POLÍTICAS PÚBLICAS E TRIBUTAÇÃO NO BRASIL PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO.

PUBLIC POLICIES AND TAXATION IN POST-REDEMOCRATIZATION BRAZIL.

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11689029


Adelson Silva Soares1


Resumo

O presente trabalho busca realizar uma breve reflexão a respeito da forma como as políticas públicas buscam ser apresentadas no contexto nacional brasileiro após o período da redemocratização em 1988. Essa reflexão se demonstra essencial para um pontapé inicial na direção da compreensão da importância e dos efeitos que o sistema tributário nacional exerce sobre o planejamento e a implementação das políticas públicas que visam a promoção dos direitos apresentados no atual modelo constitucional. Essa importância se demonstrará a um nível indissociável do andamento natural diante do sistema neoliberal hegemônico mundialmente, onde a especulação de capitais necessita de constante observância do estado a fim de mitigar os efeitos de seu comportamento feroz pela acumulação do capital e detenção dos meios de produção.

Palavras-chave: Tributário, políticas públicas, constituição, neoliberalismo, social.

Abstract:

This work seeks to carry out a brief reflection on the way in which public policies seek to be presented in the Brazilian national context after the period of redemocratization in 1988. This reflection proves to be essential for a starting point towards understanding the importance and effects that The national tax system influences the planning and implementation of public policies aimed at promoting the rights presented in the current constitutional model. This importance will be demonstrated at a level that is inseparable from the natural progression in the face of the hegemonic neoliberal system worldwide, where capital speculation requires constant observance by the state in order to mitigate the effects of its ferocious behavior through the accumulation of capital and detention of the means of production.

Keywords: Tax, public policies, constitution, neoliberalism, social.

1 Introdução

O modelo constitucional trazido com a promulgação da Carta Cidadã em 1988 é robusto, moderno e amplo em direitos e garantias fundamentais, individuais coletivos e transindividuais. A grande questão é que como em um país com dimensões continentais e tão diverso como o Brasil seria possível trazer com igualdade a efetividade dos direitos aos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país? É nesse sentido que se pensar o estado fiscal se faz essencial para não apenas controlar os gastos, mas sobretudo executar as melhorias no conjunto de instrumentos sociais nacional e não apenas para o curto prazo, mas sobretudo manter de maneira sustentável e com garantias para o futuro.

Em um modelo estatal extenso, parece óbvio que a máquina pública necessitará de grande receita para não apenas se manter funcionando, mas principalmente nas crescentes demandas que a população e outros atores da sociedade acabam por demandar da atuação governamental. Por isso o aspecto tributário do país não pode ser visto apenas como algo mecânico que está no dualismo de receitas e despesas, mas como fonte de garantias dos direitos materiais da população. Faz-se necessária a ressalva que também o direito tributário não pode olhar apenas com sua ótica tecnicista sobre a sociedade e suas demandas, se faz necessária a aproximação também da realidade da população, afinal esta se torna o ator mais vulnerável entre as grandes forças que travam embates a todo momento nas diversas tensões sociais.

2 Politicas públicas brasileiras e tributação

Ao fim da década de 1980, o Brasil estava imerso em uma onda de diversas transformações, principalmente no que concerne à organização política e jurídica da República, que estava saindo de um longo período de regime ditatorial militar e se encaminhando para um processo de redemocratização. A forte atuação dos diversos movimentos sociais, traz à tona uma diversidade de pautas que não poderiam mais serem negligenciadas pelo poder público, bem como pelos outros elementos que formam a sociedade brasileira. Nesse sentido os movimentos que tratam dos direitos sociais, políticos, humanos, econômicos e culturais dentre outros, conseguem ganhar o seu espaço junto aos meios de construção da nova Constituição que está se encaminhando para ser formulada e que através dessa participação, nunca antes vista na história nacional é o que possibilita a previsão para o estabelecimento das garantias que vão tutelar os processos de elaboração de políticas públicas por esse pouco mais de 35 anos de vigência da Constituição Cidadã.

A Constituição brasileira elaborada logo após o período ditatorial foi a expressão dos anseios de liberdade e democracia de todo o povo e foi também o instrumento legítimo de consagração, com força jurídica, das aspirações por justiça social e proteção da dignidade humana de grande parte da população brasileira, vítima tradicional de uma ordem injusta que a condenava à exclusão e à marginalidade. Podemos afirmar que a Constituição é o elo que fecha e articula essa transição entre o período ditatorial e a nova etapa de construção democrática. (SACAVINO, 2007 p. 2)

Várias tensões foram se apresentando como desafios a serem superados por essa trilha constituinte, o que é natural de se esperar após um longo período ditatorial onde estruturas que atendiam aos interesses desse antigo regime, não acabariam se desfazendo instantaneamente com o promulgar da nova Constituição, nem muito menos seus representantes abandonariam por completo esse modelo de exploração. Inclusive, vimos recentemente, na tentativa de golpe de 08 de janeiro, um movimento inspirado em um saudosismo da era do regime ditatorial, que através de seus simpatizantes, tentaram através de atos de vandalismo e terrorismo, destituir sem sucesso o governo eleito no ultimo pleito nacional. Essas reflexões se fazem necessárias como postura introdutória para o debate que se apresentará neste trabalho, haja vista que independente da organização do governo oficial da nação, as tensões que se tornam objeto das diversas políticas públicas, são em sua maioria os mesmos, desde antes do regime ditatorial, passando por ele e permanecendo até os dias atuais. Dentre estes, podemos visualizar o dualismo protagonizado entre crescimento econômico e desenvolvimento social, que cada vez mais, se torna um desafio de proporções hercúleas para uma democracia tão jovem quanto a brasileira e que por muita das vezes “se vê” em uma guerra de proporções internacionais advinda com o neoliberalismo, portanto essa faca de dois gumes resultado desse dualismo.

Já na década dos 90, em relação com a primeira tensão salientada entre crescimento econômico e desenvolvimento social, tanto nessa década como na atual, a crise vivida pela sociedade brasileira, marcada tanto por um déficit social como econômico, questiona o regime democrático instaurado, apontando os limites e contradições internas do modelo implementado que, apesar da nova roupagem reitera a prática das elites políticas brasileiras de adoção de um modelo de crescimento econômico baseado na concentração da renda, no desmantelamento dos direitos sociais e no aumento da exclusão social. (SACAVINO, 2007 p. 2)

Nesse contexto desenvolvimentista, é necessário a reflexão de onde são oriundas as receitas que irão financiar as anteriores e as novas políticas públicas que visarão a garantia e a efetividade dos direitos consagrados na carta constitucional, bem como nos tratados internacionais que passarão a ser ratificados pelo país. Assim, vislumbra-se que para chegar a manutenção com estabilidade do novo modelo de governo é necessário uma robusta série de mecanismos tributários que passam a desenvolver principalmente o papel de principal fonte de receita para os entes federativos e assim proporcionar a autonomia almejada para a realização dos planos de governos.

O cenário pluripartidário que vigora pós 88 traz consigo a defesa de diferentes bandeiras nos mais diversos temas, é esperado que para a matéria tributária não seja diferente. Ao se pensar um país onde que em toda a tentativa de fortalecer as políticas publicas de caráter redistributivo nascem novas barreiras, sobretudo de ideias neoliberais que trazem consigo a vertente de mínima intervenção estatal, torna-se um verdadeiro tabuleiro de xadrez as negociações a fim de conseguir a aprovação e a implementação de todo assunto que esbarra na matéria da tributação, sobretudo quando esta visa alcançar aqueles que concentram maior parte da riqueza, os quais possuem historicamente forte lobby sobre os mais diversos centros de poderes, inclusive os políticos, fazendo tarefa árdua encontrar um cenário politicamente realista que possibilite o avanço das diversas pautas sem deixar de considerar os esforços pela diminuição da desigualdade das riquezas da população.

Designarei como “politicamente realista”, no contexto do problema da desigualdade, um conjunto específico de objetivos passíveis de apoio generalizado, no sentido mínimo de o seu endosso, por parte de indivíduos e grupos, ser independente da posição destes na distribuição de renda, e, em particular, não requerer dos mesmos um ethos igualitarista. Esse conjunto incluiria os seguintes objetivos: redução da pobreza, crescimento econômico, coesão social e democracia. (KERSTENETZKY 2002, p. 651)

A busca por essa coalizão de forças que possam apoiar mudanças na ordem tributária a fim de proporcionar maior espaço de execução das políticas públicas tem como um dos obstáculos a resistência à intervenção estatal sobre a propriedade, sobretudo quando a necessidade de diminuir as desigualdades injustas se encaminham no sentido da redistribuição das riquezas detidas pela menor parte da população em favor da grande maioria. A superproteção do direito a propriedade se torna quase que um local intocável e imune a função social estabelecida como princípio na CRFB de 1988, levando a um exacerbado conceito de proteção da liberdade do indivíduo em acumular, mesmo que em detrimento à milhares que não possuem sequer um mínimo existencial, dos quais a carga tributária incide de maneira proporcionalmente maior sobre os seus ganhos, elevado pelo sistema de forte tributação sobre o consumo e de privilegiamento da renda, trazendo consigo a fortificação de um ideal rentista que se afasta da realidade da massa da população, aprofundando ainda mais as desigualdades injustas já existentes. É importante essa diferenciação sobre  desigualdades justas e injustas a qual Kerstenetzky nos apresenta em seus trabalhos, pois esse entendimento faz perfeita equiparação ao uso do conceito da isonomia ao invés de igualdade, como trazido no texto constitucional, sendo o segundo, dotado de uma carga de materialismo no alcance de seus efeitos.

Desigualdades justas são aquelas que, resultando da distribuição igual de liberdades e oportunidades (justas), promovem a melhoria da situação dos menos favorecidos (KERSTENETZKY, 2002 p. 652). 

Percebendo que as novas estruturas organizadas pela CFRB de 1988, não poderão sozinhas alcançar ao mesmo tempo a necessidade desenvolvimentista que o país possui e contemplar as necessidades da população, sobretudo a mais vulnerabilizada que necessita de maior suporte por parte do Estado, é que se iniciam a busca por parcerias e o desenvolvimento de um conjunto de ações que deverão poder auxiliar de uma maneira na redução das diferenças causadas por séculos de exploração das classes mais pobres e do crescimento de maneira não planejada e desenfreada que permitiu-se ter como situação comum por todo o território nacional. Esse conjunto de ações, que passam a ser chamadas de políticas públicas, pois tem o objetivo de movimentar a máquina estatal, na direção de conseguir diminuir essas tensões resultantes dessas diferenças, diferenças inclusive de interesses que em vários momentos se tornam conflitantes, mesmo que ambas necessitam ser  contempladas pelas ações governamentais, demonstrando a complexidade desde o reconhecimento de um objeto de uma política publica, perpassando por todo o processo de sua elaboração, execução e monitoramento, tornando esse tipo de ação mais que essencial para o andamento contínuo de um governo que tenha um plano de ações bem determinado e planejado.

Isso ilustra porque a política pública é definida como um programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito. (BUCCI, 2006 p. 14)

No estado democrático de direito, se torna inafastável da governabilidade a elaboração e execução de politicas públicas, pois as mesmas buscam a realização de direitos que podem estar previstos nos diversos diplomas legais. Em um regime constitucional, essas garantias já estão contidas desde o primeiro momento em sua Lei Maior, trazendo assim, por hierarquia constitucional essa obrigação para os demais elementos do sistema jurídico vigente. Essa ampla garantia legal, possibilita que as três esferas de poderes estabeleçam dentro de suas ações governamentais as políticas públicas que se alinhem ao interesse nacional ou não. Essa possibilidade de haverem politicas públicas distintas a nível local, se faz possível graças a pluralidade de realidades existentes nas unidades federativas de nossa República, uma vez que mesmo de um município para outro, os interesses locais podem se diferenciar materialmente de maneira profunda entre si. Nesse sentido, a observância do cumprimento dessas politicas que produzem em suma a realização de direitos previstos legalmente, acabam por muita das vezes chegando até o Judiciário, o que em sua natural função na proteção da efetivação dos direitos, necessita atuar de forma a acompanhar que de fato essas politicas estejam cumprindo com seus objetivos expostos nas justificativas de elaboração. Se faz importante, frisar que o Judiciário no que tange politicas publicas deve realizar controle externo, através de seu poder-dever objetivando que o cidadão possa alcançar o direito objetivado por tal política, não cabendo mensurar sua efetividade ou sua qualidade, o que acaba por se tornar atividade estranha à sua função.

A proposição constitucional centra-se na proteção a direito, sendo esse o elemento de conexão a considerar. O Judiciário tutela as políticas públicas na medida em que elas expressem direitos. Excluem-se, portanto, os juízos acerca da qualidade ou da adequação, em si, de opções ou caminhos políticos ou administrativos do governo, consubstanciados na política pública. (BUCCI, 2006 p. 31)

Como anteriormente já afirmado, a tributação exerce papel basilar na efetividade dessas políticas publicas, visando garantir aos cidadãos que compõem aquele estado o mínimo necessário para que se alcance com dignidade aquilo que é direito individual ou coletivo, com o objetivo de levar esse alcance da forma mais igualitária ou desigualmente injusta possível. O entendimento da pobreza como produto do fenômeno neoliberal deve ser encarado como um problema governamental a ser enfrentado pelos governos que buscam implementar políticas de distribuição e equalização das desigualdades ou até mesmo da erradicação da pobreza.

Sem propostas realistas de rompimento com o sistema neoliberal que domina economicamente as nações, a formulação de sugestões que sejam inovadoras, acabam por nascerem viciadas a repetirem os erros que outros modelos já cometeram. Um exemplo para as iniciativas de ofertas de crédito no brasil dos primeiros governos Lula, especialmente o segundo, demonstraram que as instituições financeiras, sobretudo os bancos pertencentes a iniciativa privada, lucraram massivamente com a facilitação da oferta de crédito naquele momento o que levou posteriormente uma parcela significativa da população a um endividamento recorde, que agora novamente buscam ser atenuados por novas políticas públicas de subsídios às instituições financeiras a fim de renegociar as dívidas da população. Podemos perceber aqui um sistema que se retroalimenta através de soluções momentâneas de curto e médio prazo, que mais a frente acaba por dar nova guinada em sentido negativo, fazendo com que o governo e seus agentes necessitem se socorrer de novos mecanismos financeiros para implementar políticas publicas. Nesse sentido, vemos a expressiva utilização de receitas que tem sua fonte sobre a legislação tributária e sendo as operações de financiamento oferecidas pelos governos com crescimento a maior, sempre haverá uma nova carga de custos que deverá ser equilibrada através da adoção de novas medidas a fim de equilibrar as contas, mesmo que para isso seja necessária acréscimo na carga tributária já existente.

Mesmo com a necessidade de novas fontes de receita através de atualizações dos mecanismos de tributação, essa acaba por sofrer resistência quando se torna necessário se virar para os detentores da maior concentração da riqueza nacional, pois ao utilizarem de sua influência nos centros de tomada de decisão, acabam por muitas vezes inviabilizando o avanço de novas políticas públicas, recaindo a massa populacional arcar com mais tributação ou sofre com a diminuição dos aportes para políticas públicas ou redução quase  que total destes, como foi o caso do programa minha casa minha vida ao fim do governo Bolsonaro. O fato é que por vezes as classes dominantes buscam de certo modo ignorar os princípios do Estado vigente e passam a se utilizar de subterfúgios próprios a fim de garantir a manutenção de seu poder em detrimento das políticas públicas e do bem estar social se necessário for.

O Estado recebe atribuições concretas de que se deve desincumbir sempre visando ao Bem Comum, em última análise, ao bem dos indivíduos que o constituíram. Estes, por conseguinte, devem contribuir para os encargos da coletividade por força da solidariedade social que preside o relacionamento interpessoal. Do ponto de vista do Direito Financeiro, trata-se do dever de cada qual de pagar tributos para financiamento dos serviços estatais em prol da comunidade, dever que nasce, por sua vez, conformado pelos direitos individuais. (DOMINGUES 2015, p.30)

Para aqueles que de forma rasa busquem as críticas quanto às políticas públicas, se faz necessário realizar, minimamente, essa reflexão histórica de que os problemas que elas buscam tratar, não são problemas que possuem sua gênese no período da redemocratização, pelo contrário, ao se falar de desigualdades sociais e subdesenvolvimento, estamos falando de mazelas seculares presentes em nosso país de maneira estrutural desde o tempo onde nossas terras se encontravam colonizadas pelos portugueses, onde por fruto do modelo de exploração capitalista, estas mazelas cada vez mais se aprofundam. Por mais que em períodos da pós-redemocratização foram vislumbrados esforços para a diminuição destas, o que podemos perceber é que os esforços acabam não sendo suficientes para acompanhar a velocidade do aumento dessas. Essa disparidade é natural do sistema neoliberal e acaba por se agravar quando o governo passa a negligenciar as políticas públicas, como foi possível perceber no governo federal da gestão que finalizou em 2022, onde avanços ocorridos até 2013, principalmente nas pautas sociais e de desenvolvimento econômico, regrediram drasticamente por conta de quatro anos de desvalorização das políticas públicas, ou sejam, quase vinte e três anos de esforços foram prejudicados por quatro anos de negligência, podendo assim demonstrar o quão são caras as promoções dessas políticas. Nessa breve reflexão, podemos compreender o quão necessárias são as promoções e fortalecimentos das políticas publicas em um estado democrático de direito, pois elas acabam se tornando instrumento auxiliar dos governos na efetivação dos direitos garantidos à população por todo o ordenamento jurídico vigente.

Esse ordenamento jurídico vigente também deve estar aliado à necessidade da redução das desigualdades, especialmente a desigualdade de riqueza entre a população. Alguns procuram inclusive suscitar que as políticas publicas estão voltadas apenas para a população mais pobre, mas há também as políticas publicas que fornecem fortemente incentivos para uma vasta gama de beneficiários pertencentes às categorias que estão no domínio do poder e das propriedades os quais, recebem fortes benesses das políticas publicas voltadas para as suas classes, como por exemplo desoneração de impostos, isenção e outros incentivos fiscais que acabam na prática, retirando parcela importante de fonte de receita dos governos, parcela essa que poderia ser bem vinda como socorro ao erário em épocas que desigualdades injustas necessitam ser combatidas e para isso é indissociável o financiamento público deste.

Em mais de um século de predominância do sistema de produção aprimorado com o fordismo é perceptível que a acumulação de capital por parte dos donos do meio de produção apenas aprofundou as desigualdades, bem como continua a hegemonizar a classe dominante, por mais que os moldes do sistema seja aprimorado em busca de uma eficiência, não se obtém melhoras substanciais na qualidade de vida dos trabalhadores, pois este modelo pautado na livre iniciativa e propriedade não foi feito para a promoção da melhora de vida dos que ali vendem sua força laboral, mas sim para perpetuar a acumulação dos meios de produção.

Muito se fala nos abusos cometidos pelo Estado no desempenho do seu poder de polícia dentre outras atribuições, mas a exploração do capital pela iniciativa privada também deve ser tutelada para que os abusos naturais desse meio de produção possam ser mitigados ou eliminados. Neste sentido, em um sistema que visa o aumento da desigualdade de riqueza entre trabalhadores e proprietários, a tributação em especial sobre a renda, passa a se tornar importante instrumento de minimização dos efeitos da prática neoliberal.

Em resumo, a desigualdade extrema de riqueza gera pobreza e crescimento deficiente, e a eficiência econômica não está, de modo inequívoco, positivamente associada à desigualdade de renda. Além disso, as desigualdades de renda não tendem a desaparecer automaticamente no horizonte do longo prazo econômico. (KERSTENETZKY, 2002 p. 658)

As políticas publicas, no contexto pós-redemocratização, se fazem importantes instrumentos não apenas para o indivíduo, bem como para as pessoas jurídicas e grandes corporações. A necessidade de regulamentação e de implementação por meio dos atos estatais se tornam instrumentos essenciais para a efetivação dos direitos e garantias previstos no texto constitucional, tudo isso só é possível com a previsão e garantia fiscal obtida através dos modelos de tributação vigentes.

3 Conclusão

Sendo assim, não é possível vislumbrar um cenário onde o discurso meritocrático possa livremente se fazer pleno para possibilitar para quem simplesmente queira conseguir alcançar maiores níveis de riquezas. Como prova do exemplo do Brasil, é possível perceber que sem as implementações e esforços diversos do enfrentamento das desigualdades injustas não há como diminuir essas desigualdades, muito menos erradicar a pobreza sem que haja engajamento dos entes governamentais, bem como das classes dominantes economicamente falando. É bem improvável que esse engajamento ocorra de maneira consensual ou natural, nesse sentido se demonstra mais uma vez a importância dos esforços estatais a fim de entender o seu território e a assim buscar os diálogos que forem necessários para que se encontre não necessariamente a solução, pois como sabemos isso não é tarefa simples, mas que ao menos possa se encontrar um caminho onde estes possam ser almejados e vislumbrados, mesmo que em um horizonte distante, mas real. 

A realidade aqui está justamente na capacidade orçamentária de cada governo. Sem tal capacidade não é possível realizar um trabalho de maneira estadista, não somente por questões que vão de encontro ao ordenamento jurídico como os aspectos da lei de responsabilidade fiscal, pois este como instrumento legal em vigência também está passível de reformas e atualizações. A capacidade que deve ser almejada para se alinhar ao caminho da redução de desigualdades está no sentido de se pensar a longo prazo, pois como pudemos demonstrar com o caso brasileiro, houveram ciclos de ascendência com facilitação de acesso ao crédito, momento este que as instituições financeiras alcançaram lucros incríveis e que posteriormente houveram desemprego e recessão, obrigado a uma sobrecarga maior quanto a intervenção estatal para o equilíbrio da economia nacional. Presenciamos assim, algo parecido com um “efeito sanfona”, onde os problemas anteriores voltaram ao mesmo patamar e até mais do que o momento da solução implementada à época pelo governo em questão.

O exemplo do Constitucionalismo brasileiro é capaz de ilustrar muito bem isso, afinal foram necessárias e ainda estão em debate diversas pautas que tratam da matéria tributária, sobretudo no formato atual de governo onde os programas sociais e políticas publicas para a redução das desigualdades se demonstram mais presentes nas pautas governamentais, as fontes de custeio se demonstram essenciais para obtenção de êxito na sua implementação.

Portanto, não há como se pensar em políticas públicas para a redução das desigualdades sem considerar a política tributaria, pois se trata da mais importante fonte de receita dos governos, receitas estas que custeiam diretamente as iniciativas propostas como caminho para o alcance dos direitos elencados no texto constitucional. Supera-se assim o aspecto meramente financeiro do tema, elevando o direito tributário e suas reflexões como ferramenta essencial para a garantia e manutenção da plenitude dos direitos humanos, uma vez que o estado nesse aspecto, é o único que através de suas estruturas normatizadoras poderá realizar qualquer intervenção a fim de reformar, ampliar ou criar artifícios no âmbito tributário a fim de promover as desigualdades justas e reduzir ou erradicar as desigualdades injustas. 

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 1Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) UFPA.