POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7158253


Autoria de:
Andreia Correia de Souza1
Adriana Correia de Souza Guimarães2
Iveltyma Roosemalen Passos Ibiapina3


RESUMO

Este estudo tem por objetivo a realização de uma análise a respeito das principais políticas públicas da educação, mais especificamente as políticas públicas que foram criadas visando garantir o direito das crianças de zero a seis anos de idade a frequentarem as creches e pré-escola, bem como o avanço na melhoria do ensino ofertado durante esta etapa de ensino. Inicialmente, por meio de revisão bibliográfica, serão apresentados o conceito e os tipos de políticas públicas, sendo estas criadas visando assegurar os direitos do cidadão. Será realizado também uma breve análise a respeito das principais leis e documentos que foram criados e assim contribuíram para o reconhecimento e melhoria da Educação Infantil. Através dos documentos legais que foram analisados, percebemos que o Brasil ainda precisa melhorar muito nesse quesito, visando efetivar a materialização das políticas públicas para de fato fazer com que os direitos das crianças na Educação Infantil sejam respeitados conforme proposto em cada documento.

Palavras-chave: Políticas Educacionais. Melhorias. Educação Infantil.

Abstract

This study aims to carry out an analysis of the main public policies in education, more specifically the public policies that were created to guarantee the right of children from zero to six years of age to attend daycare centers and preschool, as well as as the advance in improving the teaching offered during this teaching stage. Initially, through a literature review, the concept and types of public policies will be presented, which are created to ensure the rights of citizens. A brief analysis will also be carried out regarding the main laws and documents that were created and thus contributed to the recognition and improvement of Early Childhood Education. Through the legal documents that were analyzed, we realized that Brazil still needs to improve a lot in this regard, aiming to effect the materialization of public policies to in fact ensure that the rights of children in Early Childhood Education are respected as proposed in each document.

Keywords: Educational Policies. Improvements. Child education.

1. INTRODUÇÃO

Este estudo tem por finalidade a realização de uma análise sobre políticas públicas da Educação, visando compreender seu conceito, tipos de políticas públicas e as contribuições que estas trouxeram para o campo da Educação Infantil. Também objetiva realizar uma reflexão a respeito das contribuições que o lúdico oferece para as crianças na etapa da Educação Infantil, pois a BNCC – Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), trouxe mudanças na estrutura dos procedimentos metodológicos à serem utilizados para o pleno alcance do aprendizado nesta etapa de escolarização, reforçando a necessidade de utilização do lúdico e das brincadeiras no processo de ensino e aprendizagem.

A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica a respeito das contribuições teóricas, com reflexões nos textos de relevância no assunto, embasadas em autores como: Janete Azevedo, Faleiros, Moisés Kuhlmann e Sonia Kramer onde serão abordadas as contribuições das principais políticas públicas que trouxeram benefícios para a Educação Infantil no Brasil e ainda as contribuições do brincar como ferramenta de aprendizagem nesta etapa de escolarização.

A luta pelos direitos das crianças em receber uma educação completa e de qualidade, mais especificadamente nos primeiros anos de vida, compreendendo a idade de zero a seis anos, iniciou-se através de pressões de grupos populares. A partir do momento em que houve o aumento da urbanização, onde as famílias necessitavam cada vez mais trabalhar nas fábricas e indústrias e a mulher deixou de ser apenas doméstica ou mãe de família, passando a ocupar seu espaço no mercado de trabalho, intensificou-se a necessidade de escolas para receber as crianças enquanto seus pais trabalhavam. Através desta mudança no perfil da sociedade brasileira, surgiram grupos que viram a necessidade de o país pensar e investir mais em políticas públicas que pudessem encontrar alternativas para resolver essa situação.

As pressões populares dos grupos feministas e dos movimentos sociais que buscavam a ampliação do acesso à escola intensificaram-se na década de 80, e com isso, o Ministério da Educação (MEC) realizou diversos encontros, seminários, fóruns, dos quais originaram documentos que nortearam a Educação Infantil no Brasil. Dentre estes documentos, podemos citar a Constituição do Brasil, em 1988, e também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1996.

Observa-se que é de suma importância para o desenvolvimento da criança que elas tenham acesso à Educação Infantil em creches e pré-escolas, pois é nesta etapa que a criança obtém as bases de sua personalidade, bem como o desenvolvimento de sua inteligência, além disso, percebe-se que a socialização e o aprendizado nestes espaços contribuem significativamente para este processo.

2. CONCEITOS DE POLÍTICA PÚBLICA E FUNDADORES

A discussão a respeito das políticas públicas tem se tornado cada vez mais necessária, onde o cidadão tem tomado consciência de seus direitos e cada dia mais pressionado os governantes na busca de iniciativas e de implementação de políticas públicas e programas de governos que contemplem a todas as pessoas.

O conceito de políticas públicas em termos de área de conhecimento, nasceu nos Estados Unidos, durante o período da Guerra Fria. Para Souza (2006) as políticas públicas surgiram com o objetivo de encontrar medidas para superar as consequências desse período. Estas políticas, inicialmente ligadas à racionalidade, visavam a formulação de decisões para orientação das atividades do interesse comum.

Campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações e ou entender por que o como as ações tomaram certo rumo em lugar de outro (variável dependente). Em outras palavras, o processo de formulação de política pública é aquele através do qual os governos traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real. (SOUZA, 2006, p. 26).

Considerando que a palavra política, vem do grego politikó e denota a ideia de participação do cidadão nas decisões sobre o coletivo e a palavra pública, que vem do latim publica, com significado de “do povo”, ao analisarmos os termos do ponto de vista etimológico, chegamos à conclusão desta como a participação do povo nas tomadas de decisões da cidade.

Para um melhor entendimento sobre a definição de políticas públicas, vejamos o que diz Souza (2006), onde estabelece uma comparação entre os principais autores a respeito da temática.

Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como ‘o que o governo escolhe fazer ou não fazer’. (SOUZA, 2006, p. 24).

Analisando os conceitos de políticas públicas dos autores já mencionados é importante refletirmos também no que Azevedo (2003, p. 57) traz a este respeito: “Política pública é tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”. Partindo deste princípio, observamos então que a responsabilidade por criar e implementar as políticas públicas que vá diretamente ao encontro do cidadão fica a cargo do governo, contudo, o povo também tem a responsabilidade de fazer política, buscando conhecimento e indo atrás de seus direitos ao cobrar dos governantes que cumpram com o seu papel de implementar as políticas públicas que atendam à necessidade do cidadão, pois quando o governo é omisso em seu papel, as consequências deste ato impacta sobre todo cidadão. Nesse sentido, Faleiros (2006, p. 20) ressalta que: “ao menos no processo de eleição e votação o indivíduo torna-se soberano e o soberano (governante), súdito”.

Observa-se então, que políticas públicas podem ser resumidas como uma forma de colocar o governo em ação, já que através delas os governantes transformam seus projetos eleitorais em programas sociais para de fato concretizar ações em prol do cidadão.

As conquistas sociais em torno das políticas públicas, a exemplo: saúde, habitação, empregos, previdência, etc. são ganhos do cidadão alcançados através de lutas envolvendo diversos grupos e organizações, como sindicatos, associações e até partidos políticos. 

De acordo com Souza (2006) a área de políticas públicas possui quatro grandes fundadores, sendo eles: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. 

O termo policy analysis, análise de política pública, foi introduzido nos anos 30 por H. Laswell. Este visava conciliar os conhecimentos científicos com a produção empírica dos governos. O conceito policy makers, racionalidade limitada dos decisores públicos, foi introduzido por H. Simon. Para ele, o conhecimento racional era capaz de minimizar a limitação causada pela racionalidade. Já Lindblom, era contrário a ênfase dada ao racionalismo por Laswell e Simon, propondo então a inclusão de outras variáveis para a análise de políticas públicas. Easton definiu a política pública como um sistema. Para ele a política pública era vista como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente

3. TIPOS E MODELOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Para o entendimento dos diferentes tipos e modelos de políticas públicas, observa-se a análise realizada por Azevedo (2017) no qual realiza 04 (quatro) perguntas básicas, pelas quais, dependendo da resposta dada, poderão dividir as políticas públicas em 03 (três) tipos, sendo eles: políticas públicas redistributivas, políticas públicas distributivas e políticas públicas regulatórias. As 04 (quatro) perguntas básicas são: Qual o objetivo? Quem financia? Quem vai implementar? Quais serão os beneficiados?

3.1. Políticas públicas redistributivas

Para Azevedo (2017) este tipo de política pública visa redistribuir renda na forma de recursos a uma certa parcela da população. Como exemplo, o autor cita a isenção ou a diminuição do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para classes pobres da cidade e consequentemente o aumento desse imposto para setores de maior nível de renda. Essa política é chamada também de “Política Robin Hood”, onde o recurso é retirado do orçamento de todos. A exemplo dessa política citaremos também o sistema previdenciário, onde todos contribuem para a manutenção do fundo de recursos para atendimento de uma parcela da sociedade.

O sistema da Previdência Social, por exemplo, é organizado em nome da solidariedade social: os jovens aparecem contribuindo para a aposentadoria dos velhos, para o tratamento dos doentes, os empregados para os desempregados, os ativos para os inativos, os solteiros para os casados; neste último caso, está compreendido o salário-família. (FALEIROS, 2006, p. 12).

O sistema de seguridade social, com o propósito de garantir serviços e benefícios ao cidadão, em toda a sua existência, é conhecido por Welfare State ou Estado Assistencial. Neste sistema, o Estado promove o assistencialismo e garante acesso gratuito a certos serviços e a prestação mínima de benefícios para todo cidadão.

Um fato a ser observado é que o assistencialismo, mesmo com a intenção de colocar todas as pessoas em condições de igualde, nem sempre consegue concretizar isso, pois estas políticas são estruturadas em vias de acessos diferentes. Faleiros (2006) argumenta que isso acontece conforme a prioridade que cada governo dá aos arranjos políticos e às conjunturas eleitorais, não sendo possível abranger sequer àqueles que passam fome constantemente.

Todas essas políticas estruturam-se em corredores de acesso diferentes, de acordo com as classes e camadas sociais que vão do muito ruim ao muito bom. Os serviços melhores implicam parâmetros elevados, já que se encontram em mãos de empresas lucrativas particulares. Por exemplo, o atendimento médico se estrutura em níveis de qualidade muito variados: os serviços privados sofisticados destinam-se aos ricos, e os serviços públicos, de nível inferior, aos pobres. (FALEIROS, 2006, p. 30).

Nota-se aqui que o acesso a estes benefícios se torna muito diferenciados, principalmente em razão da qualidade, pois o pobre que necessita do atendimento do sistema público, não recebe o mesmo atendimento em níveis de qualidade quando comparado ao que o rico recebe no sistema privado. Observa-se então, que não existe de fato um sistema de bem-estar gratuito que contemple a todos em condições de igualdade.

3.2. Políticas públicas distributivas 

Sua principal função é atender a demandas pontuais de grupos específicos. O sistema de cotas pode ser citado como exemplo desta política. Azevedo (2017) cita a pavimentação e a iluminação de ruas e as políticas de emergências e solidariedade em casos de catástrofes naturais como exemplo desta política. Um problema observado na política pública distributiva é que em muitos casos, políticos corruptos acabam utilizando esse tipo de política como “moeda de troca” por votos nas eleições.

Esses auxílios e serviços, mesmo garantidos por lei, geralmente aparecem como favores à população. Assim, são implantados em certas conjecturas políticas, como por exemplo, para cata de votos ou para prestigiar certos grupos que estão no bloco do poder ou bloco governante. Através dessas medidas, o Estado e os políticos aparecem como bons para o povo, preocupados com sua situação social, e aparentemente resolvendo seus problemas do dia a dia em relação à doença, à moradia, à educação e à alimentação, que constituem questões de sobrevivência imediata para o trabalhador de hoje. (FALEIROS, 2006, p. 12).

Observa-se então que a política do assistencialismo, quando em mãos de governos corruptos e arbitrários, numa relação daquele que dá, sendo este o governo, e aquele que recebe, sendo este o cidadão menos favorecido, poderá direcionar a uma relação de troca de favores, e nesse sentido, quem recebe benefício fica devendo um favor no qual poderá ser pago com um voto nas eleições.

3.3. Políticas públicas regulatórias

Este tipo de política pública visa regular, criar normas para o completo funcionamento dos serviços. Neste caso, depois de implementada, ela toma forma de lei, a exemplo cita-se a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e as leis do trânsito. Azevedo (2017) destaca que as políticas regulatórias, apesar de definidas para um setor, caracterizam-se por atingir pessoas como indivíduos, e não como membros de um grupo social, e neste caso, elas cortam transversalmente a sociedade, afetando pessoas de mesmo grupo de forma diferenciada.

A relação entre educação e participação política é uma constante desde os liberais do império e segue-se até os nossos dias, pois para um regime político que se defina como sendo do povo, precisaria ter uma base escolar fundamentada, possível de oferecer uma formação política a todos os cidadãos. 

Neste viés, Azevedo (2004) discorre dentro da abordagem pluralista, onde destaca a educação como um importante meio de transformação das mentalidades tradicionais rumo à racionalidade. Para a autora, a escola é vista como uma das principais agências socializadoras, e assim, tem a missão de inculcar nos indivíduos as normas e valores, no sentido de possibilitar a formação de agentes sociais e políticos. Para Bendrath e Gomes (2010) a educação foi e ainda é caracterizada como fator de redução de desigualdades. Sendo assim, a educação atua como um elemento de desenvolvimento social.

Observa-se que as políticas públicas que foram criadas no intuito de trazerem melhorias para a qualidade da Educação, especialmente a Educação Infantil, são do tipo Políticas públicas regulatórias, pois estas Leis foram criadas para estabelecerem normas visando a garantia do bem comum.

4. POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica, e apesar das lutas pela concretização deste direito da criança, somente nos últimos anos é que as famílias conseguiram que o Estado assumisse o seu dever de garantir esse direito, contribuindo assim para uma melhor qualidade de vida para as famílias de pais trabalhadores.

Nos anos 70 e 80, com o aumento do processo de urbanização do país e principalmente em razão da participação da mulher no mercado de trabalho, houve uma maior necessidade de atendimento educacional para as crianças pequenas. Nesse momento, as pressões dos movimentos sociais intensificaram-se o que ocasionou uma significativa expansão do atendimento às crianças. De acordo com Kuhlmann Júnior. (2015, p. 180) “as creches apareciam como um resultado, como um símbolo concreto dessas lutas: o movimento popular e as reivindicações das feministas colocaram a creche na ordem do dia”. 

No ano de 1975 o Ministério da Educação (MEC) criou a Coordenação de Educação Pré-Escolar. Até então, o atendimento às crianças de 0 a 3 anos era realizado através de convênios com a Legião Brasileira de Assistência (LBA). A LBA possibilitou este tipo de assistência até o ano de 1995 e era vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social, visando dar auxílio técnico e financeiro às instituições que atendiam crianças de famílias carentes. De acordo com Kramer (2013, p. 68) “as creches, por sua vez, iniciam atendendo a filhos de operárias e domésticas, crianças a partir dos primeiros meses de vida, e predominantemente eram mantidas pela iniciativa filantrópica, com poucas exceções”.

Observamos assim que o sistema educacional não dava a devida importância à Educação Infantil. Esta era vista mais como um amparo e assistência a famílias de trabalhadores do que em seu papel como educadora. A partir de 1988, com a promulgação da Constituição do Brasil, acontece um avanço nesse processo, pois esta passa a reconhecer a educação das crianças de zero a seis anos de idade como um direito da criança e um dever do Estado. 

A educação infantil vem de longa data sendo colocada como responsabilidade e problema de política pública e ganhou maior impulso com o movimento de redemocratização do país. Mas foi por ocasião do processo de elaboração da atual Constituição, aprovada em outubro de 1988, que a educação para a etapa de zero a seis anos foi ainda mais reivindicada. (PACÍFICO, 2010, p. 44).

A Constituição Federal de 1988 traz também um novo olhar sobre a creche onde ela passa a ser vista em seu papel educativo e não somente com a função específica de cuidar. Para Kramer (2023, p. 72) “A Inclusão da creche no capítulo da educação explicita sua função eminentemente educativa, da qual é parte intrínseca a função do cuidar. Essa inclusão constitui um ganho sem precedentes na história da Educação Infantil em nosso país”. Kramer (2013) destaca ainda que para o desenvolvimento integral da criança nesta etapa de escolarização é imprescindível a indissociabilidade das funções cuidar e educar. Neste caso, a educação passa a fazer parte das funções da creche, mas sem deixar de lado a função do cuidado tão necessárias para uma criança pequena.

De acordo com Kuhlmann Júnior. (2015, p. 180) “creche passou a ser sinônimo de conquista”. Observa-se assim, que neste momento a creche deixa de seguir a tradição sendo vinculadas às entidades assistencialistas, passando agora ao Estado a responsabilidade de assumir esse papel.

Ressalta-se ainda o Art. 206 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”. Este princípio trouxe o direito de todo cidadão de receber uma educação com igualdade de condições, independente da faixa etária, para não somente ter o acesso, mas também a obrigatoriedade do Estado em dar condições para a permanência na escola. Podemos citar ainda o Art. 208 da Constituição (BRASIL, 1988), “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”. Este artigo da Constituição é de grande importância, pois ficou assegurado às crianças o direito de ter creches e pré-escola, sendo esta uma grande conquista para a Educação Infantil.

Um importante marco na história da conquista pelos direitos da criança foi a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, no qual foram reafirmados os direitos da criança e adolescentes e também estabeleceu alguns mecanismos de participação e controle social na formulação de políticas públicas para a infância. 

É importante destacar o Art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. Assim como a Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente também garante às crianças o direito a ter igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Ratifica ainda o direito destas à educação e traz como dever do Estado a garantia desse direito, quando no Art. 54 (BRASIL, 1990) assegura o: “atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade”. 

Um fator importante também foi que através do Estatuto da Criança e do Adolescente é que possibilitou a criação dos Conselhos Tutelares. Este órgão é o responsável por atender crianças e adolescentes que tiveram seus direitos ameaçados ou violados. O Conselho Tutelar também é o responsável por dar o devido suporte para garantia destes direitos em articulação com a escola e família e, inclusive, acionando o Ministério Público quando necessário.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), no Art. 211, designou ao Estado a obrigação de garantir o atendimento às crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas. A União ficou com a responsabilidade de prestar assistência técnica e financeira aos Estados, Municípios e Distrito Federal. Aos municípios coube ainda a responsabilidade de atuação prioritária do Ensino Fundamental e da Educação Infantil.

Visando o cumprimento desta ação e a garantia dos direitos da criança, no ano de 2001 foi aprovada a Lei nº 010172, referente ao PNE – Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), no qual estabelece as competências dos entes federados. Nesse sentido, a concretização dos objetivos será alcançada somente através da cooperação entre União, estados, municípios e Distrito Federal.

Em 1994 foi elaborado a Política Nacional de Educação Infantil: pelos direitos das crianças de zero a seis anos à Educação (BRASIL, 1994). Esse documento é considerado de grande importância para a Educação Infantil, pois foram definidos como objetivos a expansão da oferta de vagas em escolas para crianças de zero a seis anos. Foram estabelecidas também a concepção de cuidado e educação como indissociáveis nas ações que dizem respeito às crianças. Desse documento, no mesmo ano surge outro de igual importância para o fortalecimento da Educação Infantil, que é o “Por uma política de formação profissional de Educação Infantil”. Neste documento especifica a necessidade de qualificação dos profissionais para atuação em creches e pré-escola. 

Outro marco histórico na garantia dos direitos da criança de zero a seis anos à educação foi a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Nela a Educação Infantil passou a fazer parte da Educação Básica, sendo esta a primeira vez que o país inclui no texto da lei a Educação Infantil como etapa de escolarização. Para Kramer (2013, p. 74) “dessa forma, o trabalho pedagógico com a criança adquiriu reconhecimento e ganhou sua devida dimensão no sistema educacional: atender às especificidades das crianças e contribuir para a construção e o exercício de sua cidadania”.

Através da LDB de 1996, foi possível dar um novo significado à Educação Infantil, onde esta etapa tão importante na formação da criança ganhou espaço dentro do sistema educacional, com o objetivo de atender às especificidades do desenvolvimento das crianças de zero a seis anos e contribuir então para a construção e o exercício de sua cidadania. 

É importante citar também a Resolução CNE/CP Nº 2, de 22 dezembro de 2017, que aprovou a BNCC – Base Nacional Curricular Comum (BRASIL 2017) como um importante documento para a Educação, especialmente para a Educação Infantil. A necessidade de criação de uma Base Curricular Comum teve origem logo após a aprovação da LDB – Lei 9.394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996). Porém o Artigo 26 desta Lei só previa a criação de uma Base Curricular Comum para o Ensino Fundamental e Médio, ficando de fora a etapa da Educação Infantil.

Foi somente no ano de 2013, a partir da Lei nº 12.796 de 04/04/2013, que a ideia de uma Base Comum para o currículo da Educação Infantil veio a surgir, conforme podemos conferir na nova redação que esta Lei deu ao Art. 26 da LDB.

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (BRASIL, 2013).

Essa Lei foi aprovada visando adequar a LDB – Lei 9.394/96 a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Essa Emenda Constitucional tornou obrigatória e gratuita a Educação Básica a partir dos 4 anos.

A BNCC – Base Nacional Curricular Comum (BRASIL 2017) teve a primeira versão no ano de 2015, e a partir daí, passou por reformulações, sendo a terceira versão aprovada no ano de 2017. Na primeira e segunda versão, o documento foi construído através da participação da sociedade e de especialistas de várias áreas do conhecimento e teve como proposta a busca por corresponder às necessidades dos estudantes da contemporaneidade. 

Uma decisão que gerou protestos e manifestações durante a aprovação da terceira fase deste documento foi o Ministério da Educação não ter considerado as contribuições destes especialistas e não ter permitido a participação deles nas discussões da terceira versão da BNCC. Sendo assim, o documento acabou sendo aprovado com a retirada de algumas partes que constavam na primeira e segunda versão.

Outro fator que preocupou especialistas e pesquisadores em relação a BNNC é a proposta de currículo comum a todos os estudantes, pois pensar em um currículo comum faz com que deixamos de lado as diferenças de cada grupo e de cada localidade. Não há como pensar em uma base comum quando se trata de um país imenso, com diversidade de culturas e até de condições financeiras. Existem ainda escolas onde não há um mínimo de estrutura física para trabalhar os conteúdos de acordo com a BNCC, e além do mais, alguns professores não possuem sequer a formação adequada. Percebe-se também que, imbuído nessa ideia de currículo comum, há ainda uma intenção de controle sobre o trabalho dos docentes.

A BNCC estabelece seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento, sendo eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer. Vejamos o que representa cada um deles:

Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas.

Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. 

Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando.

Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.

Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens.

Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário. (BRASIL, 2017).

Estes objetivos visam possibilitar às crianças as condições de aprender e se desenvolver, onde as brincadeiras devem ser usadas como ferramenta para promover o aprendizado e a socialização. Observa-se então que na etapa da Educação Infantil o brincar e o educar aparecem como algo indissociável, pois o brincar contribui para o aprendizado nesta fase da vida da criança.

Considerando as disposições das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009), no Art. 9º, observa-se que as interações e as brincadeiras são apresentadas como experiências pelas quais as crianças constroem e apropriam-se de conhecimentos através das interações com outras crianças e também com adultos. 

No brincar a criança vivencia situações de seu cotidiano, como afeto, carinho, frustações, etc. situações pelas quais contribuem para o seu desenvolvimento e as permite crescer. Kramer (2013, p. 34) afirma que: “com base na teoria crítica da cultura e da modernidade, entendemos que a criança cria cultura, brinca, dá sentido ao mundo, produz história, recria a ordem das coisas, estabelece uma relação crítica com a tradição”.

Diante deste contexto, é importante analisar o posicionamento dos educadores, pois acostumados à uma realidade, onde possuíam o total controle em sala de aula, agora terão que adaptar-se a esta nova forma de trabalhar, reconhecendo a criança como um ser que observa, questiona, levanta hipóteses, enfim, participa de seu processo de aprendizagem. 

Nota-se então que todos esses documentos e Leis foram ganhos significativos na perspectiva de garantia e ampliação dos direitos da criança à Educação Infantil.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa foi possível observar grandes transformações em benefício da Educação Infantil, com a criação de leis que asseguram os direitos das crianças e também através dos documentos norteadores que regulamentaram e originaram a criação de políticas públicas para garantia do acesso à escola, bem como da oferta de uma melhor qualidade na educação das crianças.

Essas conquistas, influenciadas por fatores sociais e políticos, são consideradas como fundamentais para a Educação Infantil, mas ainda há muito o que se fazer para garantia dos direitos das crianças conforme assegura a Constituição Federal. 

Percebe-se que a luta ainda continua, e para tanto se faz necessário a implementação de novas políticas públicas que venham a contribuir para a melhoria e o fortalecimento dessa etapa de ensino que é de fundamental importância para a formação e desenvolvimento das crianças.

É notório que o tipo de política pública a ser adotada por um governo, carrega sempre traços dos ideais de seu partido, por isso é tão importante que o cidadão tenha consciência na hora de decidir o seu voto. Observar o plano de governo de cada candidato, verificar seu histórico político e acompanhar de perto se estão cumprindo com as promessas de campanha são responsabilidades de cada cidadão. Não basta somente tecer críticas quando os governantes não estão trabalhando como deveriam, quando na verdade, em muitas situações o cidadão não sabe sequer o que cobrar desse governo.

Desenvolver políticas públicas que visam o fortalecimento da Educação Infantil apresenta-se como um caminho para melhoria da Educação no Brasil, mas para isso, a população precisa se conscientizar de seus direitos e cobrar de seus governantes que tomem essas medidas. É preciso pensar na criança como um cidadão e observar que a Educação Infantil é a base para a formação desse cidadão.

Ao observarmos as escolas de Educação Infantil, especialmente aquelas de bairros pobres, favelas ou áreas rurais, percebemos que existe uma carência muito grande. Estas escolas não possuem estrutura física adequada, muitos profissionais não possuem formação específica para estar trabalhando com esta faixa etária, e em algumas situações, sequer conhecem os seus direitos e obrigações.

Nesse sentido percebemos que a trajetória a ser percorrida ainda é longa, com necessidade de ampliação nos investimentos em infraestrutura nas creches e pré-escolas, formação dos educadores e conscientização quanto a necessidade de fortalecimento da Educação Infantil.

REFERÊNCIAS

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4 Política Nacional de Educação Infantil: pelos direitos das crianças de zero a seis anos à Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/polinaci.pdf

5 Resolução CNE/CP Nº 2, de 22 dezembro de 2017. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192.

6 Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.


1Acadêmica do Curso Tecnólogo em Gestão Pública do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO). Pós-Graduada em Gestão, Supervisão e Orientação Educacional com ênfase em Psicologia Educacional. Licenciada em Pedagogia. Ocupa o cargo de Assistente em Administração do IFRO Campus Jaru.

2Acadêmica do Curso Tecnólogo em Gestão Pública do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO).

3Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Rondônia (IFRO) na área de Administração do campus Jaru. Doutorando em Administração pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Bacharel em Administração pela UFC.