EDUCATIONAL POLICY, PLANNING, AND MANAGEMENT IN BRAZIL: THE ELECTRONIC INFORMATION SYSTEM (SEI) AND NEW PUBLIC MANAGEMENT GOVERNANCE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202509081244
Maria Lúcia de Oliveira Perozzo1
Aida Dominato Gonçalves2
Darcilena das Graças Mielke de Paula3
Odete Aparecida Sperandio4
Dr. Diogenes José Gusmão Coutinho5
Resumo
Este artigo analisa a implementação do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) na administração pública brasileira, compreendendo-o como um fenômeno inserido nas transformações recentes da política e gestão educacional. A partir de uma revisão de literatura sobre o avanço de um modelo gerencial, o estudo contextualiza a adoção de plataformas digitais como o SEI enquanto instrumentos de uma nova governança da informação. O objetivo central é discutir as implicações dessa ferramenta, investigando as tensões entre a busca por eficiência e controle, preceitos da Nova Gestão Pública (NGP), e os princípios da gestão democrática e participativa. A metodologia utilizada foi a análise documental dos normativos federais e manuais que regulamentam o Processo Eletrônico Nacional. Observa-se que, embora o SEI se apresente como uma ferramenta de modernização e transparência, sua estrutura inerentemente centralizadora e focada em processos pode reforçar uma lógica tecnocrática, representando um desafio para a consolidação de práticas de planejamento genuinamente dialógicas e participativas no contexto educacional brasileiro.
Palavras-chave: Política Educacional. Gestão da Educação. Governança da Informação. Sistema Eletrônico de Informações.
1. INTRODUÇÃO
A modernização da administração pública brasileira tem sido um tema recorrente nas últimas décadas, impulsionando um conjunto de reformas que visam superar modelos burocráticos tradicionais em prol de maior eficiência, transparência e responsividade. No campo da educação, essa tendência se manifesta de forma particularmente complexa, reconfigurando as práticas de planejamento e gestão dos sistemas de ensino em todo o país. É nesse cenário de transformações que se insere a crescente adoção de plataformas digitais para a governança da informação, sendo o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) um dos exemplos mais proeminentes.
Este artigo se debruça sobre a implementação do SEI na política educacional brasileira, um fenômeno que, embora técnico em sua aparência, reflete tendências nacionais e globais mais amplas. A transição para processos digitais é frequentemente apresentada sob o discurso da modernização, uma evolução aparentemente neutra que promete agilidade e economia de recursos. Contudo, a adoção de uma ferramenta dessa magnitude não é um ato puramente instrumental; ela está imbuída de concepções sobre gestão, poder e controle que merecem uma análise aprofundada.
O problema central que orienta esta pesquisa é a tensão dialética entre o modelo de gestão que o SEI representa e os princípios da gestão democrática preconizados pela legislação educacional brasileira. Questiona-se: em que medida a implementação do SEI nas redes de ensino brasileiras representa um avanço na eficiência administrativa e, ao mesmo tempo, quais são suas implicações para as práticas de planejamento participativo e para a autonomia dos atores locais? A ferramenta, desenhada para otimizar fluxos e padronizar procedimentos, pode inadvertidamente reforçar uma lógica de controle centralizado, em detrimento dos espaços de diálogo e deliberação que caracterizam a gestão democrática.
A justificativa para este estudo reside na necessidade de desvelar as múltiplas dimensões – políticas, pedagógicas e administrativas – que subjazem à digitalização da gestão pública. Como aponta a produção acadêmica na área (SOUZA, 2019), a pesquisa sobre gestão educacional é um campo fértil e dinâmico, fortemente influenciado pelas conjunturas políticas. Analisar um instrumento como o SEI permite, portanto, capturar uma faceta contemporânea da disputa entre diferentes modelos de gestão.
Este trabalho tem como objetivo geral analisar as repercussões da implementação do SEI para a política, o planejamento e a gestão da educação no Brasil. Especificamente, busca-se: 1) contextualizar a adoção do SEI dentro do panorama nacional de reformas gerenciais na educação; 2) identificar, nos discursos e na estrutura da ferramenta, os princípios da Nova Gestão Pública; e 3) discutir as potenciais tensões entre a governança da informação, mediada pelo SEI, e os ideais da gestão democrática.
Para tanto, o artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção apresenta a fundamentação teórica, discutindo a transição de um modelo administrativo tradicional para um modelo gerencial na educação. A segunda detalha a metodologia. A terceira apresenta os resultados e a discussão, analisando o SEI como instrumento da Nova Gestão Pública e explorando as tensões com a gestão democrática. Por fim, as considerações finais sintetizam os argumentos e apontam para os desafios que a governança digital impõe ao campo educacional..
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1. A Gestão Arquivista- Conceito e características
A análise da gestão educacional contemporânea no Brasil exige a compreensão de um movimento mais amplo de reforma do Estado, que, a partir da década de 1990, passou a incorporar preceitos de uma nova lógica administrativa. Esse processo, frequentemente denominado de introdução de um “perfil gerencial”, representa uma ruptura com o modelo burocrático-tradicional e busca alinhar a administração pública aos princípios de eficiência, eficácia e foco em resultados, característicos do setor privado.
Como destacam Fonseca, Ferreira e Scaff (2020), a Reforma do Estado de 1995 foi um marco nesse processo, afetando profundamente o campo da educação ao modificar suas finalidades, valores e práticas. Essa transformação pode ser entendida como um deslocamento do eixo da democratização, que marcou o período da Constituinte, para o universo da modernização, no qual “o mais urgente passa a ser os objetivos da racionalização e da otimização” (FONSECA; FERREIRA; SCAFF, 2020, p. 8).
Essa nova racionalidade se alinha ao que a literatura internacional define como Nova Gestão Pública (NGP), um paradigma que, segundo Carvalho (2016), se baseia na transposição de instrumentos da gestão empresarial para o setor público. A NGP, portanto, não se trata de uma simples mudança de técnicas, mas de uma profunda alteração conceitual. A antiga “administração”, associada a processos hierárquicos e ao estrito cumprimento de normas, dá lugar à “gestão”, um termo que, embora possa carregar um sentido participativo, é frequentemente cooptado pela lógica gerencialista para significar controle de resultados, responsabilização (accountability) e performance.
Essa mudança de paradigma é crucial para entender a política educacional recente. A gestão, nesse novo modelo, torna-se o principal instrumento para a implementação de uma “nova cultura escolar” (FONSECA; FERREIRA; SCAFF, 2020, p. 10), na qual a eficiência e a eficácia, frequentemente medidas por indicadores de larga escala, passam a ser os critérios centrais de avaliação.
O estudo de Marques, Mendes e Maranhão (2019) sobre o caso de Pernambuco ilustra vividamente como essa lógica se materializa. A implementação de um modelo de gestão por resultados cria uma “cultura dos resultados”, onde a qualidade educacional passa a ser aferida principalmente por meio de indicadores quantitativos. Esse fenômeno não é isolado e reflete uma tendência nacional de alinhamento das políticas educacionais a um modelo que prioriza o controle e a eficiência, muitas vezes em detrimento de processos pedagógicos mais complexos e da participação democrática.
2.2. Planejamento e Política: Uma Arena de Disputas
O planejamento em educação nunca é um exercício neutro. Como afirmam Fonseca, Ferreira e Scaff (2020, p. 2), ele possui uma “ambivalência”, sendo ao mesmo tempo um instrumento técnico e político. Se, por um lado, ele se apresenta como um “modo racional de definir ações prioritárias”, por outro, ele “traz em si a orientação política de cada gestão governamental”. Essa duplicidade é central para a análise de qualquer ferramenta de planejamento ou gestão, incluindo sistemas de informação como o SEI.
A própria concepção de política educacional, como explora Carvalho (2016), remete a um campo de lutas e embates sociais. As políticas públicas não são meras decisões técnicas emanadas do Estado, mas o resultado, sempre provisório, de uma complexa correlação de forças. Nesse sentido, conforme argumenta Ianni (1995 apud FONSECA; FERREIRA; SCAFF, 2020, p. 3), o planejamento é um processo que expressa a ideologia hegemônica do Estado, sendo um mecanismo de controle que se inicia e termina “no âmbito das relações e estruturas de poder”.
Essa perspectiva nos permite enquadrar a ascensão do modelo gerencial não como uma evolução natural ou inevitável, mas como a vitória de um projeto político específico. A ênfase na eficiência, nos resultados e na utilização de ferramentas de controle, como sistemas de informação, corresponde à hegemonia de uma visão de mundo que valoriza a racionalidade instrumental e a lógica de mercado.
Em contrapartida a esse modelo tecnocrático, emergem movimentos que defendem a democratização da gestão. Souza (2016) analisa a experiência da Conferência Nacional de Educação (Conae) como um exemplo emblemático dessa disputa. A Conae representou um esforço da sociedade civil para participar ativamente da formulação do Plano Nacional de Educação (PNE), confrontando a tradição de um “planejamento centralizado por técnicos do governo” (SOUZA, 2016, p. 112). A tensão entre a gestão técnica e a gestão participativa é, portanto, uma característica estruturante do campo das políticas educacionais no Brasil.
É nesse campo de disputas que a governança da informação se torna um objeto de estudo relevante. Um sistema como o SEI pode ser visto como o ápice da racionalidade técnica, prometendo um governo mais eficiente e transparente. No entanto, ele também pode ser interpretado como uma ferramenta que reforça a centralização decisória e a tecnocracia, distanciando a gestão das dinâmicas participativas e deliberativas que constituem a essência da gestão democrática.
3. METODOLOGIA
Para investigar as implicações da implementação do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) no campo educacional brasileiro, optou-se por uma pesquisa de natureza qualitativa, fundamentada na análise documental. Esta abordagem permite uma imersão nos significados, concepções e lógicas que subjazem aos documentos oficiais, interpretando-os à luz do referencial teórico sobre política e gestão educacional.
O corpus da análise foi constituído por um conjunto de documentos públicos de âmbito federal que regulamentam o Processo Eletrônico Nacional (PEN) e sua principal ferramenta, o SEI. Foram selecionados os seguintes materiais: a) Decretos federais que instituem o SEI como sistema oficial de gestão de processos no Poder Executivo Federal; b) Manuais de usuário e guias de orientação disponibilizados pelo Ministério da Economia (antigo Ministério do Planejamento); e c) Documentos de referência do PEN, que contextualizam o SEI em uma agenda mais ampla de modernização da gestão.
A análise procedeu em duas etapas articuladas. Na primeira, realizou-se uma leitura flutuante do material para identificar os termos, conceitos e justificativas mais recorrentes. Buscou-se mapear o discurso oficial sobre o SEI, com atenção especial para palavras-chave como “eficiência”, “transparência”, “agilidade”, “modernização”, “controle” e “economia”.
Na segunda etapa, os elementos discursivos identificados foram categorizados e confrontados com os conceitos discutidos na fundamentação teórica. A análise buscou verificar em que medida o discurso e a estrutura funcional do SEI se alinham aos princípios da Nova Gestão Pública (NGP), conforme definido por Marques, Mendes e Maranhão (2019) e Carvalho (2016). Em seguida, essa lógica gerencial foi contrastada com os princípios da gestão democrática – participação, autonomia, deliberação coletiva –, discutidos por Souza (2016) e Guedes e Barbalho (2016), a fim de identificar pontos de tensão, contradição e possíveis desafios para a política educacional no país.
4. ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos documentos referentes à implementação do SEI na administração pública brasileira revela uma forte aderência à lógica da Nova Gestão Pública (NGP), que se tornou hegemônica. O discurso oficial e a própria arquitetura do sistema convergem para um modelo de gestão focado na eficiência processual, no controle e na modernização administrativa, o que, por sua vez, suscita importantes reflexões sobre suas implicações para a gestão democrática, especialmente no campo da educação.
4.1. O Discurso da Modernização: O SEI como Instrumento da Nova Gestão Pública
A análise dos documentos que instituem e orientam o uso do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), como o Decreto nº 8.539/2015, que dispõe sobre o uso do meio eletrônico para a realização do processo administrativo no âmbito da administração pública federal, revela um discurso uníssono e cuidadosamente construído. O sistema é consistentemente apresentado como uma ferramenta indispensável para a modernização do Estado, a promoção da transparência e a otimização dos recursos públicos. Expressões como “celeridade processual”, “redução de custos”, “gestão documental eficiente” e “transparência ativa” não são meros jargões técnicos; são os pilares de uma retórica que se alinha perfeitamente aos princípios da Nova Gestão Pública (NGP), paradigma que vem redefinindo a administração pública no Brasil desde as últimas décadas do século XX.
Esta narrativa modernizadora ecoa o movimento de reforma do Estado que, como aponta Carvalho (2016), se caracteriza pela transposição de lógicas empresariais para o setor público, visando maior eficiência. A adoção do SEI é, nesse sentido, um ato emblemático. Ao digitalizar, padronizar e automatizar o fluxo de trabalho – desde um simples memorando até a complexa tramitação de um plano de gestão escolar –, o sistema materializa essa busca incessante por racionalização. A promessa de “redução de custos”, por exemplo, transcende a simples economia com papel e impressão; ela se insere em um contexto político-ideológico mais amplo de austeridade fiscal e de um Estado que deve operar com a máxima eficiência de recursos, um dos dogmas do ideário neoliberal que Dourado (2020) discute em sua análise sobre as novas formas de organização e privatização.
A plataforma representa, de forma concreta, a “cultura dos resultados” que Marques, Mendes e Maranhão (2019) identificaram como um dos efeitos mais expressivos da NGP na educação. Nesta cultura, o bom desempenho da gestão deixa de ser avaliado por processos qualitativos e deliberativos e passa a ser medido por sua capacidade de executar procedimentos de forma rápida, mensurável e, sobretudo, controlada. A arquitetura do SEI é projetada para isso: cada passo de um processo é registrado, cada prazo é monitorado, cada responsável é identificado. Gera-se, assim, um rastro digital completo que permite uma auditoria constante do desempenho individual e setorial, materializando o princípio do accountability (responsabilização) que é central na NGP.
A implementação de uma plataforma unificada para todos os processos administrativos, da solicitação de um material de limpeza à tramitação de um projeto pedagógico, insere a gestão educacional em uma lógica de “governança da informação”. Este conceito é fundamental: a informação deixa de ser um mero registro passivo dos atos administrativos para se tornar um ativo estratégico para o controle e a avaliação do desempenho do sistema. A capacidade de gerar relatórios, monitorar gargalos e medir tempos de resposta transforma a gestão da informação em uma poderosa ferramenta de poder e regulação, um pilar do modelo gerencialista. O discurso, portanto, é o de modernização, mas a prática subjacente é a da consolidação de um modelo de gestão específico, cujas tensões com os princípios democráticos da educação se tornam inevitáveis.
A padronização imposta pelo SEI é, talvez, a sua característica mais ambivalente. Se, por um lado, ela garante uniformidade e previsibilidade aos processos, por outro lado, ela representa um forte mecanismo de regulação. A necessidade de enquadrar as diversas e complexas demandas do campo educacional em formulários e fluxos de trabalho pré-definidos pode simplificar excessivamente questões que são, por natureza, políticas e pedagógicas. Um debate sobre a implementação de um novo currículo, por exemplo, que em um modelo democrático demandaria tempo para discussões, seminários e deliberações em conselhos, pode ser reduzido, na lógica do sistema, a uma série de despachos e anexos em um processo eletrônico cujo valor principal é a celeridade de sua conclusão.
Esta transposição de uma lógica processual-burocrática para o campo educacional não é trivial. Ela reflete o deslocamento da ênfase na democratização para a ênfase na modernização e otimização, como criticamente apontam Fonseca, Ferreira e Scaff (2020). O SEI, nesse contexto, não é apenas um software; ele é a infraestrutura tecnológica que viabiliza e reforça uma cultura administrativa gerencialista. A “eficiência” que ele promove está alinhada a um projeto de Estado que valoriza a técnica, o controle e o resultado mensurável, muitas vezes em detrimento da participação e do debate, que são os pilares da gestão democrática da educação.
O sistema, portanto, opera como um instrumento que não apenas organiza, mas também disciplina a gestão. Ao tornar cada etapa do trabalho visível e rastreável, ele induz a uma forma de autovigilância por parte dos servidores e gestores, que passam a ser avaliados não apenas pelo mérito de suas decisões, mas pela velocidade e conformidade com que as executam dentro da plataforma. Essa é a essência da “racionalidade imposta à gestão pública brasileira” (FONSECA; FERREIRA; SCAFF, 2020, p. 10), na qual a neutralidade técnica da ferramenta mascara uma profunda orientação política. A governança da informação, nesse modelo, torna-se sinônimo de governança por meio da informação, onde o controle do fluxo informacional equivale ao controle da própria gestão.
4.2 Governança da Informação versus Gestão Democrática: O Campo de Tensão
Se por um lado o SEI materializa os ideais de eficiência da NGP, por outro ele gera um campo de tensão com os princípios da gestão democrática. A democracia na gestão educacional, como aponta Souza (2016), não se resume à transparência dos atos, mas pressupõe, fundamentalmente, a participação ativa da comunidade nos processos de decisão.
O estudo de Guedes e Barbalho (2016) sobre a implementação do PAR revela como, na prática, a lógica gerencial e a democrático-participativa frequentemente entram em conflito. A gestão por resultados pode levar a uma “subvalorização do projeto político-pedagógico em detrimento de programas com diretrizes gerenciais” (GUEDES; BARBALHO, 2016). De forma análoga, um sistema como o SEI, ao priorizar a eficiência do trâmite processual, pode acabar por invisibilizar ou dificultar os processos de deliberação coletiva, que são, por natureza, mais lentos e menos lineares.
A questão central reside na natureza do controle. A transparência promovida pelo SEI é, em grande medida, um mecanismo de controle top-down (de cima para baixo), permitindo que os órgãos centrais monitorem a execução de tarefas em tempo real. Já o controle social, um pilar da gestão democrática, pressupõe um movimento bottom-up (de baixo para cima), no qual a comunidade escolar fiscaliza e participa das decisões. A arquitetura de um sistema focado na tramitação de processos entre servidores pode não ser a mais adequada para fomentar a participação de conselhos escolares, associações de pais e mestres e grêmios estudantis.
Essa tensão reflete o dilema histórico apontado por Fonseca, Ferreira e Scaff (2020) entre a “hegemonia governamental” e a “construção da autonomia local”. O SEI, como ferramenta de governança, pode tanto ser um instrumento para fortalecer o controle central (hegemonia) quanto, se devidamente articulado com outras políticas, para aumentar a transparência e municiar os atores locais com informações para a luta por autonomia. A forma como essa tensão será resolvida no contexto brasileiro dependerá não da ferramenta em si, mas das políticas e da cultura de gestão que orientarão o seu uso.
5. CONCLUSÃO
A análise da implementação do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) na gestão educacional brasileira confirma que a adoção de novas tecnologias na administração pública transcende a mera modernização técnica, representando a materialização de um projeto político e de uma concepção específica de gestão. O SEI emerge como um claro expoente da Nova Gestão Pública, um paradigma que prioriza a eficiência, a racionalização de processos e o controle de resultados, alinhando a máquina estatal a uma lógica gerencialista.
Este estudo demonstrou que o discurso oficial que acompanha a implementação do sistema se apropria de valores como transparência e agilidade para legitimar um modelo de governança da informação que é, em sua essência, centralizador. A padronização de fluxos e a capacidade de monitoramento em tempo real são ferramentas poderosas para a administração, mas que, ao mesmo tempo, refletem a tensão histórica entre a gestão tecnocrática e a gestão democrática no campo educacional brasileiro.
A principal conclusão deste trabalho é que a governança digital, representada pelo SEI, estabelece um novo campo de disputas. A eficiência prometida pelo sistema pode entrar em conflito com a natureza deliberativa e, por vezes, mais lenta, dos processos participativos que fundamentam a gestão democrática. A questão não é negar a importância da eficiência ou da transparência, mas questionar qual modelo de gestão essas ferramentas estão, na prática, a serviço.
Observou-se que a estrutura do SEI, focada na tramitação processual entre agentes públicos, não prevê, intrinsecamente, canais para a participação da comunidade escolar. Portanto, a efetivação da gestão democrática, em um cenário de crescente digitalização, dependerá da criação de políticas complementares que garantam que a transparência proporcionada pelo sistema se traduza em controle social efetivo e que os espaços de deliberação coletiva, como os conselhos escolares, não sejam enfraquecidos pela primazia da lógica processual.
Por fim, este trabalho aponta para a necessidade de futuras pesquisas que investiguem a recepção e o impacto do SEI na ponta do sistema, ou seja, nas unidades escolares e na percepção dos gestores, professores e demais membros da comunidade. Compreender como esses atores interagem com a nova ferramenta e como ela redefine suas práticas cotidianas é um passo fundamental para avaliar se a governança da informação está, de fato, contribuindo para uma educação mais eficiente e, sobretudo, mais democrática.
REFERÊNCIAS
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1Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade Christian Business School, licenciada em Pedagogia e especialização em Educação Infantil e Alfabetização.
2Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade Christian Business School, licenciada em Geografia e especialização em Estudos da Geografia no Contexto Amazônico.
3Mestrado em Ciências da Educação pela Universidade Christian Business School, licenciada em Letras e especialização em Letras: Português e Literatura.
4Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade Christian Business School, Licenciada em História e especialização em História contemporânea.
5Orientador do curso de Mestrado em Ciências da Educação pela Universidade Christian Business School, Dr em Biologia pela UFPE.