POLÊMICA ACERCA DA CONTAGEM DO PRAZO DECADENCIAL E PRESCRICIONAL DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503271810


Marcello Mousinho Junior


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo fazer análises referentes à polêmica da contagem dos prazos decadencial e prescricional do crédito tributário, com o intuito de clarear e analisar o correto dia do início da contagem de tais prazos, bem como o critério adotado em cada argumento exposto.  Apesar dos muitos embates na doutrina e na jurisprudência, percebe-se que alguns pontos não têm entendimento pacificado, principalmente quando se diz respeito à LC 118/2005 que modificou o parágrafo 2º do art. 174 do Código Tributário Nacional, sendo de polêmica, com relação à contagem dos prazos, antes e depois de sua vigência, sendo razoável adotar a tese de aplicação imediata sem retroação, o que, inclusive, é vedado pelo nosso ordenamento jurídico. Nessas e em outras questões pertinentes ao nosso estudo, buscou analisar os alicerces dos argumentos apresentados, orientando nossa investigação à luz do CTN, com o objetivo de afastar a insegurança jurídica gerada pela ausência de demarcação precisa de um marco inicial para contagem dos prazos.

Palavras-chaves: Prescrição. Decadência. Lançamento. Crédito Tributário Definitivo. Obrigação Tributária.

ABSTRACT

This study aims to analysis regarding the controversy of calculating the time lapses and the tax credit statute in order to clarify and analyze the correct days of the commencement of the running of such periods, and the criterion adopted in each argument above. Despite the many bumps in the doctrine and case law, it is noticed that some places have no understanding at peace, especially when it concerns the LC 118/2005 which amended paragraph 2 of art. 174 of the Tax Code, and the controversy with respect to time limits before and after his lifetime, it is reasonable to adopt the view of immediate implementation without feedbacks, which also is forbidden by our legal system. In these and other issues relevant to our study was to examine the foundations of the arguments, focusing our investigation in light of the CTN, with the objective of removing the legal uncertainty generated by the absence of precise demarcation of the cornerstone for the calculation of time.

Keywords: Prescription. Decay. Release. Final Tax Credit. Tax Obligation.

1. APRESENTAÇÃO:

Devido às inúmeras e importantes mudanças ocorridas nos últimos anos, o estudo da contagem dos prazos na aplicação dos institutos da prescrição e da decadência do crédito tributário, sugere a importância na continuidade de pesquisas, pois, além deste aspecto, tal pesquisa se debruça sobre um tema bastante amplo e complexo.

As incertezas geradas pela ausência de critérios capazes de delimitar com eficiência a contagem dos prazos decadenciais e prescricionais dos tributos, causam à sociedade, um sentimento de insegurança jurídica muito grande, não lhe garantindo a certeza jurídica necessária que todo negócio jurídico deve trazer em seu bojo. 

Ademais, atualmente, o nosso país bate, ano após ano, recorde em arrecadação tributária, sufocando a sociedade com a cobrança sistemática de tributos. Com isso, é imprescindível conhecer os próprios direitos, tanto aquele que tem o direito subjetivo de exigir a prestação (sujeito ativo), como aquele que tem o dever de cumprir a obrigação (sujeito passivo). O problema nasce quando é preciso contar os prazos que regem esses institutos, cuja controvérsia é tema de acalorados debates.

É evidente que este trabalho não tem a pretensão de dar uma solução ao presente problema que se nos apresenta. Mas, tem o objetivo de dar uma contribuição singela, apresentando e analisando as posições doutrinárias e jurisprudenciais com relação ao tema proposto, fazendo uso do critério da razoabilidade, bem como dos princípios que norteiam o Direito Tributário, para tentar clarear e delimitar, principalmente, a contagem dos prazos decadenciais e prescricionais dos tributos em face do sujeito ativo, bem como do sujeito passivo.

Desta forma, iniciaremos a nossa abordagem analisando o conceito de obrigação tributária, o fato gerador do tributo, bem como o crédito tributário, seu conceito e, lançamento, pois este se faz importantíssimo ao estudo dos prazos, considerando que a prescrição e a decadência são modalidades de extinção deste crédito, faz-se necessário saber o momento em que este se torna exigível.

Assim, após estas breves generalidades, iniciaremos as análises acerca da prescrição e da decadência do crédito tributário, sua previsão legal, as posições doutrinárias, bem como as jurisprudenciais, tecendo análises e comentários acerca do problema dos prazos para aplicação de um e outro.

2. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

2.1 CONCEITO:

Etimologicamente, a palavra obrigação tem sua raiz na palavra “obligatio”, cujo significado é “aprender”, ou até mesmo “empenhar a vontade”. Tal expressão da forma como é empregada no direito tributário, não se diferencia, a rigor, da expressão usada no ramo do direito das obrigações, por exemplo. A única diferença pertinente, não poderia ser diferente, diz respeito ao objeto da obrigação, que no caso do direito tributário, será sempre de natureza tributária, ou seja, será sempre pertinente ao tributo.

Ora, ao incidir a norma jurídica tributária sob determinada situação fática, tem-se instaurada a relação obrigacional, cujo liame é composto de dois ou mais sujeitos em face de uma prestação. De um lado, tem-se o sujeito ativo, detentor da capacidade subjetiva de exigir determinada prestação e, por outro lado, tem-se o sujeito passivo, cujo dever de cumprir tal obrigação lhe é incumbido.

Vale ressaltar o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho, que classifica as relações jurídicas tributárias pelo seu caráter patrimonial. Caso este esteja presente, temos uma relação obrigacional, caso não esteja, temos meramente uma relação de apenas deveres jurídicos.1

Cumpre ressaltar, a rigor, que o CTN não faz, expressamente, distinção alguma de relação de cunho patrimonial ou não, adotando, simplesmente a expressão “obrigação”, tendo ou não cunho patrimonial. Contudo, percebe-se que o próprio CTN faz distinção entre obrigação principal e acessória. O primeiro seria o pagamento do tributo, enquanto que o segundo seriam os deveres ligados ao primeiro.

Nesse mesmo sentido, é a reflexão de Aliomar Baleeiro, in verbis: 

Com isso, podemos concluir que, segundo o art. 113 do CTN, a diferença entre a chamada obrigação principal e a chamada obrigação acessória reside no fato de que a primeira tem como objeto um dar dinheiro ao Estado, ou prestação patrimonialmente avaliável; a segunda tem como objeto um fazer ou não fazer alguma coisa, despida a prestação em si de estimabilidade patrimonial. […] O caráter pecuniário da prestação, quer em relação ao tributo em sentido estrito, quer em relação à sanção é o critério decisivo que extrema a obrigação principal da acessória.2

Desta forma, percebe-se claramente que a obrigação principal traz em seu bojo o caráter essencialmente patrimonial, enquanto que a obrigação acessória, parece se ausentar da presença deste caráter.

Segundo Hugo de Brito Machado, a obrigação tributária pode ser definida da seguinte forma:

[…] é a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular o crédito..3

Assim, fica cristalino que a obrigação principal traz um caráter essencialmente pecuniário, enquanto que a obrigação acessória traz um caráter de fazer ou não fazer.

2.2 FATO GERADOR:

Fato gerador é um fato ocorrido que gera a cobrança de um determinado tributo. Como se sabe, não há incidência de tributo sem uma lei que assim a determine. Assim prescreve o art. 114 do CTN: “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”4.

Segundo Luciano Amaro, fato gerador é um “fato previamente descrito, cuja ocorrência tem a aptidão, dada por lei, de gerar aquela obrigação”5. Da simples leitura do CTN, observa-se a existência de dois tipos de fato gerador, quais sejam, principal e acessório. Como se sabe, as obrigações tributárias se dividem em principal e acessória. O fato gerador da obrigação principal está descrito no art. 114 do CTN, enquanto que o acessório se encontra no art. 115 do mesmo diploma, in verbis: “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”6.

Tal conceito, como exposto, nos é dado por exclusão, uma vez que afirma que é toda situação que dê origem a um dever que não seja uma obrigação principal, ou seja, qualquer dever que não tenha caráter pecuniário, trata-se de fato gerador de obrigação acessória.

A expressão “fato gerador” tem sido alvo de duras críticas. Alfredo Augusto Becker chega a afirmar que o fato gerador nada gera, a não ser confusão intelectual7. Isso porque, na verdade, o que gera a obrigação tributária não é o fato, mas a lei, ou seja, é a incidência da lei sobre o fato. Tal autor, chega a sugerir a expressão “hipótese de incidência” que seria mais feliz em querer expressar aquilo que se pretende.

Paulo de Barros Carvalho também faz crítica à expressão usada pelo legislador, preferindo a expressão “fato jurídico tributário”, explicando que “fato jurídico” tem o poder de irradiar efeitos de direito e “tributário” porque sua eficácia está diretamente ligada à instituição do tributo.

Luciano Amaro, afirma não encontrar sérios inconvenientes no emprego da dúbia expressão “fato gerador”. A utilização de outra expressão serviria apenas para fins didáticos, vejamos:

Afinal, não vemos inconveniente sério no emprego ambivalente da expressão ‘fato gerador’ (para designar tanto a descrição legal hipotética quanto o acontecimento concreto que lhe corresponda). […] Quando, por conveniência didática, se quiser distinguir a descrição abstrata feita pela lei e o acontecimento concreto (cuja correspondência com a primeira dá nascimento à obrigação de pagar tributo), pode-se falar em ‘hipótese de incidência do tributo’ e ‘fato gerador do tributo’8.

Assim, como se vê, segundo Luciano Amaro, a utilização de outras expressões serviria apenas para fins didáticos, não tendo implicações sérias no âmbito jurídico.

Hugo de Brito nos lembra da diferença entre fato gerador e hipótese de incidência, muitas vezes confundidos no direito tributário. O segundo, é a descrição legal de um fato, enquanto que o primeiro é o acontecimento factual deste fato, ou seja, é a simples ocorrência do fato no mundo sensível, vejamos:

A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, é simples previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto9.

No entender do autor citado, a expressão hipótese de incidência é melhor aplicável ao direito tributário, pois descreve a previsão legal ao fato.

3. CRÉDITO TRIBUTÁRIO:

3.1 CONCEITO:

O CTN enfrenta sérias críticas por tentar colocar em dois planos distintos as figuras da obrigação e do crédito tributário, afirmando em seu art. 113, como vimos, que o primeiro nasceria com a ocorrência do fato gerador, enquanto que o segundo só seria constituído pelo lançamento, conforme se depreende da leitura do art. 142 e, além disso, decorre da obrigação principal (art. 139).

Assim afirma o art. 139: “o crédito tributário decorre10 da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.”11

No mesmo diploma, encontramos no art. 142 que “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir12 o crédito tributário pelo lançamento […]”.

Ainda no mesmo diploma:

As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem13.

Assim, o CTN em seu art. 139 afirma que o crédito “decorre” da obrigação tributária, enquanto em seu art. 142 afirma que o crédito “constitui-se” com o lançamento para, depois afirmar que o crédito tem “origem” na obrigação (art. 140) Como se percebe, o Código usa três expressões distintas para definir a mesma coisa.

Ora, ocorrida a hipótese de incidência pela ocorrência do fato gerador, surge a obrigação tributária. No entanto, o Estado ainda não tem a possibilidade de cobrar essa obrigação, pois o CTN faz a distinção entre obrigação e crédito. Este somente nasce com o lançamento, momento oportuno em que o Estado pode fazer a cobrança do crédito.

Hugo de Brito parece definir bem o crédito tributário, vejamos:

O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)14.

Assim, entende-se que somente após a constituição do crédito tributário é que o Estado pode cobrar do sujeito passivo o pagamento do tributo. Tal constituição do crédito, dá-se pelo instituto do lançamento, conforme veremos adiante.

3.2 LANÇAMENTO:

O artigo 142, do Código Tributário Nacional, define lançamento como:

Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente15, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional16.

Vasta é a literatura que tenta dar o conceito de lançamento. Por este motivo, tal tema provoca numerosas polêmicas, principalmente com relação a sua natureza. Muito se questiona se lançamento seria um ato ou mesmo um procedimento da administração pública.

José Souto Maior Borges17, expressa bem esta problemática quando afirma não haver uma delimitação precisa no artigo 142 do CTN, quando se tenta definir lançamento, apesar de considerar que o conceito de lançamento expresso no artigo já citado, é essencialmente vinculante. Tal ausência de delimitação precisa, dá-se no mesmo diploma legal, especificamente nos arts. 142, parágrafo único e 150, caput. O primeiro considera o lançamento como uma atividade, enquanto que o segundo o descreve como um ato administrativo.

Tal impropriedade, segundo o autor, dificulta a contagem dos prazos da decadência e da prescrição, pois, caso o lançamento fosse considerado como um procedimento, considerando suas diferentes fases, é complicado estabelecer em qual delas se inicia a contagem dos referidos prazos.

É justamente neste ponto da contagem dos prazos que se faz necessário saber se o lançamento é um ato ou procedimento, ou ambos, como sugere Paulo de Barros Carvalho quando nos convida à reflexão.

Justamente por este motivo iniciamos com o questionamento do renomado autor:

Esse dilema, “ato ou procedimento”, que pode se transformar num trilema: “ato ou procedimento ou ambos”, reflete uma dúvida sem a solução da qual uma pesquisa mais séria ficaria sensivelmente prejudicada. Perante a Dogmática do Direito Administrativo, sabemos, essas entidades são diferentes e os efeitos práticos a que dão ensejo também apontam para direções distintas. Vejamos um exemplo bem simples: Diante das proposições afirmativas (1) lançamento é procedimento e (2) instaurou-se o procedimento de lançamento, poderíamos concluir: já que existe o procedimento, existe também o lançamento; e se o lançamento existe, vamos começar a contar o prazo que culmina com o fato da prescrição. O interlocutor certamente responderia: sim existe o procedimento, porque foi regularmente instalado, mas ainda não está concluído, devendo aguardar-se o termo final. Vê-se, então, que não basta haver procedimento administrativo de lançamento para que possamos falar em “lançamento”. Em que instante, então, surgiria essa figura, no direito brasileiro? Quando a sequência procedimental atingiu seu objetivo, expresso pelo ato conclusivo, que é o “ato de lançamento”. Ora além do “procedimento de lançamento”, temos, também, o “ato administrativo de lançamento18.

Essa passagem é de extrema importância, pois nos traz os efeitos, na prática, de considerar o lançamento como um ato ou procedimento. Pois isso, influi direta e essencialmente na contagem dos prazos decadenciais e prescricionais. Como contar um prazo que não tem o seu início ou final certo? Por isso se faz necessário concluir se o lançamento tem uma natureza constitutiva ou declarativa

Em um primeiro momento, Paulo de Barros Carvalho, não aceita a idéia de que o lançamento seja um ato. Segundo ele, o parágrafo único do art. 142, revela o caráter procedimental do termo “lançamento”, vejamos:

Ao estatuir, no parágrafo único, que a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, reitera nosso Código Tributário a opção pelo sentido procedimental do termo ‘lançamento’ […]19.

O citado autor, revela o seu primeiro entendimento em outra passagem de sua obra, afirmando que “A vinculação do ato administrativo, que, no fundo, é a vinculação do procedimento aos termos estritos da lei […]20”.

Todavia, estudado mais a fundo sua obra, o renomado autor chega à conclusão de que lançamento é mesmo um ato, pois concebê-lo como um procedimento é muito temerário, mesmo porque, considerar o lançamento como um ato, abre caminho para soluções que afligem os tributaristas nacionais, vejamos:

Com efeito, a visualização jurídica do lançamento como ato administrativo, abre perspectivas riquíssimas à pesquisa do assunto […] campo em que o cientista descobrirá, certamente, caminhos novos para a solução das intermináveis testilhas acadêmicas que vêm afligindo tributaristas nacionais, impotentes ante a necessidade de narrar algumas das conseqüências práticas que o lançamento produz21.

Por fim, chega o autor à definição de lançamento:

Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo […] que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.22

Assim, também quando se analisa o art. 149 do CTN, percebe-se que lançamento se trata de um ato e não um procedimento, pois o artigo em tela, refere-se à revisão do lançamento. Ora, somente um ato pode ser revisto e não um procedimento.

Nesse mesmo sentido é a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello que considera lançamento como um ato administrativo que consiste numa declaração apta a produzir efeitos jurídicos, vejamos: 

declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei […] a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional23.

A doutrina parece se inclinar ao coro de que o lançamento é mesmo um ato. Segundo Hely Lopes Meirelles, ato administrativo é 

toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria24.

Nesse mesmo sentido é a lição de Aliomar Baleeiro, in verbis:

Podemos dizer que o lançamento é ato jurídico administrativo vinculado e obrigatório, de individuação e concreção da norma tributária ao caso concreto (ato aplicativo) desencadeando efeitos confirmatórios-extintivos (no caso de homologação do pagamento), ou conferindo exigibilidade ao direito de crédito que lhe é preexistente para fixar-lhes os termos e possibilitar a formação do título executivo25.

Hugo de Brito traça algumas críticas ao conceito de lançamento do art. 142 do CTN, afirmando que ele abriga algumas impropriedades. Uma delas diz respeito à penalidade a ser aplicada. O CTN afirma que o lançamento, se for o caso, deve propor a aplicação cabível, isto, segundo o autor, é equivocado, uma vez que o lançamento constitui o crédito tributário, tornando líquida e certa a obrigação, não se podendo falar em propor, mas somente em aplicar a penalidade. A autoridade, no ato do lançamento, aplica a penalidade e não simplesmente propõe.

Assim, o autor define lançamento da seguinte forma:

é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributável, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.26

Assim, mesmo diante de tantos posicionamentos, pode-se concluir que lançamento é um ato administrativo, cujo procedimento se dedica à análise da ocorrência da hipótese de incidência.

3.2.1 DA NATUREZA DO LANÇAMENTO

Passada essas análises com relação ao conceito, é importante ressaltar as críticas apontadas com relação à constituição do crédito tributário que se dá com o lançamento, e não com o fato gerador. Assim, instaura-se a problemática da natureza do lançamento. Acaso o crédito tributário se instaure com o lançamento, este teria sua natureza constitutiva, uma vez que passaria a constituir o referido crédito. Caso o crédito tributário se instaure com o fato gerador, o lançamento teria apenas uma natureza declarativa, pois somente declararia um crédito já existente.

O art. 142 afirma, literalmente, que o lançamento constitui o crédito tributário. Desta forma, o lançamento teria natureza constitutiva. Contudo, não se deve esquecer que o lançamento tem um caráter declarativo, uma vez que o CTN, no art. 113, §1º afirma que a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador. Percebe-se, então, que o lançamento teria um caráter declarativo de algo já preexistente.

O lançamento seria uma formalidade prevista em lei que autorizaria a exigência do crédito tributário. As discussões doutrinárias acerca da eficácia do lançamento já vêm sendo travadas há décadas, com uma maioria que afirma que o lançamento tem uma eficácia declarativa. Exemplo dessa corrente é Amílcar de Araújo Falcão que expôs sete índices concludentes da eficácia declaratória do lançamento27, uma vez que, essa corrente majoritária leva em consideração que a obrigação tributária nasce com o fato gerador.

Por outro lado, há a corrente que afirma que o lançamento tem eficácia constitutiva, pois com ele é que nasce o direito de exigir o crédito tributário. Assim, Américo Lacombe, defende a idéia de que com o lançamento há a instauração de exigibilidade do crédito28.

Vale citar o raciocínio de Luciano Amaro quando afirma que não existe a possibilidade de desprezar o fato gerador, pois com ele nasce o dever de prestar o tributo, nem tampouco pode-se falar em desprezo ao fato de que com o lançamento ocorre importantes efeitos, não se limitando, todavia, a somente formalizar ou tornar certa a obrigação, in verbis:

Se, de um lado, não se pode desprezar a situação de fato (o fato gerador), sem cuja ocorrência não cabe falar do nascimento do dever de prestar tributo, por outro lado há importantes efeitos que surtem com o lançamento, e que não se limitam a formalizar, ou quantificar, ou liquidar, ou tornar certa a obrigação tributária. Tanto que, em inúmeros casos, a lei determina o pagamento do tributo pelo sujeito passivo independentemente de qualquer providência por parte do sujeito ativo. O que mostra que a liquidez e a certeza da obrigação tributária são decorrência da lei aplicada ao fato gerador e não de um procedimento do credor29.

Com isso, percebe-se que o autor citado se aproxima da teoria desenvolvida por Alberto Xavier que passamos a expor.

O lançamento não pode ser considerado constitutivo, pois a obrigação tributária é constituída no momento da incidência da norma jurídica sobre o fato, ou seja, o fato gerador.

Também não parece razoável afirmar que o lançamento tem uma eficácia meramente declaratória.

Hugo de Brito afirma que o efeito do lançamento é inegavelmente declaratório, pois o mesmo não cria direito: “[…] o lançamento não cria direito. Seu efeito é simplesmente declaratório.30” Contudo o renomado autor chega à seguinte conclusão: “O lançamento, portanto, é constitutivo do crédito tributário, e apenas, declaratório da obrigação correspondente.31

Assim, o autor parece fazer a união das duas correntes doutrinárias quando afirma a dupla natureza do lançamento.

3.3 EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E SUAS MODALIDADES

Com a extinção do crédito tributário, extingue-se, também, a obrigação principal. É o que se pode inferir da simples leitura do art. 113 do CTN, vejamos:

A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1 – A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente32.

Muitas são as críticas que se fazem às chamadas incoerências do CTN. A primeira diz respeito ao fato de que nem toda obrigação tributária se extingue com o crédito tributário, ou seja, existem obrigações que se extinguem antes de nascer o crédito tributário pelo lançamento, como nos casos de decadência (perda do direito de lançar, face à inércia da Fazenda)33, contrariando o que diz expressamente o Código. O mesmo ocorre diante de uma ação anulatória cuja sentença favorável não extingue nem obrigação nem crédito tributário.

Ao fazer a leitura do CTN, percebe-se que muitos institutos aplicados nos casos de extinção do crédito tributário, são oriundos do Código Civil, cuja aplicação, em matéria tributária, é regulada pelo próprio CTN como se verá adiante.

O CTN apresenta em seu art. 156, onze modalidades de extinção do crédito tributário:

Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – a remissão;
V – a prescrição e a decadência;
VI – a conversão de depósito em renda;
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no Art. 150 e seus parágrafos § 1 e § 4;
VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2 do artigo 164;
IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X – a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei34.

A primeira das modalidades de extinção do crédito arroladas pelo CTN é o pagamento. Este é o meio mais usual de extinguir o crédito tributário seja de tributo lançado (lançamento de ofício) ou não lançado (nos casos em que a lei prescreve o recolhimento sem um prévio exame, sem prejuízo da cobrança de eventual diferença, acaso contada).

A compensação se dá quando duas pessoas são ao mesmo tempo credoras e devedoras uma da outra. Neste caso as obrigações se extinguem até onde puderem ser compensadas. Esse conceito, naturalmente, é extraído do Código Civil em seu art. 368, vejamos: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.35

Ocorre que tal regra somente pode ser aplicada no direito tributário, nos casos previstos em lei, nos termos do art. 170 do CTN:

A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública36.

Contudo, o art. 170-A que foi acrescentado pela Lei Complementar nº 104 de 10 de janeiro de 2001, veda a compensação nos casos em que há discussão judicial acerca do montante a ser usado na compensação. Ora, certamente o CTN não poderia autorizar o uso de valores que ainda se encontram sob a égide do Judiciário, vejamos:

É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial37.

Previsto no art. 840 do Código Civil, o instituto da transação é regulado pelo art. 171 do CTN, muito embora o art. 841 do CC só permita a aplicação do presente instituto quando os direitos patrimoniais tiverem caráter privado. No entanto, o legislador achou por bem utilizá-lo no direito tributário, aplicando-o aos direitos de caráter público:

A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

Da mesma forma como ocorre com a compensação, a transação somente poderá ser feita mediante previsão legal, devendo a referida lei, também, indicar a autoridade competente para autorizar a transação, não podendo, portanto, a outorga de poder discricionário.

Também importada do CC, especialmente em seu art. 385 e seguintes, com previsão no art. 172 do CTN que traz um rol de situações em que se pode aplicar o presente instituto, vejamos:

A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I – à situação econômica do sujeito passivo;
II – ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III – à diminuta importância do crédito tributário;
IV – a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no Art. 15538.

Como se pode verificar, mediante lei, a autoridade administrativa pode conceder remissão atendendo aos critérios dos incisos supra transcritos. Cumpre ressaltar, que o parágrafo único alerta que o despacho autorizador da remissão não gera direito adquirido ao sujeito passivo.

A dação em pagamento, autorizada pela Lei Complementar nº 104 de 10 de janeiro de 2001,autoriza somente a dação de imóveis. Contudo alguns doutrinadores consideram que outros bens possam ser utilizados para esse fim, desde que a lei estabeleça formas e condições39.

Outra forma de extinção do crédito tributário é a consignação em pagamento, nos termos do disposto no artigo 164 do CTN:

A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:
I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal;
III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º – A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar.
§ 2º – Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis40.

Ressalte-se que a consignação pode ser feita em diversos casos, não necessitando elencar cada um, em face do caráter explicativo de cada inciso supra exposto.

Previsto no inciso VI do artigo em tela, a conversão de depósito em renda, se dá nos casos de litígio entre o sujeito ativo a o sujeito passivo. A sentença que resolve o litígio, faz o montante passar do patrimônio do sujeito passivo para o patrimônio do sujeito ativo, extinguindo o crédito tributário.

A decisão judicial, extingue o crédito tributário, desde que transite em julgado, uma vez que invalida o lançamento.

A decadência, prevista no art. 173 do CTN e a prescrição, prevista no art. 174 do mesmo diploma, cuidaremos mais adiante, por se tratar de importante valia para o nosso tema.

4. DO PRAZO DECADENCIAL DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Advindo da lei, a decadência será aplicada toda vez que algum caso fático se enquadrar nos seus requisitos legais, surtindo os seus efeitos. Acaso o titular de determinado direito não exercê-lo dentro do prazo predeterminado, terá esse mesmo direito extinto.

Assim prescreve o art. 173 do CTN:

O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento41.

Segundo Paulo de Barros, a decadência é um fato jurídico que extingue um direito pelo seu não exercício durante um certo lapso de tempo, cujo objetivo, adotado pelo sistema positivo, é não permitir que as relações jurídicas permaneçam indefinidamente, in verbis:

A decadência ou caducidade é tida como o fato jurídico que faz perecer um direito pelo seu não exercício durante certo lapso de tempo. Para que as relações jurídicas não permaneçam indefinidamente, o sistema positivo estipula certo período a fim de que os titulares de direitos subjetivos realizem os atos necessários à sua preservação, e perante a inércia manifestada pelo interessado, deixando fluir o tempo, fulmina a existência do direito, decretando-lhe a extinção42.

Com isso, percebe-se que o instituto da decadência está diretamente ligado à segurança jurídica que deve existir em qualquer sociedade, não permitindo que as relações jurídicas fiquem indefinidas no tempo.

Cumpre ressaltar que o referido autor nos chama atenção a um dado importante. Ocorre que o art. 173 do CTN se refere a um direito de lançar que seria, inclusive, alcançado pela decadência. Desta forma, decorrido o lapso temporal de 05 anos, o direito subjetivo se extingue, extinguindo-se, também, o direito de lançar, ou seja, inibindo, assim, o ato de lançamento43.

No que diz respeito ao prazo de inércia, vale frisar que na ocorrência de tal período, não pode haver qualquer motivo de interrupção e suspensão para que se considere decorrido o prazo decadencial. Aqui se instaura a grande questão. Há doutrinadores que afirmam a inexistência da possibilidade do prazo decadencial sofrer qualquer tipo de interrupção ou prescrição, enquanto há outros que aceitam tal possibilidade.

Toda essa problemática nasce do estudo realizado dos institutos de decadência e prescrição no âmbito do direito civil, cuja diferenciação se dá exatamente pela existência, no segundo, de causas interruptivas e suspensivas, ausentes no primeiro. Vejamos o que diz o art. 207 do CC: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.44

Com isso, percebe-se que é muito perigoso trazer para o direito tributário, conceitos prontos do direito civil, pois aquele é regido por normas específicas, inclusive de normas para aplicação da decadência, não contemplada, muitas vezes, pelo direito civil.

Luciano Amaro, não aceita a idéia da possibilidade de existência de causas interruptivas ou suspensivas quando se trata do instituto da decadência, pois a seu ver, não há essa possibilidade:

Não é de estranhar que os doutrinadores se vejam perplexos quando, de súbito, topam no Código com uma situação de interrupção e suspensão do prazo de decadência (o incrível art. 173, II, que mais adiante estudaremos), o que é considerado uma violência contra o instituto da decadência. O dispositivo é mesmo de uma irracionalidade ímpar, mas o dislate da lei não seria menor (nem maior) se abstraíssemos que se trata de decadência.45

Defendendo o contrário, Fábio Fanucchi, afirma que o art. 173, II do CTN foi assim desenvolvido para não trazer para o direito tributário as mesmas confusões que ocorrem no direito civil.46

Na opinião do Luciano Amaro, tal argumento não é válido, pois, a confusão foi incorporada justamente porque o legislador preferiu redigir assim o inciso II do art. 173 do CTN:

É curioso que Fábio Fanucchi tenha censurado a unicidade de prazo extintivo (adotada em outros países), sob o argumento de que isso traria, para o campo do direito tributário, as mesmas confusões ocorridas no direito civil. Parece-nos que ocorre exatamente o contrário. E, com isso, vivemos um estranho paradoxo: no direito civil, em que há distintas esferas de interesses […] e onde se faz necessária a disciplina de prazos extintivos com diferentes atributos, temos o Código Civil, que não procede a distinção formal que seria necessária; já no direito tributário em que se cuida de uma única relação obrigacional, temos dois prazos distintos, com dois nomes distintos, sofrendo, ambos, porém, de uma terrível crise de identidade.47 

Sustentando a tese de que o legislador, no âmbito do direito tributário, pode sim, criar hipóteses de interrupção e suspensão da decadência, Paulo de Barros Carvalho, afirma que nada custaria à doutrina reconhecer que a decadência, quando aplicada no âmbito do direito tributário, diferencia-se, essencialmente, quando aplicada no ramo do direito privado, vejamos:

É certo que a legislação tributária pode modificar a definição, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado, desde que não utilizados pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias (CTN, art. 110). Igualmente certo, também, que nada custaria à doutrina reconhecer que a decadência, no direito tributário, oferece aspectos estruturais que não se compaginam, por inteiro, com os do direito privado.48

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Eurico Marcos Diniz, reconhece que o legislador está autorizado a criar regras próprias de institutos diversos para aplicação em um outro ramo do direito, como o tributário, in verbis:

Que fazer se o direito positivo prescreve que o prazo decadencial interrompe ou suspende? Se sabemos que o direito cria suas próprias realidades, como dizer que o direito está errado, que não corresponde à realidade? Que ciência é essa que pretende dizer que seu objeto está errado?49

Nesse mesmo sentido, segue o raciocínio, admitindo a interrupção ou a suspensão da decadência no direito tributário, desde que expressamente previsto em lei: “Se a técnica legislativa decide permitir a suspensão ou interrupção do prazo preclusivo, nada obsta a que o determine; mas é preciso que expressamente o diga”50.

Não obstante o paradoxo, citado pelo renomado autor, Luciano Amaro, nas linhas acima expostas, segundo ele, há um outro problema que ele mesmo chama de uma incoerência interna do CTN, pois este considera que o crédito tributário nasce com o lançamento. Assim sendo, a decadência, no que tange à perda do direito de lançar, não poderia ser aplicada como causa extintiva do crédito tributário, pois este não teria nascido e que, com a decadência, ficaria proibido de nascer. Realmente, há uma incoerência lógica no caso, pois não se pode extinguir algo que não existe e que estaria proibido de existir justamente pela causa de sua suposta extinção.

Tem-se a impressão de que a doutrina se inclina para a possibilidade de interrupção e suspensão da decadência, por força mesmo da previsão legal do art. 173, II do CTN.

Partindo de uma exegese do CTN, não se evidencia a mesma dificuldade de diferenciação entre decadência e prescrição enfrentada pelo direito civil. No direito tributário, por força do art. 173 do CTN e a despeito da crítica doutrinária desenhada nas linhas acima transcritas, o prazo decadencial é estabelecido pelo CTN para que a Fazenda efetue o lançamento, garantindo, assim, o crédito tributário, enquanto que o prazo prescricional,é aquele que ocorre após a emissão deste lançamento, para que a Fazenda execute o crédito estabelecido, como se verá no tempo oportuno. Nesse aspecto, a doutrina se pacifica, não havendo maiores polêmicas a esse respeito.

Importante frisar, que por ser de ordem pública, a decadência pode ser declarada de ofício pelo Juiz, sem necessitar de provocação de qualquer das partes, bem, como pode ser argüida a qualquer tempo. Assim entende, também, a jurisprudência do STJ.51

5. DO PRAZO PRESCRICIONAL DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Assim como a decadência, o instituto da prescrição tem como característica a extinção de um direito quando não exercido pelo seu titular em um certo lapso temporal. Assim afirma o art. 174 do CTN:

A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; 
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.52

Segundo Paulo de Barros, a prescrição ocorre na fluência do prazo sem que o titular do direito subjetivo deduza a sua pretensão pelo instrumento processual próprio53. Assim, decorrido o prazo sem que o titular do direito se manifeste na intenção de satisfazer o seu direito, ocorre o fenômeno da prescrição.

Segundo o mesmo autor, não é possível falar em interrupção da prescrição, pois tal expressão, a seu ver, encerra uma flagrante impropriedade, uma vez que a prescrição é um fato jurídico e como tal, não se suspende nem se interrompe. Esses fenômenos ocorrem com o lapso temporal associado à idéia de inércia do titular, vejamos:

A prescrição, como fato jurídico que é, não se interrompe nem se suspende. Aquilo que se interrompe é o intervalo de tempo que, associado à inércia do titular da ação, determina o surgimento do fato prescricional.54

Ademais, sabe-se que prescrição e decadência se diferenciam pelo fato de que se aplicam em momentos distintos e têm natureza distintas. A prescrição somente flui a partir do lançamento tributário, enquanto que a decadência, como vimos, ocorre antes do lançamento tributário.

Eduardo de Moraes Sabbag, define prescrição da seguinte forma:

Define-se como fato jurídico que determina a perda do direito subjetivo de ajuizamento da ação de execução (fiscal) do valor do tributo. Vale dizer que a prescrição, […] apresenta-se como figura de direito processual.55

Hugo de Brito Machado entende a definição de prescrição, afirmando que ela é “a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção. Distingue-se, neste ponto, da decadência, que atinge o próprio direito”.56

Cumpre ressaltar a advertência que o renomado autor faz em sua reflexão afirmando que o CTN, como se sabe, diz expressamente que a prescrição extingue o crédito tributário. Desta forma, de acordo com o Código, a prescrição não atinge somente o direito de ação para a cobrança do crédito, mas o próprio crédito, ou seja, atinge a relação material tributária.57

Ainda segundo o autor, essa diferença tem um alcance prático muito grande, pois, prescrito o crédito e, a Fazenda impossibilitada de cobrá-lo, ela nem mesmo pode negar o fornecimento de certidões negativas, uma vez que a prescrição extingue o próprio crédito tributário, vejamos:

Essa observação, que pode parecer meramente acadêmica, tem, pelo contrário, grande alcance prático. Se a prescrição atingisse apenas a ação para cobrança, mas não o próprio crédito tributário, a Fazenda Pública, embora sem ação para cobrar seus créditos depois de cinco anos de definitivamente constituídos, poderia recusar o fornecimento de certidões negativas aos respectivos sujeitos passivos. Mas como a prescrição extingue o crédito tributário, tal recusa obviamente não se justifica.58

Questão amplamente debatida na doutrina, diz respeito ao marco inicial da contagem de prazo prescricional. Muito embora o CTN afirme no art. 174 que a prescrição ocorre em 05 anos contado da data da constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, do lançamento, muito se discute em que momento o crédito se constitui definitivamente.

Luciano Amaro sustenta que o prazo prescricional se inicia no momento em que a Fazenda notifica o sujeito passivo para fazer o pagamento, mesmo que ainda se admita recurso. Tal corrente afirma que, neste caso, o crédito já estaria definitivamente constituído, mas a interposição de recurso suspenderia o curso da prescrição, vejamos:

Autores há que sustentam ser lançamento “definitivo” aquele não mais passível de ser alterado, nos termos do art. 145, por meio, por exemplo, de uma impugnação do sujeito passivo. Não cremos que proceda essa afirmação, pois, caso a prescrição só tivesse início depois de eliminada a possibilidade de eventual mudança administrativa do lançamento, o art. 149 protrairia o início do prazo prescricional para todas as situações em que, em tese, coubesse revisão de ofício do lançamento, o que não faria nenhum sentido.59

Contudo, em sentido oposto, vale a reflexão de Hugo de Brito Machado que afirma que o prazo se inicia da data em que não se possa mais discutir o lançamento, pela via administrativa, ou seja, após o julgamento do recurso administrativo, acaso existente: “Tal prazo é contado da constituição definitiva do crédito, isto é, da data em que não mais admita a Fazenda Pública discutir a seu respeito, em procedimento administrativo.[…]”60.

Assim, o referido autor considera como “constituição definitiva do crédito” a data em que não mais seja possível sua discussão pela via administrativa e não da data da notificação para pagamento.

Ainda segundo o mesmo autor, não se poderia cogitar da possibilidade de prescrição sem se falar antes do direito de ação do fisco, vejamos:

Concluído o procedimento de lançamento e assim constituído o crédito tributário, o fisco intima o sujeito passivo a fazer o respectivo pagamento. Se este não é feito no prazo legal, o direito do fisco estará lesado, nascendo, então, a ação61 destinada à proteção de seu direito creditório.62

Nesse mesmo sentido, segue a lição de Eduardo de Moraes Sabbag que afirma o que se segue:

A expressão [constituição definitiva do crédito tributário], todavia, não é de fácil interpretação. Preferimos defini-la a partir do contexto de definitividade – a eficácia que torna indiscutível o crédito tributário. A definitividade não decorre do fato gerador, ou da própria obrigação tributária, mas do momento em que não for mais admissível ao Fisco discutir, administrativamente,63 a seu respeito.64

Percebe-se que a doutrina se inclina nesse sentido de considerar o marco inicial da contagem do prazo prescricional a partir do momento da constituição definitiva do crédito tributário, assim entendido com o esgotamento da possibilidade de recursos na via administrativa. Neste sentido também se orienta o STJ e o STF.65

5.1 Causas de Interrupção do Prazo:

Assim dispõe o art. 174 do CTN:

A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Alterado pela LC-118-2005)
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.66

São 4 as modalidades elencadas pelo CTN para a interrupção do prazo prescricional da prescrição. 

A primeira delas é o despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal. Inicialmente vale destacar que o inciso I do artigo citado, foi alterado pela Lei Complementar nº 118 de 10 de junho de 2005 que trouxe redação diferente ao que existia. A partir da referida lei a nova causa de interrupção passou a ser o despacho do juiz que ordena a citação e não mais a citação pessoal do devedor. Assim, procurou-se dar maior proteção ao Fisco, uma vez que o simples despacho citatório do juiz já é suficiente para interromper o prazo.

Com o advento da nova lei, polêmicas ocorreram referentes à aplicação da mesma aos prazos interruptivos em curso, bem como das ações que já haviam sido ajuizadas no momento da vigência da lei que ainda não ocorreram o despacho citatório. Nasce a seguinte questão: o que fazer com as ações ajuizadas que ainda não tiveram despachos antes da entrada em vigor da lei? E se essa mesma ação já tiver sido proferido despacho? A lei só seria aplicada às novas demandas ajuizadas após a sua entrada em vigor? No curso de nossas análises, procuraremos responder essas questões.

Há quem sustente a idéia de que a aplicação da LC 118 é imediata. Assim, os despachos proferidos após a entrada em vigor da dita lei, em 10 de junho de 2005, interrompem a prescrição e se inicia nova contagem. Contudo tal efeito não pode ser retroativo, em face da impossibilidade em nosso ordenamento jurídico.67

Porém o STJ vem formando entendimentos variados, conforme se pode inferir primeiramente do julgado que admite a aplicação da LC somente nas ações ajuizadas após a sua vigência, vejamos:

REsp 1082533 / SP RECURSO ESPECIAL
2008/0184056-2 Ministro BENEDITO GONÇALVES DJe 05/03/2009 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 NÃO CARACTERIZADA. AÇÃO PROPOSTA ANTERIOR AO INÍCIO DA VIGÊNCIA DA LC 118/2005 (9.6.2005). PRAZO PRESCRICIONAL. APLICAÇÃO DA TESE DOS “CINCO MAIS CINCO”. FINSOCIAL. COMPENSAÇÃO COM OUTROS TRIBUTOS ADMINISTRADOS PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. TAXA SELIC. INCIDÊNCIA A PARTIR DE 1º.1.1996. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. INCLUSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DO CRITÉRIO ADOTADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES STJ.
1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC se o acórdão recorrido resolve a questão que lhe é submetida mediante fundamentação adequada.
2.  O art. 3º da LC 118/2005, ao dar nova interpretação ao art. 168 do CTN, conferiu, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário aos prazos prescricionais, configurando preceito normativo-modificativo, e não simplesmente interpretativo. Em face desse entendimento, o artigo citado só deve ter eficácia prospectiva, incidindo sobre situações que ocorrerem a partir da sua vigência, em obediência ao princípio da anterioridade tributária.68
3. A Corte Especial, ao julgar, em 6.6.2007, à unanimidade, a Argüição de Inconstitucionalidade nos EREsp n. 644.736/PE, relator Ministro Teori Albino Zavascki, declarou a inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5,172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar n. 118/2005. Precedentes.
4. Nesse passo, como a ação declaratória foi ajuizada em 9.1.1995, e considerando-se que o art. 3º da LC 118/2005 passou a produzir efeitos jurídicos somente em 9.6.2005, válido para o caso o prazo de 10 anos para a propositura da ação, haja vista não se encontrar configurada a prescrição.
5. No que concerne à compensação entre diferentes espécies tributárias, a Primeira Seção desta Corte já pacificou o entendimento no sentido de que a lei aplicável é vigente à época do ajuizamento da ação, não podendo a causa ser julgada à luz do direito superveniente, ressalvando-se o direito da parte de proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas legais advindas em períodos subseqüentes.
6. A jurisprudência das Turmas da Primeira Seção desta Corte tem manifestado o entendimento de que o Finsocial só pode ser compensado com o próprio Finsocial ou a Cofins, em razão de possuírem a mesma natureza jurídica tributária e destinarem-se ao custeio da Seguridade Social.
7.  Nos casos de repetição de indébito tributário, a orientação prevalente no âmbito da Primeira Seção quanto aos juros é de que, após a edição da Lei n. 9.250/95, aplica-se a taxa Selic desde o recolhimento indevido, não podendo ser cumulada com nenhum outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque a Selic inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real.
8. A jurisprudência do STJ firmou-se pela inclusão dos expurgos inflacionários na repetição de indébito, utilizando-se dos seguintes índices de correção monetária aplicáveis desde o recolhimento indevido: IPC, de outubro a dezembro/89 e de março/90 a janeiro/91; o INPC, de fevereiro a dezembro/91, e a UFIR, a partir de janeiro/92 a dezembro/95, observados os respectivos percentuais: janeiro/1989 (42,72%), fevereiro/1989 (10,14%), março/1990 (84,32%), abril/1990 (44,80%), maio/90 (7,87%) e fevereiro/1991 (21,87%).
9. Não delineado pelo Tribunal de origem os aspectos fáticos adotados para determinar a base de cálculo, o percentual ou o valor fixo dos honorários advocatícios, não pode o STJ emitir juízo de valor a respeito.
10. Recurso especial da empresa provido.
11. Recurso especial da Fazenda Nacional parcialmente provido.

Em sentido diverso, de que a LC 118/05 pode ser aplicada em ações ajuizadas antes de sua vigência. Contudo, só é aplicada, caso seus despachos tenham se dado depois de 09.06.2005, temos:

AgRg no Ag 907938 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2007/0120361-8 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 2º, §3º, DA LEI N. 6.830/80. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 211/STJ. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PELO DESPACHO DO JUIZ QUE DETERMINA A CITAÇÃO. ART. 174 DO CTN ALTERADO PELA LC 118/2005. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. EXCEÇÃO AOS DESPACHOS PROFERIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI. INÉRCIA DA EXEQUENTE. PRESCRIÇÃO CARACTERIZADA. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. NÃO-APLICABILIDADE. RECEPÇÃO DE NORMAS PRÉ-CONSTITUCIONAIS. AGRAVO NÃO-PROVIDO.
1. O prequestionamento é requisito para que a matéria apresentada no recurso especial seja analisada neste Tribunal. Tal exigência decorre da Constituição Federal, que, em seu artigo 105, inciso III, dispõe que ao STJ compete julgar, em sede de recurso especial, causas decididas, em única ou última instância. Incidência, no caso, do óbice da Súmula n. 211/STJ.
2. A jurisprudência desta Corte era pacífica no sentido de não admitir a interrupção da contagem do prazo prescricional pelo mero despacho que determina a citação, porquanto a aplicação do art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/80 se sujeitava aos limites impostos pelo art. 174 do CTN.
3. Entretanto, com o advento da Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, que alterou o art. 174 do CTN, foi atribuído ao despacho do juiz que ordena a citação o efeito interruptivo da prescrição. Frise-se que o entendimento desta Corte é assentado no sentido de que as normas de cunho processual têm aplicação imediata, inclusive nos processos já em curso por ocasião de sua entrada em vigor.
4. Nesse sentido, tem-se que a alteração consubstanciada pela Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, ao art. 174 do CTN, para atribuir ao despacho do juiz que ordenar a citação o efeito interruptivo da prescrição, deveria ser aplicada imediatamente aos processos em curso, razão pela qual a data da propositura da ação poderá ser-lhe anterior. Entretanto, deve-se ressaltar que, nessas hipóteses, a data do despacho que ordenar a citação deve ser posterior à lei em questão, sob pena de retroação.70
5. A decisão agravada não fere a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal, visto que não se trata de declaração de inconstitucionalidade de lei ou normativo do Poder Público, mas revogação e recepção de normas pré-constitucionais.
6. Agravo regimental não-provido.

Com isso, percebe-se que o próprio STJ ainda não se decidiu acerca da matéria, como demonstrado nas linhas acima transcritas.

Segunda modalidade de interrupção, o protesto judicial é permitido em matéria tributária por previsão expressa do CTN. Regulada pelos arts. 867 a 873 do CPC. Trata-se de procedimento especial e cautelar, com o intuito de notificar o devedor. No entanto, somente se justifica nos casos em que o Fisco não possa ajuizar a execução fiscal e para interromper a prescrição.

Contudo, apesar da previsão expressa da possibilidade do protesto judicial em matéria tributária, Carlos Guimarães afirma que somente em alguns casos a Fazenda pode fazer uso do instituto, como por exemplo, nos caso em que se desconhece se o devedor tem bens passíveis de penhora, in verbis: “[…] se se desconhece a existência de bens a serem penhorados, o uso do protesto, como meio interruptivo da prescrição, é útil e aconselhável.”71

Entretanto, segundo a previsão expressa do CTN, pode a Fazenda fazer uso do protesto judicial desde que não possa promover a execução e o prazo prescricional estiver em curso, pois para isso mesmo, o CTN previu a possibilidade do uso de tal instituto.

Ë permitida à Fazenda Pública, como terceira modalidade de interrupção expressa no CTN, praticar qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.  Contudo, perdeu um pouco sua utilidade face à LC 118/05, cuja alteração esboçada, passou a interromper a prescrição com o simples despacho citatório do juiz. Nada obsta, porém, que a Fazenda se utilize de tal instituto caso julgue necessário.

Por fim, o CTN autoriza a prática de qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. Fato típico deste instituto é o parcelamento do débito junto ao Fisco. Neste sentido é o posicionamento de Hugo de Brito que afirma que o parcelamento do débito é uma modalidade de ato inequívoco.

Assim é o posicionamento do STJ, conforme se depreende do acórdão abaixo transcrito:

AgRg no Ag 1132471 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008/0277553-9. Ministro BENEDITO GONÇALVES. DJe 28/09/2009. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. VALIDADE DE CADA. ANÁLISE DO CONTEÚDO PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CONFISSÃO DO DÉBITO PELA CONTRIBUINTE. INADIMPLÊNCIA. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO, CONSOANTE ART. 174, IV, DO CTN. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 248/TFR. ART. 142 DO CTN. DESNECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO FORMAL. DISPENSA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA ADEQUADA.
1. A avaliação da regularidade da constituição da CDA é feita pela instância de origem com base no conjunto probatório apresentado nos autos, e não concerne ao STJ tal revisão. Dicção da Súmula 7/STJ.
2. O STJ possui jurisprudência pacífica no sentido de que, em se tratando de tributo lançado por homologação, se o contribuinte houver declarado o débito e não tiver efetuado o pagamento no vencimento, a confissão desse débito equivalerá à constituição do crédito tributário, e poderá ser imediatamente inscrito em dívida ativa e cobrado, independentemente de qualquer procedimento administrativo.
3. A declaração do contribuinte, para fins de parcelamento, é “ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor”. É certo que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, IV, do CTN); contudo, a inadimplência é causa interruptiva da prescrição para a sua cobrança, consoante art. 174, parágrafo único, IV, do CTN,72 hipótese dos autos. Incide ao caso a inteligência da Súmula 248/TFR.
4. Agravo regimental não provido.

6. Considerações Finais:

Como exposto em tempo oportuno, a prescrição e a decadência são normas jurídicas, prevista em lei que, diante da inércia do titular do direito subjetivo de exercer o seu direito de crédito, dentro de um determinado lapso temporal, tem o objetivo de não permitir que as obrigações se perpetuem no tempo, gerando assim, uma insegurança jurídica.

Com relação à natureza do lançamento, entendemos ser mais apropriada a lição de Hugo de Brito que afirma que a sua dupla natureza, constitutiva, pois constitui o crédito tributário, e declaratória, uma vez que declara a obrigação correspondente.

Restou evidenciado e razoável, muito embora exista o embate doutrinário a respeito, que o instituto da decadência comporta interrupção ou suspensão de seu prazo quando se trata de matéria tributária, por previsão expressa do CTN, o mesmo ocorrendo com a prescrição que também comporta essas duas modalidades.

De tal sorte, restou evidenciado o risco de trazer para o direito tributário, os institutos tais como são aplicados no direito civil, posto que o direito tributário é regido por normas específicas para aplicação de tais institutos. Desta forma, deve-se aplicar tais institutos, levando-se em conta os princípios que regem a matéria tributária, bem como o próprio Código Tributário.

Desta forma, evidente restou na doutrina e na jurisprudência do STJ e STF que a contagem do prazo para aplicação do instituto da prescrição se dá a partir do momento da constituição definitiva do crédito tributário, cujo entendimento se dá pelo esgotamento das possibilidades recursais pelo viés administrativo.

No tocante à modificação trazida pela LC nº 118/2005, não há entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência e internamente no STJ, quanto à aplicação aos prazos interruptivos em curso e das ações ajuizadas antes da vigência da lei, cujo despacho citatório não tenha ocorrido. O próprio STJ entende de duas formas: O primeiro entendimento é o de que a LC deve ser aplicada nas ações anteriores à sua vigência, desde que seus despachos tenham ocorrido após a vigência da lei; e o segundo entendimento é o de que a referida LC somente se aplica às ações ajuizadas após a sua vigência.

Da mesma forma, restou evidente que o prazo prescricional é interrompido quando ocorrer quaisquer das hipóteses elencadas no art. 174 do CTN, tendo o seu prazo contado novamente a partir do início.

Ter a certeza do marco inicial para a contagem dos referidos prazos, traz à sociedade a segurança necessária que se espera de todo ordenamento jurídico que rege um Estado Democrático de Direito.


1CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 19ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 166.

2ALIOMAR, Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p 701.

3MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. P. 122.

4BRASIL. Código Tributário Nacional.

5AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 255.

6BRASIL. Código Tributário Nacional.

7BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. p. 288. In: AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. P. 258.

8AMARO, Op. cit., p. 262

9MACHADO, Op. cit., p. 128.

10Grifo nosso.

11BRASIL. Código Tributário Nacional.

12Grifo nosso.

13Grifo nosso.

14MACHADO, Op. cit., p. 172.

15Grifo nosso.

16BRASIL. Código Tributário Nacional.

17BORGES, José Souto Maior. Tratado de Direito Tributário Brasileiro: Lançamento Tributário, Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 4., p. 103-104. In: CARVALHO, Op. cit., p. 412.

18CARVALHO, Op. cit., p. 409-410.

19Ibid., p. 406.

20Ibid., p. 408.

21Ibid., p. 422-423.

22Ibid., p. 423.

23MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 358.

24MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros,2007. p. 150.

25BALEEIRO, Op. cit., p. 784.

26MACHADO, Op. cit., p. 173.

27FALCÃO, Almícar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. P.115-117. In: CARVALHO, Op. cit., p. 442.

28LACOMBE, Américo. Obrigação Tributária, Revista dos Tribunais, 1977, p.71-74. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 19ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007., p. 442.

29AMARO, Op. cit., p. 336.

30MACHADO, Op. cit., p. 174.

31Ibid., p. 174.

32BRASIL. Código Tributário Nacional.

33Cf. AMARO, Op. cit., p. 386.

34BRASIL. Código Tributário Nacional.

35BRASIL. Código Civil de 2002.

36BRASIL. Código Tributário Nacional.

37BRASIL. Código Tributário Nacional.

38BRASIL. Código Tributário Nacional.

39Cf. AMARO, Ibid., p. 390.

40BRASIL. Código Tributário Nacional.

41BRASIL. Código Tributário Nacional. Art.173.

42CARVALHO, Op. cit., p. 501.

43Ibid., p. 503

44BRASIL, Código Civil de 2002. Art. 207

45AMARO, Op. cit., p. 404.

46Cf. FANUCCHI, Fábio. A Decadência e a Prescrição em Direito Tributário, São Paulo: Resenha Tributária, 1970, p. 136 e s. In: AMARO, Op. cit., p. 404.

47AMARO, Op. cit., p. 404- 405.

48CARVALHO, Op. cit., p. 503

49SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário, 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 176.

50MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, tomo 6, Campinas: Bookseller, 2000., p. 174

AgRg no REsp 1019958 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL  007/0310811-9.

51TRIBUTÁRIO – DECADÊNCIA DE CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS – ART. 173 DO CTN – EC N. 8/77 – NATUREZA TRIBUTÁRIA – PRAZO QUINQUENAL. No tocante à decadência para a constituição do crédito tributário, esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que, embora o prazo prescricional tenha oscilado em face da natureza tributária ou não das contribuições previdenciárias – alterações estas promovidas pelas EC n. 08/77, LEF e Lei n. 8.212/91 –, o prazo decadencial de cinco anos permaneceu intacto, a contar do primeiro dia do exercícioseguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado (art. 173, inciso I, do CTN). Ressalte-se que o prazo decadencial independe de os fatos geradores das contribuições serem anteriores ou posteriores à EC 09/77. Agravo regimental improvido.

52BRASIL. Código Tributário Nacional.

53CARVALHO, Op. cit., p. 504.

54Ibid., p. 504.

55SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do Direito. Direito Tributário. 10ª edição. São Paulo: Editora Premier, 2009. P. 277.

56MACHADO, Op. cit., p. 224.

57Ibid., p. 224.

58Ibid., p. 224.

59AMARO, Op. cit., p. 414.

60MACHADO, Op. cit., p. 223.

61Grifo nosso.

62MACHADO, Ibid., p. 225.

63Grifo nosso.

64SABBAG, Op. cit., p. 290.

65SABBAG, Ibid., p. 290.

66BRASIL. Código Tributário Nacional.

67TONIOLO, Ernesto José. A Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal, 1ª. Edição.  v. 01. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 89 e s.

68Grifo nosso.

69Grifo nosso.

70Grifo nosso.

71GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Crédito Tributário e Prescrição. Caderno de Pesquisas tributárias, n. 13. São Paulo: Centro de Estudos de Extensão Universitária/Resenha Tributária, 1976. p. 80 e s.

72Grifo nosso.

REFERÊNCIAS

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