REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10841616
Wallace De Oliveira Tenório
Orientadora: Profa. Ma. Eunice Maria da Silva
RESUMO
Esta pesquisa discute a política pública de alimentação escolar que propõe o suprimento nutricional em nível complementar, tomando como universo de estudo teórico o contexto da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA). O interesse pela temática teve origem em uma aula do componente curricular Pesquisa e Prática Pedagógica II, do curso de pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus VIII), acerca da merenda escolar como recurso que auxilia a aprendizagem. Nessa perspectiva, as questões que orientam esta pesquisa foram assim formuladas: Como se configurou historicamente a política de alimentação escolar? Qual o contexto de atendimento da EJA pela política de alimentação escolar? Para conduzir essas questões, o objetivo principal deste estudo é descrever aspectos sócio-históricos e culturais que incidem sobre a configuração da política de alimentação escolar com destaque para o atendimento ao estudante da EJA, tendo como intenção específica evidenciar os critérios de seleção dos alimentos para a composição do cardápio da merenda escolar; descrever o que a política da merenda escolar orienta para o processo de chegada aos alunos no que se refere à oferta da alimentação escolar. Optamos por uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza descritiva, do tipo bibliográfica, com dados coletados através de material publicado em sites oficiais do governo federal, material bibliográfico impresso e consulta a documentos de referência. Na fundamentação teórica foram utilizados autores, a exemplo de Chaves e Brito (2006), Faria (2009). Como resultado das discussões, reconhecemos o PNAE como uma política pública de extrema importância, contudo, ressaltamos que os estudantes da EJA se encontram em situação de desigualdade de direitos, tanto pelo retardo na inclusão no Programa como pelo menor valor recebido para alimentação escolar.
Palavras-chave: Política Pública. Alimentação Escolar. EJA.
1 INTRODUÇÃO
A alimentação é uma necessidade básica e faz parte do conjunto de obrigações que o Estado assume para proteger os direitos e a dignidade de todos seres humanos. O ato de alimentar-se, embora possa parecer simples, envolve uma multiplicidade de aspectos que interferem no modo como se vive, no desenvolvimento físico e intelectual, portanto, também no processo de aprendizagem escolar. Nesse contexto, consideramos que a merenda escolar desempenha relevante função social, pois muitos estudantes contam com esta alimentação para fazerem suas únicas refeições diárias.
Por ser um direito humano, o acesso à alimentação, sobretudo àquela destinada às pessoas em percursos escolares, precisa se sobrepor a todo e qualquer argumento, seja de ordem econômica ou política, que possa ser usado na tentativa de justificar a sua recusa. Ademais, não basta apenas ter acesso aos alimentos, é fundamental que a qualidade, a quantidade e a proporção sejam garantidas adequadamente.
O interesse em investigar aspectos que envolvem o acesso à alimentação escolar teve origem no segundo semestre do curso de pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus VIII), em meio a uma discussão que teve origem no componente curricular Pesquisa e Prática Pedagógica II (PPPII) sobre a alimentação escolar como política pública que incide na aprendizagem e, naquela situação de aula, revivi minha experiência[1] como discente da EJA, nos anos da década 2000, quando trabalhava na cidade de São Paulo. Essas memórias remontam a uma rotina em que saía de casa todos os dias às 4h30 da manhã, trabalhava até às 18h00 e chegava à escola às 19h00. Poder contar com a merenda escolar antes das aulas foi de fundamental importância para a minha permanência e conclusão do ensino médio, pois ao jantar na escola recuperava as condições físicas e mentais para corresponder as demandas de aprendizagem.
De acordo com Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), a EJA se insere no campo do direito aos recursos públicos destinados ao funcionamento da educação básica, entre eles, os recursos destinados à merenda escolar que é gerenciado pelo Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Contudo, vale dizer que nas observações realizadas em turmas do período noturno da EJA, no Município de Paulo Afonso – BA, era comum servirem lanches na alimentação escolar, a exemplo de biscoitos, cream cracker com leite, mingaus ou iogurtes, diferentemente da macarronada, sopa com pão, macaxeira com
carne, entre outras opções de cardápio a que tinha acesso e que supria a necessidade de um estudante adulto após um dia de trabalho. Diante disso, o processo de rememoração suscitado pela aula referida anteriormente contribuiu significativamente para instigar curiosidades epistemológicas no campo das políticas públicas da alimentação escolar, focalizando o movimento histórico, diretrizes, dinâmica da oferta, critérios e repasses financeiros por aluno, evidenciando discrepâncias no cálculo do valor por aluno da EJA.
A partir das reflexões rememoradas sobre o que era oferecido como alternativa de merenda escolar nas turmas de EJA e o reconhecimento da importância da garantia de uma refeição como merenda no meu percurso escolar, deram lugar e corpo a inquietações que motivaram este estudo, de modo que as perguntas que o orientaram foram assim formuladas: Como se configurou historicamente a política de alimentação escolar? Qual o contexto de atendimento da EJA pela política de alimentação escolar? Na tentativa de nortear à problemática acima apresentada, o objetivo principal deste estudo é descrever analiticamente aspectos sócio-históricos e culturais que incidem sobre a configuração da política de alimentação escolar, destacadamente no que se refere ao atendimento ao estudante da EJA. Assim, esta proposição de estudo tem como intenção específica evidenciar os critérios de seleção dos alimentos para a composição do cardápio da merenda escolar; descrever o que a política da merenda escolar orienta para o processo de chegada aos alunos e oferta da alimentação escolar.
Do ponto de vista metodológico, optamos por uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza descritiva, do tipo bibliográfica, com dados coletados através de material publicado em sites oficiais do governo federal, material bibliográfico impresso e consulta a documentos de referência. Na fundamentação, utilizamos como aportes teóricos autoras, a exemplo de Chaves e Brito (2006), que elaboraram cartilhas para um curso técnico em alimentação escolar, no ano (2006); Faria (2009) que discute a contribuição da merenda escolar para a permanência do estudante da EJA; além de documentos que descrevem os marcos legais, aspectos nutricionais, culturais e diretrizes estruturantes/norteiadoras do PNAE. Diante disso, este trabalho aspira a contribuir com olhares reflexivos e como fonte de informações para outros estudos que porventura considerem importante compreender as relações entre merenda e vida escolar do estudante da EJA.
Quanto aos aspectos configuradores de sua estrutura textual, esta pesquisa organiza-se em seções distintas e complementares, de modo que após esta introdução, o percurso metodológico descreve o paradigma da abordagem e as fontes de coleta de dados da pesquisa bibliográfica. Na sequência, a fundamentação teórica subsidia o estudo, evidenciando aspectos sócio-históricos e culturais que atravessam as diretrizes e o funcionamento das políticas públicas que regem a oferta da alimentação escolar. Por fim, as considerações finais trazem reflexões suscitadas pelo estudo, considerando os objetivos formulados, os procedimentos adotados e a discussão sobre a temática.
2 METODOLOGIA
Esta pesquisa tem como objeto de estudo fatores históricos, contextuais e culturais constituivos da oferta de alimentação escolar, com foco em aspectos do funcionamento dessa política pública no contexto da EJA. Sengundo Gil (2002), a pesquisa é um procedimento racional e sistemático que tem como objetivo prover respostas aos problemas propostos pela realidade, seja de ordem natural ou social.
A opção metodológica por esta investigação foi o paradigma interpretativo, por considerar que “[…] o propósito da pesquisa é descrever e interpretar o fenômeno do mundo em uma tentativa de compartilhar significados com outros” (MOREIRA e CALEFFE, 2008,
p.61). Para o pesquisador interpretativo, não se separa a realidade social do significado que ele lhe dá, pois “[…] só pode conhecer a realidade social por meio do seu entendimento subjetivo” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p.62).
Alinhada com o paradigma adotado, esta pesquisa se insere, ainda, numa abordagem qualitativa, pois parte da compreensão de que “[…] as ações humanas são baseadas nos significados sociais, tais como crenças e intenções. […] esses significados transformam-se por meio da interação social” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p.61). A pesquisa qualitativa não está presa à mensuração de grandeza do tipo numérica, que é própria da pesquisa quantitativa, muito comum nas ciências naturais, bem como não tem interesse na padronização da situação de pesquisa. A coleta de dados é gerada de maneira mais aberta com objetivos abrangentes, possibilitando a construção do conhecimento (FLICK, 2013). Corroborando com esta ideia,
Diez e Horn (2011, p. 22) afirmam que “[…] a pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão de seu objeto”. O estudo de política pública da alimentação escolar, de modo particular, no contexto da EJA, requer uma incursão no contexto histórico, político e social das categorias envolvidas, a saber: política pública, alimentaçaõ escolar e EJA. Por ser assim, o tipo de pesquisa mais apropriado para os fins desta produção acadêmica é a bibliográfica, que pode ser caracterizada pelo objetivo de “colocar o pesquisador em contato direto com o que já foi produzido na área em questão” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p.74). A técnica de coleta de dados a partir de fontes bibliográficas utiliza os sentidos na obtenção de determinados pontos de vista da realidade, não se limitando apenas em ver e ouvir, mas também, em investigar fatos ou fenômenos que se desejam estudar (MARCONI e LAKATOS, 2008).
Estudiosos no campo da metodologia científica, ao tecerem considerações sobre a pesquisa bibliográfica, evidenciam aspectos quanto ao seu procedimento. Enquanto Pizzani et al., (2012, p. 54) entende que a pesquisa bibliográfica pode ser utilizada como “[…] revisão de literatura sobre as principais teorias que norteiam o trabalho científico” e o levantamento bibliográfico pode ser realizado “[…] em livros, periódicos, artigo de jornais, sites da Internet, entre outras fontes”, Gil (2002, p. 44), por sua vez, esclarece que “[…] embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”. Contudo, Moreira e Caleffe (2008, p.74) advertem para que não se faça da pesquisa bibliográfica “a mera repetição do que já foi dito e escrito sobre um determinado assunto. […] a pesquisa bibliográfica exige do pesquisador a reflexão crítica sobre os textos consultados e incluídos […]”.
De acordo Lakatos e Marconi (2008), o planejamento e a organização de uma pesquisa de natureza bibliográfica são procedimentos essenciais e merecem a devida atenção em suas fases constitutivas, ordenadas pelas autoras nas seguintes etapas: escolha do tema, que consiste na determinação do assunto reconhecido como de relevância social, a partir dos interesses acadêmicos do pesquisador; elaboração do plano de trabalho, que deve considerar a estrutura geralmente utilizada em trabalho científico, ou seja, introdução, desenvolvimento e conclusão; identificação, que é a fase em que se reconhece o assunto apropriado ao tema em estudo e o pesquisador se empenha no levantamento das obras e documentos que podem amparar o objeto em estudo; na sequência vem a localizaçãodessas obras e sua adequada compilação, ou seja, reunir sistematicamente todo o material a ser consultado; fichamento, que é a transcrição dos principais dados e informações do material selecionado; análise e interpretação é a realização da crítica do material bibliográfico, momento em que o pesquisador identifica os elementos essenciais da pesquisa, isto é, que “[…] seja capaz de expor seu verdadeiro significado e compreender as ilações mais amplas que podem conter” (LAKATOS; MARCONI, 2008, p. 49); por fim, a redação, que, no caso em tela, foi um artigo científico.
Na pesquisa bibliográfica, compreendida como uma ferramenta de interpretação da realidade, deve-se considerar também as estratégias de divulgação do conhecimento na atualidade. Não obstante, embora seja usada em larga escala e já tenha sido validada por um número cada vez maior de pesquisadores, é indiscutível que a pesquisa bibliográfica tem-se redimensionado com as novas configurações dos meios de difusão do conhecimento científico, acompanhando as novas formas de configuração de fontes, a exemplo dos meios tecnológicos, que exigem, para o acesso à informação, novas perpectivas de interface com o pesquisador.
3 POLÍTICA PÚBLICA DO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR – PNAE
Muitos estudantes, nas diferentes modalidades e níveis de ensino, participam da merenda escolar; entretanto, não fazem ideia das leis que regem o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), gerenciado pelo governo federal. Com vistas a propor uma reflexão sobre essa realidade, discutiremos nesta seção os marcos históricos da merenda escolar em nosso país e sua importância para os aprendizes da EJA, por esta ser uma modalidade diferenciada de educação caracterizada pelo fato dos discentes não terem terminado a educação básica no tempo previsto. Outrossim, alguns estudantes da EJA são pessoas que trabalham durante o dia, e, à noite, enfrentam uma jornada árdua de estudos, sendo que a alimentação escolar, nesse contexto, é de suma importância para que os alunos trabalhadores, ao chegarem na instituição de ensino e se alimentarem na cantina da escola ou na sala de aula[2], como ocorre na realidade de algumas escolas do município de Paulo Afonso – BA, tenham as condições físicas e mentais nescessárias para continuarem com seus estudos.
3.1 MARCOS HISTÓRICOS E LEGISLATIVOS DA MERENDA ESCOLAR NO BRASIL
Quando teve início a tradição de se oferecer aos estudantes a merenda escolar? Esta é uma pergunta que, provavelmente, passou – e ainda passa – pela mente de muitas pessoas. O que elas não sabem é que a alimentação escolar não foi uma iniciativa do governo federal, porque, no passado, os governos federal, estadual e municipal não atentaram para a necessidade de ofertar uma refeição escolar.
De acordo com Chaves e Brito (2006), algumas escolas começaram a se organizar montando “caixinhas escolares” que tinham como objetivo arrecadar dinheiro para fornecer lanches aos estudantes. Isso aconteceu na década de 1940, quando professores atentos perceberam que os estudantes precisavam de uma merenda durante o período em que ficavam na instituição escolar. Essa iniciativa enfrentava dois problemas graves: a fome e a desnutrição que foram reconhecidas nas regiões da Amazônia, nordeste açucareiro, nordeste
seco, centro-oeste e sul, sendo que “em meados de 1940, a fome, endêmica e epidêmica, foi identificada nas três primeiras regiões e a desnutrição em todas elas” (SOUZA et al., 2007, p.2). Portanto, havia uma situação de fome que necessitava de uma intervenção rápida por parte dos governos municipais, estaduais, bem como do governo federal. Diante de tal situação, professores sensíveis à condição de fome desses alunos, organizaram caixinhas e, desse modo, tal ação foi de vital importância para a permanência dos estudantes nas escolas. No entanto, o governo passou a observar que a merenda escolar também ajudava no combate à desnutrição infantil, motivo pelo qual, em 31 de março de 1955, o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira assinou o Decreto nº 37.106, criando a Campanha da Merenda Escolar (CME). Vale destacar, pelo menos, dois aspectos relacionados à política de alimentação escolar: um deles é a constatação de que as primeiras iniciativas só ocorreram após mais de uma década de mera contemplação, por parte do governo, da situação de desnutrição dos escolares; o outro é que o nome da CME foi alterado várias vezes, até que em 1979 adquiriu novo status e foi denominado Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), conhecido popularmente por “Merenda Escolar” (BRASIL/FNDE, 2009).
No início, o governo teve dificuldades na distribuição da alimentação escolar devido a imensidão territorial do país, conforme dados fornecidos pelo site Brasil Escola:
O território brasileiro possui como característica principal a sua grande extensão, o que o faz ser considerado como um país de dimensões continentais, ou seja, apresenta uma área equivalente à de um continente, detendo 8.514.876 km² de extensão. Por definição, todo país ou região que apresente uma área maior que a da Austrália (7.692.024 km²) é considerado continental, pois esse país equivale à extensão, quase totalmente, do menor continente existente na Terra, a Oceania. Assim sendo, o Brasil é o quinto maior país existente, ficando atrás de Rússia, Canadá, China e Estados Unidos[3].
Considerando que o nosso país é o maior da América do Sul, com dimensões continentais, e que cada região possui culturas diferentes que se refletem na alimentação, então, como se organiza uma cultura alimentar nas escolas de modo que atenda aos estudantes brasileiros? Segundo Chaves e Brito (2006), o governo federal recebia doações oferecidas por organismos internacionais. Nos Estados Unidos, durante a segunda guerra mundial, houve uma grande produção de alimentos, entre 1939 e 1945, sendo que o excedente, basicamente composto por alimentos industrializados, foi doado a vários países, incluindo o Brasil. No período, com a CME em andamento, recebendo recursos de outro país, buscou-se um
norteamento: por onde começar a distribuição desses alimentos? O Nordeste foi a região inicial, provavelmente porque grande parte dos estudantes era desnutrida.
De acordo com pesquisas realizadas no âmbito do governo federal,[4] o país tinha sérios problemas de nutrição e, na década de 50, foi elaborado um abrangente Plano Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), denominado Conjuntura Alimentar e o Problema da Nutrição no Brasil. Foi a partir dele que, pela primeira vez, se estruturou um programa de merenda escolar em âmbito nacional, sob a responsabilidade pública, orquestrado pelo gorveno federal e tendo como parceiros os governos estaduais e municipais.
Percebemos, diante disso, que havia uma preocupação por parte do governo federal, não só no que diz respeito à questão escolar, mas, sobretudo, pelo problema de desnutrição infantil que, nas décadas de quarenta e cinquenta, era uma triste realidade no país. No entanto, só o programa de alimentação escolar sobreviveu, pois recebia recursos financeiros do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), atualmente Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Conforme dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação, em 11 de abril de1956, com o Decreto de nº 39.007, a Alimentação Escolar recebe o nome de Campanha Nacional de Merenda Escolar (CNME), com a intenção de alcançar os estudantes de todo território nacional. No entanto, em 1965, houve um novo Decreto de nº 56.886/65, que mudou o nome para Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE). Essa Campanha ainda recebia recurso dos norteamericanos através da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), programa que é direcionado às crianças carentes em idade escolar. Nesse contexto, o Brasil também recebia ajuda do Programa Mundial de Alimentos (PMA), e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU). Em 1976, esse programa ainda fazia parte do II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN). Só em 1979 passou a se chamar PNAE.
A Constituição Federal de 1988, no Art 208, inciso VII, garante o “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (BRASIL, 1988) [grifo nosso]. Por essa determinação legal, todos os estudantes do ensino fundamental foram comtemplados e tiveram seu direito à alimentação escolar assegurado e ofertado pelos governos, federal, estadual e municipal. Nessa perspectiva, o posicionamente defendido neste trabalho é o de que a alimentação escolar é um direito constitucional, e jamais devemos permitir que esse direito seja negligenciado, sequer minimizado por uma oferta que não condiga com o previsto em lei, isto é, que não considere o suprimento da necessidade dos escolares em, pelo menos, uma refeição diária.
Em 16 junho de 2009, a lei nº 11.947 deliberou sobre a alimentação escolar, bem como o Programa Dinheiro Direto na Escola, destinado aos alunos da educação básica, acarretando importantes mudanças para o PNAE, por expandir o Programa para toda a rede pública da educação básica, inclusive, para os estudantes do Programa Mais Educação, bem como para os da EJA, com garantia que 30% dos repasses do FNDE sejam investidos na compra de produtos da agricultura familiar. Assim rege o Art. 1º:
Para os efeitos desta Lei, entende-se por alimentação escolar todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo. Art. 2 º São diretrizes da alimentação escolar: I – o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; II – a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional (BRASIL, 2009).
Em 2013, o Programa foi ampliado alcançando também outras modalidades, como o Atendimento Educacional Especializado (AEE), a Educação de Jovens e Adultos semipresencial e os que se matricularam em intituições de ensino com tempo integral.
3.2 MERENDA ESCOLAR NO CONTEXTO DA EJA
No Caderno de Legislação, atualizado em 2022, o art 2º fala das diretrizes da alimentação escolar esclarecendo que:
I – o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica;[5] (BRASIL, 2022, p.5) [grifo nosso].
Como observamos no grifo da citação acima, já no primeiro inciso do artigo segundo,
os estudantes da modalidade EJA estão comtemplados, devendo ser garantido a esses o acesso a uma alimentação saudável, segura e nutricional, bem como, devendo-se inserir o aluno na educação alimentar, no processo de ensino e aprendizagem, desenvolvendo, com isso, uma consciência para uma prática alimentar saudável que o auxilie para um melhor desempenho no seu intinerário escolar.
A trajetória da oferta educacional para pessoas jovens, adultas e idosas no Brasil é mesclada com a história das lutas sociais pelos direitos que asseguram condições mínimas para todas as pessoas existirem como seres humanos. Sendo assim, a EJA se insere no campo do direito à educação de pessoas que ultrapassaram a idade escolar prevista. Trata-se, portanto, de um modo específico de fazer educação, objetivando assumir as funções reparadora, equalizadora e qualificadora.
A concepção de reparação em EJA diz respeito ao reconhecimento da dívida histórica que o Estado contraiu com homens e mulheres das classes empobrecidas. Em síntese,
[…] significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante (BRASIL, 2000, p. 7).
O que se pode inferir disso é que a EJA, como política reparadora, reconhece a igualdade perante a lei como um ponto de partida e, consequentemente, “[…] se torna um novo ponto de partida para a igualdade de oprtunidades” (BRASIL, 2000, p.9).
Em que pese à função equalizadora, além de se caracterizar como estratégia de equilíbrio entre oportunidades, isto é, dar mais a quem sempre teve menos, no caso dessa modalidade de ensino e aprendizagem,
[…] representa a reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas […]. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade (BRASIL, 2000, p.9).
Desse modo, os sujeitos da EJA têm que lutar contra vários obstáculos que o sistema educacional vigente impõe, pois, alguns estudantes dessa modalidade de ensino, muitas vezes, não conseguem adequar os horários do trabalho aos horários da instituição escolar, deparando-se, consequentemente, com o dilema: Como administrar o tempo se os horários chocam? Ou eles trabalham, ou estudam. Por um lado, a empresa não libera os estudantes para estudarem; por outro, a instituição escolar não tem um horário flexível que comtemple o público da EJA.
A partir dessas considerações, pensamos: como é constituída a alimentação escolar ofertada nas turmas de EJA? Será que essa merenda ofertada supre as necessidades dos estudantes, sabendo-se que muitos que frequentam essa modalidade saem do trabalho direto para a escola e precisam de uma refeição que de fato lhes dê condições de participar das aulas, pois, com a barriga vazia fica impossível suportar essa jornada e conciliar o trabalho com os estudos? Perante essas questões, concordamos em que
[…] a não oferta de merenda escolar aos alunos da EJA é uma das condições que contribuem para evasão, pois tratam-se de trabalhadores que nem sempre tem tempo de fazer uma refeição em casa após a jornada de trabalho. Além disso, por sua condição sócio-econômica, ou seja, por se tratarem de alunos de baixa renda, eles não têm a possibilidade de adquirir um lanche que serviria como complementação alimentar em substituição ao jantar (FARIA, 2007, p.9).
Em nossa atual Constituição Federal, o capítulo III preconiza, em seu Art. 205, que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No Art. 206, a nossa Carta Magna declara, ainda, que o ensino será ministrado com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; ainda, o Art. 208 afirma que o dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 2009).
Além disso, a Lei 11.947 de 16 de junho de 2009, em seu Art. 11 estabelece que a incumbência técnica pela alimentação escolar nos Estados, no Distrito Federal, nos Municípios e nas escolas federais estará sob a responsabilidade de nutricionista responsável, que precisará estar de acordo com as diretrizes previstas nesta Lei e na legislação cabível, e que se deve ser enquadrada dentro das suas atribuições específicas. Dessa forma, as nutricionistas, merendeiras e gestores(as) das escolas devem estar atentos às leis que estão vigentes em nosso país e que normatizam a questão da alimentação escolar, pois, se a merenda escolar não estiver de acordo com a Lei, os responsáveis são passíveis de punição, conforme legislação PNAE, no seu Art. 10:
Qualquer pessoa física ou jurídica poderá denunciar ao FNDE, ao Tribunal de Contas da União, aos órgãos de controle interno do Poder Executivo da União, ao Ministério Público e ao CAE as irregularidades eventualmente identificadas na aplicação dos recursos destinados à execução do PNAE (BRASIL, 2009).
Nesse contexto, sobretudo o cardápio é de singular relevância para a modalidade EJA, por termos conhecimento de que a maioria desses estudantes são jovens, adultos e idosos que trabalham pela manhã e à tarde, como ocorre no caso específico das mulheres alunas dessa modalidade de ensino, pois sabemos que estas assumem dupla jornada de trabalho, dentro e fora de casa e no comércio e, na maioria das vezes, os alunos da EJA, eventualmente não têm dinheiro para se alimentar antes vir à instituição escolar na qual estão matriculados. Neste sentido, a alimentação escolar torna-se essencial, pois a lei 11.947 de 16 de junho de 2009 detalha a composição do cardápio da merenda, devendo-se, para a composição deste, utilizar gêneros alimentícios básicos, obedecendo sempre às normas nutricionais, bem como contemplando os hábitos alimentares, a cultura e as tradições locais.
Sobre esse aspecto da merenda, ainda devemos ressaltar a importância de se considerar sempre a sustentabilidade e a diversidade dos produtos agrícolas da região, tendo em vista a manutenção de uma alimentação saudável e nutritiva à qual os estudantes da EJA têm direito garantido por lei. Para tanto, preferencialmente, os alimentos devem ser adquiridos no mesmo município onde a instituição escolar está localizada. Do ponto de vista do financiamento da merenda escolar, os recursos financeiros são transferidos pelo FNDE, conforme nos esclarece o trecho a seguir:
No âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas (BRASIL, 2009).
Além disso, existe um órgão fiscalizador operando em cada município onde o PNAE está presente, portanto, é de competência do FNDE a suspenção do repasse dos recursos do PNAE, quando os Estados, Distrito Federal e Municípios não estabelecem o Conselho de Alimentação Escolar (CAE), órgão de caráter fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento e que se compõe da seguinte forma:
I – 1 (um) representante indicado pelo Poder Executivo do respectivo ente federado; II – 2 (dois) representantes das entidades de trabalhadores da educação e de discentes, indicados pelo respectivo órgão de representação, a serem escolhidos por meio de assembleia específica; III – 2 (dois) representantes de pais de alunos, indicados pelos Conselhos Escolares, Associações de Pais e Mestres ou entidades similares, escolhidos por meio de assembleia específica; IV – 2 (dois) representantes indicados por entidades civis organizadas, escolhidos em assembleia específica (BRASIL, 2009).
Segundo o FNDE, atualmente, o valor repassado pelo governo federal a estados e municípios por dia letivo para cada estudante é definido de acordo com a etapa e modalidade de ensino, conforme demonstrado na tabela 1.
Tabela 1
Recursos federais repassados aos Estados e Municípios por aluno/dia letivo
Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral
Segundo o FNDE, em março 2023 o governo federal reajustou o repasse dos recursos destinados ao PNAE, que, em alguns estados supera os 40%; o cálculo para o repasse leva em conta o número de dias de atendimento, a quantidade de estudantes matriculados em cada rede ou unidade de ensino e o respectivo fator per capita. Ao longo de 2023, a previsão é de que sejam destinados 5,5 bilhões para alimentar cerca de 40 milhões de estudantes da educação básica pública. Vale dizer que havia seis anos que não havia tido reajuste para a alimentação escolar, portanto, como consequência, o aumento da inflação diminui o poder de compra, impactando diretamente na vida escolar dos estudantes da rede pública.
De acordo com o governo federal, o PNAE é a mais antiga política pública de segurança alimentar e nutricional do país, tendo como objetivo principal contribuir para o crescimento e desenvolvimento do estudante, ajudando na aprendizagem, no rendimento escolar na formação de hábitos alimentares saudáveis por meio de uma alimentação escolar de qualidade, sensibilizando o estudante através da educação alimentar e construindo saberes alimentares que os auxiliam na sua vida cotidiana fora da instituição escolar.
A seguir, apresentamos uma figura ilustrativa dos reajustes que incidem na merenda escolar distribuída por unidades da federação:
Figura 1: Reajuste dos recursos PNAE, repassados em 2023
Fonte: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/reajuste-no-pnae-supera-40-emalguns-estados, Publicado em: 14/03/2023.
Uma vez que neste ano de (2023) houve um reajuste dos recursos destinados ao (PNAE), o Estado da Bahia receberá 31,7% de reajuste, conforme demonstrado na Figura 1; na prática, se traduz em um aumento quase insignificante. É possível observar na Tabela 1 que a modalidade EJA recebia trinta e sete centavos de real (R$ 0,32) por dia/aluno. Com o reajuste passou a receber quarenta e um centavo de real (R$ 0,41), que é uma diferença irrelevante, e não se traduz na melhoria da qualidade da alimentação escolar. Sob o mesmo ponto de vista, é importante pensar quanto o governo federal brasileiro gasta com um detento? Deste modo, em busca dessa resposta encontrei no site[6] do Politize que:
[…] nas penitenciárias federais, administradas pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o governo gasta R$ 3.472,22 por cada preso nas quatro unidades geridas. O custo é bastante superior ao gasto nos cinco estados com as maiores populações carcerárias do país, que juntos representam mais de 60% dos presos brasileiros. Segundo o Ministério da Justiça esse valor se justifica porque as unidades federais contam com maiores investimentos no sistema de vigilância e oferecem encarceramento individual, ao contrário da maior parte dos presídios brasileiros, que enfrentam graves problemas de superlotação. Além disso, pode-se incluir o salário dos agentes prisionais federais (entre 5 mil e 7 mil reais), e gastos com uniforme e assistência médica, odontológica e jurídica (POLITIZE, 2017) [grifo do autor].
Em vista disso, percebemos claramente que educação não é prioridade para o governo; pois, ao propor uma simples comparação dos recursos destinados aos estudantes da EJA com o que é gasto com cada encarcerado nas unidades federais, fica claro que não há interesse do poder público em melhorar a educação, principalmente, no caso da nossa pesquisa, a qualidade da alimentação escolar, que é um fator muito importante como política pública no combate à desnutrição e a evasão nas instituições escolares que ofertam a modalidade EJA. Do mesmo modo, e não menos importante, atua na educação alimentar dos estudantes, sensibilizando os alunos para a importância de uma alimentação saudável. Com uma importância dessa magnitude, o PNAE deveria ser contemplado com mais recursos por parte do governo, contribuindo assim para uma educação de qualidade.
Na tabela abaixo, demonstraremos o reajuste que mencionamos acima, de apenas quatro centavos, e consideramos isso lamentável, podemos perceber que o governo não entende a importância do PNAE para as modalidades da educação básica, sobretudo, para a modalidade EJA que está em foco nesta pesquisa.
Tabela 2
Reajuste dos Recursos PNAE repassados aos Estados e Municípios por aluno/dia (2023)
A partir dos dados acima, observamos que o que é disponibilizado para a EJA, do ponto de vista da merenda escolar, ainda representa o menor valor monetário, e isso impacta diretamente na qualidade da merenda escolar que é ofertada para essa modalidade, pois, certamente um orçamento menor pode trazer dificuldades na hora de comprar os alimentos. Como será constituída essa merenda escolar? Com tão pouco recursos financeiros, a instituição consegue comprar alimentos que realmente atendam às reais necessidades dos estudantes da EJA? Reiteramos, frente a isso, que os estudantes da EJA são atores de sua história e sujeitos de direitos garantidos pela nossa constituição federal.
Segundo o site Brasil de Fato[7], escolas da rede pública do Rio de Janeiro não conseguem comprar alimentos suficientes para atender os estudantes nas instituições escolares. O pós-pandemia, com o retorno das aulas presenciais em um cenário econômico de crise no país, e com a volta de milhões de famílias à miséria, repercutiu numa realidade em que muitos estudantes que antes não se alimentavam na instituição de ensino agora estão se alimentando na escola, segundo dados do Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico).
3.3 ASPECTOS NUTRICIONAIS E CULTURAIS DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA EJA
Segundo Chaves e Brito (2006), o PNAE é descentralizado e deve respeitar os hábitos alimentares dos estudantes e da região, conforme já apontado anteriormente e, portanto, os recursos saem diretamente do FNDE para os estados, municípios, Distrito Federal e escolas federais, a fim de criar condições para que respeitem os hábitos alimentares dos educandos nas comunidades em que a escola está situada, dando condições para os gestores das escolas comprarem produtos da sua região, adquirindo direto dos agricultores locais alimentos frescos e saudáveis para o preparo da merenda escolar, de modo a fortalecer, com essa medida, a economia local e fomentar o comércio da região.
Sobre a importância da agricultura para as diretrizes que regem essa política alimentar, destacamos:
No Brasil, este movimento foi anterior: ainda na década de 1990 a agricultura familiar ganha status de categoria social e política. […] Neste processo, o Estado criou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), possibilitando acesso ao crédito e inserção nos mercados; e a Lei da Agricultura Familiar (n. 11.326, 24 de julho de 2006) abrindo espaço para inserir a agricultura familiar em outras áreas de atuação do Estado. Tais transformações permitiram a convergência entre agricultura familiar, educação e segurança alimentar, resultando na criação, em 2009, da lei n. 11.947, que tornou obrigatório o uso de 30% dos recursos federais destinados para a alimentação escolar para compras da agricultura familiar, priorizando fornecedores locais (ELIAS et al., 2019, p.216).
Para Kroth; Geremia; Mussio (2020), quando o PNAE era centralizado no governo federal, em nenhuma circunstância contemplava a diversidade cultural alimentar brasileira; consequentemente, era incapaz de gerar impactos positívos do ponto de vista nutricional, pois, alimentos industrializados de forma aluguma se traduzem em alimentos saudáveis, e, do ponto de vista econômico, também não favorecia o desenvolvimento regional onde se concentra a agricultura familiar, pois esses agricultores, de modo algum, eram comtemplados pelo PNAE. A eles era negado o direito de participar das licitações, pois com uma burocracia fechada, que permitia apenas o agronegócio participar, o agricultor familiar, em nenhum momento era contemplado. Desse modo, não se fortalecia a econômia local onde as instituições escolares estão localizadas.
Como enfrentamento a isso, a partir de 2003, o PNAE sofreu transformações com a descentralização, amplificando a aquisição de alimentos saudáveis junto às comunidades, ao criar o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) visando a segurança alimentar dos educandos alcançados pelo PNAE. Assim, a partir de 2006, foi incorporado ao PNAE a presença de nutricionistas como responsáveis técnicos pela alimentação escolar, passando a ser exigido que todas as entidades executoras devam ter nutricionistas e técnicos em nutrição que acompanhem todo processo, desde a preparação da merenda escolar até chegar ao estudante. Além dessa importante medida, neste mesmo ano instituiu-se o
[…] estabelecimento de parceria do FNDE com as Instituições Federais de Ensino Superior, culminando na criação dos Centros Colaboradores de Alimentação e Nutrição Escolar – Cecanes, que são unidades de referência e apoio constituídas para desenvolver ações e projetos de interesse e necessidade do Pnae, com estrutura e equipe para execução das atividades de extensão, pesquisa e ensino. Dentre essas atividades, merece destaque as capacitações dos atores sociais envolvidos no Programa (BRASIL/FNDE,2006).
Segundo o FNDE, o PNAE é um programa conhecido mundialmente como uma iniciativa bem sucedida e que se mostrou eficaz no combate à desnutrição e à evasão escolar, ajudando os estudantes a permanecerem nas instituições de ensino com condições de concluir o curso no qual estão matriculados. Portanto, consolidou-se como um programa que oferta uma alimentação segura e saudável nas instituições escolares do Brasil. E como um modelo a ser seguido para que os países da América Latina, Caribe, África e Ásia, estabelecendo políticas públicas que atendam os estudantes desses países com um programa semelhante ao PNAE.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as pessoas têm direito a uma alimentação de qualidade que supra suas necessidades básicas. Vivemos em um país com dimensões continentais e com grandes áreas cultiváveis, e com recordes mundiais de produção. Entretanto, há muito desperdício de alimentos que já começa no campo, quando é feita a seleção dos produtos que são destinados à exportação, e dos que são mantidos no mercado nacional. Outrossim, temos uma agricultura familiar dinâmica, forte e que produz alimentos de qualidade, sem aplicação de agrotóxicos nocivos para uma alimentação saudável. Neste contexto, problematizamos aspectos das políticas públicas que envolvem a alimentação escolar no contexto da EJA.
No entanto, a história da alimentação escolar surgiu de um problema grave de fome e desnutrição que havia sobretudo nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. A desnutrição e a fome também estavam presentes, se é que ainda não estão, em certo nível, na realidade dos aprendizes das instituições escolares, prejudicando, assim, o processo de ensino/aprendizagem dos estudantes, que, por sua vez, no tocante à EJA, resultava em evasão escolar. Nessa perspectiva, concluimos, portanto, que estudantes com fome e desnutridos não têm condições físicas e mentais para estudar.
Vale lembrar que o objetivo do governo em oferecer alimentação escolar não tinha intenções pedagógicas, mas o foco se concentrava exclusivamente no combate à desnutrição e à fome que assolava o país nas décadas de quarenta e cinquenta. Percebemos, diante disso, que, desde os governos Juscelino até os atuais governos, a real preocupação nunca foi de foto a educação, mas o interesse se concentrava em apresentar-se à comunidade internacional como uma administração que se preocupa com os mais necessitados para, com essa estratégia política, angariar recursos internacionais, como foi o caso da alimentação escolar em seu início. Assim se configurou a história da alimentação escolar no Brasil, e, portanto, entendemos que, lamentavelmente, um país que não se preocupa com a educação, terá um futuro incerto, já que, como sinalizamos nas análises, os educandos sempre estiveram em segundo plano, os interesses estando voltados, na verdade, para os recursos que vinham do exterior para remediar o problema da fome e desnutrição, o que é vergonhoso para qualquer governo.
A inércia dos governos produziu, nesses contextos, uma situação endêmica e epidêmica de fome. É oportuno reafirmar que professores sensíveis a essa situação não mediram esforços para socorrer os aprendizes, no entanto, o governo demorou dez anos para se mobilizar no sentido de atender a sociedade que estava sofrendo pela ausência do Estado, deixando as regiões Norte e Nordeste agonizando em uma situação de calamidade pública. Portanto, essa demora contribuiu para agravar o quadro negativo da educação nestas regiões do país, revelando o descaso da classe política para com a educação.
A Constituição de 1988 diz do direito à alimentação e, por essa determinação legal, todos os estudantes do ensino fundamental foram comtemplados em seu direito à alimentação escolar assegurado e ofertado pelos governos, federal, estadual e municipal. Essa determinação insere os educandos da EJA em programas suplementares, que preconizam ser dever do estado o direito dos alunos à alimentação e assistência à saúde. Somente a partir de 2009, a EJA é contemplada pelo PNAE, isso mostra que nas políticas públicas pensadas para a educação, a modalidade EJA sempre foi a mais prejudicada, sendo uma das últimas a ser inserida no Programa, o que demonstra a menor importância dada pelos governantes a essa modalidade.
Tais atitudes denunciam que está longe de acontecer a reparação da dívida histórica que o Estado tem com a educação de pessoas jovens, adultas e idosas por seus percursos escolares interrompidos. Na atualização do PNAE, já no primeiro inciso do art. 2º diz-se que os educandos da EJA também têm direito à uma alimentação saudável, com alimentos seguros que atendam aos estudantes quanto à sua cultura, tradições, faixa etária. Não bastasse a falta de oportunidade para concluirem os estudos na idade prevista, os aprendizes da EJA ainda enfrentam desigualdades de direito na proposta e na efetivação da política pública de alimentação escolar.
Resulta disso que a trajetória da oferta educacional para pessoas jovens, adultas e idosas no Brasil é mesclada com a história das lutas sociais pelos direitos que asseguram condições mínimas para todas as pessoas existirem como seres humanos. É recente a inserção da EJA no campo do direito à educação de pessoas que ultrapassaram a idade escolar prevista. Trata-se, portanto, de um modo específico de fazer educação, objetivando assumir as funções reparadora, equalizadora e qualificadora. Para tanto, a EJA precisa de mais atenção do poder público, a exemplo de investimento em cursos de formação e especialização de professores para atuar nessa modalidade, recursos para fomentar pesquisas, como medidas que possam resultar em construção de conhecimento e aplicação na prática com vistas à equidade desejada.
A partir do material bibliográfico consultado, vale destacar que as ações do PNAE alcançam os alunos de todos os níveis e modalidades da educação básica, com a proposta de oferecer uma alimentação de qualidade, que respeita a faixa etária dos estudantes, prevendo, no texto legal, uma alimentação que respeite a diversidade cultural dos aprendizes, com alimentos produzidos a partir da agricultura familiar local, com produtos sem agrotóxicos, considerando a segurança alimentar dos discentes e uma educação alimentar nas instituições escolares.
Encontramos na lei que regulamenta o PNAE um dispositívo legal como CAE, que é responsável pela fiscalização do Programa nas escolas. A Lei diz, ainda, que em cada cidade onde o Programa Nacionalda Alimentação escolar está presente, também deverá existir o orgão fiscalizador. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, não fomos à campo para saber se na cidade de Paulo Afonso – BA existe o CAE. A lei prevê um cardápio diferenciado para os estudantes da EJA por serem jovens, adultos e idosos que geralmente trabalham e estudam, deslocando-se do trabalho direto para a instituição escolar; neste percurso trabalho/escola, a maioria não tem condições de comprar um lanche, e, neste sentido, o cadápio para modalidade EJA deve ser diferente do que é ofertado para outras modalidades, com uma alimentação que respeite sempre às normas nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura e as tradições locais, observando sempre a sustentabilidade, a diversidade dos produtos agrícolas da região, tendo em vista uma alimentação saudável e nutritiva, da qual os aprendizes da EJA têm direito garantido por lei.
Por fim, consideramos o PNAE uma política pública de extrema importância, porém, nos limites aos quais circunscrevemos os objetivos deste estudo, não foi possível investigar se no município de Paulo Afonso existe tão importante orgão fiscalizador, bem como não pudemos visitar as instituições escolares para observar se o PNAE está sendo, de fato, posto em prática pelas escolas. Pensamos, diante disso, ser possível projetar para um futuro próximo, em outro momento formacional, nosso desejo de investigar in loco como é ofertada a alimentação escolar para os estudantes da EJA, e se essa alimentação está de acordo com o que é previsto em lei.
REFERÊNCIAS
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Território brasileiro: localização, extensão e fronteiras (uol.com.br)
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[1] Concluí o ensino médio na modalidade da EJA na Escola Estadual Profa. Luiza Salette Junca de Almeida, no bairro Vila Penteado, em São Paulo.
[2] Na atividade de observação, no componente curricular EJA, identificamos que os estudantes comiam suas merendas na sala de aula, não havia lugar apropriado para os estudantes se alimentarem.
[3] Disponível em: http:www.brasilescola.uol.com.br/brasil/territorio-brasileiro-localizacao-extensaofronteiras
[4] Disponível em: https://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-sobre-o-programa/pnae-historico.
[5] Os estudantes da EJA, geralmente são maiores de idade (jovens, adultos e idosos) que não terminaram a educação básica no tempo previsto.
[6] Disponível em: https://www.politize.com.br/quanto-custa-preso-no-brasil/
[7] Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/04/28/escolas-nao-conseguem-compraralimentos-suficientes-para-merenda-na-rede-estadual-do-rj