POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO NO CONTEXTO INDÍGENA

EDUCATION POLICY IN THE INDIGENOUS CONTEXT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12772723


Isael da Silva Pinheiro1


Resumo

Neste artigo serão analisadas algumas características das políticas educacionais para populações indígenas. O estudo foca na história de sua implementação, permitindo refletir sobre seu desenvolvimento no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988. Toma como base metodológica bibliografias que tratam da educação escolar indígena. Dessa forma destaca-se as principais políticas que tratam da educação para os povos indígenas, tais como: convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º 5.051/2004; o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas de 1998; a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/1996); o Decreto n° 6.755/2009, que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica; o Decreto n.º 6.861/2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena e define sua organização em territórios etnoeducacionais; as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos definidas no Parecer CNE/CP n.º 8/2012; às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (Parecer CNE/CEB n.º 13/2012 e Resolução CNE/CEB n.º 5/2012) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas de 2014. Com isso pretende-se evidenciar que embora a legislação tenha avançado, ainda há muito a ser feito para que atenda as demandas específicas dos povos indígenas.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena. Políticas Educacionais. Povos Indígenas.

1 INTRODUÇÃO

Este estudo tem como mote refletir acerca das políticas de educação escolar indígena implementadas e desenvolvidas em nosso país a partir da Constituição Federal de 1988. A pesquisa é fruto do nosso período de docência na educação escolar indígena, do qual tivemos contato com as principais políticas de educação escolar para os povos indígenas, onde o trabalho como professor/pesquisador possibilitou analisar e compreender como esta modalidade de educação é executada e praticada. Desses estudos e análises destaca-se as seguintes políticas de fomento da educação escolar indígena: convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º 5.051/2004; o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas de 1998; a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/1996); o Decreto n° 6.755/2009, que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica; o Decreto n.º 6.861/2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena e define sua organização em territórios etnoeducacionais; as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos definidas no Parecer CNE/CP n.º 8/2012; às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (Parecer CNE/CEB n.º 13/2012 e Resolução CNE/CEB n.º 5/2012) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas de 2014.

O artigo tem como objetivo analisar a história da educação escolar indígena, buscando fortalecer e contribuir para que realmente seja específica, diferenciada e intercultural, como determina a Constituição Federal de 1988. Toma como base metodológica bibliografias qualitativas sobre a modalidade educação escolar indígena, baseada em autores de grande importância para o estudo e compreensão do processo histórico em nosso país. 

A leitura dos documentos que trata da política para a educação escolar indígena dispõe de leis que possibilitam a construção de uma escola específica, diferenciada, intercultural e bilíngue. Entre as sociedades indígenas, é importante destacar que esta modalidade tem como princípio contemplar em seu currículo a cultura, os costumes e os conhecimentos originários dos povos indígenas, bem como a integração entre escola e a comunidade. Em consonância com as orientações dos organismos internacionais, desde 1990 vêm sendo elaboradas e aprovadas em diferentes países inúmeras leis e documentos que definem a educação escolar diferenciada e específica para os povos indígenas (Faustino, 2006).

2 POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

De acordo com os pressupostos históricos da educação escolar indígena no Brasil, podemos afirmar que se trata de um modelo imposto durante o período colonial, com o intuito de catequizar e civilizar os povos indígenas, como  mostra o pesquisador indígena Gersem Baniwa (2013, p. 1).

Durante o primeiro longo período (1500-1988) a “escola para índio” tinha uma missão muita clara de conduzir e forçar que os nativos fossem integrados e assimilados à “Comunhão Nacional”, ou seja, que fossem extintos como povos étnica e culturalmente diferenciados entre si e da sociedade nacional. Em razão disso, as línguas, as culturas, as tradições, os conhecimentos, os valores, os sábios e os pajés indígenas foram perseguidos, negados e proibidos pela escola.

A educação escolar indígena teve início no século XVI, com as ordens religiosas, cujo intuito foi a cristianização através de missionários jesuítas, impondo os aspectos culturais da sociedade colonizadora da época. No século XX, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que implementou um modelo de educação escolar para inserir os indígenas na sociedade moderna, negando seus conhecimentos, suas práticas culturais, seus costumes, línguas, modos próprios de ser e de ver o mundo, tentando transformá-los em algo diferente do que eram. Além disso, seu papel foi mediar a passagem do indígena de um estado de incivilizado para a condição de trabalhador nacional, pois eram vistos como seres transitórios, ou seja, com o tempo deixariam de ser indígenas.

É importante destacar que a educação escolar indígena no Brasil é abordada por uma larga bibliografia. Assim, longe de querer discutir sobre todo o processo histórico deste modelo de escolarização, visamos mencionar apenas os fatos marcantes das políticas para as escolas indígenas. Dessa forma, podemos dizer que a educação escolar indígena passou por quatro fases na história da educação no Brasil, como  mostra Ferreira (2001):

A primeira fase situa-se à época do Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve a cargo exclusivo de missionários católicos, notadamente os jesuítas. O segundo momento é marcado pela criação do SPI, em 1910, e se estende à política de ensino da Funai e a articulação com o Summer Institute of Linguistics (SIL) e outras missões religiosas. O surgimento de organizações indigenistas não governamentais e a formação do movimento indígena em fins da década de 60 e nos anos 70, período da ditadura militar, marcaram o início da terceira fase. A quarta fase vem da iniciativa dos próprios povos indígenas, a partir da década de 80, que decidem definir e autogerir os processos de educação formal (Ferreira, 2001, p. 72).

Segundo Gersem Baniwa (2013), a história da escola indígena no Brasil pode ser dividida em dois períodos bem distintos: o período colonial (1500), marcado pela “escola para índio”, e o período pós Constituição Federal de 1988, que foi o divisor de águas entre os dois períodos. As quatro fases mostradas por Ferreira (2001), evidencia que a educação escolar para os povos indígenas deve ser analisada de forma crítica, pois os povos indígenas são sobreviventes de séculos de extermínio, genocídio e epistemicídio. Seus conhecimentos e saberes são os alicerces da resistência contra as inúmeras formas de preconceitos, discriminações e estereótipos que predominam na sociedade ainda nos dias de hoje.

Atualmente, a Constituição Federal 1988 vem sendo o principal alicerce para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, pois pelos menos agora possuem direitos “garantidos” por lei federal, reconhecendo suas organizações, costumes, línguas, crenças e tradições, reconhecendo os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Assim, é válido mencionar, que o Brasil reconheceu ser um país constituído por uma rica diversidade de grupos étnicos, e a legislação concedeu a esses povos o direito de manter suas especificidades culturais, históricas e linguísticas, mudando também a política governamental em relação à educação escolar indígena (Buratto, 2004).

A Constituição Federal promulgada em 1988 foi o primeiro marco legal no Brasil oficializando o reconhecimento das especificidades socioculturais dos povos indígenas, como expressam os Artigos 210, 215, 216; 231 e 232. Esses artigos tratam diretamente de conteúdos relacionados com os processos de escolarização dos indígenas, determinando que o ensino para as escolas indígenas deve ser ministrado em língua portuguesa, assegurada, entretanto, às comunidades indígenas, o direito à educação escolar específica, bilíngue e diferenciada, como está explícita na Constituição Federal de 1988: “O ensino fundamental será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (Art 210, Inciso 2).

Ainda que a Constituição brasileira não seja uma Constituição Plurinacional, guarda em si preceitos que asseguram os direitos indígenas, o reconhecimento sociocultural e étnico. Segundo Gersem Baniwa (2013, p. 3) “[…] a Constituição possibilitou, entre outras conquistas, o uso, a promoção e a valorização da língua materna e dos processos próprios de ensino-aprendizagem no âmbito das escolas das aldeias”. De tal modo, a Constituição de 1988 assegurou aos povos indígenas do Brasil o direito de permanecerem sendo indígenas, isto é, de permanecerem com suas especificidades e singularidades, ou seja, reconheceu o direito à diferença, à alteridade cultural, rompendo com a posição da educação colonial que procurou incorporá-los e assimilá-los à comunidade nacional.

Ainda são vários os desafios da educação escolar indígena no país. Um deles tem sido em como construir diálogos entre a educação escolar com a educação tradicional. Deste modo, faz-se necessário compreendermos as diferenças entre a educação indígena a educação escolar indígena. Dessa forma, segundo Meliá (1979), existem duas formas de educação junto às populações indígenas: a educação indígena e a educação para os índios, referindo-se à escola. Neste sentido, Gersem Baniwa (2006, p. 136), destaca que essas duas modalidades possuem definições distintas.

A educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas, enquanto a educação escolar indígena diz respeito aos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não-indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos colonizadores.

Para os povos indígenas, não existe uma única forma ou modelo de educação, e a escola é apenas um dos vários lugares onde ocorrem os processos de aprendizagem e ensino. Segundo Moacir Gadotti (2007), a escola também é um espaço de relações e conexões.

A escola não é só um lugar para estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir, fazer política. Deve gerar insatisfação com o já dito, o já sabido, o já estabelecido. Só é harmoniosa a escola autoritária. A escola não é só um espaço físico. É, acima de tudo, um modo de ser, de ver. Ela se define pelas relações sociais que desenvolve (Gadotti, 2007, p. 12).

Dessa forma, a escola indígena não deve ser um espaço de predomínio do pensamento ocidental, mas, a partir de uma perspectiva intercultural, deve ser um lugar de confronto e de diálogo entre o conhecimento científico e o conhecimento tradicional, pois a escola ocidental se encontra organizada em práticas hegemônicas que são, muitas vezes, contrárias aos saberes originários.

A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade […] por isso mesmo — e os índios sabiam — a educação do colonizador, que contém o saber de seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio, na verdade não serve para ser a educação do colonizado (Brandão, 2007, p. 9).

Para que a escola indígena seja realmente específica e diferenciada, é preciso revermos sua lógica de organização, pois a escola enquanto instituição se encontra sistematizada nos princípios e valores hegemônicos da educação escolar não indígena, como nos mostra José Marín:

A escola oficial, tal como existe em nossos países, têm veiculado a imposição de toda esta concepção ocidental, que privilegia a cultura escrita em prejuízo da cultura oral e aos conhecimentos das culturas tradicionais. O processo de ocidentalização do mundo impôs igualmente as falsas oposições entre modernidade e tradição, entre cultura oral e cultura escrita e tem privilegiado um tipo de inteligência e uma maneira determinada de construir o conhecimento. Processo de exclusão, que acabou por sacrificar um enorme patrimônio cultural coletivo (Marín, 2006, p. 40).

Assim, as escolas indígenas devem ser espaços que contribuem para a sistematização e construção dos conhecimentos indígenas, valorizando suas cosmologias, suas “ciências”, modos de ser e visões de mundo. Para que isso ocorra, se faz necessário pensar em políticas educacionais que garantam de fato uma educação escolar indígena específica, diferenciada, intercultural, e que respeite seus direitos duramente conquistados. Atualmente, as políticas públicas desempenham um papel fundamental na evolução da educação escolar indígena, mas muitas vezes tem deixado de suprir com precisão suas demandas.

Quando se trata de políticas públicas, muitas das vezes recorremos ao papel do Estado, analisando quais são os seus programas e qual é a sua função social na educação, como nos mostra Carvalho (2012, p. 14):

[…] articulada ao sentido amplo de política, caracteriza-se pelas iniciativas e diretrizes, pelos planos e programas governamentais adotados em resposta aos problemas socialmente relevantes. Ou seja, caracteriza-se pelas ações planejadas e implantadas com a finalidade de garantir direitos sociais, especialmente quanto à redistribuição de benefícios, como saúde, educação, previdência, moradia, saneamento (Carvalho, 2012, p. 14).

Ao tratar das questões governamentais, vemos uma série de dispositivos legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotada pelo Brasil em 2004, reconhecendo os direitos de autonomia político-pedagógica das escolas indígenas, desenvolvendo programas integrados ao ensino e pesquisa para de fato ter uma educação bilíngue e intercultural.

O Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio do Parecer 14 e da Resolução 03 de 1999, fixou o status jurídico, pedagógico e administrativo das escolas indígenas, com normas e ordenamento jurídico próprio:

Estabelecer, no âmbito da Educação Básica, a estrutura e o funcionamento das escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprio e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, visando a valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica (CNE, Resolução 03/1999, Artigo 1º).

A partir de então, foram criadas escolas para atender as demandas dos povos indígenas, bem como a formação inicial e continuada de professores indígenas para produção de material didático específico para suas escolas. Em 2018, ocorreu em Brasília (DF), a II Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI), com o tema “O sistema nacional de Educação Escolar Indígena: regime de colaboração participação e autonomia dos povos indígenas”. Durante os três dias de intensos debates, oscilando entre otimismo com o futuro da Educação e o pessimismo por parte do Governo Federal, foram feitas discussões acerca do direito à educação específica e diferenciada, elaborando várias propostas, das quais 25 foram aprovadas, reafirmando a vontade das comunidades e dos movimentos indígenas de lutarem pelo cumprimento das políticas de educação escolar indígena no Brasil.

Com base nos pressupostos da II Coneei (2018), é importante destacar que desde a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, realizada em 2009, os povos indígenas continuam aguardando a criação de um sistema próprio de educação escolar.

O Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena deverá reconhecer, respeitar e efetivar o direito à educação específica, diferenciada, intercultural, comunitária e de qualidade, especialmente no que se refere à questão curricular e ao calendário diferenciado, que definam normas específicas, que assegurem a autonomia pedagógica (aceitando os processos próprio de ensino-aprendizagem ) e a autonomia gerencial das escolas indígenas como forma de exercício do direito à livre determinação dos povos indígenas, garantindo às novas gerações a transmissão dos saberes e valores tradicionais indígenas2.

No referido documento, uma das pautas tem sido a autonomia das escolas indígenas, pois enquanto as escolas indígenas não forem reconhecidas como específicas e diferenciadas dentro do marco histórico das políticas educacionais, elas continuarão reproduzindo o modelo de escola ocidental. Sabemos que a Constituição Federal de 1988 foi um marco para a política indígena, que se deu através de um longo processo de luta e reivindicação para que o Estado brasileiro considerasse os povos indígenas como protagonistas da sua história e sobre as decisões que são fundamentais para a sua sobrevivência física e cultural. No campo da educação, muitas escolas indígenas passaram a produzir e utilizar materiais próprios para o ensino e aprendizagem, em geral bilíngue e voltados para o letramento e para os primeiros anos do ensino fundamental, a desenvolver ensino via pesquisa, calendários e currículos diferenciados (Baniwa, 2013).

3 EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO ESTADO DO PARANÁ

De acordo com os pressupostos históricos da educação escolar indígena no Brasil, busca-se neste momento refletir sobre o processo de escolarização entre os indígenas guarani que vivem na região norte do estado do Paraná. Para produzir os dados, foi empreendido um trabalho de campo, entre os dias 25 e 28 de fevereiro de 2022, do qual estivemos visitando algumas escolas indígenas, observando e dialogando com professores e lideranças indígenas para compreender melhor os aspectos da educação escolar indígena.

No contexto histórico da educação escolar, as narrativas ouvidas junto aos indígenas guarani revelam que a implantação da educação escolar entre os grupos que vivem na região norte do estado Paraná, é um fenômeno recente, assim como foi em outras regiões do Brasil. A implantação dos primeiros programas de escolarização se deu através da conquista religiosa, pensada pelos colonizadores para garantir o domínio e a domesticação. Como afirmado acima, tratou-se de um modelo de educação escolar imposto por não indígenas com o intuito de incorporá-los à sociedade nacional por meio da destruição da língua e da negação da cultura tradicional indígena.

Acerca do processo de educação escolar entre os indígenas do estado do Paraná, temos os documentos dos primeiros aldeamentos Capuchinhos3, que revelam a criação das chamadas Colônias Indígenas4, que tinha como objetivo conquistar e aldear os indígenas por meio da catequese e instrução, como anteriormente falado, uma educação de imposição e submissão. Segundo Amoroso (1998) a educação escolar nos aldeamentos funcionava distante dos grupos indígenas e atendia também às crianças e adultos não-indígenas que viviam próximos aos aldeamentos.

Os relatórios da época mostram que as primeiras “Reservas Indígenas” da região foram criadas após a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). De acordo Tommasino (2000), a criação de reservas indígenas tinha como objetivo confinar os indígenas em espaços físicos para liberar suas terras para colonização, assim como para integrá-los à sociedade nacional. Dessa forma, a educação escolar nos aldeamentos buscava instruir as crianças e os jovens nos princípios éticos e morais da cultura nacional.

O Relatório da Povoação Indígena de São Jerônimo, de 1923, por exemplo, relata que a Escola “General Rondon” (localizada na sede da povoação) funcionou regularmente durante todo o ano, com a frequência média de 16 alunos entre janeiro e março, sendo cinco índios e 11 nacionais; de março a outubro teve frequência média de 13 alunos – cinco índios e oito nacionais. De janeiro a março a escola teve uma professora, que depois foi substituída por outra. As crianças indígenas moravam distante da escola e recebiam uma refeição diariamente (Tommasino, 1997, p. 117).

Atualmente, a educação escolar indígena no estado do Paraná, é coordenada e mantida pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná (SEED), que junto com os Núcleos Regionais de Educação (NRE)5 buscam orientar, acompanhar e avaliar o funcionamento da Educação Básica e suas modalidades, como à Educação Escolar Indígena.

A estadualização da educação escolar indígena é recente, ocorrendo entre os anos de 2002 e 2010. No ano de 2006 foi criada a primeira turma de Magistério Indígena, tendo como objetivo formar os primeiros professores para atuarem nas escolas das suas respectivas comunidades. A primeira Resolução (1.119/92), produzida pelo Governo do Estado do Paraná, conceitua que escola para os povos indígenas deve ser um espaço de trabalho e reflexão de pessoas e entidades, devendo respeitar e considerar os processos culturais próprios das populações indígenas, elaborar diretrizes para garantir uma educação escolar diferenciada, específica e que propicie condições físicas e pedagógicas para todas as escolas indígenas (Paraná, 1992).

Nas terras indígenas do norte do Paraná, onde vivem os guarani, praticamente todas possuem escolas, como à Escola Estadual Cacique Tudjá Nhanderu, Terra Indígena Laranjinha, município de Santa Amélia, que oferece Educação Infantil e os anos Iniciais do Ensino Fundamental; Escola Estadual Indígena Ywy Porã, Terra Indígena Pinhalzinho, município de Tomazina, atendendo crianças dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental de nove anos; Escola Nimboeaty Mborowitxa Awa Tirope, Terra Indígena Ywy Porã (Posto Velho), município de Abatiá, que atende crianças dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental; Colégio Estadual Indígena Cacique Koféij, Terra Indígena São Jerônimo, que oferece Educação Infantil, anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

De acordo com os dados disponíveis pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, há no estado 39 escolas e colégios indígenas, presentes em pelo menos 24 municípios. Segundo o documento, são 5.030 alunos matriculados na Educação Básica, tendo em torno de 883 professores atuando, destes, apenas 318 são indígenas. As modalidades ofertadas são Educação Infantil, Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo que apenas 15 escolas oferecem o Ensino Médio.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações finais deste estudo enfatizam que a educação escolar indígena é hoje um desafio que se coloca a todos, governo, professores, estudantes, pesquisadores, homens, mulheres, enfim, a todos os cidadãos que participam do processo educacional, e que se dedicam à questão indígena. Mas, o que tem acontecido nos últimos anos é o esquecimento por parte do governo sobre como fomentar a educação escolar indígena.

A partir dos pressupostos apresentados no artigo, percebe-se a importância da construção de novas políticas de educação escolar indígena para que esta seja específica e diferenciada, servindo de enfrentamento contra os avanços do modelo de educação ocidental sobre os modos próprios de ser e viver dos povos indígenas. Assim, a educação escolar indígena deve ser pensada a partir da coletividade e espiritualidade, ou seja, a partir das vivências produzidas nas aldeias.

As políticas  de educação escolar indígena só terão eficácia se for planejada e pensada a partir das suas sabedorias e conhecimentos, respeitando suas cosmologias e suas temporalidades. Essa postura precisa estar presente ao considerar cada povo em sua singularidade, caso contrário, corre-se o risco de generalizações e superficialidades. Diante disso, é fundamental reconhecer que o papel do Estado é criar medidas e programas que viabilizem a educação escolar indígena, com as necessidades de cada etnia indígena, garantindo que os povos indígenas tomem suas próprias decisões sobre as políticas de educação escolar.


2MEC, Documento Final da 1ªConferência Nacional de Educação Escolar Indígena (Coneei)-Ministério da Educação (MEC) em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) Luziânia (GO). 2009, p. 4.

3Os Capuchinhos eram padres vindos da Itália desde 1840 para ministrar o ensino da catequese aos indígenas. Para estudo e análise mais aprofundada sugiro ver os “Relatórios de Presidente de Província e a documentação do Diretório dos Índios, criado em 1865”. Parte desses documentos encontra-se disponível para pesquisa na Biblioteca Nacional, podendo ser acessado no site: http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital.

431Segundo Mota (2000), no estado do Paraná foram planejadas onze colônias indígenas, das quais nove foram instaladas. Na bacia do Rio Tibagi foram instaladas as Colônias Indígenas de São Pedro de Alcântara (1857) e São Jerônimo (1859).

5De acordo com a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), ao todo são 32 Núcleos Regionais de Educação (NREs).

REFERÊNCIAS

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1Doutorando em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: isaelsp.edu@hotmail.com