.2 Teorias baseadas no idealismo material: jusnaturalismo, racionalismo e moralismo jurídico

O jusnaturalismo, racionalismo e moralismo jurídico são correntes que supõem a existência de um direito natural de cunho metafísico, seja religioso, racional ou moral, absoluto (objetivamente válido a todos), e que seria fundamento de existência e validade do direito positivo. Se o direito não for justo ou não atender a certas exigências de validade, não é direito, apenas exercício arbitrário de poder.

André Comte-Sponville67 assim define o direito natural:

“Seria um direito inscrito na natureza ou na razão, independentemente de qualquer legislação positiva: um direito antes do direito, que seria universal e serviria de fundamento ou de norma para os diferentes direitos positivos.”

Não tenho aqui a pretensão de expor detalhadamente as diversas correntes do direito natural, mas apenas criticar suas ideias principais em comum. Pode não parecer muito próprio para alguns, mas incluo nessa crítica alguns jusfilósofos mais atuais que embora possam reconhecer apenas a existência do direito positivo, sustentam haver uma racionalidade ou moralidade intrínseca que condicionaria sua existência à sua validade objetiva, através de métodos interpretativos propagados. Isso, contudo, não passa de direito natural disfarçado, como diria Alf Ross68.

O idealismo material se contrapõe ao critério científico de definições dos fenômenos, incluído os normativos.

O jusnaturalismo primitivo da Grécia antiga surgiu numa época em que ainda não havia consciência científica suficiente para explicar os fatos em termos causais, mas pelas “noções de vontade soberana, culpa e castigo”69. Sobre o direito natural desse período homérico, ensina Alf Ross70:

“A decisão justa é simplesmente aquela que dá a cada um o seu devido lote em conformidade com a vontade dos deuses do destino. O rei sábio e justo é aquele que recebe as revelações divinas de Zeus (themistes) e faz delas o fundamento de suas decisões (dikê). Por esta razão, o rei Minos de Creta visitava secretamente Zeus a cada nove anos. A justiça, neste sentido, é requisito para o bem-estar e a prosperidade de um povo. A insubordinação contra a ordem cósmica é objeto de castigo pelos deuses e o destino. Zeus é o guardião do direito; sua filha Dikê se senta ao lado de seu pai e o informa a respeito das transgressões dos homens e o todo-poderoso Zeus os castiga.”

Em momento mais avançado, passou-se a distinguir duas ordens distintas: o direito positivo que depende do arbítrio humano, criado por convenção; e o direito natural que seria uma exigência da natureza, conjunto de leis necessárias da natureza decorrente do cosmos, da vontade divina, ou mesmo da natureza humana. O direito natural era usado para justificar tanto o poder político dominante (conservador), quanto a sua reforma (revolucionário ou reformista).

Os sofistas, com seu ceticismo, não consideravam o direito natural um absoluto religioso ou metafísico, pois reconhecia ser nosso conhecimento decorrente de nossos sentidos, portanto, relativo e individual, como professava Protágoras71. Mas a partir dos estoicos, com sua ideia de razão universal, e principalmente, dos escolásticos, o direito natural passou a ter uma conotação religiosa e metafísica bem definida, conferindo-lhe supremacia absoluta sobre o direito positivo que dele retirava ou deveria retirar a sua validade.

Alf Ross72, com propriedade, faz uma crítica marcante a esse direito natural:

“A história do direito natural revela dois pontos marcantes: a arbitrariedade dos postulados fundamentais a respeito da natureza da existência e do ser humano, e a arbitrariedade das idéias jurídico-morais desenvolvidas com base nesse fundamento. O direito natural busca o absoluto, o eterno, que fará do direito algo mais que a obra de seres humanos e livrará o legislador das penas e responsabilidades de uma decisão. A fonte da validade transcendente do direito foi buscada numa mágica lei do destino, na vontade de Deus, ou numa percepção racional absoluta. Porém, a experiência mostra que as doutrinas que os homens construíram com base nessas fontes, longe de ser eternas e imutáveis, se alteraram em conformidade com o tempo, espaço e a pessoa. O nobre manto do direito natural foi utilizado no decorrer do tempo para defender todo tipo concebível de exigências, que surgem, evidentemente, de uma situação vital específica ou que são determinadas por interesses de classe econômico-políticos, pela tradição cultural da época, por seus preconceitos e aspirações – em síntese: para defender tudo aquilo que constitui o que se chama geralmente de uma ideologia.”

Crítica semelhante encontramos em Comte-Sponville73:

“(…) Na prática, cada qual põe nele” (direito natural) “um pouco do que quer (por exemplo, Locke, a liberdade, a igualdade, a propriedade privada, a pena de morte…), o que é muito cômodo, mas não permite resolver nenhum problema específico. O que dizem a natureza ou a razão sobre o aborto, a eutanásia, a pena de morte? Sobre o direito trabalhista e empresarial? Sobre a assistência aos viciados e a liberalização das drogas leves? Sobre o melhor tipo de regime ou de governo? Foi possível fundar no direito natural, de acordo com a concepção que dele se tinha, tanto a superioridade da monarquia absoluta (em Hobbes), como a da democracia (em Espinosa). O que diz o bastante sobre a meabilidade da noção. Os direitos humanos? Não é a natureza que os define, mas a humanidade, não a razão, mas a vontade.”

Hoje em dia é raro encontrar um jusfilósofo adepto ao tradicional jusnaturalismo, pois vem se reconhecendo cada vez mais a mutabilidade de nossos valores e ideais. Mas se cada vez menos se fundamenta o direito positivo em valores religiosos e imutáveis, muitos ainda insistem em fundamentá-lo em supostos valores racionais ou morais absolutos. Trata-se de verdadeiro direito natural disfarçado, talvez por causas psicológicas inconscientes de quem se recusa a aceitar a relatividade de nossos valores, com medo de que isso nos pudesse levar a um niilismo ético, o que não se sustenta.

Dworkin e Alexy são exemplos típicos dessa atual corrente do idealismo material que no fundo prega um verdadeiro direito natural disfarçado.

Dworkin sustenta que o direito seria um conceito interpretativo ou dogmático, definido por uma atitude ética que defende, e não pelo exercício de poder político, uma questão de fato. Assim esclarece sobre essa atitude74:

“O que é direito? Ofereço, agora, um tipo diferente de resposta. O direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportamentos. Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de nossas vidas. O império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo. Estudamos essa atitude principalmente em tribunais de apelação, onde ela está disposta para a inspeção, mas deve ser onipresente em nossas vidas comuns se for para servir-nos bem, inclusive nos tribunais. É uma atitude interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à política no mais amplo sentido. (…) A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa para nós; para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter.”

Robert Alexy75 não discrepa dessa concepção interpretativa, ao assim definir o direito na perspectiva do participante (definição jurídica do direito):

“O direito é um sistema normativo que (1) formula uma pretensão à correção, (2) consiste na totalidade das normas que integram uma constituição socialmente eficaz em termos globais e que não são extremamente injustas, bem como na totalidade das normas estabelecidas em conformidade  com essa constituição e que apresentam um mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia e não são extremamente injustas, e (3) ao qual pertencem os princípios e outros argumentos normativos, nos quais se apoia e/ou deve se apoiar o procedimento de aplicação do direito para satisfazer a pretensão à correção.”

Para Dworkin76, o direito, assim como a igualdade, liberdade, democracia, patriotismo, comunidade e justiça, p.ex., não poderia simplesmente ser conceituado como os fenômenos físicos em geral, mas, sim, como entes normativos que são, com a carga valorativa que lhes seria peculiar. Se conceituamos a justiça de uma forma é porque entendemos que assim ela nos teria valor. Seu conceito seria, então, filosófico e não científico.

Sustenta ser o valor algo autônomo e independente de nossos desejos ou interesses. Mas ao mesmo tempo defende que esse valor, para nos ter valor (petição de princípio), deve ser considerado, não de forma autônoma, mas integrada a outros valores diversos, estruturados, não hierarquicamente, mas “na forma de uma cúpula geodésia”. Assim tenta esclarecer77:

“Devemos tentar determinar o que é a amizade, a integridade ou o estilo, e quão importantes são esses valores, percebendo que a concepção de cada um e que atribuição de importância a eles melhor se ajustam a nossa percepção das outras dimensões do viver bem, de ser bem-sucedidos diante do desafio de viver nossas vidas. A ética é uma estrutura complexa com diferentes objetivos, realizações e virtudes, e a parte que cada um desempenha nessa estrutura complexa só pode ser compreendida mediante a elaboração de seu papel em um projeto geral estabelecido pelos outros. Enquanto formos incapazes de perceber de que modo nossos valores éticos permanecem unidos dessa maneira, de modo que cada um possa ser testado em comparação com nossa descrição provisória dos outros, não conseguiremos entender nenhum deles.”

Para Dworkin, dever-se-ia encontrar concepções de patriotismo e amizade ou liberdade e igualdade, p.ex., que eliminassem os conflitos entre eles. Da mesma forma o direito deveria ser conceituado de modo a nos proporcionar valores integrados defendidos pela comunidade.

Há vários problemas, contudo, nessa tentativa de conceituação dita “interpretativa” de fenômenos normativos. As palavras devem possuir significados aceitos pela comunidade linguística, pois é preciso compreender o seu emprego em um discurso. Elas, evidentemente, não são correspondentes reais daquilo que remetem: a palavra casa não é uma casa, mas um signo linguístico; são frutos de acordos entre pessoas, cujo conhecimento vai se passando de geração a geração, embora possam sofrer alguns reajustes ou modificações que passam a ser aceitas pelo grupo. Mas, se cada um tiver para elas um significado distinto, obviamente que qualquer comunicação se tornaria inviável. Evidentemente que podem até ter mais de um significado, que será compreendido pelo contexto em que for utilizada. A palavra manga, p. ex., pode significar a fruta ou parte de uma camisa. Mas essa dupla ou múltipla significação somente se dá também por acordo linguístico, pois caso contrário não haveria compreensão do seu significado. Isso vale não apenas para os fenômenos físicos, mas também psíquicos ou normativos. Imaginem se cada um tiver um conceito distinto de liberdade, igualdade e justiça, a depender do valor que lhes atribuímos? Seria difícil compreender o seu significado num discurso, pois teríamos que saber aprofundadamente a posição filosófica do escritor, nem sempre manifesta, ou tomá-lo como nossa. Essas palavras possuem significado histórico que deve ser respeitado, mesmo admitindo reajustes, mas sempre considerando os acordos linguísticos, e nunca uma posição meramente individual, pois a língua é um fenômeno que exige a participação da coletividade.

Não é o valor que atribuímos a um fenômeno psíquico que define o seu significado, mas, sim, o aprendizado histórico e culturalmente transmitido por nossa comunidade linguística.

Dworkin confunde fato ou fenômeno, mesmo psíquico-normativo, com o valor que lhe atribuímos. A liberdade, igualdade e justiça são questões fenomênicas, fáticas, embora psíquicas, que podem ser descritas como tais, sem juízos de valor. O valor que lhes atribuímos depende das circunstâncias ou contexto em que as envolvem que nos fará julgar de uma maneira ou de outra, não sendo parte integrante de seu significado.

Dworkin sustenta a dualidade teórico-explicativa entre fenômenos físicos e psíquicos, afirmando, p.ex., que a liberdade não se submeteria a um exame de DNA. Tal falácia, contudo, é evidente, pelas seguintes razões: nem todo fenômeno físico tem DNA, o que não impede que seja explicado cientificamente pelas relações causais que o precede; e nenhum fenômeno psíquico ocorreria sem um corpo que deseja, composto por uma complexidade de reações físico-químicas, onde, inclusive, podemos encontrar o DNA. Não há desejo livre de causas que o enseja, da mesma forma que ocorre com qualquer outro fato da natureza.

Se não explicamos um fenômeno psíquico pela análise do DNA é porque essa análise é complexamente desnecessária e até mesmo insuficiente para os fins pretendidos. Mas isso também ocorre com os fenômenos físicos. Seria ridículo, numa comunicação, a fim de explicar o que seria uma maça, p. ex., ter que decifrar e informar todas as suas relações moleculares.

Podemos assim definir o fenômeno psíquico da liberdade, p.ex.: é ser livre para se fazer o que se quer78. O fato de encontrarmos situações em que o exercício dessa liberdade causaria alguma violação ao direito ou à nossa moral, quando são impostos coativamente, ou nos impomos, limites aos nossos desejos, não fará com que esse seu conceito seja insuficiente, mas apenas que ela nem sempre nos tem valor, ou melhor, que seu valor é relativo, limitado, e não absoluto. A liberdade não é, como propõe Dworkin, fazer o que se quer desde que “se respeitem os direitos morais, devidamente compreendidos, de outras pessoas”79; ressalva, inclusive, incompleta, pois outras ordens, como o direito, e não apenas a moral, também podem limitar a liberdade. O que deve ser restringido, não é o seu conceito e que a define, mas a sua importância, o seu valor.

A igualdade, da mesma forma, deve ser definida objetivamente sem juízo de valor. Ela pode significar igualdade de fato (supondo uma grandeza de referência: distância, altura, cor, etc.) ou de direito (todas pessoas têm suas diferenças, nenhuma é igual a outra, mas isso não impede que sejam tratadas da mesma forma pelo direito). A igualdade jurídica, assim como a liberdade, não tem valor absoluto, mas relativo. Há circunstâncias de ordem econômica (utilitária ou pragmática) que justificam o tratamento jurídico desigual entre pessoas; não por que a igualdade teria um conceito dependente de alguma proporcionalidade entre as diferenças, como ilusoriamente vem se pregando por aí, mas por ter valor relativo ou limitado. Ela não implica em tratar desigualmente as pessoas na proporção de suas desigualdades: essa proporção, diante de uma infinidade de critérios em que poderia se basear, acaba esvaziando a própria igualdade jurídica que se procura assegurar. A igualdade somente pode significar igualdade em algum aspecto e não justamente o seu significado oposto, por alguma razão que a justificaria.

A justiça, por mais difícil que pareça, também pode ser conceituada e compreendida objetivamente; não por ser um ideal metafísico com validade universal, mas por corresponder a um sentimento comum e perceptível por todos nós, mesmo quando se apresenta em situações distintas. Como sentimento, é subjetiva, expressão de uma pessoa que a sente. Mas o fato de expressarmos esse sentimento em circunstâncias distintas uma das outras, não é, contudo, razão para defendermos uma subjetividade de seu conceito.

Para compreendê-la como fato é preciso, contudo, delimitar o seu significado ou outros que se apresentam.

Podemos reconhecer historicamente dois conceitos de justiça como ato: 1) é justo o ato praticado conforme regra preestabelecida. Num jogo, p.ex., sentimos injustiça quando alguém pontua atuando em desconformidade com suas regras; e 2) é justo que não haja privilégios entre as pessoas, que elas tenham os mesmos direitos e deveres, independentemente da sua posição na sociedade ou das desigualdades de fato. Na primeira hipótese temos a justiça como legalidade, enquanto na segunda, a justiça como igualdade de direitos.

Nesse segundo sentido de justiça encontramos outra variável. Há quem considera justa também certa desigualdade de direitos se houverem justificativas razoáveis para tanto.

Mas isso também não faz a definição de justiça ser subjetiva. Se uma pessoa sente injustiça na criação de lei que estabelece, p. ex., cotas raciais, outra pode se sentir de forma diversa, por entender que circunstâncias históricas e econômicas justificariam tal discriminação. Isso, entretanto, não altera a objetividade da conceituação de justiça formulada; apenas nos faz perceber que esse sentimento é subjetivo, como valor, mas não como fato por todos nós compreensível.

Não há, portanto, conceito ou definição de um fato qualquer, seja meramente físico ou psíquico-normativo, que não possa refletir uma objetividade. E é o que possibilita nossa comunicação e compreensão daquilo que se fala ou escreve. Ilusório não é defender a possibilidade de se compreender objetivamente qualquer fenômeno, seja físico ou psíquico, mas pretender considerá-lo um valor absoluto. É por isso que não há conceituação interpretativa ou dogmática nos termos defendidos por Dworkin, Robert Alexy, dentre outros, mas apenas semântica.

Mas o maior problema teórico do idealismo material está na ausência de corroboração de sua tese em situações em que o direito não diz respeito à moral e até mesmo a contrapõe. É o argumento da injustiça: há direito mesmo quando este for injusto.

Robert Alexy procura justificar seu jusmoralismo, rebatendo esse argumento da injustiça, mas assim o faz sem consistência científica e, como sempre, confundindo o fenômeno jurídico como fato, com seu valor.

Divide o direito em duas perspectivas80, como já havia feito Hart: 1) a do observador, que procura compreender como se decide em determinada ordem jurídica, não avaliando seu valor ou sua correção (perspectiva externa); 2) a do participante, que pretende argumentar como o juiz deveria decidir corretamente o direito analisado (perspectiva interna).

Na perspectiva do observador (externa), Alexy ainda faz distinção entre a análise da norma individual e a do sistema jurídico como um todo.

Na primeira, não se faria necessária a inclusão de elementos morais na classificação do direito, pois o que se pretende é revelar como os tribunais e autoridades vem decidindo sobre determinada questão jurídica. É irrelevante avaliar nesta perspectiva, se essas decisões seriam ou não justas.

Na segunda análise, a do sistema jurídico como um todo, Alexy contrói a relação entre direito e moral dentro de uma ótica de mundo utópica e ilusória, completamente distante de nossa realidade. Afirma que “entre um sistema jurídico como um todo e a moral existe relação conceitualmente necessária”81.

Ora, Alexy82 reconhece que sob a análise da norma individual na perspectiva do observador (externa), a autoridade emite pronunciamento que pode ser ou não justo. Entretanto, sustenta que sob a ótica do sistema jurídico como um todo (segunda análise da perspectiva externa do observador), não haveria como deixar de reconhecer a necessária pretensão do sistema jurídico à correção (à justiça). Nesta ótica, o elemento moral seria integrante do conceito de direito.

Afirma83 que um sistema normativo que somente se baseasse na violência, na dominação, e sem qualquer norma geral e previsível, seria um ordenamento absurdo, predatório e rapace, e não jurídico. Esse tipo de ordenamento não subsistiria. Para ser jurídico, teria que ter pretensão à correção, exigível a todos.

E seria justamente essa pretensão à correção que fundamentaria todo o direito sob a perspectiva do participante.

Toda essa construção conceitual de Alexy, contudo, não se sustenta a testes de refutabilidade. Primeiro, porque parece ser incoerente, incapaz de ultrapassar a refutação lógica, pensar que uma norma jurídica possa ser injusta ou imoral, e ao mesmo tempo considerar a moral como elemento integrante da conceituação do direito, apenas sob a justificativa de que ele estaria presente na ordem jurídica, quando observado como um todo. A definição do direito ou norma jurídica, considerada individualmente ou como um todo, deve ser coerente, comportando todas as suas diversidades, complexidades e relações. Aqui parece ficar claro que o equívoco está ao não se perceber que o fato da moral não integrar qualquer conceito de direito, sob qualquer perspectiva, não quer dizer que com este, eventualmente, não se relacione.

Por outro lado, a tese de Alexy não está de acordo com nossa experiência (refutabilidade empírica ou falsificação). Isso, porque tanto o aspecto moral não é capaz de qualificar um ordenamento como jurídico, quanto à pretensão à correção, de um sistema normativo como um todo, não é privilégio exclusivo da ordem jurídica.

Quando se fala do ordenamento jurídico de um Estado, não se perquire se ele é ou não moral, seja para que padrão for, justamente por ser irrelevante para tal fim. O que é relevante é se ele provém de comando de suas autoridades (poder constituinte, parlamento, executivo e judiciário).

E como já foi dito na crítica à conceituação de Kelsen, grupos de indivíduos organizados socialmente também podem possuir um código de condutas com aspectos morais próprios, previsíveis, considerados como um todo, e nem por isso seriam qualificadas como regras ou normas jurídicas, principalmente se agem a margem da lei.

Vale destacar que a tentativa de considerar a ordem jurídica como um todo, para demostrar a existência da moral no direito, com a propositura de uma definição interpretativa ou doutrinária do direito, não afasta as objeções advindas dos testes de refutabilidade aqui expostas.  

Na verdade, a única conclusão irrefutável que se extrai das alegações de Alexy é que o direito, considerado como um todo, sofre influência da moral, como também, por sinal, da ordem econômica, ética, e até religiosa. Mas isso, antes de integrá-lo à definição do direito, demostra apenas que as diversas ordens existentes no nosso universo se relacionam de alguma forma.  

Observamos aqui que as doutrinas do jusnaturalismo, racionalismo e moralismo jurídico, antes de procurarem definir o direito sob o critério científico, cuja tese seria submetida a testes de refutabilidade (refutação lógica ou falsificação), na verdade, buscam analisá-lo sob sua perspectiva filosófica ou moral.

Tal aspecto filosófico ou hermenêutico, evidentemente, que deve ser objeto dos estudos jurídicos, mas não como critério científico capaz de descrever o direito, mas sim como propostas ou critérios, visando um direito que nos tenha mais valor, que nos apresente mais justo.

2.3 Teorias baseadas no realismo jurídico reducionista ou trivial

O realismo jurídico pode se apresentar sob mais de um sentido. No sentido filosófico, assim define Comte-Sponville84:

No sentido propriamente filosófico, enfim, o realismo é uma doutrina que afirma a existência de uma realidade independente do espírito humano, que este pode conhecer ao menos em parte. Fala-se, por exemplo, de realismo moral, para designar uma doutrina que afirma a objetividade da moral ou a realidade de fatos morais irredutíveis a toda e qualquer ilusão ou crença (ver Ruwen Ogien, Le réalisme moral, PUF, 1999). Mas o realismo é evocado sobretudo num sentido mais geral ou mais metafísico. Ele não afirma a existência desta ou daquela realidade (moral, por exemplo), mas de uma realidade, qualquer que seja, ou mesmo da realidade. A palavra, nesse sentido técnico e embora seja uma só, pode designar então duas correntes muito diferentes, conforme a natureza do real considerado: realismo das Idéias, dos universais ou do inteligível (por exemplo em Platão, santo Anselmo ou Frege), ou realismo do mundo sensível ou material (por exemplo, em Epicuro, Descartes ou Popper). O primeiro se opõe ao nominalismo ou ao conceitualismo; o segundo, a uma forma de idealismo ou de imaterialismo. Note-se que esses dois realismos muitas vezes se opõem um ao outro (Epicuro contra Platão), mas nem sempre: Russel, pelo menos por algum tempo, e Popper sustentaram ambos.” (grifo nosso)

O realismo, nessa concepção, reconhece a existência de uma realidade independente de nosso conhecimento, sem deixar, evidentemente, de aceitar a possibilidade de a conhecermos ao menos em parte (conhecimento não se confunde com a realidade, embora desta também faça parte).

Aqui ele se contrapõe ao idealismo sob o ponto de vista gnosiológico85: “é idealista todo pensador para o qual não é possível conhecer nada da realidade em si, seja porque ela não existe, seja porque só é possível reconhecer nossas representações”.

O que se busca nesse artigo é justamente uma conceituação do direito na ótica do realismo filosófico, tomando por base, não um ideal a priori ou nossas meras representações, mas nossa observação da realidade jurídica empírica: de modo a ser reconhecida por todos, independentemente de nossas consciências e valores distintos.

Antes disso, contudo, convém tecer algumas críticas a certas correntes do realismo jurídico, que ao invés de procurar descrever, de fato, nosso complexo fenômeno jurídico, acaba por propor uma verdadeira definição interpretativa do direito, com base numa parcial visão do jogo político que encontramos na atividade jurisdicional, condicionando-o à uma aceitação, seja popular (realismo psicológico ou escandinavo), seja dos magistrados e tribunais (realismo comportamentista ou norte-americano).

Aqui não se trata mais de conceituar ou definir o direito como fato social, por critérios científicos, mas de pensar a sua eficácia ou efetividade, e até mesmo validade.

Essas correntes, portanto, estão mais para um realismo no sentido trivial, corrente, do que filosófico, assim definido por Comte-Sponville86: “ser realista é ver as coisas como elas são e adaptar-se eficazmente a elas.”

Alf Ross87 assim define o realismo psicológico (escandinavo) e o comportamentista (norte-americano):

“O realismo psicológico descobre a realidade do direito nos fatos psicológicos. Uma norma é vigente se é aceita pela consciência jurídica popular. O fato desta regra ser também aplicada pelos tribunais é, de acordo com esse ponto de vista, derivado e secundário, uma consequência normal da consciência jurídica popular que é, inclusive, determinante das reações do juiz. O critério efetivo não é a aplicação como tal, mas sim o fator determinante por trás dela.

Segundo esse ponto de vista, portanto, para comprovar se uma dada regra é direito vigente, devemos proceder a certas investigações sócio-psicológicas. (…)

Contudo, a consciência jurídica popular não está atada à lei. Pode acontecer que uma lei não seja aceita pela consciência jurídica popular e assim não se transforma em direito vigente. (…) O que é decisivo é a aceitação da regra por parte da consciência jurídica.

(…)

O realismo comportamentista encontra a realidade do direito nas ações dos tribunais. Uma norma é vigente se houver fundamentos suficientes para se supor que será aceita pelos tribunais como base de suas decisões. O fato de tais normas se compatibilizarem com a consciência jurídica predominante é, segundo esse ponto de vista, derivado e secundário; trata-se de um pressuposto normal, porém não essencial, da aceitação por parte dos tribunais. A oposição entre este ponto de vista e a teoria psicológica pode ser assim expressa: enquanto esta última define a vigência do direito de tal sorte que somos forçados a dizer que o direito é aplicado porque é vigente, a teoria comportamentista define o direito de tal modo que somos obrigados a dizer o direito é vigente porque é aplicado.”

Segundo o realismo psicológico, a vigência do direito estaria na sua aceitação pela consciência jurídica popular. Mas essa consciência não seria do “homem da rua”, “demasiadamente precária para valer como critério”, sendo “preciso levar em conta a consciência jurídica dos juristas profissionais”.88

Esse posicionamento, contudo, parece ser bastante reducionista, além de incerta. Os “juristas profissionais” nem sempre compactuam com mesmos entendimentos, e nada garante que outros diversos não seriam também ou mais razoáveis ou desejáveis. Afinal, não há razão de se impedir certa criatividade na interpretação das normas jurídicas.

Aqui também é importante frisar que não se deve confundir a vigência do direito com sua eficácia.

A eficácia do direito, ou de qualquer outra ordem normativa, não se confunde com o seu conceito ou definição. No sentido geral, a eficácia é a produção do “efeito para o qual tende”89, ou melhor, a concretização de algo produzido por um ato de vontade. Um direito seria então eficaz, se os homens, de fato, obedecessem a seus comandos, concretizando a finalidade de promoção dos interesses por estes perseguidos. Não há, entretanto, qualquer dado empírico que corrobore a assertiva de que o direito seria eficaz se seguisse alguma consciência popular. Além do mais, sabemos que tal eficácia, além de extremamente relativa, não faz com que o direito deixe de existir ou que a norma jurídica perca a sua vigência, como bem ressaltava Kelsen; o ladrão não faz com que o crime de furto deixe de existir. Embora Kelsen admitisse que uma ineficácia geral do direito afastaria a sua própria existência, tal assertiva parece inadequada, não apenas por ser faticamente improvável, mas por ausência de qualquer relação de dependência entre a existência de uma norma com sua eficácia. Se esta pode influenciar, é numa tendência à mudança legislativa

A consciência dos juristas profissionais (consciência popular, segundo o realismo psicológico), que sequer existe como única e coerente, de forma alguma pode, portanto, ser parâmetro para reconhecimento da existência ou vigência do direito ou norma jurídica, e nem mesmo para torná-lo eficaz. Tal assertiva, evidentemente, que não ultrapassaria qualquer teste de refutabilidade: afinal, quem poderia ser eximido de cumprir uma decisão judicial, sob o argumento de contrariar a consciência popular? Evidentemente, que ninguém.

Também parece ser irrelevante para aceitação do realismo psicológico, o reconhecimento de que os comandos ou normas jurídicas decorrem de atos de vontade. Como é cediço, tais atos de vontade que envolvem a norma podem ser tão diversos e múltiplos, que fica difícil considerar um ou outro simplesmente como único verdadeiro ou válido, que expresse a sua vigência ou validade. O aspecto psicológico não pode nem ser considerado como elemento definidor do direito, pois também presente em outras ordens normativas, como, p. ex., a moral, como não dá para ser individualizado ou delimitado de modo a considerá-lo como causa eficiente unívoca da norma jurídica, a ser obrigatoriamente seguida.

Já o realismo comportamentista sustenta encontrar o direito nas ações dos tribunais. Uma norma seria vigente se houver razões para supor que seriam aceitas pelo tribunal.

Não há, evidentemente, como negar a importância fundamental dos magistrados e tribunais para o direito. Por sinal, como autoridades que são, suas decisões são verdadeiras expressões do direito para o caso concreto. Mas como podemos fazer um exercício de futurologia, imaginando razões que seriam aceitas pelo poder judiciário? Evidentemente que só utilizamos argumentos jurídicos que reputamos relevantes e que de alguma forma possa convencer o magistrado. Nessa atividade utilizamos uma série de argumentos estudados pela retórica, como o de autoridade (pesquisa da jurisprudência), dentre outros. Mas isso nunca garantiu, nem garantirá um posicionamento semelhante; sempre haverá a possibilidade, ou de mudança do entendimento, ou conclusões diversas, sob a justificativa de haver circunstâncias específicas que assim exigiriam.  

O realismo comportamentista, além do mais, não expressa todo o fenômeno jurídico; a norma não se restringe à decisão judicial, pois na maioria das vezes orientamos nossos comportamentos pelas leis, sem interferência do judiciário. E mais: da mesma forma que o realismo psicológico, o comportamentista também não garante qualquer eficácia do direito. Tanto os precedentes podem variar em demasia, quanto não garantem a sua conformidade com os atos praticados pelos indivíduos em sociedade.

3. CONCEITO DE DIREITO

Ultrapassadas as críticas formuladas, faz-se mister elaborar o conceito de direito.

A nossa doutrina faz uma primeira distinção entre direito objetivo (regra jurídica) e direito subjetivo (faculdade de agir do sujeito da relação jurídica, amparada pelo direito objetivo).

Segundo Paulo Nader90, o direito objetivo “é norma de organização social. É o chamado jus norma agendi. E o “direito subjetivo corresponde às possibilidades ou poderes de agir, que a ordem jurídica garante a alguém”.

Para Pontes de Miranda91, “o direito objetivo é a regra jurídica, antes, pois, de todo direito subjetivo e não subjetivado”. Ele prevê e regula fatos que reputa juridicamente relevantes. O direito subjetivo somente surgiria com o advento do fato jurídico, previsto na regra jurídica.

“Os direitos subjetivos e todos os demais efeitos”, ensina Pontes de Miranda92, “são eficácia do fato jurídico”. Essa eficácia não tem qualquer relação com a aplicação da regra jurídica, mas com o simples acontecimento do fato juridicamente previsto. Aqui há posicionamento diverso daqueles que entendem ser o direito subjetivo anterior ao objetivo. Este último é que conferiria àquele a proteção estatal devida93.

Penso com Pontes de Miranda que não há de se falar em direito subjetivo anterior ao direito objetivo. Antes deste não há direito, mas apenas interesse ou vontade e que nunca poderia ser considerado direito. Kelsen aqui se contradiz ao afirmar ser o direito subjetivo anterior ao objetivo, ao mesmo tempo em que sustenta ser todo direito positivo e critica a existência do direito natural.

Mas, por outro lado, não me parece que o direito subjetivo somente surgiria quando da ocorrência do fato jurídico. A mera existência e vigência da norma jurídica, por si só, já possui relevante papel na condução do comportamento das pessoas. A conduta de evitar ou de deixar de praticar ato ilícito, assim como a própria realização do negócio jurídico, já pressupõem certo conhecimento e submissão ao direito posto, à regra jurídica prevista em abstrato, antes mesmo do ato ou negócio jurídico concretizado. 

Se o fato jurídico impele alguém a exercer seu direito subjetivo, é porque a regra jurídica assim o autoriza. Não vejo, portanto, como separar, no tempo, o direito subjetivo do direito objetivo (regra jurídica).

A distinção entre direito objetivo e o subjetivo existiria apenas no seguinte sentido: enquanto o primeiro seria o diploma legal, a regra jurídica, o segundo seria a respectiva proteção jurídica conferida a alguém. Na língua inglesa são representados por palavras distintas, law (direito objetivo) e right (direito subjetivo).

Assim, o direito subjetivo não é a faculdade de agir, que está no âmbito da ética, do interesse e vontade particular, mas na própria proteção conferida na regra jurídica.

Mas o que se pretende aqui é definir o direito objetivo (positivo), e não o subjetivo.

Nos manuais de teoria geral do direito ainda vemos a tentativa de definir a regra ou norma jurídica, assim como qualquer outro fenômeno, através de atributos meramente linguísticos, o que é criticado no tópico 2.1 deste artigo. De qualquer forma, apenas para fins didáticos, vale tratar especificamente dessas qualificações.

A regra ou norma jurídica teria a característica prescritiva ou diretiva e imperativa, pois manifesta um comando, um ato de vontade, uma imposição de comportamento. Assim, ensina Maria Helena Diniz94:

“A norma jurídica é, sem dúvida, uma norma de conduta, no sentido de que seu escopo direto ou indireto é dirigir o comportamento dos indivíduos particulares, das comunidades, dos governantes e funcionários no seio do Estado e do mesmo Estado na ordem internacional.

Ela prescreve como se deve orientar a conduta de cada um, sendo, portanto, prescritiva ou diretiva.

É manifestação de um ato de vontade do poder, por meio do qual uma conduta humana é obrigatória, permitida ou proibida. É imperativa como toda norma de comportamento humano destinada a regular o agir do homem e a orientá-lo para suas finalidades. Por conseguinte, é imperativa, porque “imperar” é impor um dever, o qual é da essência do preceito.”

Há quem prefira falar de função e não atributo ou característica da norma. Nesse sentido, Maria José Falcon y Tella95 sustenta ter a norma jurídica a função prescritiva ou preceptiva, pois “atua sobre a vontade, suscitando impulsos volitivos, influindo no comportamento alheio para modificá-lo; em duas palavras: faz fazer”.

Essas características ou funções prescritivas ou imperativas, evidentemente que estão presentes em diversas regras jurídicas, e se assim não fosse, o direito perderia a sua função de produzir com alguma eficácia a paz social.

Mas sabemos que há regras jurídicas que não prescrevem propriamente uma ordem, comando ou imperativo, mas estabelecem a organização administrativa estatal, disciplinando competências, como as normas devem ser criadas, eliminadas ou alteradas, ou mesmo quando apresentam função declarativa ou explicativa. Tratam-se de regras que alguns definem como secundárias.

Ora, mesmo que possam ser consideradas meramente secundárias, tais regras ou normas são evidentemente jurídicas, o que nos faz concluir que a imperatividade não é propriamente atributo ou função intrínseca de toda e qualquer regra ou norma jurídica ou, como diria Maria Helena Diniz, sua característica essencial genérica.

A regra ou norma jurídica também seria, nas lições de Goffredo Telles Jr96, autorizante: a norma não exerce coação ou o poder de exercê-la;

“… ela autoriza quem for lesado pela violação dela, ou quem for um provável lesado por previsível e iminente violação dela, a exercer, pelos meios legais, ou por práticas que a tradição consagrou, coação sobre o violador (violador efetivo ou provável), a fim de fazer cessar, ou de obstar a violação; ou de obter, do mesmo violador, reparação pelo dano que a infringência causou; ou de submetê-lo às penas da lei, nos casos de crime.”

Essa substituição da coação ou coatividade pelo autorizamento é interessante, mas também não é suficiente para qualificarmos uma regra ou norma como jurídica. Da mesma forma como na imperatividade, nem toda regra jurídica tem a função de autorizar a coação; afinal, também existe no nosso ordenamento jurídico a norma jurídica secundária, como já vimos.

Mas não é só isso. A experiência nos mostra que não é o conteúdo ou função de uma regra ou norma que a faz jurídica. Cada Estado pode elaborar regras distintas para casos semelhantes, e nem por isso se discute a sua juridicidade. Por outro lado, qualquer um de nós, isoladamente ou em conjunto, podemos elaborar um conjunto de regras com atributos ou funções de imperatividade e autorizamento, e nem por isso são consideradas jurídicas.

É necessário, portanto, um elemento externo ao texto normativo para caracterizarmos uma regra como sendo jurídica. E esse elemento externo é a autoridade estatal de quem a emite.

Quem bem percebeu isso foi o pensador jurídico John Austin97, que assim sustenta:

“Toda lei positiva… é estabelecida por uma pessoa soberana, ou por um conjunto soberano de pessoas, para um membro ou membros da sociedade política independente na qual essa pessoa ou conjunto de pessoas é soberano ou supremo. Ou (mudando de expressão) é estabelecida por um monarca, ou um grupo soberano, para uma pessoa ou pessoas num estado de sujeição a seu autor…”

Segundo Alexy97, “Austin define o direito como totalidade dos comandos de um soberano” (autoridade) “que são reforçados por sanções”.

Uma regra ou norma pode ser moral, ética, religiosa e até jurídica ao mesmo tempo, mas para ser desta última categoria, é necessário que seja emitida por uma autoridade estatal. Assim observava John Austin98:

“O conjunto ou agregado de leis que pode ser denominado lei de Deus, o conjunto de ou agregados de leis que pode ser denominado lei positiva e o conjunto ou agregado de leis que pode ser denominado moralidade positiva às vezes coincidem, às vezes não coincidem e às vezes divergem.

O ato de matar que é denominado assassinato é proibido pela lei positiva de toda sociedade política; também é proibido por uma assim chamada lei que a opinião geral da sociedade estabeleceu ou impôs; também é proibido pela lei de Deus conhecida através do princípio da utilidade. O assassino comete um crime, ou viola uma lei positiva; comete uma imoralidade convencional, ou viola uma assim chamada lei que a opinião geral estabeleceu; comete um pecado, ou viola uma lei de Deus. Ele está sujeito à punição, ou a algum outro mal, a ser infligido por autoridade soberana; está sujeito ao ódio e aos maus ofícios espontâneos da generalidade ou da maior parte da sociedade; está sujeito ao mal ou ao sofrimento a ser padecido aqui ou no futuro por determinação imediata de Deus.

(…)

Em consequência da frequente coincidência de lei positiva e moralidade, e de lei positiva e lei de Deus, a verdadeira natureza e fonte da lei positiva é muitas vezes confundida, de maneira absurda, por autores de obras jurídicas. Onde a lei positiva foi moldada na moralidade positiva, ou onde a lei positiva foi moldada na lei de Deus, eles esquecem que a cópia é a criatura do soberano e a atribuem ao autor do modelo.” (grifo nosso)

Prevalece, contudo, uma visão ilusória do direito que o confunde com sua pretensa validade objetiva, e não com sua realidade perceptível numa observação empírica.

Nessa visão, a validade da norma jurídica confunde-se com sua própria existência. A norma jurídica existiria não propriamente por ser emitido por uma autoridade estatal, mas por ter sido produzida segundo critérios jurídicos predeterminados, e também para alguns, por estar em conformidade com certa moralidade.

Norberto Bobbio99 assim defende:

“A validade de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em outros termos, existe como norma jurídica. Dizer que uma norma jurídica é válida significa dizer que tal norma faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente numa dada realidade.”

A ideia de condicionar a existência do direito à sua própria validade parece-me estar atrelada à tentativa de separar a ordem jurídica da política. Com a inclusão do elemento validade, tenta-se ilusoriamente eliminar a arbitrariedade da autoridade estatal, dotada do poder político, como pretende Castanheira Neves100.

Mas essa preocupação axiológica, evidentemente, que não pode alterar a realidade fenomênica do direito.

O Estado de direito não é uma realidade fática, em sua objetividade, mas uma ideia baseada no desejo e intenção de evitar o abuso de poder das autoridades, condicionando-as, e não apenas os cidadãos, aos limites da lei. Mas tais limites somente impedem a existência e vigência de leis, regras, normas ou atos arbitrários das autoridades, se respeitadas por estas mesmas que as emitem, alteram, revogam ou anulam, em sua estrutura hierárquica e organizacional, sejam legislativas, administrativas ou judiciárias.

O complexo de regras jurídicas de um Estado não tem o poder de, por si só, submeter os cidadãos e autoridades. Somente estas últimas, com suas consciências subjetivas, legitimidades e forças os têm. Mas como, então, limitar o seu poder e o arbítrio? Somente com uma estrutura organizacional capaz de submeter com certa eficácia esse controle e limitação, e mesmo assim de forma relativa.

Vamos supor que determinada autoridade emita uma regra jurídica que não respeite o trâmite ou comando de um estatuto hierarquicamente superior. Embora existente e vigente normalmente, com a produção de seus efeitos jurídicos, questiona-se a sua validade.

Quem é acostumado a lidar com a realidade jurídico-política, sabe que quando ocorre essa hipótese, há mais de uma possibilidade fática. Um ou outro magistrado pode dar uma interpretação, concluindo pela ausência de vício da regra, conferindo-lhe plena validade, mantendo a sua vigência. Essa decisão pode ser mantida ou modificada pelo Tribunal. Da mesma forma pode ocorrer de um ou outro juiz considerá-la inválida, cuja decisão poderá também ser confirmada ou alterada pelo Tribunal. Assim, enquanto uma regra não for revogada ou considerada nula por uma autoridade, ela existe e estará vigente. E cada lide, embora possam tratar de questões jurídicas semelhantes, podem ter soluções distintas, a depender das autoridades que a julguem.

A nulidade de qualquer ato jurídico ou de uma regra não tem natureza declaratória – e nem poderia ter -, mas, sim, constitutiva negativa ou desconstitutiva. Isso deveria fazer-nos perceber que a validade não pode ser confundida com a existência ou vigência da norma.

Devemos pensar o direito, regra ou norma jurídica em sua existência, vigência e validade, mas sem confundi-las, principalmente esta última com as demais.

Primeiro há existência da regra jurídica, que surge com sua emissão pela autoridade estatal com alguma aparência de legitimidade. Normalmente quando a norma é elaborada, promulgada e publicada pela autoridade, ela se apresenta como existente.

Evidentemente que o momento em que ocorre essa aparência de legitimidade vai depender do direito positivo de cada nação, em dada época. No Brasil, por exemplo, embora alguns doutrinadores101, particularmente em relação às normas emitidas pelo parlamento, entendam que a existência da norma se daria com a sua promulgação, mais adequado seria, a meu ver, com a sua publicação. Afinal, a lei de introdução às normas do direito brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42) em nenhum momento trata de sua promulgação, mas de publicação, a partir de quando se contaria sua eventual vacatio legis, prazo para entrar em vigor. E mais: a publicação tem o conveniente de conferir maior segurança jurídica. Em relação aos atos das demais autoridades administrativas e judiciárias, a sua existência deve corresponder a respectiva notificação, intimação ou mesmo publicação, conforme o caso.

Diferentemente do momento em que a regra é considerada existente, com aparência de legitimidade, que no Brasil seria a partir da sua publicação, há outro momento em que dizemos que ela se torna vigente, ou seja, passa a produzir efeitos jurídicos.

Embora o momento da existência da regra possa se confundir com a sua vigência, quando o diploma legal dispõe que entrará em vigor na data da sua publicação, o fato é que essa vigência pode ser postergada para um momento futuro. O artigo 1º do Decreto-Lei 4.657/42, p. ex., prescreve que “salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Nos Estados estrangeiros esse prazo seria de três meses (§ 1º).

Compreendida a existência e vigência da regra jurídica, o que se deve entender por sua validade?

Como vimos, a validade não é uma realidade que pudéssemos extrair objetivamente da ordem jurídica, mas fruto de considerações e interpretações, sempre subjetivas, embora com pretensão de universalidade. O jurista Diego Martin Farrel102 percebeu isso e assim definiu a validade jurídica, como critério adotado pelo jurista:

 “Las normas jurídicas se consideram válidas cuando concuerdan com el critério adoptado por el jurista. Puede decirse, entonces, que la validez no es uma propriedad de las normas, sino uma relación entre la norma y el critério elegido: cuando la norma se ajusta al critério se la considera válida”.

Quando Farrel diz que a validade decorreria de critérios adotados pelo jurista, devemos interpretar, não como sendo da doutrina ou de certa doutrina, mas de cada um de nós que a interpretamos e emitimos juízos de valor.

Críticos de Ferral103 sustentam que a validade dependeria de critérios adotados pelo Poder Constituinte, originário ou derivado, não tendo o jurista o poder de criar o direito, embora este possa ter algum papel em sua interpretação.

Ora, tal crítica evidentemente que decorre da confusão estabelecida entre existência/vigência e validade do direito ou regra jurídica, além de criar uma falsa ilusão a respeito do poder dos textos normativos. Linguagem não se auto interpreta; é sempre imprescindível um sujeito para lhe dar sentido; fazer a relação entre o significante e o significado.

Como já foi sustentado, é inadequada a definição de Bobbio a respeito da validade como sendo um vínculo objetivo entre a norma e a ordem a que pertence. Afinal, tal assertiva é incapaz de se sustentar em um teste de refutabilidade. Quantas interpretações e decisões judiciais nos parecem inválidas, embora indiscutivelmente vigentes?

O julgamento de validade do direito ou regra jurídica pressupõe critérios elegíveis pelo intérprete. E é por isso que na prática da atividade jurisdicional vemos tantas interpretações divergentes.

Esses critérios podem ser variados, mas podemos resumi-los em três principais, cujos demais seriam decorrentes: 1) o legalista que confere maior ênfase à interpretação literal, restritiva, resultando numa menor margem de criatividade. Aqueles que o adotam com maior prevalência são normalmente considerados conservadores; 2) o utilitarista que dá maior valor à utilidade que certa interpretação pode produzir no meio social. Aqui, dependendo da concepção ideológica dos intérpretes, podemos encontrar soluções díspares. Mas o importante é tentar compreender de um modo amplo, as consequências fáticas e sociológicas de determinada interpretação; e 3) o da igualdade ou isonomia jurídica, onde se busca soluções semelhantes à casos análogos e evitar privilégios. A interpretação sistemática é um meio de conferir eficácia a esse critério.

O mais adequado seria tentar conciliar tais critérios, mas dependendo das circunstâncias do caso concreto nem sempre isso será possível. A prevalência de um e outro, quando inconciliáveis, dependerá mais das ponderações a serem realizadas em cada caso.

Não cabe aqui, entretanto, discorrer sobre tais critérios, pois fugiria do objeto do presente estudo. O que importa é fazer perceber que nenhuma relação do texto normativo com as demais regras jurídicas tem o poder, por si só, de nos revelar a sua validade. Esta sempre decorrerá de critérios interpretativos escolhidos e utilizados pelos juristas e intérpretes, de forma subjetiva.

Aqui não proponho uma espécie de visão bidimensional do direito, no sentido que ele teria duas realidades objetivas, como fato (direito existente e vigente) e como valor (direito válido).

O direito como realidade, verdade objetiva, deve ter apenas uma definição independentemente do valor que o atribuímos.

O que pretendo é expor um conceito de direito que possa subsistir a testes de refutabilidade, como defendido por Popper, que tente superar a subjetividade dos diversos critérios interpretativos e de nossa concepção de validade, e que possa ser compreendido de forma objetiva.

O direito (positivo), assim, é o conjunto de regras, seja qual for seu conteúdo e extensão, emitidas pelas autoridades de determinado estado, atuando como tal (aparência de legitimidade), independentemente de sua validade, coerência e harmonia. Essas regras se apresentam jurídicas enquanto existir ou estiver vigente, até que eventualmente seja revogada ou anulada pela mesma ou outra autoridade estatal.

Acredito que essa definição também melhor distingue o direito das demais ordens normativas, como a ética, moral e religiosa. Afinal, como bem percebeu Austin, embora possam eventualmente ter conteúdos semelhantes, a fonte ou autoridade de onde provém o direito é a única forma de distingui-lo, adequadamente.

A validade do direito é outro aspecto e decorre de nosso julgamento a respeito dessa realidade jurídica nem sempre harmônica e coerente, mas também caótica e que reflete os conflitos e relações de forças em nossa sociedade.

Na atividade jurisdicional exercemos uma atuação política, ou melhor, político-filosófica, e não científica, assim como ocorre na fase de discussão de um projeto de lei no parlamento. Nela defendemos posições ou ideias a respeito da consequência jurídica a ser adotada em certos casos – fatos jurídicos em sentido amplo. Elegemos critérios interpretativos diversos, uns razoáveis, outros arbitrários, com finalidades louváveis e outras repugnantes; infelizmente, essa é a pura realidade, nua e crua. Entretanto, no final, o direito sempre será o mandamento ou decisão da autoridade estatal, seja na aprovação e publicação de uma lei, seja na decisão do magistrado.

E não vejo como considerar na atividade jurisdicional qualquer condicionamento ou vinculação à “dogmática jurídica”, em razão de uma suposta inegabilidade dos pontos de partida. A legitimidade, como critério interpretativo e que nos motiva a pesquisar os textos normativos e levá-los em consideração, como todo valor, é relativo e depende da vontade de quem a exerce e pratica. Afinal, quantas decisões judiciais não nos parecem simplesmente ignorar essa legitimidade, impondo consequências jurídicas inovadoras e muitas vezes arbitrárias e contrárias à própria regra jurídica contida na lei?

É por isso que precisamos saber separar e distinguir a realidade jurídica – o que se entende por direito – da atividade política exercida não apenas pelo parlamento, mas também pelos juristas, advogados, promotores, magistrados e demais autoridades, cuja atuação leva em conta critérios interpretativos por eles elegidos. Tais critérios não são objeto deste estudo, mas os encontramos, implícita ou explicitamente, nas diversas razões e justificativas expostas para a adoção de consequências jurídicas a determinados casos, tanto na doutrina, quanto nas peças e decisões processuais.

4. CONCLUSÃO

Diferentemente do que se propaga, o direito não se define por qualquer característica linguística intrínseca, nem mesmo por seu conteúdo. Nenhum caráter prescritivo, imperativo ou de autorizamento é capaz de abranger todas as possibilidades de regras jurídicas, principalmente quando constatamos a existência de regras secundárias ou de reconhecimento, quais sejam, as que disciplinam competências, estabelecem como devem ser criadas, eliminadas ou alteradas, ou mesmo quando apresentam função meramente declarativa ou explicativa.

O seu conteúdo também não é capaz de qualificar uma regra como jurídica. Cada Estado pode elaborar regras distintas, e nem por isso uma delas pode ser desconsiderada como tal. Além do mais, tais regras podem também pertencer ao mesmo tempo a outras ordens, como a moral, ética ou religiosa.

Para uma regra ser reconhecida como jurídica é preciso, então, considerar um elemento externo ao texto normativo: a autoridade estatal de quem a emite, quando age como tal, com aparência de legitimidade.

O direito, portanto, deve ser conceituado como o conjunto de normas (regras, princípios, decisões), seja qual for seu conteúdo e extensão, emitidas pelas autoridades de determinado estado, em sua atuação como órgão público.

É importante se ter em mente que, enquanto a existência e vigência da regra jurídica representa o direito como fato, fenômeno reconhecido cientificamente, de forma objetiva, como expressão de comando de uma autoridade estatal, a sua validade somente pode ser pensada através de critérios elegidos pelo intérprete, de forma subjetiva, embora com pretensão de universalidade. Quando sustentamos, p. ex., critérios interpretativos, assim o fazemos de forma a angariar a sua adesão de todos, principalmente, das autoridades responsáveis pela sua concretização, mesmo que isso nem sempre seja possível.


2 NOUVEL, Pascal. Filosofia das ciências. Campinas, SP: Papirus, 2013, p. 66.

3 COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, p. 312.

4 Ibidem, p. 140.

5 NOUVEL, op. cit., p. 82: “Nós lembramos que Russell propunha a seguinte questão: o que nos prova que as próprias leis da natureza não vão mudar?

6 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 313.

7 POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. 2ª ed. São Paulo: Editora Cultrix Ltda., p. 307.

8 NOUVEL, op. cit., p. 193.

9 POPPER, op. cit., p. 302.

10 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 234.

11 O fato de algum ser ter existido no passado será sempre verdadeiro.

12 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 624.

13 NOUVEL, op. cit., p. 55.

14 POPPER, op. cit., p. 104.

15 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 507.

16 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 303: “As impressões, escreve Hume, são “as percepções que penetram em nós com mais força e violência (diferentemente das idéias, que são como que as imagens apagadas ou debilitadas das impressões em nossos pensamentos)”.

17 LACROIX, Alain. A Razão – Análise da noção, estudo de textos: Platão, Aristóteles, Kant, Heidegger. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2009, p. 105-106.

18 LACROIX, op. cit., p. 111: “Por consequência, importa distinguir essas ciências da filosofia: as primeiras devem conhecer apenas fatos, ao passo que as segundas se perguntam sobre o sentido da vida e do mundo. Se uma filosofia é possível e legítima, ela só pode se desenvolver no quadro de uma reflexão sobre os valores.”

19 NOUVEL, op. cit., p. 193.                                

20 Ibidem, p. 195.

21 PRIGOGINE, Ilya. Ciência, Razão e Paixão. 2ª ed., São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009, p.20-21.

22 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998b, p. 64.

23 PRIGOGINE, op. cit., p. 21-22: “Epicuro supôs que tinha encontrado a solução para esse dilema: o “clinâmen”. Como foi expresso por Lucrécio, “enquanto os primeiros corpos estão sendo empurrados para baixo pelo próprio peso em linha reta através do vazio, em horas bem incertas e lugares incertos, eles se desviam apenas um pouco do seu curso, o que poderia ser entendido como uma mudança de direção”.”

24 SPINOZA. Ética. In: Os Pensadores – Spinoza Vol. II. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 117.

25 Ibidem, p. 94.

26 PRIGOGINE, op. cit., p. 64.

27 Ibidem, p. 64.

28 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 398.

29 COMTE-SPONVILLE, André. O capitalismo é moral?. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005, p. 71-79.

30 NOUVEL, op. cit., p. 226-232.

31 LACROIX, op. cit., p. 111.

32 DWORDIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010, p. 209-230.

33 ROSS, Alf. Direito e justiça. 1ª edição. São Paulo: Edipro, 2003, p. 91.

34 Ibidem, p. 92.

35 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 36.

36 Ibidem, p. 41.

37 KELSEN, op. cit., p. 71.

38 KELSEN, Hans. O que é Justiça? 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998a, p. 140.

39 KELSEN, 1998b, p. 49.

40 Ibidem, p. 52.

41 LARENZ, op. cit., p. 93.

42 KELSEN, 1998b, p. 86.

43 Ibidem, p. 88-91.

44 KELSEN, 1998b, p. 165.

45 Ibidem, p. 165.

46 Ibidem, p. 179.

47 HART, Hebert. O conceito de direito. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 104.

48 Ibidem, p. 104.

49 PER MAZUREK, Saarbrücken. Teoria analítica do direito. In: KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried (Orgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 373: “Regras secundárias são as que atribuem poderes, que públicos, quer privados”, como por exemplo, o direito de celebrar contratos ou de fazer testamentos”.

50 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 119.

51 HART, op. cit., p. 114.

52 DIMOULIS, op. cit., p. 119.

53 HART, op. cit., p. 112.

54 Ibidem, p. 113.

55 HART, op. cit., p. 105.

56 HART, op. cit., p. 106.

57 COMTE-SPONVILLE, André. Viver. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. 196-197.

58 KELSEN, 1998b, p. 28-29.

59 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – 1º volume. 12ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 31: “possibilidade de exercer a coação”.

60 Ibidem, p. 33: “Para Goffredo Telles Jr., a essência específica da norma de direito é o autorizamento, porque o que compete à norma é autorizar ou não o uso dessa faculdade de reação do lesado. A norma jurídica autoriza que o lesado pela violação exija o cumprimento dela ou a reparação pelo mal causado.
(…)
É, portanto, a norma jurídica que autoriza o uso da faculdade de coagir, legitimando-a. A coatividade é do lesado, mas o autorizamento para o seu uso é da norma jurídica. Logo, o autorizamento é condição para o uso lícito da coatividade, sendo o elemento necessário e específico da norma jurídica, distinguindo-a das demais normas.”

61 “Art. 243. Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.”

62 Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados.
§ 1º O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte.

63 Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

64 DINIZ, op. cit., p. 36.

65 KELSEN, 1998b, p. 28-29.

66 DWORKIN, 2010, p. 200.

67 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 175.

68 ROSS, op. cit., p. 291-296.

69 Ibidem, p. 269.

70 Ibidem, p. 270.

71 ROSS, op. cit., p. 274.

72 Ibidem, p. 302.

73 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 175.

74 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 492.

75 ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 151.

76 DWORKIN, 2010, p. 218-220.

77 Ibidem, p. 227-228.

78 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 344.

79 DWORKIN, 2010, p. 159-160.

80 ALEXY, op. cit., p. 30.

81 Ibidem, p. 37-38.

82 ALEXY, op. cit., p. 33-37.

83 Ibidem, p. 37-42.

84 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 505-506.

85 Ibidem, p. 289.

86 COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 505.

87 ROSS, 2003, p. 97-99.

88 ROSS, 2003, p. 98

89 LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martis Fontes, 1999, p. 289

90 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 38ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 80.

91 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral, Tomo I. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 5.

92 Ibidem, p. 5.

93 KELSEN, 1998b, p. 112: “Desse modo, o direito subjetivo e o Direito objetivo são colocados em certa relação entre si. No entanto, o dualismo ainda é mantido, na medida em que o direito jurídico subjetivo é considerado lógica e temporalmente, anterior ao Direito objetivo. No começo, existiam apenas direitos subjetivos – em especial o protótipo de todos os direitos, o direito de propriedade (obtida por ocupação) – e apenas num estágio posterior o Direito objetivo como ordem do Estado foi acrescentado com o propósito de sancionar e proteger os direitos que, independentemente dessa ordem, haviam passado a existir. Esta idéia é desenvolvida com mais clareza na teoria da Escola Histórica que foi decisivamente influenciada, não apenas pelo positivismo jurídico do último século, mas também pela jurisprudência moderna dos países de língua inglesa. ”

94 DINIZ, op. cit., p. 26.

95 FALCON Y TELLA, Maria José. Lições de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011, p. 66.

96 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Direito Qüântico: Ensaio sobre o Fundamento da Ordem Jurídica. 8ª edição. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, pgs. 299-300.

97 ALEXY, 2009, p. 21.

98 MORRIS, 2002, p. 353.

99 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006, p. 136-137.

100 CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta – Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros – Volume 2º. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 380.

101 DINIZ, op. cit., p. 77.

102 COUTO, Reinaldo. Considerações sobre a validade, vigência e eficácia das normas jurídicas.< http://www.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1933/1858> p. 8.

103 Ibidem, p. 8.


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1Procurador Federal – Advocacia-Geral da União