PUBLIC POLICIES THAT AIM TO REDUCE SCHOOL VIOLENCE THROUGH CIRCLES OF RESTORATIVE JUSTICE AND PEACE BUILDINGS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10824998
Maria Nilva Fernandes da Silva Moreira1
Edson José de Souza Júnior2
RESUMO
Este artigo analisa políticas públicas colaborativas criadas para prevenir e reduzir a violência nas escolas, destacando a aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz. Aborda a diversidade de manifestações da violência escolar, desde microviolências até casos extremos, que prejudicam o clima organizacional e o direito dos alunos a um ambiente seguro. Argumenta que tais situações comprometem a função social das escolas, infringindo normas como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. A pesquisa, de natureza bibliográfica e documental, utiliza as contribuições de Vasconcelos e Zehr como referencial teórico. Conclui que a implementação de políticas públicas, como os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, pode fortalecer a capacidade da escola na resolução de conflitos, promovendo ambientes de aprendizado justos e equitativos.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Violência no ambiente escolar; Justiça Restaurativa; Círculos de Construção de Paz.
ABSTRACT
The current study aims to analyze collaborative public policies for preventing and reducing violence in the school environment, mainly through the application of Peacemaking Circles. It adresses different manifestations of violence in schools, from micro-violence to extreme cases, harming the organizational climate and the students’ right to a safe environment. It reasons that such situations jeopardize the social function of schools violating rules like the Statute of Children and Adolescents and the United Nations Convention on the Rights of the Child. The research is characterized by being bibliographic and documentary, using the contributions of Vasconcelos and Zehr as references. It is therefore concluded that, through the creation of collaborative public policies, as the Restorative Justice and Peacemaking Circles is potentially capable of increasing the school’s capacity to resolve conflicts and build fair and equitable learning environments.
Palavras-chave: Public Policies; Violence in the school environment; Restorative Justice; Peacemaking Circles
INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a violência no ambiente escolar, um problema global que afeta toda a comunidade escolar. A violência se expressa de diversas formas, podendo ser física, verbal, psicológica, moral, sexual ou até contra a vida, com impacto negativo na saúde dos estudantes, professores e familiares, comprometendo, especialmente, o aprendizado e o sentimento de segurança (Steiner et al., 2018).
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2017), em todo o mundo, a cada ano, 246 milhões de crianças e
adolescentes são vítimas de algum tipo de violência no ambiente escolar. Em relação à violência na escola, mais de um terço dos alunos já foi agredido fisicamente por seus colegas. O mesmo estudo mostra ainda que 47,2% de 144 países ainda permitem o castigo físico de crianças em idade escolar por professores nas escolas. No que se refere ao bullying, o tipo mais frequente de violência psicológico/verbal, as estatísticas demonstram que 32% dos escolares são vítimas desse problema social (UNESCO, 2019).
Na última década, entre os diversos casos de violência e ataques em escolas brasileiras envolvendo alunos, professores e funcionários, amplamente divulgados pela mídia, destacam-se:
- – Massacre de Realengo (2011): No dia 7 de abril de 2011, um ex-aluno entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, e abriu fogo contra alunos e professores, matando 12 pessoas e deixando outras 13 feridas. O atirador também se suicidou.
- – Colégio Goyases (2017): Em outubro de 2017, um estudante de 14 anos disparou arma de fogo dentro do Colégio Goyases, escola particular de ensino infantil e fundamental, em Goiânia – GO. Dois estudantes morreram e outros quatro ficaram feridos.
- – Escola Raul Brasil (2019): Em setembro de 2019, a Escola Estadual Raul Brasil, em São Paulo – SP, foi palco de outro episódio de violência. Um aluno entrou armado na escola e fez disparos, ferindo duas pessoas.
- – Escola Estadual Carolina Maria de Jesus (2019): Em agosto de 2019, um aluno da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, em São Paulo – SP, esfaqueou a coordenadora pedagógica da instituição. A professora sobreviveu, mas ficou gravemente ferida.
- – Massacre de Suzano (2019): No dia 13 de março de 2019, dois ex-alunos da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, São Paulo, entraram na instituição, portando armas e mataram oito pessoas, sendo cinco alunos e duas funcionárias da escola, além de cometerem suicídio em seguida.
- – Escola Estadual Dom Pedro II (2021): Em setembro de 2021, um aluno da Escola Estadual Dom Pedro II, em São Paulo – SP, esfaqueou um colega de classe durante uma discussão em sala de aula.
- – Aracruz (2022): Em 25 de novembro de 2022, em Aracruz (ES), um atirador de 16 anos matou 3 pessoas durante 2 ataques consecutivos. O assassino invadiu uma escola estadual e fez vários disparos com uma pistola, acertando duas professoras. Em seguida, invadiu uma instituição privada. Na unidade, uma aluna foi morta. Dias depois do crime, outra professora baleada morreu depois de ficar internada.
- – Escola Thomazia Montoro (2023): Em 27 de março de 2023, um adolescente de 13 anos esfaqueou 4 professores e 2 alunos na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona sul de São Paulo. A professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu.
- – Escola Infantil Cantinho do Bom Pastor (2023): Em 5 de abril de 2023, na Escola Infantil Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina, quatro crianças morreram e outras cinco ficaram feridas, após um homem de 25 anos invadir o local e atacar as crianças com um machado. Após atacar alunos da instituição, ele fugiu e se entregou em um quartel da Polícia Militar.
Com base em pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos anos de 2022 e 2023, houve expressivo aumento dos casos de violência, pois dos 36 ataques que aconteceram em 22 anos, 10 ocorreram em 2022 e 11 em 2023 (Vinha, 2023, p. 15).
Esses são apenas alguns dos casos mais notórios de violência em escolas brasileiras nos últimos anos. Assim, diante da diversidade de expressões da violência no ambiente escolar e da repercussão delas, não apenas no cotidiano das relações humanas da comunidade escolar, mas especialmente na formação de crianças e adolescentes, sujeitos em desenvolvimento, em uma perspectiva integral (intelectual, física, emocional, moral, ética), é que defendemos a necessidade de investimento em políticas públicas e ações para prevenir e combater essa problemática social reverberada no ambiente escolar.
Nessa perspectiva, diversas abordagens têm sido utilizadas para enfrentar e prevenir a violência na escola, em âmbito local, estadual e nacional. Entre elas, estão as práticas restaurativas, fundamentadas nos princípios da Justiça Restaurativa, que propõe a prevenção e resolução pacífica de conflitos. Assim, o presente artigo tem o escopo de responder a seguinte questão problema: “Enquanto política pública, como a aplicação dos Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz se configura como resposta para redução da violência no ambiente escolar? ”A esse respeito, este trabalho visa descrever e analisar as políticas públicas colaborativas de prevenção e redução da violência no ambiente escolar, especialmente aquelas constituídas com a implementação de ações articuladas entre o poder judiciário e as secretarias de educação na promoção de um ambiente escolar mais pacífico e seguro, por meio Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, como alternativa antagônica ao cenário ora posto, uma vez que se trata de metodologia de diálogo que, para além de resolver conflitos entre alunos ou alunos e professores, podem ser utilizadas para discutir questões mais amplas, como a segurança na escola, na comunidade e no território onde a escola está firmada.
METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido por meio de revisão bibliográfica que se iniciou com a busca por trabalhos publicados nas principais plataformas digitais disponíveis, tais como: CAPES, BDTD, entre outras. A pesquisa foi iniciada com base nas palavras chave: “Políticas Públicas”; “Violência no ambiente escolar”; e “Justiça Restaurativa”. De modo que o critério de avaliação para a escolha dos trabalhos a serem estudados foi a data de cada trabalho apresentado nos resultados da pesquisa em cada uma das bases de pesquisa, sendo essa data entre os anos de 2018 a 2022.
Encontrados os resultados da pesquisa, em ordem de relevância, foram analisados os temas dos 50 primeiros resultados apresentados e baixados para estudo aqueles que atendiam o critério de data de defesa, estabelecido para o desenvolvimento deste artigo.
Analisados os trabalhos que foram selecionados na primeira avaliação dos resultados encontrados nas pesquisas, foram selecionados trabalhos que demonstraram maior afinidade com o tema proposto neste artigo. Com base na leitura dos objetivos e resultados apresentados em cada um desses trabalhos, foi elaborado este artigo.
REFERENCIAL TEÓRICO
A violência no ambiente escolar e seus efeitos
A violência escolar refere-se à violência que ocorre no ambiente escolar, mas inclui violência não apenas na propriedade escolar, como no caminho para ou da escola e em passeios e eventos por ela promovidos. Pode ser cometida por alunos, professores ou outros membros da equipe de funcionários. No entanto, a violência por parte dos colegas é a mais comum (Jackson; Vaughn; Kremer, 2019). Segundo conceito da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a violência escolar é qualquer tipo de agressão física, psicológica, verbal e/ou sexual entre alunos, professores e/ou funcionários da escola contra um aluno (UNESCO, 2019).
Estima-se que 246 milhões de crianças sofram violência escolar todos os anos. Todavia, meninas e pessoas não conformes com o gênero são desproporcionalmente mais afetadas. Frequentemente, não há uma razão simples e direta para alguém se envolver em violência escolar. Uma criança pode ter sido intimidada ou rejeitada por um colega, pode estar sob muita pressão acadêmica ou pode estar representando algo que viu em casa, na vizinhança, na televisão ou em um videogame (Bezerra, 2019).
Nos últimos anos, a violência com vítimas fatais vem aumentando de forma expressiva. Isso é demonstrado no levantamento sintetizado no relatório “Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental” (Brasil, 2023).
Além disso, de acordo com Veloso e Pimentel (2023), ao longo do último ano, a frequência de ataques a escolas cresceu no Brasil, com cinco ataques fatais registrados desde setembro de 2022 até abril de 2023. A violência escolar que se manifesta por meio do bullying também é um dos problemas prevalecentes que afetam a saúde em geral, sobretudo no que se refere ao desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais, podendo resultar na deterioração do rendimento acadêmico do(a) aluno(a)vítima.
O bullying é definido como um comportamento agressivo deliberado e repetitivo ao longo do tempo, acompanhado de um desequilíbrio de poder entre o agressor ou agressores e a vítima. O bullying ocorre apenas entre os alunos e pode ser categorizado em quatro tipos: físico, psicológico/verbal, sexual e cyberbullying (UNESCO, 2019). Esses fenômenos ainda são problemas predominantes na população escolar e estão associados ao desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais entre as vítimas. Além disso, afetam a saúde mental e física, assim como o desempenho acadêmico das vítimas (Jackson; Vaughn; Kremer, 2019).
Uma das manifestações mais dramáticas da violência escolar está relacionada à violência ou abuso sexual. Um relatório da UNESCO, que incluiu apenas países da África Central, relatou que 7,1% das mulheres de 15 anos foram vítimas de violência sexual por parte de seus professores. Por exemplo, na Libéria, um dos países mais pobres da África, uma alta proporção de meninas foi vítima de violência sexual perpetrada por professores e religiosos escolares (Steiner et al., 2018). O mesmo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2019) indica que há poucos dados e evidências de violência sexual perpetrada por pares ou violência física ou sexual perpetrada por professores em outras regiões, como a América Latina.
Em relação aos fatores associados à violência escolar, constatou-se que a violência física parece ser mais frequente entre os homens, seja no caso dos pares (57,3%) ou do pessoal escolar (33%) (Romaní; Gutiérrez, 2010; Miranda, 2016). Por outro lado, a violência psicológica parece ser mais frequente nas mulheres (UNESCO, 2019).
O bullying físico é mais prevalente entre estudantes do sexo masculino (UNESCO, 2019). Por outro lado, há estudos que mostram maior prevalência de violência escolar nas escolas públicas em comparação às privadas (Romaní; Gutiérrez, 2010). Possíveis explicações podem estar relacionadas ao fato de que crianças de escolas públicas têm status socioeconômico mais baixo, e isso pode estar relacionado a determinantes sociais de violência associados à pobreza (por exemplo, estilos parentais, menor nível de desempenho parental) (Knaappila et al., 2018).
As crianças que foram vítimas de violência, ou expostas a ela de alguma forma, às vezes acreditam que se tornarem violentas é a única maneira de estarem seguras. Quando cometem violência, podem experimentar uma sensação de satisfação quando sua necessidade emocional de força ou segurança é satisfeita. No entanto, isso dura pouco, porque elas começam a temer punição ou retribuição, o que desencadeia uma raiva que às vezes pode levar a mais violência se elas estiverem com medo do que lhes pode acontecer se não se protegerem (Jackson; Vaughn; Kremer, 2019). É preciso ajuda para quebrar o ciclo.
Elas precisam entender que a violência pode ser temporariamente satisfatória, mas que leva a mais problemas. Vítimas de violência escolar podem se machucar fisicamente e sofrer cortes, arranhões, contusões, ossos quebrados, ferimentos à bala, concussões, incapacidade física ou morte (Steiner et al., 2018). Emocionalmente falando, a criança pode sentir ansiedade ou raiva e até entrar em processos depressivos. Seu desempenho acadêmico pode ser prejudicado porque pode ser difícil se concentrar na escola quando tudo em que você consegue pensar é como evitar se machucar novamente.
A violência escolar é traumática e pode causar sofrimento psicológico considerável. As experiências traumáticas também podem ser difíceis para os adultos, no entanto, quando se trata de alguém cujo cérebro não está plenamente desenvolvido e ainda experimenta um trauma, especialmente se for prolongado, seu cérebro pode mudar para o modo de sobrevivência, o que poderá desencadear prejuízos à sua atenção, concentração, controle emocional e saúde (Steiner et al., 2018).
De acordo com Jackson, Vaughn e Kremer (2019), as crianças que sofreram violência escolar correm o risco de problemas de saúde mental e física de longo prazo, incluindo distúrbios de apego, abuso de substâncias, obesidade, diabetes, câncer, doenças cardíacas e problemas respiratórios. Quanto mais experiências adversas na infância alguém tiver, maior será o risco para sua saúde física e mental quando adulto. Nesses casos, a psicoterapia pode ajudá-las a processar o trauma, regular suas emoções e aprender habilidades de enfrentamento no intuito de se recuperarem.
As crianças que testemunham a violência escolar podem se sentir culpadas por vê-la e ter muito medo de interrompê-la. Também podem se sentir ameaçadas e seu cérebro pode passar a reagir de maneira semelhante a uma criança que enfrentou violência escolar. Além disso, quando as crianças experimentam ou testemunham traumas, suas crenças básicas sobre a vida e outras pessoas geralmente mudam. Elas não acreditam mais que o mundo é seguro, o que pode prejudicar sua saúde mental.
Para que uma criança possa cuidar de si mesma à medida que envelhece, ela precisa primeiro se sentir segura e cuidada. Aprender a lidar com ameaças é uma lição avançada que deve ser construída com base na sensação de segurança e autoconfiança.
JUSTIÇA RESTAURATIVA E OS CÍRCULOS DE CONSTRUÇÃO DE PAZ
Em todo o mundo, a prática da construção da paz é cercada por dilemas comuns: paz versus justiça, abordagens religiosas versus seculares, justiça individual versus estrutural, reconciliação versus retribuição e a harmonização da pura multiplicidade de práticas envolvidas na reparação de danos passados.
O progresso em direção à resolução desses dilemas requer muito mais do que reformar instituições e práticas; em vez disso, requer um pensamento claro sobre questões mais básicas como: o que é justiça? E como se relaciona com a construção da paz? Os conceitos gêmeos de reconciliação e justiça restaurativa, ambos envolvendo a restauração holística do relacionamento correto, contêm não apenas uma lógica convincente de justiça, mas também uma grande promessa para resolver as tensões da consolidação da paz e para construir e avaliar suas instituições e práticas (Mullet; Amstutz, 2012).
A Justiça Restaurativa pode ser conceituada como um processo colaborativo que busca promover a resolução de conflitos, a reparação do dano e a restauração dos vínculos rompidos. Ao contrário do sistema tradicional de justiça, que possui uma lógica retributiva e punitiva, a Justiça Restaurativa busca promover o diálogo entre as partes envolvidas, com o fim de chegar a uma compreensão compartilhada do conflito e encontrar soluções que atendam às necessidades e interesses das partes.
Nessa perspectiva, é oportunizado para vítimas, infratores e comunidades afetadas por um crime se comunicarem (direta ou indiretamente) sobre as causas, circunstâncias e impacto desse crime, e atender às suas necessidades relacionadas. Baseia-se no entendimento de que o crime é uma violação de pessoas e relacionamentos e se baseia em princípios de respeito, compaixão e inclusão, incentivando o envolvimento significativo, a responsabilidade e oferece uma oportunidade de “cura”, reparação e reintegração. Logo, é vista como uma abordagem que promove a construção da paz, pois busca envolver todas as partes interessadas em um processo de resolução de conflitos que seja justo, equitativo e que leve em conta as necessidades e preocupações de todos os envolvidos. Assim, a Justiça Restaurativa é uma abordagem que busca não apenas punir o ofensor, mas também restaurar as relações e a harmonia que foram afetadas pela ação violenta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com o noticiário nacional em 2023, o então Ministro Camilo Santana afirmou, em abril daquele ano, que o Ministério da Educação (MEC) prepara um programa para construir “círculos de paz” nas escolas. A medida, ainda de acordo com o titular da pasta, é discutida com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institucionalizou o ano de 2023 como o ano da Justiça Restaurativa na Educação. Segundo o ministro, já há experiências no Brasil nesse sentido, e o MEC pretende apresentar propostas de fomento financeiro e técnico para todas as escolas brasileiras. Acrescentou ainda que apresentará a proposta aos secretários estaduais e municipais de Educação. Ele explicou que a iniciativa aplicaria os princípios da mediação de conflitos e da justiça restaurativa.
Iniciativas dessa natureza têm se ampliado pelo país por meio de parcerias interinstitucionais com o judiciário, dentre as quais, cita-se o exemplo do “Programa Pilares: edificando a cultura de paz na escola”, promovido pelo Poder Judiciário goiano em parceria com as Secretarias de Estado e Municipais de Educação, com o fim de levar a metodologia dos Círculos de Construção de Paz para as unidades escolares e outras instâncias educativas.
O Programa Pilares foi implementado em 2018, a partir da assinatura de Termo de Cooperação Técnica entre o Tribunal de Justiça de Goiás e a Prefeitura de Goiânia por meio de sua Secretaria Municipal de Educação e desde então tem sido ampliado para outros municípios e para as instituições de ensino da Secretaria de Estado da Educação, apresentando resultados exitosos, segundo os Relatórios de Gestão da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (Biênios 2017/2019; 2019/2021; 2021/2023) (Estado de Goiás, c2023).
O objetivo do Programa é a oferta de formação de facilitadores de Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz “para atuarem na prevenção e resolução de conflitos no espaço escolar, por meio de processos circulares, com vistas à promoção de competências socioemocionais e cultura de paz” (Estado de Goiás, 2021, p. 1). A formação possui carga horária de 60 horas e é oferecida pelo Tribunal de Justiça de Goiás aos profissionais vinculados à Rede de Educação (professores, coordenadores, dirigentes e tutores/apoio pedagógico). Em contrapartida os municípios e Estado se comprometem a desenvolver as práticas e zelar pelos princípios e pela metodologia dos círculos.
De acordo com um dos Relatórios de Gestão citados (Estado de Goiás, 2023), qualitativamente e quantitativamente, observa-se que os objetivos do programa estão sendo alcançados. Desde sua implementação até dezembro de 2023 foram formados 322 facilitadores de círculos, tendo sido realizados 3.326 círculos, com 29.468 participantes em 263 instituições, em mais de 20 municípios do Estado de Goiás.
Segundo relatos dos facilitadores dos círculos realizados nas escolas sobre os êxitos e benefícios à comunidade escolar, destacam-se:
O diálogo e a troca de ideias;
A partilha de sentimentos de forma respeitosa e tranquila;
O despertar do senso de pertencimento, responsabilidade e corresponsabilidade;
A busca conjunta de alternativas diante da problemática;
A transformação pessoal;
A prática da empatia;
A assunção de responsabilidades após as reflexões e as experiências vivenciadas pelos círculos;
A disponibilidade e o nível de envolvimento dos participantes; As solicitações para que os Círculos aconteçam com maior frequência e que se estendam a todos os servidores da respectiva estrutura administrativa (Estado de Goiás, 2023).
O Relatório em questão destaca ainda que nos círculos, por estes propiciarem espaços seguros de fala e escuta para os educandos, possibilitam-se relatos de situações de violência, ideação suicida, entre outros; e que diante disso é feito o acolhimento, orientações e encaminhamentos para a rede de proteção.
Os resultados em tela demonstram a efetividade e potencialidade de políticas públicas e ações colaborativas pautadas na justiça restaurativa, especialmente os círculos de construção de paz com foco na prevenção e enfrentamento da violência escolar, porque evocam o melhor das pessoas de modo que promovem o envolvimento de todos, cultivam relacionamentos saudáveis, viabilizando ambientes de aprendizados justos e equitativos (Evans; Vaandering, 2018).
Assim, ao analisar o objetivo de estudo de acordo com a literatura, conforme Vasconcelos (2008, p. 127):
[…] A Justiça Restaurativa transforma o paradigma da intervenção penal, uma vez que não está apenas preocupada com a determinação de uma resposta adequada ao comportamento criminal, mas também com a reparação, seja ela material ou simbólica, dos danos causados pelo crime. Encoraja vítima e ofensor a resolverem o conflito por intermédio da discussão e da negociação, reservando para os agentes públicos o papel de facilitadores, dotados de um só instrumento de intervenção: a linguagem, o que os coloca no mesmo nível de poder das partes (uma vez que, aqui, o poder limita-se à comunicação). Mais do que a reparação material, pode reparar as relações e a confiança afetadas pelo crime (Vasconcelos, 2008, p. 127).
Diante disso, a Justiça Restaurativa refere-se a uma abordagem da justiça que busca reparar o dano, oferecendo uma oportunidade para os prejudicados e aqueles que assumem a responsabilidade pelo dano de comunicar e atender às suas necessidades após um crime. Trata-se, desse modo, de uma forma de responder ao crime ou a outros tipos de delito, injustiça ou conflito, concentrando-se principalmente em reparar os danos causados pela ação ilícita e restaurar, na medida do possível, o bem-estar de todos os envolvidos. Reflete uma teoria mais relacional de justiça porque enfatiza a restauração do respeito, da igualdade e da dignidade nas relações afetadas pelo delito.
É chamada de “restaurativa”, portanto, exatamente porque emprega processos que restauram a agência, a propriedade e o poder de decisão daqueles diretamente afetados pelo evento danoso – vítimas, ofensores, seus apoiadores e a comunidade em geral. Em vez de atribuir toda a responsabilidade ao Estado ou aos profissionais do direito, visa envolver os participantes imediatos na resolução do dano (Mullet; Amstutz, 2012), por meio de processos que podem ser utilizados em todas as fases do sistema de justiça criminal e infracional, tanto com adultos como com jovens, contribuindo para um sistema de justiça criminal acessível, compassivo e justo, promovendo segurança e bem-estar.
Ademais, para além do âmbito do sistema de justiça, a Justiça Restaurativa tem sido utilizada em diversos outros contextos, como afirma Zehr (2008), incluindo escolas, sistemas prisionais e comunidades. Em cada contexto, ela é adaptada para atender às necessidades específicas da situação. Isso ocorre por meio de práticas e/ou metodologias restaurativas, que podem assumir diferentes formas dependendo da comunidade, programa, caso, participantes ou circunstâncias, quais sejam: Encontro Vítima-Ofensor-Comunidade (EVOC), Conciliações Restaurativas, Conferências de Grupos Familiares, Círculos de Construção de Paz, entre outros. Dentre estes, a metodologia restaurativa mais utilizada no contexto escolar são os Círculos de Construção de Paz, contribuindo de forma significativa para propiciar o fortalecimento da cultura relacional na escola (Evans; Vaandering, 2018), na prevenção da violência e resolução pacífica de conflitos.
Pranis (2005, p. 16) nos auxilia compreender o potencial dos Círculos de Construção da Paz, quando afirma que, nos variados espaços onde têm sido utilizados:
[…] Os Círculos de Construção da Paz estão sendo usados em variados contextos. Dentro dos bairros eles oferecem apoio para aqueles que sofreram em virtude de um crime – e ajudam a estabelecer a sentença daqueles que o cometeram. Nas escolas, criam um ambiente positivo na sala de aula e resolvem problemas de comportamento. No local de trabalho, ajudam a tratar de conflitos. No âmbito da assistência social, desenvolvem sistemas de apoio mais orgânicos capazes de ajudar pessoas que estão lutando para reconstruir suas vidas (Pranis, 2005, p.16).
Isso porque os círculos se constituem em uma metodologia de diálogo estruturado e simples, na qual os participantes se revezam para falar e ouvir uns aos outros com a ajuda de um facilitador neutro, e é baseada nos princípios do respeito, empatia, honestidade e escuta ativa. Por serem estruturados permitem a comunicação compassiva, mesmo em questões muito difíceis, sendo eficazes em qualquer configuração de grupo em que haja o desejo de: responsabilidade em vez de punição; responsabilidade individual e coletiva em vez de apenas responsabilidade individual; construindo comunidade e mudança e transformação individual e coletiva.
Os círculos reúnem indivíduos que desejam se envolver na resolução de conflitos, cura, apoio, tomada de decisões ou outras atividades com uma comunicação honesta, de modo que o desenvolvimento de relacionamentos e a construção da comunidade sejam os resultados desejados. Têm a capacidade de unir as pessoas de uma forma que cria confiança, respeito, intimidade, boa vontade, pertencimento, generosidade, mutualidade e reciprocidade. O processo nunca é sobre “mudar os outros”, mas sim um convite para mudar a si mesmo e a sua relação com a comunidade (Mullet; Amstutz, 2012). Portanto, enfatizam a cura e o aprendizado por meio de um processo coletivo, com o objetivo de reparar o dano causado e atribuir responsabilidade ao falar sobre o problema (Justiça…, 2013).
Diante disso, os círculos são contributos para a construção da cultura de paz nas escolas. O artigo 1º da Declaração sobre uma Cultura de Paz, da Organização das Nações Unidas (ONU, 1999) define a cultura de paz como:
[…] um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados: […] no respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação. […] no pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; […] no compromisso com a solução pacífica dos conflitos; […] no respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens (ONU, 1999).
Nesse alinhamento, Evans e Vaandering (2018) apontam que a construção da não violência na escola requer fundamentar-se em crenças e valores que nutrem o bem-estar individual e coletivo. Além disso, implica a introdução de uma nova filosofia, na mudança de paradigma de relacionamentos e disciplina, baseando-se nos valores do respeito, dignidade e cuidado mútuo, assim como na crença de que todo ser humano tem valor, com a necessidade de se sentir pertencente e de que estamos conectados uns aos outros e com o mundo. E isso é possível por meio dos círculos de construção de paz.
Essa percepção tem alcançado os gestores públicos em variadas instâncias, que têm lançado mão de parcerias interinstitucionais com o poder judiciário, para levar a Justiça Restaurativa e os Círculos de Construção de Paz para o ambiente escolar.
CONCLUSÃO
Prevenir a violência no contexto escolar requer abordar os fatores que colocam as pessoas em risco ou as protegem da violência. A pesquisa mostrou que os esforços de prevenção por professores, administradores, pais, membros da comunidade, e até mesmo dos próprios alunos, podem reduzir a violência e melhorar o ambiente escolar por meio de práticas e instrumentais que promovam a cultura de paz.
Os três princípios-chave dos Círculos de Construção de Paz, quais sejam, a comunicação aberta e honesta, o respeito mútuo e a responsabilização individual e coletiva, aplicados em um processo estruturado de diálogo, no qual todos os participantes têm a oportunidade de expressar seus sentimentos, necessidades e perspectivas, e trabalhar juntos para encontrar soluções construtivas para os conflitos, criam um espaço seguro e respeitoso no qual as pessoas possam se comunicar livremente e serem ouvidas. Para a aplicação da metodologia, faz-se necessária a presença de facilitadores habilitados e treinados que conduzam e orientem o diálogo, de forma a garantir que todos tenham a oportunidade de falar e serem ouvidos.
Dessa forma, conclui-se que, a partir da implementação dos círculos de construção de paz nas escolas, as estratégias de prevenção aos conflitos podem melhorar significativamente, com base não apenas na prevenção, mas também na resolução de conflitos já instaurados de forma dialogada e não violenta, pois oportunizam espaços seguros de fala e de escuta, permitindo a reflexão sobre os gatilhos que podem eclodir em violência, bem como despertam a conectividade humana nos relacionamentos familiares, escolares, comunitários e da sociedade em geral. Importante ressaltar ainda que os Círculos de Construção de Paz funcionam melhor quando associados a outros esforços multissetoriais e intrainstitucionais de prevenção da violência.
REFERÊNCIAS
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1ORCID: https://orcid.org/0009-0005-4781-9827
Centro Universitário Alves Farias (UNIALFA), Brasil
E-mail: m_nilva@hotmail.com
2ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8131-409X
Centro Universitário Alves Farias (UNIALFA), Brasil edson.junior@unialfa.com.br